sábado, 31 de dezembro de 2011

Fui expulso da família

Faz hoje oito dias. Um querido primo deixou-me no telemóvel uma mensagem de voz com os tradicionais votos de boas festas e, no final, um estranho convite. "Olha, não queres pertencer à família Von Doellinger? Se estiveres interessado, os meus dois filhos já lá estão, na Net, é só entrares em contacto com eles". Ora bem: eu andava convencidíssimo de que pertencia à família Von Doellinger desde que nasci. Portanto pensei: fui expulso e ninguém me avisou.Veio-me à cabeça que pudesse estar de castigo por causa da desimportância que dou ao meu sobrenome, mas de repente percebi que era outra coisa. O meu primo falava das chamadas redes sociais, do Facebook.
Que diabo, então agora preciso de arranjar amigos que não conheço e de contar meia dúzia de mentiras a uns quantos para ser da família? Então, não sou.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A ironia do Bloco tem dias

O Bloco de Esquerda entregou hoje ao multimultimilionário Américo Amorim a taça do Melhor Trabalhador do Ano em 2011, distinção que o Rei da Cortiça vai ter que partilhar com Passos Coelho e Paulo Portas. De acordo com o jornal Público, o gesto irónico do Bloco tem por base as declarações de Américo Amorim quando, a propósito da possibilidade de se aumentarem os impostos sobre as grandes fortunas, declarou publicamente: "Não me considero rico. Sou trabalhador."
Tem piada. Ao contrário do que muita gente diz e pensa, o Bloco não dá para os dois lados. No que diz respeito à ironia, não. Os talibãs do Bloco adoram ironizar do Bloco para fora, mas doem-se muito se a ironia vai de fora e lhes entra pelo Bloco dentro. São burros.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Está bem, abelha

Os nossos deputados vão passar a voar em classe económica nas viagens com duração inferior ou igual a quatro horas, sendo-lhes permitido viajar em executiva apenas em deslocações de duração superior. Esta medida entra em vigor a 1 de Janeiro de 2012, segundo uma resolução assinada pela presidente do Parlamento, Assunção Esteves, publicada hoje no Diário da República.
A anterior legislação, de 2004, determinava que as viagens dos deputados eram feitas "em avião, na classe mais elevada praticada ou, na impossibilidade do recurso a avião, na classe mais elevada do meio de transporte utilizado, incluindo taxas".
A notícia está dada. E depois? O que é que isto me interessa? O que é que isto interessa ao País? É mais um exemplo de treta, tipo comam merda aí em baixo ou morram de fome, que nós cá em cima também só andamos em económica? É isso? E em Lisboa os nossos deputados só vão deslocar-se em carrinhos de rolamentos? E vêm ao Porto no expresso da Resende?
A mim tanto se me dá como se me deu que os deputados da Nação voem alto ou voem baixinho, em económica ou executiva, consoante o passeio dura mais ou menos do que quatro horas. O que eu queria era que eles trabalhassem (para merecerem o que ganham e passeiam) pelo menos, digamos, quatro horas. Por semana. É pedir muito?

Galiza de ida e volta

Foto ORLANDO VON DOELLINGER

Fui despedir-me da Galiza. Não sei quando lá torno, não sei se lá tornarei. Não há dinheiro, não há vícios, e a Galiza era um dos meus mais queridos vícios. Estou, na verdade, a pôr em ordem a minha ausência de futuro. Ando a despedir-me de todos os meus sítios. Comecei por cortar no supérfluo, nos prazeres da vida, mas dei comigo já a roer as unhas ao essencial, a questionar a própria subsistência. O mais certo é nunca mais pôr os pés fora de casa, para poupar as solas dos sapatos. Resta-me a varanda e a vista para o mar, se me puser de lado, e a companhia da gaivota cagona. O CRF vai ser substituído por água da torneira com duas gotas de tintura de iodo, em balão previamente aquecido ao sol, e o cachimbo passará ser a fumado com barbas de milho.
Almoço, às terças, quintas, sábados e domingos; jantar, às segundas, quartas e sextas. Entre mim e a minha mulher, quem almoçar não janta no dia seguinte e quem jantar não almoça no dia seguinte. Ementa única para almoço e jantar: meia malga de caldo de couves sem azeite e um papo-seco seco. Quem comer o caldo de couves sem azeite deixa o papo-seco seco para o outro, que fica automaticamente sem direito a caldo. Parece complicado, mas não é. É tudo uma questão de confiança, como explicou o primeiro-ministro na sua mensagem de Natal. Creio que a coisa vai funcionar, assim nos deixem morrer em paz.
Portanto fui despedir-me da minha Galiza. E sabem que mais? Paguei portagens. Paga-se portagens nas auto-estradas da Galiza e os portugueses também. Sempre pagaram. Não há excepções nem ofertas. Mas os meus irmãos galegos são uns pândegos e resolveram embirrar com as nossas ex-SCUT que nos entram a nós, portugueses, pelos bolsos dentro depois de nos terem sido prometidas e entregues como "sem custo para os utilizadores".
Primeiro foi Xóan Vasquez Mao, secretário-geral do Eixo Atlântico, a desafiar todos os espanhóis a passarem pelas nossas ex-SCUT sem pagarem portagens e sem medo de multas, dando a entender que tinha garantida a cumplicidade do Governo português. Agora são vários hotéis de Vigo a oferecerem aos clientes portugueses o valor das portagens na A28 nos programas especiais de passagem de ano para contrariar a quebra de negócio já sentida no Natal. E sugerem à hotelaria do Norte de Portugal que faça o mesmo com os seus clientes galegos.
Vamos lá ver em que param as modas. Já que ninguém nos dá nada do lado de cá, até pode ser que, por tabela, ainda acabemos por ganhar alguma coisa com os do lado de lá.

2011

Acho que 2011 ainda vai ser um bom ano para os Portugueses. Duvidam? Então esperem por 2012.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Um mecenas para os coelhos

O banqueiro Artur Santos Silva, novo homem-forte da Fundação Gulbenkian, andava ontem no Parque da Cidade do Porto a desmoer os excessos natalícios. Espero que tenha saído de lá como o aço (tendo em conta os seus bem conservados 70) e sobretudo sensibilizado para a questão fundamental que me aflige mas que todos à minha volta pretendem iludir, que é exactamente esta: onde estão os coelhos?
Eu parece-me grave que ninguém queira saber do que aconteceu aos coelhos do Parque da Cidade, que eram às centenas e desapareceram, como que por artes mágicas e negras, duma noite para o dia. Atafulhados em assuntos e iniciativas culturais até às orelhas, o presidente Rui Rio e a Câmara do Porto ignoram olimpicamente as minhas sucessivas e lancinantes denúncias, estimando porventura que este é um assunto de lana-caprina. Mas não é. Lã de cabra é uma coisa, pele de coelho é bem outra. As jotas dos partidos moinantes, sempre atesoadas para agarrarem com ambas as mãos as temáticas fracturantes, têm esta aqui tão jeitosa e dada por mim praticamente de graça, mas viram-me as costas e mandam-me foder. E até o Bloco de Esquerda, amiguinho dos animais como não há, só se preocupa com os coelhos se eles tiverem cornos e forem toureados no Campo Pequeno, em Lisboa. Coelhos grandes, os chamados coelhões!
Havia a hipótese Felícia Cabrita, famosa jornalista de investigação que podia fazer luz sobre o caso. Luz do Sol. Cheguei a pensar que a Cabrita, até por solidariedade onomática, quisesse saber dos coelhos. Mas nada. E o Pedro Passos, o de São Bento, devia também fazer alguma coisa, quanto mais não fosse por uma questão de preservação de linhagem, mas não mexeu nem um dedo. Coelho por coelho, um destes dias é ele quem desaparece e eu ainda me vou rir.
Para mim, houve coelhocídio no Parque, massacre em massa. Ou, o que é mais provável, em arrozada. E eu não descansarei enquanto não souber toda a verdade. O mistério dos coelhos desaparecidos tem que ser resolvido. Artur Santos Silva pode e deve ajudar a resolvê-lo. É esta a minha esperança desde ontem. O que a memória dos coelhos do Parque da Cidade do Porto merece, exige e estava a precisar era mesmo de um mecenas assim à medida do homem do BPI.
Faço aqui o apelo ao novo presidente da Gulbenkian: que vá aos, graças a Deus, fundos sem fundo da fundação e retire de lá uma qualquer-coisinha que dê e sobre para reunir e manter uma equipa multidisciplinar que investigue, estude a esclareça de uma vez por todas e pelo tempo que for preciso, quanto mais tempo melhor, a coelhal problemática. Ande lá, não lhe custa nada, reúna essa gente, senhor doutor! Eu estou de vago, posso ser o primeiro.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Idosos e ilegais

Foto Hernâni Von Doellinger

Portugal tem um milhão de pessoas com 75 anos ou mais. A Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso de Idosos (ALI) diz que há apenas 1.863 lares licenciados. O resto são clandestinos, num negócio paralelo que floresce porque, vá lá perceber-se porquê, as famílias procuram sítios mais baratos para encaixotarem os seus velhos à espera da morte. Pelas contas da ALI, que representa 200 lares com fins lucrativos, há no nosso país mais de mil lares ilegais. A ALI queixa-se de "concorrência desleal" e eu vou ali e já venho se não é realmente só isso que os preocupa, o dinheiro. Lá haver condições ou não para acolher com dignidade os hóspedes, já são outros quinhentos.
Creio, no entanto, que o assunto tende a resolver-se quase por ele próprio. Portugal vai deixar de ter velhos. Morreremos todos de fome antes de lá chegarmos. Os governos e os patrões já desistiram de quem tem mais de 50 anos e o País, no seu todo, vai fazer o mesmo. Não se esqueçam: temos Passos Coelho em São Bento. O homem que nos rouba as reformas do fim do mês e da vida, mas que nos veio incomodar o Natal para prometer "reformas" para uma economia "democratizada", que quer dizer uma economia de todos menos do povo, de todos menos dos portugueses. É este o homem, estou certo, que vai conseguir acabar de vez com a pouca vergonha dos velhos, esses mamões, em Portugal. Ele está no bom caminho.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Quero denunciar o meu pai


Quero fazer uma denúncia: o meu pai era benfiquista e morreu quando eu tinha 10 anos. Estão a ver a peça? Não sei se a Felícia Cabrita vai pegar no caso, mas justificava-se. Porque não se faz. Há que tempos que eu sou mais velho do que o meu pai, e acho mal. E o meu pai ainda me faz falta e tenho essa razão de queixa. E às vezes sinto-me órfão e já não tenho idade para isso. Na minha ideia, a Polícia Judiciária também devia fazer alguma coisa.
O meu pai era portanto benfiquista e penso que só isso é mais do que suficiente para abrir um processo. Era benfiquista e levava-me a ver os treinos do Fafe no Campo da Granja que também já não existe. Uma vez levou-me às Festas Gualterianas a Guimarães, fomos a um tasco e eu pedi-lhe para comer feijão com tripas, que nunca tinha provado, e gostei que eu sei lá. Se calhar por isso é que ainda hoje gosto tanto e faço tão bem. Outra vez trouxe-me de presente uma pistola Luger de brincar, pesada e igualzinha às dos nazis dos filmes, e gostei que eu sei lá. Não sei o que me deu na cabeça, mas cresci e não gosto de armas.
Para além de benfiquista - repito, benfiquista -, o meu pai era também novo, bonito e bom, mas suponho que isso não interesse para o processo, e era operário, músico, bombeiro e jogador de dominó. Contava-se que no dominó, jogado na mesa do canto direito para quem entrava na sala das traseiras do café Peludo, o meu pai até escondia pedras na boca para enganar parceiros e ganhar mais uns tostões para casa. Eu ia chamá-lo, bem ensaiado pela minha mãe para que ele não ficasse mal perante os amigos. "A mãe manda dizer que a comida está pronta", era o que eu dizia, uma e só uma vez, e ficava ao lado dele todo contente à espera.
É preciso que se note: o meu pai, também conhecido como Lando Bomba ou Lando da Bomba, não era só dominó. Nas festas onde a Banda de Revelhe ia tocar, o meu pai, que tocava saxofone, tinha também sociedade com o homem da roleta de feira, artesanal e viciada. Nos intervalos dos concertos, fartava-se de ganhar canivetes, cintos, saca-rolhas, tesouras, baralhos de cartas e gaitas de beiços. O meu pai era o engodo. "Mais uma para o senhor músico. Está em dia de sorte, o raisparta o músico!", gritava o homem da roleta, feitos um com o outro, a chamar o povo. No final, o meu pai devolvia tudo a troco de umas coroas ou de mais uma navalha para oferecer.
Calhava-me, de vez em quando, levar o almoço do meu pai à fábrica. Estando sol, o meu pai e outros operários comiam num terreno muito jeitoso para o efeito, a caminho do rio. Do Comporte. Sentávamo-nos numas pedras e eu adorava estar ali com o meu pai aquela meia hora. Era como se fosse um piquenique, mas eu ainda não conhecia a palavra.
O meu pai gostava muito de fazer rir a minha mãe e, de malandrice, lia-lhe o jornal metendo as expressões "pelo cu acima" e "pelo cu abaixo" entre as palavras das notícias. Se fosse hoje, ficava, por exemplo, assim: "Merkel, pelo cu acima, e Sarkozy, pelo cu abaixo, discutiram, pelo cu acima, propostas, pelo cu abaixo, para a cimeira, pelo cu acima, europeia, pelo cu abaixo". Eu e os meus irmãos, que arranjávamos sempre maneira de ouvir, escangalhávamo-nos a rir. A minha mãe repreendia o meu pai, tentava tirar-lhe o jornal das mãos, e nós ainda nos ríamos mais. Éramos pobres, mas tínhamos o riso. Éramos remediadamente felizes.
O meu pai foi para França e escrevia-nos cartas numa letra muito perfeitinha em papel quadriculado que nós líamos à nossa mãe. Nós também íamos para França, mas não tivemos tempo. O meu pai morreu, acredito que de saudades, numa véspera de Natal. No dia seguinte nasceu o Menino Jesus, disseram-me que de propósito para tomar conta na minha mãe, de mim e dos meus três irmãos. Que Deus me perdoe, mas o velhote, que nunca pôde ser, também nos teria dado um grande jeito.

(Escrevi e publiquei este texto no passado dia 6. Lembrei-me dele hoje.)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Belas e perigosas

As mamas. As mamas falsas. Pior: as mamas da candonga. Há que ter cuidado com elas e o melhor é mesmo deitá-las fora. O ministro francês da Saúde, Xavier Bertrand, acaba de recomendar, "a título preventivo e sem carácter de urgência", que as mulheres que têm implantes mamários da marca Poly Implant Prothese (PIP) os removam, mesmo que estes não apresentem qualquer sinal de deterioração. Em França há 30 mil mulheres com este tipo de implantes da PIP, que foram feitos com silicone industrial, dez vezes mais barato e não apropriado para produtos clínicos, tendo revelado uma taxa de ruptura de dez por cento, muito superior ao normal, que não costuma ultrapassar os quatro por cento.
Em Portugal, ontem, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) também aconselhou as mulheres portuguesas "a consultarem o cirurgião ou médico assistente na unidade onde lhes foi colocado o implante, a fim de poderem ser submetidas a exames de vigilância". De acordo com a DGS, no nosso país apenas cerca de três por cento de todas as próteses mamárias implantadas são da marca PIP, "estimando-se que 1.500 a 2.000 portuguesas tenham estas próteses implantadas".
Moral da história: a vaidade tem um preço e não é preço de saldo. Para a próxima, caras amigas, exijam que eles abram os cordões à bolsa e paguem umas mamas em condições, de qualidade clinicamente comprovada. Estas, sim, só em quatro por cento dos casos é que rebentam e, quem sabe, matam. Não é bom?

Sardinhamente falando

Foto Hernâni Von Doellinger

Foi um mau ano. Em tempo de balanço, há que dizer com toda a frontalidade que as sardinhas, em 2011, foram uma merda. Eu ainda tive a sorte de as apanhar três ou quatro vezes mais ou menos ajeitadas (uma dessas vezes, felizmente, pelo São João), mas de resto foi um annus horribilis sardinhamente falando. Nem durante os famosos meses sem "r" as sardinhas assadas alcançaram o patamar de excelência exigido pelo apreciador, apresentando-se, mesmo nessa época, tendencialmente secas e desenxabidas, como se fossem o Cavaco Silva. Uma desgraça, portanto.
É. A sabedoria popular ensina, e bem, que Maio, Junho, Julho e Agosto são os melhores meses para comer sardinha assada. É quando ela pinga no pão. Mas a Dona Dina, que Deus tem, dizia-me que de Junho a Dezembro eu podia comer as suas sardinhas à confiança, e eu comia e ela tinha razão. A Dona Dina era uma pessoa muito boa e a melhor assadeira de sardinhas do mundo. As sardinhas assadas da Dona Dina eram não mais do que douradas e traziam sempre o mar dentro.

Ontem, na peixaria, uma senhora perguntava se "As sardinhas..." e foi logo interrompida pela peixeira, que lhe respondeu "Estão muito boas, as sardinhas ainda estão boas". É claro que não estão, e logo neste ano de colheita medíocre, mas a peixeira tem que fazer pela vida. Eu trouxe biqueirão.
Já experimentaram, decerto já, tirar a cabeça aos biqueirões, abri-los pela barriga retirando-lhes a espinha, que sai muito facilmente, temperar estas "costeletas" com sal, pimenta preta moída na hora, limão e um quase-nada de alho picado, e deixá-los neste preparo aí umas quatro horas, duas para cada lado? E depois passá-los por ovo e pão ralado e fritá-los sem deixar queimar? E fazer entretanto um arrozinho de bacalhau com trocinhos de tronchuda? Arroz carolino, já se sabe, que se transforma com o peixinho num verdadeiro manjar de deuses. Mas decerto já experimentaram.
Dica: as espinhas saem ainda mais facilmente se os biqueirões forem do dia anterior. Mas, para mim, peixe ou é do dia ou já não é peixe. Em miúdo, muito gostava eu de ouvir às peixeiras de Fafe o pregão "É da biba, olha a bibinha", e ficava-se logo também a saber que as sardinhas nesse dia seriam mais caras. Mas eram "como prata". Hoje tenho a sorte de morar em Matosinhos, a dois passos do porto de pesca e da lota. O mais das vezes trago para casa peixe vivo, literalmente vivo, que os pescadores dos barcos pequenos estão a acabar de entregar. O que me levanta alguns problemas, operacionais e... de consciência. Um dia tive uma luta com uma solha cujos pormenores não conto nem quero lembrar. Ganhei, mas portei-me mal. E só à mesa é que me perdoei.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Se eu quisesse

Se eu quisesse ser chato, vinha aqui lembrar que faz hoje exactamente um mês que, passados cinco dias sobre a ocorrência dos factos, o procurador-geral da República ordenou a abertura de um "inquérito urgente" para apurar responsabilidades na fuga de informação no caso das detenções de Duarte Lima e do filho, Pedro Lima. E perguntava a Pinto Monteiro o que é que é feito da sua urgência.
Se eu quisesse ser chato, perguntava aqui se o envio para Portugal do processo brasileiro que acusa Duarte Lima de ter morto Rosalina Ribeiro vai ser a salvação do advogado e ex-dirigente do PSD.
Se eu quisesse ser chato, vinha aqui perguntar pela prisão de Isaltino Morais.
Mas estamos na semana do Natal e eu não quero ser chato.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Que emigrem!

1. Os jovens licenciados com menos de 25 anos são, em Portugal, os mais atingidos pela quebra das taxas de emprego registada na última década, enquanto na média europeia os mais lesados foram os que tinham qualificações mais baixas. Esta é uma das "especificidades" que Portugal apresenta no cenário actual de restrição das oportunidades de emprego, de acordo com o último relatório sobre o Estado da Educação.
Ora bem. Esta rapaziada é nova e o Governo já lhe disse onde era a porta de saída. Portanto, upa!, vamos lá levantar esses cus preguiçosos e emigrar para Angola, Moçambique ou Brasil, que é o que para já consta do catálogo. E não há que olhar para trás: a solução de Portugal está no estrangeiro.

2. Os reformados da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e da Portugal Telecom (PT), cujos fundos de pensões foram transferidos para o Estado em 2004 e 2010, respectivamente, ameaçam recorrer aos tribunais e ir até Bruxelas caso não recebam 14 meses de pensões, como está previsto para os reformados dos bancos privados.
"Os fundos de pensões da CGD foram enviados com 14 meses e agora só querem pagar 12. Já fizemos uma exposição ao ministro das Finanças em meados de Novembro com esta questão”, afirmou à agência Lusa João Lopes, presidente do Sindicado dos Trabalhadores do Grupo Caixa, acrescentando que ainda não obtiveram resposta. Em 2004, a transferência do fundo rendeu aos cofres do Estado 2,4 mil milhões de euros no imediato. Segundo o sindicalista, então todos os pensionistas e trabalhadores "receberam uma carta da Caixa Geral de Aposentações a assumir que receberiam integralmente os 14 meses".
Também os trabalhadores da PT, cuja transferência do fundo de pensões rendeu 2,8 mil milhões de euros para o Estado em 2010, não aceitam cortes para os reformados da ex-Marconi e da PT oriundos dos CTT e já pediram uma reunião com Vítor Gaspar. "Se o Estado não pagar, está a ficar com dinheiro que não é seu. Temos a convicção forte de que os tribunais darão razão aos trabalhadores, porque o valor transferido para o Estado incluía 14 prestações", disse Francisco Gonçalves, da Comissão de Trabalhadores da PT.
Ora bem. Antes que estes senhores passem pela vergonha de levarem com uma resposta do Governo, digo-lhes eu desde já: emigrem! Estão mal, mudem-se! Ou preferem ficar "em casa à fome e a viver da reforminha encurtada?", como certamente lhes perguntará o eurodeputado Paulo Rangel, também conhecido como o pequeno iluminado de Vila Nova de Gaia. Os reformados só dão despesa e não fazem falta a Portugal. Este país não é para velhos. Nem para novos. Nem para pessoas de meia ideia. De momento, é só para o pessoal do PSD.

Quero ir para Bruxelas

A coisa é mesmo para ser levada a sério. Depois do secretário de Estado da Juventude, depois do primeiro-ministro e depois de Miguel Relvas (o homem que realmente manda no Governo, logo a seguir a Ângelo Correia), ontem foi a vez do eurodeputado Paulo Rangel sugerir a criação de uma agência nacional para ajudar os portugueses que queiram emigrar, considerando que essa pode ser uma "segunda solução" para quem não encontra trabalho em Portugal.
"Às tantas, nós até devemos pensar, se houver essas oportunidades, em, de alguma maneira, gerirmos esse processo. Talvez fosse uma forma de controlar os danos. Era ter, no fundo, uma agência nacional que pudesse eventualmente identificar necessidades e procurar ajustar as pessoas que tivessem vontade - não é forçar ninguém a emigrar, não se trata disso - e canalizar isso", afirmou o ex-candidato a líder do PSD, à entrada para a reunião do Conselho Nacional do partido.
Está bem pensado, sim senhor! E eu quero ser ser o primeiro a inscrever-me. Tenho vontade de ir para Bruxelas, quero ser deputado europeu. Há mama para mim?

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Euclides foi de férias

Euclides Santos, o comandante da Polícia Municipal de Coimbra que na sexta-feira mandou a todos os colaboradores da autarquia um simpártico e-mail de boas festas com fotografias de mulheres quase nuas e votos de um ano de 2012 cheio de "relações sexuais incríveis", meteu férias, depois da argolada, segundo acaba de noticiar o diário digital Campeão das Províncias.
O presidente da Câmara de Coimbra, João Paulo Barbosa de Melo, anunciou ter instaurado um procedimento a Euclides Santos, visando com isso “a defesa do bom nome” da corporação. Não foi, no entanto, referido se o comandante aguardará suspenso o desfecho do processo disciplinar.
Pois que o bom do Euclides goze a bom gozar nas suas férias de emergência, se possível com muitas relações sexuais incríveis, e que Barbosa de Melo aproveite o Natal e o assentar do pó levantado pelo quase-caso para ter também, se possível, muitas relações sexuais incríveis e para meter na cabeça que "o bom nome" da Polícia Municipal não foi minimamente beliscado pela brincadeira do comandante. O azar foi saber-se cá fora. De resto, o que é que têm a apontar ao homem? O envio de um e-mail não oficial durante o horário de expediente e usando material de serviço? Deixem-se de hipocrisias! Então é mais justo fechar a Câmara.

O equívoco de Mourinho

Disse José Mourinho que, se o seu Real Madrid "jogasse noutra liga, ganharia facilmente". O azar é estar no mesmo campeonato do Barcelona. "Se tivéssemos um rival mais frágil, o nosso trabalho estaria facilitado", rematou El Especial, ao melhor estilo do Senhor de La Palice, esquecendo, no entanto, um pequeno pormenor.
Que é o seguinte: se o Real de José Mourinho jogasse noutra liga, por exemplo na liga portuguesa, já não era o todo-poderoso Real Madrid de Espanha, mas, muito provavelmente, o Real de Massamá. E, com todo o respeito, eu não creio que o Real de Massamá fosse campeão. Mesmo com Mourinho e sem o Barcelona.

O homem-estátua

Ao fim de 35 anos de inabalável serviço na Avenida dos Aliados, o homem-estátua chamou o fiscal da Câmara. "Isto aqui já não dá nada. Vou-me embora, provavelmente para Moçambique e levo um guarda-sol. Sabias que sempre que os portugueses emigram têm uma visão universalista que lhes traz sucesso?", disse ele ao fiscal, por entre dentes e sem perder a pose. Ele era um homem-estátua muito profissional e filósofo. "Além disso, estou farto que me caguem em cima", acrescentou. "As pombas?", perguntou o fiscal da Câmara. "O Relvas", respondeu o homem-estátua.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O cardeal e os foguetes

O cardeal patriarca de Lisboa garantiu ontem, em entrevista à rádio TSF e ao jornal Diário de Notícias, que não conhece casos de pedofilia na Igreja portuguesa. Mas, à cautela, acrescentou que "não podemos estar a deitar foguetes antes da festa, porque um caso pode sempre aparecer". Faz muito bem o senhor D. José Policarpo. Foguetes, não! Ainda lhe rebentam mas mãos.

O contexto tem costas largas

Isto já passa das 11 horas e ainda nenhum dos chegamissos de Passos Coelho veio a público dizer que as declarações do primeiro-ministro sobre os professores desempregados, aos quais mandou emigrar para o Brasil e Angola, rapidamente e em força, foram citadas fora do contexto. O contexto tem costa largas e eu estou aqui à espera. Mas só espero até aos telejornais das 13, estamos entendidos?

domingo, 18 de dezembro de 2011

Quem estiver mal que se mude

Pedro Passos Coelho, o alegado primeiro-ministro de Portugal, acaba de subir na minha consideração. A receita para salvar Portugal é mesmo a que ele preconiza para os professores: quem estiver mal, que se mude! Aos poucos, a coisa vai ao sítio. Depois dos professores, os talhantes, a seguir os taxistas, logo os metalúrgicos e os padeiros (o Brasil adora padeiros portugueses, pá!) e assim sucessivamente. Quando só cá estiverem ele e o Ângelo Correia para lhe puxar pelos cordelinhos, este país será um paraíso. O gajo tem olho.

O faro de Figo

O milionário e ex-jogador de futebol Luís Figo disse ontem ao jornal Público que quer vender os seus negócios em Portugal e que ficou desiludido com José Sócrates, o ex-primeiro-ministro que apoiou. É fantástico o faro que este tipo tem para o dinheiro. Ele sabe sempre de que lado é que caem as pesetas.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Euclides de Coimbra

Euclides Santos é um homem de bom coração, que só quer o bem de quem o rodeia. E era, pelo menos até ontem, o comandante da Polícia Municipal de Coimbra. Está com um processo disciplinar em cima e deverá ser suspenso. Apenas porque ousou ir mais longe do que o infeliz Presidente da República nos seus votos de boas festas: enviou a todos os funcionários da autarquia uma apresentação em powerpoint de 25 páginas, com gajas praticamente nuas e em poses sensuais, desejando que todos os destinatários tenham em 2012, entre outras coisas boas (como trabalho e ordenados em dia), "relações sexuais incríveis".
"Esta é uma belíssima época, em todo o mundo, para desejar que haja paz, que se tenha saúde, que se viva com amor, que blah… blah… blah…", começava por dizer o bom do Euclides. Depois de várias páginas com fotos de mulheres em trajes menores, a mensagem continuava: "E basta de farsas e de palavreado inútil! O que eu desejo, de todo o coração, é que tenhas relações sexuais incríveis, uma vida alegre e feliz, que trabalhes muito e que te paguem bem!". "E agora não digas que não sou um teu grande amigo”, concluía o autor da mensagem, após mais uma sequência de fotos e frases do mesmo género.
Minutos depois do envio, Euclides Santos ter-se-á arrependido, disse que foi engano e pediu desculpas "a todos e a todas", manifestando "o máximo respeito por toda a gente e em particular por cada um". Convenhamos: o Euclides atesoado e "grande amigo" tinha muito mais piada.

De tanga

Quando eu era pequeno queria ser grande. E quando fosse grande queria ser palhaço, maquinista de comboio, famoso, padre, polícia à paisana, pianista, advogado, jornalista, actor, bombeiro, jogador de futebol, tarzan, presidente da república, terrorista, papa, escritor, herói, cantor, ciclista, santo e piloto de caça. Já há muito que sou grande e, francamente, sou tarzan e é um pau.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

A mensagem possível?

Eu gostava que o Presidente da República tivesse mais para dizer aos Portugueses na sua mensagem de boas festas. Recorda Cavaco Silva, no vídeo colocado da página da Presidência da República, que o "Natal é a festa da família", mandando-nos procurar no seio familiar "os afectos que nos dão força, a solidariedade de que precisamos nas horas difíceis, as alegrias que nos ajudam a atravessar a vida". É bonito, batido e sacrista.
É uma mensagem de Natal para não destoar da crise, pobrezinha. E eu gostava que o Presidente da República tivesse mais para me dizer. Se calhar, a parte política, a parte que fala do País a sério, estará este ano a cargo do cardeal patriarca de Lisboa.

Bifanamente falando

Vamos lá corrigir dois gravíssimos equívocos a propósito da passagem por Lisboa do viajante e ex-chef Anthony Bourdain. Primeiro: apresentaram o americano como "estrela da cozinha" e ele não é nada disso. É uma estrela de televisão e, eventualmente, da edição livreira. Estrela da cozinha sou eu. Segundo: a eterna problemática da bifana. Então o homem esteve há coisa de dez anos no Porto e vai agora comer bifanas à capital? Só pode estar mal informado.
É mesmo verdade. Muito antes desta tão badalada visita a Lisboa, Bourdain já tinha vindo ao Porto e aos Açores. E é claro que tinha que começar pelo Porto. Creio que foi no ano de 2001, era ele ainda um grande maluco de argola na orelha e keffiyeh à volta do pescoço. Desse tempo só sobrou o grande maluco. Que comeu castanhas assadas em Santa Catarina, foi ao Majestic, passeou pela Ribeira e pelo Mercado do Bolhão, visitou a Mercearia do Bolhão e almoçou no Rogério do Redondo: sardinha pequena frita, cabeça de pescada cozida com todos e as sacramentais tripas à moda do Porto.
Depois levaram-no ao Aleixo. Provou a salada de polvo e os bolinhos de bacalhau com feijão-fradinho, para ganhar embalo até aos filetes de polvo com arroz do mesmo que dão fama e proveito à casa. O excelente programa televisivo de Anthony Bourdain chamava-se então A Cook's Tour e ainda procurava naquela altura a fórmula de sucesso que veio a afinar um pouco mais tarde, provavelmente já em No Reservations. Receita simples: uma mistura bem temperada de viagem e gastronomia, um estilo de apresentação irreverente e politicamente incorrecto que cativa e, por estranho que pareça, ensina.
Na sua estada pelo Norte, Bourdain deu também um salto aos vales do Douro e do Tâmega, comeu bacalhau com natas, lombo de porco e cabrito assado em forno de lenha. Teve ainda o privilégio e o incómodo de assistir a uma matança de porco e às litúrgicas operações de desmancho e salga, acabando o dia a jogar à bola com a bexiga do bicho, como mandava a tradição.
E depois foi-se embora. Atenção: foi-se embora sem antes ir à Conga comer uma bifana. Mas comeu bifanas agora em Lisboa. Isto cabe na cabeça de alguém? As bifanas da capital sempre me mereceram as maiores reservas e, francamente, a equipa do No Reservations deveria estar na posse desta importante informação.
Bourdain disse que gostou muito das nossas "sanduíches gordurosas de porco", com carne "imunda e cortada em fatias finas". É uma definição elegante e que se aceita. Mas havia de ter provado as do Porto!  E não me venham dizer que as bifanas são iguais em todo o lado. Porque não são. E não me venham dizer que é só temperar com vinho branco e mais não sei quê (o resto fica cá comigo). Porque não é. É com o vinho (e com o resto), mas também com cerveja, ou para onde é que vocês cuidam que vão as sobras dos barris e a espuma que esborda dos finos (ou imperiais) mal tirados? Vai tudo lá para dentro, para o caldeirão da molhanga, e aqui é que bate o ponto. Aqui é que a porca torce o rabo. É que as bifanas do Porto chafurdam em Super Bock. E isso faz toda a diferença.

(Mais em Anthony Bourdain deixou-me ficar mal.)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Porquê Matosinhos?


Foto Hernâni Von Doellinger

Moro em Matosinhos e gosto de pensar que também sou de Matosinhos. Moro num prédio de ex-remediados com vista para o mar, se me puser de lado. E como eu gosto do mar. Levei com o fedor da fábrica da tripa, habituei-me ao chulé da estilha e gramo com os saralhotos de cão que abrilhantam metro sim metro não os passeios da cidade. Gosto do sítio onde moro e gosto das pessoas a quem digo e que me dizem bom-dia, todos os dias, na lota, no mercado, na praia, no passeio marginal, nas portas dos cafés e lojas. Gosto dos pescadores, gosto das peixeiras, gosto do peixe fresco que me vendem por especial atenção, gosto da franqueza e da valentia deste povo, gosto do cheiro da sardinha assada que me entra pela casa dentro nem que eu não queira, gosto das esplanadas que no Verão estorvam ruas e pessoas e quem estiver mal que se mude, gosto do Leixões e gosto dos leixonenses apesar de eles odiarem visceralmente o meu FC Porto.
Não me revejo nos insultos e vaias que ontem foram cirurgicamente creditados ao incipiente currículo político de Pedro Passos Coelho. Ele não merece essa medalha. Também não me revejo nos aplausos ao primeiro-ministro. Era a claque da troika?
Aqui atrasado, uns políticos da treta andaram (não sei se ainda andam) por Matosinhos a incendiar infelizmências, numa vergonhosa luta pelo poder local e pessoal que acabou em tragédia. A morte de um ser humano, seja em que condições for, é uma tragédia. E desde então que não faltam onzeneiros da escrita que passam a vida à espera de uma pequena aberta, uma pequenina assim, do tamanho do tremoço que lhes ocupa o espaço alegadamente reservado ao cérebro, para rasgarem as vestes e gritarem aos céus que os matosinhenses mataram Sousa Franco. Os onzeneiros apareceram ontem outra vez.
Não sei se Passos Coelho correu perigo de vida. Não sei se os insultos e vaias o atingiram mais do que os ovos lançados, em 2008, contra a ministra socialista da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, na minha terra natal, Fafe. Sei é que protestar, vaiar, insultar, empurrar, se for em Lisboa, é fino, é indignação democrática; mas se for em Matosinhos, cheira mal, é tentativa de homicídio.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O profeta do Apocalipse

A revelação é inquietante: Medina Carreira, que até foi apoiante de Cavaco Silva, chegou a equacionar, há dois anos, concorrer à Presidência da República. Confessou ontem que não era para ganhar, "era só para discutir" os temas que lhe são mais caros, nomeadamente a extinção do país Portugal e o fim do mundo em cuecas, mas não conseguiu reunir as "cinco ou mais pessoas" de que precisava para levar em frente a candidatura. Nem cinco? Nem no Miguel Bombarda?
Percebem de touradas? Eu também não, mas estão a ver aqueles cavaleiros que fazem trinta por uma linha à volta do infeliz do touro, que chamam por ele, que acenam ao público, que empinam o cavalo, que quitam para as bancadas, que se esquecem do touro, que exigem aplausos e que só falham na hora de cravar o ferro? São os tremendistas, dizem os entendidos. Pois Medina Carreira é a mesma coisa. Abre a boca e sai desgraça, e cada vez uma maior do que a outra. Fala para a plateia, para os aficionados da maledicência política porque sim, para os saudosos dos salazares, para os ex-socialistas ressabiados como ele, está tudo mal e não tem remédio, mais vale fechar o País, quem dera que o mundo acabe.
É como se fosse o Tarrenego!, porém em versão que se leva a sério e paga, muito bem paga. Medina Carreira lá terá a sua pancada, que é pública e notória, mas não é parvo. Não sei se ele recebe ao disparate quando vai à televisão, mas, se recebe, imaginem a maquia que ele abarbata ao fim do mês.

O homem-rã

O homem-rã apareceu à tona em câmara lenta e saiu do lago com toda a calma, perante o evidente embaraço do casal de cisnes que toma conta do condomínio. Passou por um bando de turistas japoneses acabados de descarregar, sorriu para os flashes e continuou naquele andar cómico até ao bar do parque. Entrou, saltou para cima de um banco, depois saltou para cima do balcão e mandou vir, com uma nota de cinco euros na mãozinha verde: - Coach!, coach!

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A ameaça do costume

São sempre os primeiros a serem abandonados, os nossos emigrantes. Estão longe, os seus protestos não chegam às escadarias de São Bento, portanto não aquecem nem arrefecem quem decide em Lisboa com a imensa desfaçatez dos que não têm a mínima ideia do que estão a fazer. O Governo vai encerrar postos consulares e cortar na rede de ensino do Português no estrangeiro. Os conselheiros das comunidades falam em sentimento de revolta e o movimento de emigrantes portugueses na Alemanha "Osnabrük Não Desiste" anunciou uma campanha de boicote ao envio de remessas de dinheiro para Portugal, que poderá nos próximos tempos ser seguida noutros países. "Quando o nosso país, a nossa pátria, nos vira as costas, vemo-nos forçados a fazer o mesmo", justificou Nélson Rodrigues, coordenador do movimento, à Agência Lusa.
É a ameaça do costume, nunca cumprida, e que também por isso Lisboa nunca leva a sério. Mas devia. No total das comunidades portuguesas no estrangeiro, o valor das remessas ascendeu, no ano passado, a 2.400 milhões de euros. Os nossos emigrantes mereciam mais respeito.

Calçado de polimento, fraque e luvas

Fafe teve um anão que esteve quase a ir para Lisboa e ser famoso. (E vamos deixar o Luís Marques Mendes em paz, está bem?) Foi lá por meados do século passado, mas só ontem é que eu soube da história, através do blogue Falaf - Revista Cultural de Fafe. O homem chamava-se José Nogueira, era natural da freguesia de Golães e teve direito a retrato na edição de 1947 do Almanaque Ilustrado da terra, agora desempoeirada.
Num artigo muito à época, com o desajeitado título de "Um exemplar raro", o Almanaque falava do "petiz de 59 anos" que passou ao lado de uma grande carreira derivado a dois pormenores que hoje não teriam importância nenhuma: a ignorância e o calçado. O anão de Fafe, que "nos seus tempos fazia serenatas, mas não casou", nasceu lamentavelmente com pelo menos 80 anos de avanço. Fosse ele dos dias de hoje e ninguém sabe se não estaria em São Bento ou Belém.
Porque faltou muito pouco para que o nosso José Nogueira se tivesse transformado numa espécie de atracção de feira a nível nacional, numa celebridade, e é preciso que se note que na altura não havia reality shows nem TVI. Aquilo era mesmo o máximo, era sucesso garantido. E o Paulo Portas também foi pelas feiras que começou.
Segundo rezava o Almanaque, o ilustre fafense José Pinto Bastos "andou para levar" o nosso anão "ao grande Coliseu dos Recreios de Lisboa, pelo que teve entendimentos com o benemérito Empresário Ricardo Covões". A coisa só não foi avante por José Nogueira, tornando ao Almanaque, "ser analfabeto e estar afeito a usar socos e, lá, precisar de usar calçado de polimento, fraque e luvas". Os socos... Os socos é que o lixaram. O analfabetismo foi desculpa, é o que eu acho.
Portanto, cá está: desconheço se Cavaco Silva deixou os tamancos em Boliqueime ou se a jovem reformada Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República, trocou de chinelas antes de abalar de Valpaços. Ignoro se o PGR Pinto Monteiro escondeu os socos em Porto de Ovelha e se Passos Coelho fez uma fogueira com as velhas chancas em Vila Real. Um coisa é certa, mas não sei quem foram os empresários: estes quatro deixaram a terrinha, cada qual do seu canto, aventuraram-se a Lisboa, fizeram os respectivos coliseus e hoje têm o País a seus pés. Melhor dizendo: debaixo dos pés. No tempo do analfabetismo moral e de outros rasteirismos, eles são os maiores de Portugal. E usam calçado de polimento, fraque e luvas.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

É preciso ter lata

O procurador-geral da República criticou a morosidade da justiça britânica em cumprir “há mais de três anos” o mandado de detenção de João Vale e Azevedo, ex-presidente do Benfica, que, mercê de sucessivos recursos, “passeia-se por Londres”. Pinto Monteiro tem toda a razão. E um destes dias, se acordar para aí virado, vai dizer também duas ou três coisas sobre a morosidade da justiça portuguesa, um assunto que ele ainda não domina completamente mas que está a estudar.

E quem se lixa é o mexilhão

As farmácias vão deixar de dispensar medicamentos a crédito à população da Madeira já a partir de quinta-feira, porque o Governo regional não cumpre, desde Novembro, o plano de pagamentos acordado com a Associação Nacional das Farmácias. Segundo a ANF, a dívida ascende aos 77 milhões de euros e diz respeito a comparticipações desde 2009.
Eis mais um edificante episódio da "obra feita" por Alberto João Jardim em prol do seu povo. Mas afinal o homem não paga a ninguém? E é inimputável?

Deus não vê no escuro

1.
Sem filhos em casa e sem netos, o casal conversava sobre como ia ser o Natal, a noite de consoada. Batatas, troços e bacalhau, isso era ponto assente, pelo menos ainda este ano. Mas ela tinha dúvidas de que valesse a pena sequer fazer o pinheiro. Ele mandou que sim. E que sim, porque "Deus até nos pode castigar se não fizermos", justificou, numa daqueles inocentes confusões teologais que chegam ao Céu e o pessoal de branco e asas desata logo todo a rir. Fez-se então o pinheiro e até se pôs um enfeite na parte de fora da porta. O enfeite foi roubado.

2.
Alguém se esqueceu do guarda-chuva numa capela que eu gosto de visitar. O guarda-chuva estava lá na passada quinta-feira e ontem ainda ninguém o tinha levado. A capela, sem ser uma grande atracção, é razoavelmente procurada por turistas e curiosos de outras marcas. Se fosse um café ou uma farmácia, o mais certo é que o guarda-chuva já estivesse com novo dono, mesmo que não tivesse sido esquecido. Mas ali não: é a casa de Deus e Deus não é cego. Seria pecado e o Velho é vingativo! No átrio de um prédio de apartamentos é outra coisa.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Fernando Gomes 1 - Futebol 0

Primeira grande demonstração da importância que o novo presidente da FPF,  Fernando Gomes, dá ao futebol-futebol e ao futebol-negócio: declaração de vitória nas eleições feita durante a transmissão televisiva e radiofónica de um jogo da primeira liga.

Blindados, vendem-se

Ora cá está o exemplo de poupança de que o País carecia. Os dois blindados comprados para a PSP por ocasião da Cimeira da NATO, em Novembro do ano passado, e que custaram, cada um, 170 mil euros mais IVA, foram usados apenas três vezes, e nem foram propriamente usados, apenas mostrados: saíram à rua para meterem medo, e aparentemente resultou.
Vejam bem o dinheiro que se poupou durante este ano inteiro, tirando o aluguer da garagem e a cera para puxar o lustro às viaturas. De resto, nem pneus, nem combustível, nem bateria, nem pedais de travão e embraiagem foram gastos. Até os piscas só se acenderam uma vez e foi pelo Natal. Está tudo praticamente novo. Se colarem nos dois BR6 de 350 cavalos uma folha A4 com o número do telemóvel do ministro da Administração Interna e os colocarem na borda da auto-estrada à entrada de Lisboa, não hão-de faltar compradores. Os portugueses gostam de carros assim, espampanantes e caros.
Por outro lado, a miserável folha de serviço dos blindados demonstra, para quem ainda duvidava, que somos realmente o povo mais pacífico do mundo. Protestamos, mas só da boca para fora. O que até levou António Ramos, presidente do Sindicato dos Profissionais da Polícia, a afirmar agora que a compra dos dois castelos ambulantes "não era necessária" e que, "se calhar, tendo em conta as dificuldades financeiras da polícia e do País, era de evitar".
Pois. Foi o que disse o outro quando passou um Inverno de ponta a ponta sem um único incêndio no monte: - Fechem-se de vez os bombeiros! Para que é que são precisos?...

É de homem 5

Homem que é homem faz peito. E depois dá de mamar.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Estripador

Era fatal. Fim-de-semana e as notícias de regresso ao estripador. Ao alegado estripador. As alegadas notícias. O julgamento do caso Rui Pedro vai ter que esperar até segunda-feira. Tanto o estripador como Rui Pedro são bom material - têm sexo, mentiras e vídeo, e o povo gosta -, mas o estripador tem também sangue, sangue e sangue, e o povo ainda gosta mais. Portanto cá estão elas, as notícias de faca e alguidar, para alegrarem os nossos dias de descanso.
Apenas um reparo: não acham, por exemplo, que os telejornais sobre o estripador-que-era-mas-já-não-quer-ser ficavam muito melhor se fossem apresentados pela Teresa Guilherme? Eu cá acho.

Ó prima, ó rica prima

Eu tinha umas primas de que não sabia. Foram-me apresentadas há coisa de dois ou três anos pelo meu amigo Paulo Silva, que as conhecia de ginjeira, e desde então não lhes largo as redondezas. Falei nelas no outro dia, disse ao Paulo que havíamos de ir às minhas primas e logo mentes perversas pensaram que eu estava a agendar uma noitada na casa da tia, melhor dizendo: em casa de tia. Mas nada disso. As primas de Leça do Balio são as Erdinger, as excelentíssimas cervejas alemãs que, como o seu próprio nome indica, são praticamente da minha família. E preciso urgentemente de fazer uma festa de despedida.
As Erdinger são infelizmente uma raridade nas prateleiras dos hipermercados. Descubro muito às vezes meia dúzia delas, e vêm logo todas comigo para casa. Mas há um certo sítio, uma esplanada num certo parque junto ao ex-rio mais poluído da Europa, onde costumo marcar encontro com elas e elas não costumam falhar. Parece traição à Pátria, mas é exactamente em Leça do Balio, o berço desse verdadeiro monumento nacional e património material da humanidade que é a Super Bock.
Para beber a Erdinger em casa como manda o figurino, até tive de comprar um copo, caro, enorme, bojudo e cheio de curvas, e é destas redondezas que eu falo. Estou a pensar vendê-lo, ao copo. As minhas primas que me perdoem, mas começam a estar muito acima das minhas posses. E não é que volte para os braços da Super Bock, não. Vou mesmo para a água, e da torneira, pelo menos enquanto não a vierem cá cortar. Portanto, adeus ó primas, ó ricas primas.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Estão bem um para o outro

Paulo Portas, que é um ponto, disse em Bruxelas que teve de ler duas vezes as declarações de José Sócrates sobre o pagamento de dívidas. É curioso. Porque foi exactamente o que José Sócrates (que é outro ponto, mas do outro lado do espelho) disse quando estava no Governo e viu as contas dos submarinos comprados por Paulo Portas. "Tive que ler segunda vez para acreditar que um ministro da Defesa fez um negócio destes", disse o então primeiro-ministro, acrescentando que, "infelizmente, como as pessoas sabem, as dívidas pagam-se". Sócrates e Portas, Portas e Sócrates, são farinha do mesmo saco, são dois falsos sérios. Estão bem um para o outro.

Elas e os "maridos"

Andavam as duas, como eu, a solhar no passeio marginal de Matosinhos, que deve ter custado um dinheirão e está mais perigoso do que picada africana em tempo de guerra. Elas falavam e falavam e falavam, como só elas sabem falar, as duas ao mesmo tempo e a uma velocidade que as suas curtas pernas não conseguiam acompanhar. Têm as línguas muito mais compridas e ginasticadas. Eu, que sou mais alto, olhava para o chão cheio de cuidado, a ver onde punha os pés, para não acabar no hospital, e elas falavam, falavam, falavam. Falavam de despesas, de compras, de casa, dos filhos e dos cães, da crise, de dinheiro mal gasto e de dinheiro bem gasto.
Até que a voz de uma se sobrepôs à voz da outra e eu ouvi claramente ouvido: "Sabes que não se pode dizer tudo aos maridos". Foda-se!, disse eu mais do que pensei, como se tivesse sido atingido por um raio que as parta. Será possível? Elas não contam tudo aos maridos? Terei sido e andado enganado durante estes anos todos? Não pode ser. Eu não sou assim tão ingénuo! As mulheres não dizem tudo aos maridos? Deixa estar, que até vou perguntar à minha.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Acho bem

Com o esforço e o patriotismo que infelizmente não lhe são reconhecidos, Alberto João Jardim lá conseguiu enfim elevar a dívida pública da Madeira ao invejado patamar dos seis mil milhões de euros. Acho bem! Na minha modesta opinião, não há nada que se compare com um número redondo, a não ser outro número redondo, e mais redondo se for possível, como, por exemplo, oito mil milhões de euros. Mas há que ter fé, ainda faltam 25 dias até ao final do ano. Entretanto, o feito já alcançado pelo Alberto João devia ser celebrado com fogo-de-artifício. Ai já está previsto!? Óptimo. Acho muito bem.

E o inquérito?

Fez ontem quinze dias que o procurador-geral da República ordenou a abertura de um "inquérito urgente" para apurar responsabilidades na fuga de informação no caso das detenções de Duarte Lima e do filho, Pedro Lima. E já tinham passado cinco dias sobre a ocorrência dos factos quando Pinto Monteiro se deu ao trabalho de abrir o bico.
Desde que o PGR anunciou a sua "urgência", o planeta Terra deu quinze voltas completas sobre o seu próprio eixo, o Sol nasceu e pôs-se quinze vezes, o Benfica foi eliminado da Taça de Portugal e rios inteiros passaram e tornaram a passar por baixo das pontes. Desde que o senhor procurador-geral anunciou a sua "urgência", o Brasil ganhou 285 novos milionários e a dona Iracema emagreceu quinze quilos com a dieta da USP, que é um perigo. Desde que se soube da "urgência" da Procuradoria-Geral da República, cerca de 6.200 portugueses emigraram, 7.500 perderam o subsídio de desemprego, mais 255 novas famílias pediram ajuda à Cáritas para comer, foram apresentadas 1.275 denúncias de violência doméstica e morreram 30 pessoas nas nossas estradas.
E o "inquérito urgente" de Pinto Monteiro? Terá sequer mexido?

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Portugal, graças a Deus

Afinal, de que nos queixamos? Somos um país "abençoado", disse ontem o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, em Londres. E o governante não falava do clima, nem do arroz de cabidela, nem do Mourinho, nem do Ronaldo. Falava do "amplo consenso interno" existente em Portugal para nos empobrecerem. Falava da nossa rica crise.
Vítor Gaspar explicou aos ingleses que nós por cá somos todos a favor da austeridade que nos aperta os tomates, menos "dois partidos mais pequenos", suponho que referindo-se ao PCP e ao BE. De resto, o PSD é a favor, o PS é a favor, o CDS é a favor e "cerca de 80 por cento" dos eleitores portugueses também são a favor, porque, segundo o ministro, já sabiam ao que iam quando votaram, de forma "esmagadora", nos "três maiores partidos", que tinham subscrito o plano de austeridade imposto pela troika de má fama.
Portanto, os Portugueses só estão a ter aquilo que pediram. Graças a Deus!

Quero denunciar o meu pai


Quero fazer uma denúncia: o meu pai era benfiquista e morreu quando eu tinha 10 anos. Estão a ver a peça? Não sei se a Felícia Cabrita vai pegar no caso, mas justificava-se. Porque não se faz. Há que tempos que eu sou mais velho do que o meu pai, e acho mal. E o meu pai ainda me faz falta e tenho essa razão de queixa. E às vezes sinto-me órfão e já não tenho idade para isso. Na minha ideia, a Polícia Judiciária também devia fazer alguma coisa.
O meu pai era portanto benfiquista e penso que só isso é mais do que suficiente para abrir um processo. Era benfiquista e levava-me a ver os treinos do Fafe no Campo da Granja que também já não existe. Uma vez levou-me às Festas Gualterianas a Guimarães, fomos a um tasco e eu pedi-lhe para comer feijão com tripas, que nunca tinha provado, e gostei que eu sei lá. Se calhar por isso é que ainda hoje gosto tanto e faço tão bem. Outra vez trouxe-me de presente uma pistola Luger de brincar, pesada e igualzinha às dos nazis dos filmes, e gostei que eu sei lá. Não sei o que me deu na cabeça, mas cresci e não gosto de armas.
Para além de benfiquista - repito, benfiquista -, o meu pai era também novo, bonito e bom, mas suponho que isso não interesse para o processo, e era operário, músico, bombeiro e jogador de dominó. Contava-se que no dominó, jogado na mesa do canto direito para quem entrava na sala das traseiras do café Peludo, o meu pai até escondia pedras na boca para enganar parceiros e ganhar mais uns tostões para casa. Eu ia chamá-lo, bem ensaiado pela minha mãe para que ele não ficasse mal perante os amigos. "A mãe manda dizer que a comida está pronta", era o que eu dizia, uma e só uma vez, e ficava ao lado dele todo contente à espera.
É preciso que se note: o meu pai, também conhecido como Lando Bomba ou Lando da Bomba, não era só dominó. Nas festas onde a Banda de Revelhe ia tocar, o meu pai, que tocava saxofone, tinha também sociedade com o homem da roleta de feira, artesanal e viciada. Nos intervalos dos concertos, fartava-se de ganhar canivetes, cintos, saca-rolhas, tesouras, baralhos de cartas e gaitas de beiços. O meu pai era o engodo. "Mais uma para o senhor músico. Está em dia de sorte, o raisparta o músico!", gritava o homem da roleta, feitos um com o outro, a chamar o povo. No final, o meu pai devolvia tudo a troco de umas coroas ou de mais uma navalha para oferecer.
Calhava-me, de vez em quando, levar o almoço do meu pai à fábrica. Estando sol, o meu pai e outros operários comiam num terreno muito jeitoso para o efeito, a caminho do rio. Do Comporte. Sentávamo-nos numas pedras e eu adorava estar ali com o meu pai aquela meia hora. Era como se fosse um piquenique, mas eu ainda não conhecia a palavra.
O meu pai gostava muito de fazer rir a minha mãe e, de malandrice, lia-lhe o jornal metendo as expressões "pelo cu acima" e "pelo cu abaixo" entre as palavras das notícias. Se fosse hoje, ficava, por exemplo, assim: "Merkel, pelo cu acima, e Sarkozy, pelo cu abaixo, discutiram, pelo cu acima, propostas, pelo cu abaixo, para a cimeira, pelo cu acima, europeia, pelo cu abaixo". Eu e os meus irmãos, que arranjávamos sempre maneira de ouvir, escangalhávamo-nos a rir. A minha mãe repreendia o meu pai, tentava tirar-lhe o jornal das mãos, e nós ainda nos ríamos mais. Éramos pobres, mas tínhamos o riso. Éramos remediadamente felizes.
O meu pai foi para França e escrevia-nos cartas numa letra muito perfeitinha em papel quadriculado que nós líamos à nossa mãe. Nós também íamos para França, mas não tivemos tempo. O meu pai morreu, acredito que de saudades, numa véspera de Natal. No dia seguinte nasceu o Menino Jesus, disseram-me que de propósito para tomar conta na minha mãe, de mim e dos meus três irmãos. Que Deus me perdoe, mas o velhote, que nunca pôde ser, também nos teria dado um grande jeito.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O meu futuro discute-se ao almoço

O almoço de mais daqui a um bocadinho vai ser aproveitado para discutir o meu futuro. Não é cá em casa nem sou eu, porque eu não mando no meu futuro, é em Paris. Merkel e Sarkozy vão almoçar juntos e a minha vida estará em cima da mesa. São duas boas almas que não se cansam de procurar, sentadas e de faca e garfo, o que há-de ser melhor para mim. Muito agradecido e muito bom apetite, é o que lhes estimo e o que lhes desejo. E, como de costume, não se esqueçam de me mandar depois a facturinha. Através do Passos Coelho!

Porto sem filtro

O livro "Porto Sem Filtro", de José Efe e com fotografias de Gaspar de Jesus, é lançado na próxima sexta-feira, dia 9 de Dezembro, pelas 21h30, no Café Progresso, Rua Actor João Guedes, à Praça Carlos Alberto, no Porto. A obra, com chancela da Mosaico de Palavras Editora, será apresentada por José António Gomes, que assina o prefácio.
José Efe (Salviano) publicou anteriormente "No Teu Rosto Quase Ileso", "Fenda Acesa" e "Seiva Rugosa", tendo participado nas antologias "Um Grito por Timor" e "A Casa dos Sonhos".
Gaspar de Jesus, fotojornalista e professor de Fotografia, trabalhou em A Capital, O Primeiro de Janeiro, A Bola, TV Guia, Notícias Magazine e Autores. Artista premiado, realizou 16 exposições individuais e participou em inúmeras exposições colectivas, dentro e fora do País. Integra actualmente o quadro de formadores do Instituto Português de Fotografia, no Porto. É co-autor dos livros "Portugal e o Ambiente", "Reencontros - Portugal em Fotografia", "Daqui Houve Nome Portugal", "21 Retratos do Porto para o Século XXI" e "Porto Cidade com Alma". É autor do blogue Arte Fotográfica e promotor das tertúlias Com a Arte no Olhar.

Meio-dia e meio?

Palavra de honra, pensava que esta calinada, esta em concreto, já estivesse erradicada das nossas rádios, mas afinal ainda não está. Ouvi um destes dias, na Star FM, e nem queria acreditar: forçando a nota local, dando conta do novo horário das bibliotecas de Valongo e Ermesinde, o locutor do noticiário fez questão de asnear com todo o garbo metendo lá pelo meio o inexplicável "meio-dia e meio". "Meio-dia e meio"? Mas que raio de hora é isso?
Cá vai, portanto, mais uma borla, esta directamente dirigida ao senhor locutor do noticiário da rádio Star FM. Quando diz "meio-dia e meio", o senhor locutor do noticiário está na verdade a dizer, das duas uma, ou 24 horas (isto é: meio-dia mais outro meio-dia) ou 18 horas (isto é: meio-dia mais meio meio-dia), e não 12h30.
O senhor locutor do noticiário, falando de horas, nunca diz onze e meio, nem duas e meio, ou diz? O que diz é: onze e meia e duas e meia. Pois tome nota: com o meio-dia é exactamente a mesma coisa: meio-dia e meia. Isto é, meio-dia (12 horas) mais meia hora. Isto é, 12h30. Estamos entendidos? Meio-dia e meia! E meia!!

domingo, 4 de dezembro de 2011

O assobio democrático

Miguel Relvas foi ontem vaiado no encerramento do congresso da Associação Nacional de Freguesias. O indesculpável ministro de Pedro Passos Coelho, que lhe vem quase logo a seguir na hierarquia do Governo, viu metade dos 1.600 congressistas voltar-lhe as costas e abandonar a sala e ouviu a outra metade assobiá-lo e mandá-lo àquela parte, em protesto contra a proposta de extinção de freguesias defendida pela coligação PSD/CDS. No final, Relvas disse que o clima de contestação foi "gerado e estimulado" propositadamente contra si. É como um alho, não sei como é que ele percebeu.
O todo-poderoso ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares escusa, no entanto, de preocupar-se antes do tempo. Porque isto dos assobios é relativo. É como os penáltis por encontrão. Depende da intensidade, como muito bem explicaria o saudoso Pôncio Monteiro. E até pode ser que os assobios ao Relvas tenham sido afinal aplausos, consoante o lugar em que o assobiódromo oficial do INE o colocou na sequência do episódio de Portimão. Confesso que não tive tempo de consultar o histórico de assobios nos congressos da Anafre, nem pude ver a última actualização do ranking nacional de ministros assobiados.
Mas posso contar o seguinte: no ano de 2008, Manuel Pinho, o excelente ministro da Economia que se desgraçou por causa dos corninhos na Assembleia da República, foi ao Estádio Nacional entregar a taça ao vencedor do Estoril Open - Roger Federer, para que conste. E levou a vaia da ordem. É uma tradição do torneio: assobiar o vaidoso do Governo que lá vai botar figura. Mandaram-me ligar-lhe no dia seguinte, para saber como é que ele encaixou a humilhação. E apanhei-o.
Mas qual humilhação? Pinho estava todo contente, até parecia que tinha gostado. Explicou-me: "Toda e gente me disse que, de longe, fui o ministro menos assobiado dos últimos anos". Ao sinistro Relvas (a esquerda, se a há, que me desculpe) só lhe ficava bem deixar de se armar em vítima, logo ele!, e de inventar complôs. A democracia tem disto: assobios.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Artur Quaresma

Morreu Artur Quaresma, um senhor!, que treinou o meu Fafe na época de 1972/1973. É um pormenor, que as notícias vão certamente esquecer. Eu não.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O verdadeiro reality show

Confesso: eu também era dos que diziam mal dos reality shows. Nunca vi, mas sempre disse mal. Achava-os uma inutilidade, uma boçalidade, um desperdício, uma agressão à inteligência, uma ofensa à sensatez, um nojo, uma merda. E com estas premissas, jogando com a variação da ordem dos factores, cá ia fazendo os meus juízos, que não queria vender a ninguém, e dava-me por feliz.
Até que o alegado estripador de Lisboa foi preso. Alegadamente denunciado pelo filho que queria entrar na Casa dos Segredos da TVI. Não entrou, mas nos testes disse alegadamente que o seu grande trunfo, o seu grande segredo, era ser filho de um assassino da pior espécie. "Mas isto que não saia daqui", terá solicitado o jovem, alegadamente. Mas saiu. A história chegou à PJ, alegadamente com a ajuda da jornalista Felícia Cabrita, do semanário Sol, e o resto já se sabe.
Portanto: a partir de hoje passo a ver todos os reality shows da televisão portuguesa, até os da TVI. E estarei atento, sejam ensaios ou preliminares, masturbação submesa ou o que for. Temos que apanhar os outros estripadores, os de São Bento e arredores, e eu quero ser o primeiro a saber.

Superstições

É uma fraqueza que eu tenho: não enfrento o horóscopo sem primeiro ver como é que está o dia.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Somos todos náufragos

Eu não sei como nem quando isto vai mudar. Nem sei se algum dia vai mudar. Não sei de quem é a culpa e se há culpa de alguém. O que sei é: um barco com seis pescadores a bordo "não reporta a sua posição" desde a passada terça-feira. As autoridades foram alertadas apenas às 10h20 de ontem, quinta-feira. A última vez que falou, o barco estava a 15 km da Figueira da Foz. Não estava no fim do mundo! Ou estava?

Polícia para todo o serviço

Agora imaginem que iam a entrar no Parque da Cidade do Porto, ali junto ao Sea Life, e viam o buggy da Polícia Municipal parado às portas escarrapachadas das casas de banho públicas e ouviam de lá de dentro duas ou três daquelas potentes descargas de limpeza. O que é que pensavam? Eu ajudo. Pensavam: ao que isto chegou! Os nossos agentes da autoridade a passarem as retretes a pano... Razão têm eles quando vêm para a rua protestar "contra a degradação das condições de trabalho". Foi também o que eu pensei.
E tinha lógica. Porque a Polícia Municipal do Porto, embora seja um destacamento da PSP, actua, "para efeitos de serviço", na dependência directa do presidente da autarquia, que é Rui Rio. E Rui Rio, já se sabe.
Mas depois saiu uma senhora toda fardada de verde da Câmara, e que eu sei que não é cívica, e então percebi. Acho que percebi. Se calhar não havia mais nenhum veículo disponível, e o pessoal das limpezas do Parque pegou no carro da Polícia, com os dizeres oficiais, a fitinha axadrezada a toda a volta e o pirilampo azul mas desligado, e lá foi para o servicinho. Uf!, fiquei mais descansado.
Já se sabia que os nossos polícias têm que levar papel higiénico para as esquadras se não quiserem limpar o cu às meias, mas ainda bem que ninguém os obriga a lavar as sentinas. Pelo menos para já. E que se saiba.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Atchim!

Um estudo citado pelo jornal Público revela que 28 por cento das mulheres portuguesas ainda acreditam que a sida se transmite pela saliva, suor e espirros. Santinhas!...

Isaltino forever

Isaltino Morais viu ontem ser-lhe recusado mais um requerimento. Não faz mal. Os seus advogados têm mais 13.987 recursos e requerimentos para apresentar.

Urgente sim, mas devagar

Fez ontem oito dias que o procurador-geral da República ordenou a abertura de um "inquérito urgente" para apurar responsabilidades na fuga de informação no caso das detenções de Duarte Lima e do filho, Pedro Lima. E já tinham passado cinco dias sobre a ocorrência dos factos. Alguém me sabe dizer em que pé é que está a "urgência" de Pinto Monteiro?

(Ler mais em Na passagem do primeiro meio aniversário)

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Bruxedos à moda do Porto

Esta é a sério. Durante uma semana, um alguidar contendo um enorme galo sem cabeça e outras miudezas feiticeiras esteve em exposição no passeio junto ao portão de um dos cemitérios da cidade do Porto. O bruxedo apareceu ali da noite para o dia, toda a gente se queixou, toda a gente se desviou e ninguém teve coragem de mexer na coisa, de a mandar para o lixo. Nem o padre da igreja ao lado nem os coveiros. Trabalhar com almas e mortos está bem, desafiar maus-olhados é que não.
Passou-se um, passaram-se dois, três, quatro, cinco dias, e o galo ali, possivelmente já com o serviço feito e portanto sem mais poderes, mas nem assim alguém ousou tocar-lhe. O pessoal da Junta de Freguesia foi unânime, cada um passava a encomenda para o que vinha atrás, "Eu não, bruxedos não", até que a vizinhança viva reclamou (ciciando padres-nossos e ave-marias, de terço na mão e muitos sinais da cruz) que já não aguentava com o fedor.
Ora, o fedor, como toda a gente sabe, é problemática que sobe à alçada camarária. Em conformidade, foram requisitados os serviços de limpeza da cidade, que chegaram ao local e resolveram o assunto em três penadas. Isto é: "Eu também não, bruxedos não"...
Perante o impasse, alguém tirou a mola de roupa do nariz e alvitrou que se chamassem os Comandos, um pediu a presença da Brigada de Minas e Armadilhas da PSP e outra ainda sugeriu que se mandasse vir o Bruxo de Fafe para fazer marcha-atrás à coisa, tornando seguro o seu manuseamento. Mas a Junta não dispunha de verba orçamentada para pagar a especialistas.
Foi quando um dos da Câmara se lembrou que o Canil Municipal tem um camião com um gancho, uma espécie de braço mandado que podia solucionar mecanicamente, com os homens de longe e sem risco de agoiros, aquele problema bicudo. E ao sexto dia o todo-poderoso veículo veio e levou a coisa, para sossego enfim de todos os moradores, vivos e mortos, amém.
Esta história antiga foi na semana passada.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

As tascas do Porto

A terceira edição do livro "As Tascas do Porto / Estórias e Memórias Servidas à Mesa da Cidade", com textos de Raul Simões Pinto e fotografias de Gabriela Felício, é lançada na próxima sexta-feira, dia 2 de Dezembro, pelas 18 horas, no restaurante Pedro dos Frangos, da Rua do Bonjardim, Porto. A obra, com chancela das Edições Afrontamento, será apresentada pelo jornalista Manuel Vitorino, que também assina o prefácio.

O mito da esquerda caviar

A esquerda caviar não existe. Em Portugal, não! Quando se fala do Bloco de Esquerda como uma rapaziada bem nascida que se meteu na merda da política mas que, paradoxalmente na esteira de um Cavaco Silva ou de um Fernando Nobre que ainda estava para ser inventado, consegue andar sobre ela, a merda, sem sequer borrar a sola dos sapatos, há aí um certo exagero. Os sapatos são de marca, o que até poderia explicar o milagre, mas não, não houve milagre nenhum! Porque esta malta é ateia, não acredita em milagres e o pólo também é de marca e está sempre cheio de caspa. Portanto...
Os bloquistas são apenas diletantes. Não se dão ao trabalho.
O Bloco, que só existe porque dá na televisão, de resto não suja as mãos em assuntos de governo a não ser para não ser nada, tem os dias contados. O caviar de supermercado é uma treta, a rapaziada do BE sabe disso melhor do que ninguém e não está para aturar esta pinderiquice por muito mais tempo. Até os croquetes são ultracongelados, o que também veio apressar o declínio da nossa esquerda gaiteira. Os cabeçudos da coisa começaram a comer-se uns aos outros e agora é cada um por si. O Bloco é de supermercado. O Bloco é uma treta. O último a sair é burro.

Fernando Rosas, um dos inventores do Bloco de Esquerda, antigo candidato à presidência da República, ex-deputado, historiador e gordo, invadiu ontem, ao almoço, um dos meus sítios. O meu sítio! Levaram-no lá, a ele e à mulher, ao santuário da velha e boa comida portuguesa que eu nem às paredes confesso. Não lhe deram caviar nem croquetes, que era o que ele merecia, mas apresentaram-lhe as melhores pataniscas de bacalhau do mundo e uma truta de conserva com broa frita que devia estar guardada só para mim. Foi o princípio da conversa. Depois passearam-no pelos mais emblemáticos pratos da casa, que eu me recuso a identificar por uma questão de segurança de Estado.
A invasão estava a meter-me nervos e por isso vim-me embora. O Rosas ficou na maior quando eu saí. O meu medo agora é que ele, com o desgosto do caviar, se converta à esquerda da patanisca e do verde branco. Sinceramente, não sei se deixo.

domingo, 27 de novembro de 2011

Fado do encabanço

Com o galo que andamos, o país Lisboa é bem capaz de acordar esta manhã de papo cheio de património. Imaterial, porque infelizmente não há dinheiro para mais, mas património! E da humanidade, com diploma passado pela UNESCO e tudo. Parabéns portanto ao país Lisboa, parabéns ao fado e à senhora dona Amália, parabéns ao Benfica e viva Salazar! Está feito? Não é preciso mais nada? Já toda a gente bebeu? Estou todos satisfeitos?
Pronto. E agora silêncio, que se vai voltar ao país Portugal.

sábado, 26 de novembro de 2011

Redenho e honestidade

Uma vez não são vezes: debrucemo-nos, então, sobre a problemática do redenho. O redenho que - há que admiti-lo sem tibiezas - não é ingrediente indispensável na confecção de uns rojões honestos e com outros matadores, mas no entanto, se marcar presença, confere ao prato um não sei quê que por acaso sei e que tem a ver com o seu aspecto inusitado, com o sabor rústico mas colaborante (dando-se-lhe as voltas certas) e sobretudo com o crocante da textura.
Que se segue, precisei de fazer uma rojoada para uma gente que andava aí com desejos e fui ao talho. Escolhi a carne, da febra e da barriga, o sangue e as tripas enfarinhadas. Quando pedi o fígado de porco, que na verdade até era para ajeitar uma entrada de iscas de cebolada, o talhante, sem que eu dissesse mais nada, avisa-me "Olhe que não temos redenho". E depois, olhando para um lado e para o outro, chegando-se à frente do balcão à procura do meu ouvido e da minha cumplicidade para revelar-me o quarto segredo de Fátima, diz-me, num sussurro: "Quer-se dizer, haver há, mas é congelado". E, congelado, realmente "Não é a mesma coisa", concordámos eu e ele em coro, como se estivéssemos ensaiados.
Repito: o redenho não é indispensável. Mas a gentileza e a honestidade sim. Sobretudo nestes tempos de desrespeito pelos valores e de aviltamento das pessoas, tempos portugueses de antagonismos sociais, de pobreza imposta e de azedume generalizado. Soube do redenho e senti a Terra tremer debaixo dos meus pés. Algo mexeu com o equilíbrio estabelecido do Globo. Continuo a acreditar que anda meio mundo a enganar o outro meio, mas naquele momento, à frente dos meus olhos, um homem passou para o lado bom, que eu bem vi.
As coisas não são tão simples assim, é o que estão a pensar? São, são.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Revolucionários de caca

Uns palermóides quaisquer pretenderam abrilhantar a greve geral de ontem atirando cocktails molotov contra instalações das Finanças em Lisboa. Como se sabe, os palermóides são criaturas sem cabeça, o que, desde logo, obsta a que se lhes pergunte o que é que lhes passou pela dita. Mas façamos nós por eles esse exercício: estes mentacaptos terão agido apenas por prazer vândalo? Serão energúmenos armados em anarquistas ou em neocarbonários, nascidos com atraso para a História? Estarão zangados com o Tavares que trabalha na repartição do Campo Grande, aquilo foi só um aviso e a seguir chegam lume ao cão? Ou, pelo dia que escolheram, um dia de protesto nacional, a cisma deles é mesmo contra quem manda no País e contra a política de austeridade?
Cuidarão então que são revolucionários! Mas, se cuidam, são revolucionários marca roscofe. Se visavam afrontar o "Poder" e atacaram repartições de Finanças, certamente que se perderam pelo caminho. Em vez de andarem a brincar com o fogo, era de homem terem ido cagar à porta de quem nos empobrece. Que diabo, estes revolucionários de carregar pela boca não sabem onde são os palácios de Belém e de São Bento? Ou, para além de não terem cabeça, também não têm tomates?

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Estou farto da Sónia Brazão

Há que tempos que eu já tenho a minha dose de Sónia Brazão. Estou por aqui com ela. Desejo-lhe muita saúde e o maior sucesso, mas não quero saber dela. Não percebo porque é que ela só está bem sendo notícia. Acho que e rapariga está a abusar. Acho que uma vida recatada e se possível longe dos fogões de gás só lhe fazia bem.
Mas a actriz (que é actriz, assim leio) lançou hoje um livro que é, segundo o jornal Público, "o relato na primeira pessoa do que aconteceu na sua vida desde o acidente a 3 de Junho". Sónia teve consigo Paula Antunes, a médica que acompanha a sua recuperação, e vários outros membros da equipa que a tratou na Unidade de Queimados do Hospital de São José. Afinal, Sónia Brazão não é a única que gosta de aparecer.
Apresentado uma semana depois de a revista TV Guia ter noticiado que Sónia Brazão terá cometido três tentativas de suicídio antes da explosão de 3 de Junho, o livro, obviamente editado pela Leya, chama-se "Não Desisto", o que é perigoso. Foi dito na cerimónia que é "um testemunho". A Polícia Judiciária duvida.

Faz de conta

Cinco dias depois da palhaçada, o procurador-geral da República ordenou, ontem à tarde, um "inquérito urgente" para apurar responsabilidades na fuga de informação no caso das detenções de Duarte Lima e do seu filho. Quanto à urgência da coisa, estamos conversados.
Diz o jornal Público que Pinto Monteiro procura a fonte interna que levou os jornalistas da SIC, e os outros que foram logo atrás, a concentrarem-se à porta da casa de Pedro Lima antes mesmo da chegada dos próprios inspectores da PJ. Pois que o senhor procurador-geral procure duas fontes e não uma, permito-me sugerir, humildemente. Esta que funciona agora para o PSD e a outra que funcionava para o PS. Ou será uma fonte vira-casacas?
"É uma vergonha para a Justiça em Portugal a maneira como as buscas se fizeram, com uma publicidade mediática tremenda” e com jornalistas no local das diligências antes de estas começarem, disse o PGR em declarações públicas, avisando, no entanto, serem "raros" os inquéritos desta natureza que produzem resultados. Pois. Quanto à eficácia da coisa, também estamos conversados.

Perigo na estrada

Há um novo perigo nas estradas portuguesas: as cadeiras de rodas eléctricas. Elas andam aí, são cada vez mais e cada vez mais metediças. Ainda no outro dia me apareceu uma disparada a atravessar a EN 14, em Celeirós, Braga, junto ao nó para as auto-estradas, e só não acabou em desastre porque um de nós travou a tempo e não foi o condutor da cadeira. Cujo, já agora, agradeceu a sorte com um enorme sorriso (vá lá!) e não tinha capacete.
As novas máquinas do asfalto alcançam a velocidade furiosa de 12 km/hora, o que não é brincadeira nenhuma para atravessar uma estrada nacional, fora de passadeira e saídas do nada. Ainda por cima está na moda o tuning, que transforma algumas delas em verdadeiras bombas, como a daquele brasileiro que, no ano passado, foi apanhado pela polícia a mais de 60km/hora, depois de ter artilhado a sua cadeira de rodas com um motor de motorizada.
Creio que se impõe uma análise série e aprofundada ao fenómeno, no seio de uma comissão governamental com amplos poderes para alterar, nomeadamente, a legislação referente às escolas de condução, introduzindo a especialidade de cadeiras de rodas, e o próprio Código da Estrada. A sinalética de trânsito vigente tem que ser revista e actualizada, não sendo de desprezar a possibilidade de implementar corredores específicos para cadeiras de rodas na rede de auto-estradas nacional. Com isenção de pagamento de portagens, é claro!

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Olho por olho

Hortaliça comprada nas farmácias é 25 por cento mais barata do que nos hipermercados.

Da micose aos cogumelos

Uma pequena tabuleta em tabopan, com seta a indicar caminho, chamou-me a atenção numa das saídas de Paredes de Coura. Dizia: "Congresso Micológico". A minha primeira reacção foi de... comichão. "Raisparta, que malucos é que estarão por aí reunidos a discutir a problemática da micose?", pensei eu, esfregando-me o mais que podia no assento do carro. Micológico! A ver se me passava a coceira, pus-me a imaginar que, às tantas, era mas é um convívio internacional de saguis ou o encontro anual dos Pequenos e Médios Vigaristas do Norte e Centro de Portugal (PMVNCP). Passou. Mas não acertei. Quando cheguei a casa é que vi que afinal a micologia diz respeito aos cogumelos. Uma coisa tão simples e que me teria evitado os vermelhões que se me estendem ainda hoje pelo corpo todo, se tivesse ligado logo a perguntar ao meu amigo Nestes, que sabe tudo destas coisas e que se calhar até estava lá.
Portanto, cogumelos! Foi de cogumelos que se falou nas III Jornadas Micológicas do Corno de Bico, que se realizaram, no passado fim-de-semana, na belíssima Paisagem Protegida do Corno de Bico, em Paredes de Coura. O evento, que reuniu especialistas, investigadores e produtores, visava, entre outros objectivos elencados pelos organizadores, "demonstrar o potencial dos cogumelos como vector de desenvolvimento das regiões e economias de montanha", nomeadamente "em termos gastronómicos". Quer-se dizer: ainda por cima, o assunto interessava-me.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Vai dar merda

Duas empresas de segurança tomam conta das linhas do Metro do Porto, por estes dias. Parece que vai sair a que está e entra uma nova, espanhola, mas desde o dia 1 de Novembro que se estorvam uma à outra nas estações e no interior das composições. No terreno, a transmissão de poderes não está a ser pacífica. Os castanhos não falam com os verdes, as duas facções fazem de conta que se ignoram mas não ignoram, disputam lugares "estratégicos" à cotovelada, vigiam-se com caras de poucos amigos, matam-se uns aos outros pelo menos dos olhos para fora, e se um destes dias for dos olhos para dentro e desatar tudo à pancada ou ainda pior... eu cá não me vou admirar.
Enquanto isso, um jovem de 25 anos foi esfaqueado na madrugada de sexta-feira junto à estação da Trindade, o centro nevrálgico do Metro do Porto. De acordo com os relatos da imprensa, a vítima foi atingida com facadas nas costas, desferidas por um grupo de quatro indivíduos que lhe roubou a carteira. Eu sei o que escrevi: "madrugada" e "junto" à estação. Mas, repito, um jovem de 25 anos foi esfaqueado.
A chegado de nuestros hermanos ao Metro do Porto já motivou, por outro lado, uma carta aberta da Associação Nacional de Agentes de Segurança Privada (ANASP) ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e ao ministro da Administração Interna. Na missiva descapotável, a ANASP critica a Metro do Porto por contratar "uma pequeníssima empresa de capitais espanhóis" que terá actualmente apenas "um cliente no Norte do País e um total de 39 vigilantes nos seus quadros". Sublinhando a importância do "superior interesse nacional" que as questões de segurança "da segunda maior cidade do País levantam", a ANASP questiona "que garantias dá uma desconhecida e estrangeira empresa".
Isto é outra guerra, mas escusava a xenofobia. Ainda por cima, a xenofobia de cadeirão. Porque quem vai andar à trolha, por causa destas e de outras teorias da mesma marca, vai ser o pessoal do rés-do-chão, como sempre. Eles lá em cima seguem o combate de copo de uísque na mão e fumam charuto. E eu, se tivesse dinheiro, também já fumava um...

domingo, 20 de novembro de 2011

E não se pode calá-lo?

Ida de Luís Freitas Lobo para a Sport TV fez disparar o número de telespectadores que exigem à televisão por cabo jogos sem som. A petição "Deixem-nos ver a bola em paz" conta já com mais de dez milhões de assinaturas e ainda faltam os benfiquistas.

O outro Club Fafense

Foto Hernâni Von Doellinger

Eu não sabia, mas Fafe tem dois Clubs Fafenses. O Club que eu não conhecia, e que acaba de ser reanimado após anos de inactividade, era, ao que acabo de saber, "um dos principais pólos culturais da Vila de antanho". Num entre aspas que suponho pertencer à sua actual direcção, fui surpreendido também com a novidade de que esta colectividade (palavra de honra que lhe chamaram colectividade) "proporcionava actividades de entretenimento aos seus sócios, dispondo de um bom bilhar, de uma sala de "jogos lícitos" e de um concorrido bar cujo horário alargado e reputação gastronómica perdurou nas memórias orais dos diversos frequentadores".
O outro Club Fafense, o que eu conheci, não era nada disto, tirando a parte gastronómica e o Joãozinho, de quem ontem nem ouli falar. O Club Fafense que eu conheci e que agora começa a ser desarriscado da História e não merecia, era outra coisa. Para que nos entendamos, sem irmos mais longe: escuteiro não entrava ali.

Um rosto de carnaval

"Luanda, anos 80 - um rosto de carnaval" é o título da exposição fotográfica que o jornalista e tudo Augusto Baptista inaugura na próxima sexta-feira, dia 25 de Novembro, na sede da Associação 25 de Abril, Rua 25 de Abril, em Luanda, Angola. A hora, 18h30, é que não me dá grande jeito. A mostra estará patente ao público até ao dia 6 de Dezembro, de segunda-feira a sábado, das 12 às 20 horas.

sábado, 19 de novembro de 2011

Eles, os políticos

O jornalista André Macedo escreveu uma crónica no Diário de Notícias, creio que anteontem, na qual, depois das voltinhas que fazem parte, acabou criticando "aquelas crónicas de jornal que tratam os políticos por "eles"? Desdenhosamente "eles", por oposição a "nós", os justos e bons". O jornalista André Macedo é um jornalista competente e deve ser uma excelente pessoa. Digo isto da excelente pessoa, e tenho quase a certeza, por causa de uma coisa que uma vez tratei com ele. Mas vê-se que é novo, que a vida lhe corre, Nosso Senhor o proteja e guarde, e que não faz a mínima ideia do que se passa cá em baixo. Senão já teria percebido que o defeito não é das crónicas, que há realmente "eles", os políticos filhos da puta e seus eunucos abanadores, políticos que regra geral se servem de "nós" mas não querem saber de "nós". E há realmente "nós", que não nos deixam ser mais do que isso: "nós". Mas "nós" um de cada vez, porque "nós" todos juntos éramos capazes de escangalhar a ordem estabelecida por "eles", e "eles" sabem disso e sabem que isso não lhes convém. E por isso mandam dizer que não é bem assim. E mandam apartarem-nos "uns" dos "outros".
O André Macedo parece que não sabe, mas "eles" é que dizem de nós que nós somos "eles". Somos uma coisa que não é bem coisa nem é nada e que tanto se lhes dá como se lhes deu. A "eles". Esta, caro André, é a verdade da vida. Se nas suas crónicas de jornal tem contas a ajustar com os que escrevem crónicas de jornal, seja homenzinho, baptize os bovinos, não o faça à custa de "nós".

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Fredinho Bastos

Eu ia ver o Rali com o Fredinho Bastos. O Rali era um acontecimento emocionante por que esperávamos um ano inteiro e que se dividia em três partes, como jogo e meio de futebol: a viagem até à Lagoa, sempre em rali a partir de Medelo, a passagem do rali propriamente dito, que para nós os dois acabava logo após o sétimo ou oitavo carro, e a merenda que se seguia, nem que chovessem canivetes. Eu, por mim, ficava a ver o resto dos concorrentes até ao fim, mas o Fredinho fazia questão de me ensinar a relatividade das coisas e a prioridade de umas sobre outras. "O rali já acabou, isto agora não é nada. Vamos mas é comer", dizia todos os anos, sem querer saber sequer a minha opinião. E lá íamos atacar o farnel, preparado com todo o carinho pela sua mulher - uma Senhora a quem devo muito mais do que apenas bolinhos de bacalhau e panados, aliás excelentes.
Fazíamos o caminho de regresso até ao carro pela estrada do troço de competição, encostando à berma quando se aproximava o roncar de mais um motor, mas (o Fredinho tinha razão) aquilo era só bazófia, muito roncar e pouco motor. Dava tempo para tudo. Até para cumprimentar pilotos e penduras da segunda metade da tabela, que estavam no largo da famosa Igreja de Nossa Senhora das Neves ainda à espera da ordem de saída. O Fredinho conhecia aquela malta toda. Ele, Alfredo Bastos, também tinha sido corredor de ralis.
Portanto sabia que, depois de Jean-Luc Thérier, Rafaello Pinto, Markku Alen, Hannu Mikkola (com Jean Todt, o actual presidente da FIA, como navegador), Ove Andersson, Sandro Munari, Bjorn Waldegaard, Jean Pierre Nicolas, Walter Röhrl ou Michèlle Mouton, pouco mais havia que realmente interessasse ver. As bombas já tinham passado: os Alpine Renault, os Fiat 124 Abarth, os belíssimos Lancia Stratos, os Fiat 131 Abarth, os Audi Quattro e até o Opel Ascona, que em Portugal, antes do 25 de Abril, se chamava Opel 1904 SR por causa da moral e dos bons costumes. Isto que não saia daqui, mas os que vinham a seguir a estes andavam menos do que nós...
Nós íamos no Vauxhall Viva GT, verde e cinza, com que eu tinha visto o Fredinho correr a Rampa da Penha, uns anos antes. O carro, preparado pelo Valdemar "Mecânico", ou "Paredes", ainda mantinha as barras de protecção e os assentos e volante de competição. Era de uma incomodidade dolorosa, porque andávamos sempre nas horas, e de lado, mas extremamente seguro. Diziam ao Fredinho que ele conduzia muito bem. Ele respondia: "Toda a gente conduz bem até bater. Eu também".
O Rali em Fafe era a Lagoa e era um mundo. Só anos depois é que apareceram as outras classificativas, creio que "inventadas" pelo próprio Fredinho, que as terá sugerido e mostrado aos organizadores da prova. Soube-se ontem que o Rali vai regressar a Fafe, a casa, no próximo ano, embora apenas para uma sessão de espectáculo no troço Fafe/Lameirinha. E eu lembrei-me do Fredinho.