O grande prestidigitador
Era um mágico extraordinário: em vez de coelhos da cartola, tirava macacos do nariz.
Magia
Era um coelho realmente incrível. Tirava ilusionistas da cartola.
O Mágico
É o número 10
finta com os dois pés
é melhor que o Pelé
é o Deco, allez, allez.
Fui ao circo e vi o mundo
Circo que é circo tem nome de circo. Ponto. Nome com pozinhos de perlimpimpim, nomes exóticos, inventados à la minuta, nomes de fazer sonhar. Nomes à antiga: Arena, Brasil, Cardinali, Circolândia, Chen, Cristal, Dallas, Dragon, Eddy, Flic Flac, Império, Leunam, Luftman, Mundial, Nederland, Nery Brothers, Oceanika, Soledad, Romero, Torralvo ou Twister. Ou Circo Royal, com Pierre Ivanoff e os seus leões da Abissínia, ou o meu melhor circo do mundo, Circo Merito, que ia a Fafe todos os anos, sem animais acima de cão, mas com um incrível número de transmissão de pensamento operado pelo senhor Merito em pessoa e sua partenaire, e sobretudo uns palhaços como nunca mais ri na minha vida e que contavam sempre a anedota de que a nossa era a única terra à face da mesma mas com maiúscula onde dormiam dezoito numa cama: o meu avô da Bomba, que era o 17, mais a minha avó. O meu avô afinava e eu achava um piadão.
O senhor Merito, que também era mestre-de-cerimónias do es-tra-or-di-ná-ri-ooo... ex-pe-ctá-cu-looo!!!..., padecia de uns óculos com lentes verdes de fundo de garrafa Carvalhelhos versão 1960, que, aos meus olhos infantis e crentes, justificavam à partida os poderes adivinhatórios de que ele estava evidentemente investido.
Coisas de outro mundo. No circo aprendi palavras sen-sa-ci-o-nais, que gostava de ouvir e de dizer e não sabia o que significavam: funambulista, malabarista, contorcionista, equilibrista, acrobata voador, faquir, trapezista, pirofagista, globista, faquista, mais engolidor de espadas, palhaço e ilusionista - estas três eu ia lá -, e que hoje percebo que todas são afinal meros adereços ou adjectivos para outra palavra do léxico circense que é a palavra... político.
Agora? Agora andam por aí circos com nomes paisanos, insossos, e a magia foi um ar que se lhe deu. Nomes de linha média em quatro-quatro-dois losango: Rúben, Cláudio, Leandro e Walter Dias. Nomes do dia-a-dia, corriqueiros, sem pés nem cabeça, como se fossem nomes de talhos ou retrosarias. Como se fossem: o Circo Almeida, o Circo Brochado, o Circo Ferreira, o Circo Gomes, o Circo Lopes, o Circo Magalhães, o Circo Santos. O Circo Celso. Sem o glamour de um Tony, sem o garbo de um Fredy, sem as lantejoulas de uma Nandy nem as meias de rede de uma Mirita no seu rola-rola, ainda que rotas, porque no circo é importante trabalhar com rede, posto que sem fio, portanto Wi-Fi.
E ainda haverá palhaços excêntricos musicais? E a profissão está devidamente reconhecida e enquadrada? Tem ordem? Carteira profissional?
Era um deslumbramento vivermos - digo bem, vivermos - de coração aos saltos e mãos a tapar os olhos, o perigosíssimo trabalho daqueles artistas cheios de is gregos e cabelo empastado, artistas in-tarrr-na-ci-o-nais de Ermesinde e Freamunde - Cuidado, Dany, cuidado! Res-pei-tá-vel público, silêncio, o mais completo silêncio, por favor, peço o silêncio dos senhores ex-pe-cta-do-reeesss... Vamos, Dany, cuidado, upa, ealé, bravo, bravo, Dany, bravo!...
O circo era o melhor faz-de-conta de todos os tempos! O famoso Pierre Ivanoff chamava-se Pedro Piloña Reina e era um espanhol de Valência nascido em Casablanca, Marrocos. Na jaula, com os leões, vestia de tribuno romano que eu sabia dos filmes - e ficou-me até hoje. Tinha eu se calhar sete anos quando o Pedro, aliás Pierre, desafiou o meu pai, saxofonista, a fazer-se ao mundo a bordo da orquestra do Circo Royal, mas o meu pai não foi. Foi para mim um desgosto muito grande, que já me via palhaço, a morar na rulote, a faltar à escola e a rasgar completamente as meias de rede da Mirita...
O sítio do circo em Fafe era na Feira Velha. A Câmara, quando se tornou mercearia para não ficar atrás das outras, meteu lá carros à hora e é pena.
P.S. - Texto publicado originalmente no dia 17 de Novembro de 2017. Carlos Drummond de Andrade dizia: "Vou ao circo para me sentir em casa com o mundo". E Ferreira Gullar, no poema "Improviso para a moça do circo", do livro "Na Vertigem do Dia", lembrava a infância e contava: "é pouca a vida que a cidade oferece, até que aparece o circo". Estamos com o Entrudo à porta, haverá circo por todo o lado. Façam-me um favor: vão ao circo! Levem os filhos ao circo, as namoradas, as esposas, as amantes. Descubram o mundo e sejam felizes, porra! Vão ao circo e digam que vão da minha parte e que infelizmente eu de momento não posso ir.
Eu queria ser palhaço, mas palhaço completamente
Quando eu era pequeno queria ser grande. E quando fosse grande queria ser palhaço, maquinista de comboio, famoso, padre, polícia à paisana, pianista, advogado, jornalista, actor, bombeiro, jogador de futebol, tarzan, presidente da república, terrorista, papa, escritor, herói, cantor, ciclista, santo e piloto de avião de guerra.
Já há muito que sou grande e, francamente, sou tarzan e é um pau. Sou tarzan como a maioria dos portugueses: estamos de tanga e isso é indesmentível, somos portanto tarzões, talvez ilusionistas da sobrevivência.
Mas palhaço é que era! Alguns amigos, lisonjeiros, dizem-me que eu às vezes até sou um bocado palhaço. Por outro lado, alguns filhos da mãe que não me gramam acusam-me de eu às vezes ser um bocado palhaço. Palavra de honra, às vezes e um bocado não me chega: eu queria ser palhaço, mas palhaço completamente.
(Hoje, 31 de Janeiro, celebra-se o Dia Mundial do Mágico)
sexta-feira, 31 de janeiro de 2020
Dois pesos e duas medidas
Tinha dois pesos e duas medidas. Um peso na balança do quarto de dormir e outro peso na balança do quarto de banho, que lhe subtraía graciosamente cerca de quilo e meio. Quanto às medidas, a primeira foi desfazer-se da balança do quarto de dormir.
José Fernandes Fafe 4
Absoluto
Sem amor: Deserto.
Como as cidades hão-de ser no Fim.
E a Terra há-de ser, glacial.
E
Este pássaro que canta interrompeu-me.
E o Sol há-de ser um corpo frio.
E ao mesmo tempo há-de bulir ao vento
noutra galáxia a flor da Vida...
O Absoluto é o pássaro que canta.
"Poesia Amável", José Fernandes Fafe
(José Fernandes Fafe nasceu no dia 31 de Janeiro de 1927. Morreu em 2017.)
Sem amor: Deserto.
Como as cidades hão-de ser no Fim.
E a Terra há-de ser, glacial.
E
Este pássaro que canta interrompeu-me.
E o Sol há-de ser um corpo frio.
E ao mesmo tempo há-de bulir ao vento
noutra galáxia a flor da Vida...
O Absoluto é o pássaro que canta.
"Poesia Amável", José Fernandes Fafe
(José Fernandes Fafe nasceu no dia 31 de Janeiro de 1927. Morreu em 2017.)
Luís de Montalvor 4
Écloga
Meus pensamentos são rebanhos:
estremalhados uns, e tristes
outros pastoreiam seus cuidados.
Sonho vê-los, quando sorriste
daquela margem imaginária
tão só dos sonhos imortais,
à hora em que a flauta débil
suspira os seus fingidos ais.
E é de ouro a hora em que te espero
nesta paisagem que mentiste,
perdidos os rebanhos meus
na errada calma em que sorriste.
- E hoje, morto o sonho, deploro
dos meus cuidados o remédio,
e só o teu sorriso imploro,
ó guardadora do meu tédio!
Luís de Montalvor, "Presença"
(Luís de Montalvor nasceu no dia 31 de Janeiro de 1891. Morreu em 1947.)
Meus pensamentos são rebanhos:
estremalhados uns, e tristes
outros pastoreiam seus cuidados.
Sonho vê-los, quando sorriste
daquela margem imaginária
tão só dos sonhos imortais,
à hora em que a flauta débil
suspira os seus fingidos ais.
E é de ouro a hora em que te espero
nesta paisagem que mentiste,
perdidos os rebanhos meus
na errada calma em que sorriste.
- E hoje, morto o sonho, deploro
dos meus cuidados o remédio,
e só o teu sorriso imploro,
ó guardadora do meu tédio!
Luís de Montalvor, "Presença"
(Luís de Montalvor nasceu no dia 31 de Janeiro de 1891. Morreu em 1947.)
quinta-feira, 30 de janeiro de 2020
O tempo é o melhor remédio (se não chover)
O tempo para hoje
Os especialistas do tempo prevêem para hoje um dia com 24 horas.
Esta janela não é de fiar
O telemóvel garante-me que lá fora, a esta hora, faz um rico dia de sol. Olho agora mesmo pela janela e chove copiosamente. Quando apanhar uma sombrinha, vou mandar arranjar a janela.
O tempo aproxima as pessoas
- Isto é que tem estado!...
- Realmente...
- E então hoje!...
- Lá isso...
- O que é que eles dão para amanhã?
- Eu...
- Pois. Então até logo, vizinho.
- Vá pela sombra, vizinha.
É, o elevador aproxima muito as pessoas. O elevador e o boletim meteorológico.
O tempo é o melhor remédio
"Céu geralmente muito nublado. Períodos de chuva fraca, temporariamente moderada e persistente durante a tarde.Vento fraco, tornando-se moderado (até 35 km/h) de sudoeste. Pequena subida de temperatura. Neblina temporária." - de acordo com a previsão do Instituto Português do Mar e da Atmosfera para amanhã. E pronto: é dinheiro que poupo na farmácia.
Fui à farmácia e perguntei ao farmacêutico
- O tempo é o melhor remédio?
- Há quem diga...
- E é comparticipado?
Um quarto de hora três vezes por dia
Fui à farmácia e perguntei - O tempo é o melhor remédio?
- Com efeito, meu caro senhor - respondeu-me o solícito farmacêutico, sem sequer pestanejar.
- E o efeito é garantido? - insisti, pestanejando.
- Cinco anos ou 150 mil quilómetros.
- E tem genérico?
Morrer da cura e da falta de remédios
Entrei na farmácia e perguntei - O tempo é o melhor remédio?
- É. Mas já não há - respondeu-me o boticário, armado em ministro das Finanças.
O mal do doente foi ter passado a paciente
Como um alho era o famoso indivíduo, não sei quem, que inventou a palavra paciente para substituir a palavra doente. O finório sabia tudo sobre listas e tempos de espera.
Será do tempo?
Tem chovido que Deus a dá! Será do tempo?
Os especialistas do tempo prevêem para hoje um dia com 24 horas.
Esta janela não é de fiar
O telemóvel garante-me que lá fora, a esta hora, faz um rico dia de sol. Olho agora mesmo pela janela e chove copiosamente. Quando apanhar uma sombrinha, vou mandar arranjar a janela.
O tempo aproxima as pessoas
- Isto é que tem estado!...
- Realmente...
- E então hoje!...
- Lá isso...
- O que é que eles dão para amanhã?
- Eu...
- Pois. Então até logo, vizinho.
- Vá pela sombra, vizinha.
É, o elevador aproxima muito as pessoas. O elevador e o boletim meteorológico.
O tempo é o melhor remédio
"Céu geralmente muito nublado. Períodos de chuva fraca, temporariamente moderada e persistente durante a tarde.Vento fraco, tornando-se moderado (até 35 km/h) de sudoeste. Pequena subida de temperatura. Neblina temporária." - de acordo com a previsão do Instituto Português do Mar e da Atmosfera para amanhã. E pronto: é dinheiro que poupo na farmácia.
Fui à farmácia e perguntei ao farmacêutico
- O tempo é o melhor remédio?
- Há quem diga...
- E é comparticipado?
Um quarto de hora três vezes por dia
Fui à farmácia e perguntei - O tempo é o melhor remédio?
- Com efeito, meu caro senhor - respondeu-me o solícito farmacêutico, sem sequer pestanejar.
- E o efeito é garantido? - insisti, pestanejando.
- Cinco anos ou 150 mil quilómetros.
- E tem genérico?
Morrer da cura e da falta de remédios
Entrei na farmácia e perguntei - O tempo é o melhor remédio?
- É. Mas já não há - respondeu-me o boticário, armado em ministro das Finanças.
O mal do doente foi ter passado a paciente
Como um alho era o famoso indivíduo, não sei quem, que inventou a palavra paciente para substituir a palavra doente. O finório sabia tudo sobre listas e tempos de espera.
Será do tempo?
Tem chovido que Deus a dá! Será do tempo?
O bom racista
A olho nu não se percebe, mas ao microscópio (isto é, vestindo o olho) chega-se lá: há uma nanométrica diferença entre o bom racista e o mau racista. O bom racista começa as frases dizendo - Eu não sou racista, mas...
A idade da Inocência
Ninguém sabia dizer ao certo quantos anos tinha Inocência. E a idade não se pergunta às senhoras...
Parémia de cavalo
Foto Hernâni Von Doellinger |
Parêmia de cavalo
Cavalo ruano corre todo o ano
Cavalo baio mais veloz que o raio
Cavalo branco veja lá se é manco
Cavalo pedrês compro dois por mês
Cavalo rosilho quero com filho
Cavalo alazão a minha paixão
Cavalo inteiro amanse primeiro
Cavalo de sela mas não pra donzela
Cavalo preto chave de soneto
Cavalo de tiro não rincho, suspiro
Cavalo de circo não corre uma vírgula
Cavalo de raça rolo de fumaça
Cavalo de pobre é vintém de cobre
Cavalo baiano eu dou pra fulano
Cavalo paulista não abaixa a crista
Cavalo mineiro dizem que é matreiro
Cavalo do sul chispa até no azul
Cavalo inglês fica pra outra vez.
Carlos Drummond de Andrade, "Boitempo - Menino Antigo"
Castelao 7
O negriño Panchito
Chegou das Américas un home rico e trouxo consigo un negrito cubano, coma quen trae unha mona, un papagaio, un fonógrafo…
O negrito foi medrando na aldea, onde deprendeu a falar con enxebreza, a puntear muiñeiras, a botar aturuxos abrouxadores.
Un día morreu o home rico e Panchito trocou de amo para ganar o pan. Co tempo fíxose mozo cumprido, sen máis chatas que a súa cor… Aínda que era negro coma o pote, tiña graza dabondo para facerse querer de todos. Endomingado, con un caravel enriba da orella e unha pola de malva na chaqueta, parecía talmente un mozo das festas.
Unha noite de estrelas xurdiu no seu maxín a idea de saír polo mundo á cata de riquezas. Tamén Panchito sentiu, como todos os mozos da aldea, os anceios de emigrar. E unha mañá de moita tristura gabeou polas escaleiras dun transatlántico. Panchito ía camiño da Habana e os seus ollos mollados e brillantes esculcaban no mar as terras deixadas pola popa.
Nunca rúa da Habana o negro Panchito tropezou cun home da súa aldea e confesoulle saloucando:
- Ai, eu non me afago nesta terra de tanto sol; eu non me afago con esta xente. ¡Eu morro!
Panchito retornou á aldea. Chegou pobre e endeble; pero trouxo moita fartura no corazón. Tamén trouxo un sombreiro de palla e máis un traxe branco…
"Cousas", Castelao
(Castelao nasceu no dia 30 de Janeiro de 1886. Morreu em 1950.)
Chegou das Américas un home rico e trouxo consigo un negrito cubano, coma quen trae unha mona, un papagaio, un fonógrafo…
O negrito foi medrando na aldea, onde deprendeu a falar con enxebreza, a puntear muiñeiras, a botar aturuxos abrouxadores.
Un día morreu o home rico e Panchito trocou de amo para ganar o pan. Co tempo fíxose mozo cumprido, sen máis chatas que a súa cor… Aínda que era negro coma o pote, tiña graza dabondo para facerse querer de todos. Endomingado, con un caravel enriba da orella e unha pola de malva na chaqueta, parecía talmente un mozo das festas.
Unha noite de estrelas xurdiu no seu maxín a idea de saír polo mundo á cata de riquezas. Tamén Panchito sentiu, como todos os mozos da aldea, os anceios de emigrar. E unha mañá de moita tristura gabeou polas escaleiras dun transatlántico. Panchito ía camiño da Habana e os seus ollos mollados e brillantes esculcaban no mar as terras deixadas pola popa.
Nunca rúa da Habana o negro Panchito tropezou cun home da súa aldea e confesoulle saloucando:
- Ai, eu non me afago nesta terra de tanto sol; eu non me afago con esta xente. ¡Eu morro!
Panchito retornou á aldea. Chegou pobre e endeble; pero trouxo moita fartura no corazón. Tamén trouxo un sombreiro de palla e máis un traxe branco…
"Cousas", Castelao
(Castelao nasceu no dia 30 de Janeiro de 1886. Morreu em 1950.)
quarta-feira, 29 de janeiro de 2020
Manuel Resende (1948-2020)
Na auto-estrada
Ainda posso perceber
Esses miúdos nos viadutos
Que atiram pedras aos carros da auto-estrada.
É um gesto eficaz
Que matou alguns caixeiros-viajantes,
E até famílias inteiras,
É pura malvadez
E o mundo precisa de pureza.
Mas como se justificam esses que nos acenam
Com alegria ao passarmos?
"O Mundo Clamoroso, Ainda", Manuel Resende
(Manuel Resende nasceu em 1948. Morreu hoje.)
Ainda posso perceber
Esses miúdos nos viadutos
Que atiram pedras aos carros da auto-estrada.
É um gesto eficaz
Que matou alguns caixeiros-viajantes,
E até famílias inteiras,
É pura malvadez
E o mundo precisa de pureza.
Mas como se justificam esses que nos acenam
Com alegria ao passarmos?
"O Mundo Clamoroso, Ainda", Manuel Resende
(Manuel Resende nasceu em 1948. Morreu hoje.)
Um título mortinho por sair
Os fazedores de títulos das primeiras páginas dos jornais desportivos andam desesperados. Há quase um mês que têm um título engatilhado, devidamente trocadilhado e de muito bom gosto, já na ponta da língua e pronto a disparar a ver quem é o primeiro, mas não há maneira do Corona do FC Porto marcar dois ou três golos num só jogo ou fazer a exibição do século...
José Manuel Capêlo 4
Se... em realidade
Se eu tivesse tempo de ser tempo
se o tempo tivesse tempo de ser eu
talvez que o tempo fosse mais tempo
e eu tivesse tempo de ser mais eu.
"Rostos e Sombras", José Manuel Capêlo
(José Manuel Capêlo nasceu no dia 29 de Janeiro de 1946. Morreu em 2010.)
Se eu tivesse tempo de ser tempo
se o tempo tivesse tempo de ser eu
talvez que o tempo fosse mais tempo
e eu tivesse tempo de ser mais eu.
"Rostos e Sombras", José Manuel Capêlo
(José Manuel Capêlo nasceu no dia 29 de Janeiro de 1946. Morreu em 2010.)
António Alçada Baptista 4
- Meu amor, isto parece absurdo mas é mesmo assim: quanto mais as pessoas são ricas por dentro, mais sentem a necessidade de reivindicar uma vida que esteja de acordo com aquilo que sentem, maior é a sua incomodidade e a sua insatisfação. A vida para estas pessoas é mais difícil e mais dolorosa embora tenha depois grandes compensações. As respostas que queremos não estão naquilo que os outros vivem e cada vez se encontram menos interlocutores para a nossa inquietação. Mas não te aflijas: os valores que nos deram não nos satisfazem e andamos à procura daquilo que os poderá substituir. Não creio que seja possível fazer grandes mudanças sem sofrimento, por isso temos é que procurar resistir com a serenidade que pudermos.
(António Alçada Baptista nasceu no dia 29 de Janeiro de 1927. Morreu em 2008.)
Manuel Ferreira 4
"Nha gente, fiquem sabendo, festa dagora não presta para nada. Mesmo nada. Noutro tempo era sabe de-mundo. tambor sem dança é mesmo que nada. Tambor quer-se acompanhado mulher còlando mulher batendo direito e com força."
Em boa verdade, os bons tempos de coladeira - aonde já vão? Aonde já vão eles, os tempos grandes de coladeira, gente? Hoje os tambores ecoam os tambores lançam a fúria pelos esconsos da cidade, em dia de São João, e lá no centro da ilha montuosa, nas terras de Manel Cantante, aí na deserta planície, fechada pelos montes, atiram à desgarrada, quentes bárbaros, uma toada de batuque degradado mas vivaz. Um grito desesperado de quem anda no mundo à procura da sua terra em busca da sua gente.
O Administrador proibiu a dança. E que é tambor sem dança, se ela nasceu com o tambor? Pergunta, e bem, nhô João. Só mesmo um tipo veio lá de longe podia ter tamanha salienteza. Só mesmo um estranho. O que é tambor sem coladeira?
"Morna", Manuel Ferreira
(Manuel Ferreira nasceu no dia 18 de Julho de 1917. Morreu em 1992.)
Rafael Dieste 5
O neno suicida
[...]
[...]
Cando adquiriu experiencia de abondo pensou que o mellor era manter secreta aquela estraña condición que o facía mías mozo cantos máis anos corresen. Así, non o sabendo ninguén - non sendo un ou dous amigos fieis - podería vivir mellor a súa verdadeira vida.
Traballou de vello e fíxose rico para folgar de mozo. Dos cincuenta ós quince anos a súa vida foi a máis feliz que se pode imaxinar. Cada día gustaba máis ás mozas e andou enleado con moitas e coas máis bonitas. E ata disque unha princesa... Pero diso non estou certo.
Cando chegou a neno encomenzou a vida a se lle ensarillar. Dáballe medo a sorpresa con que o vían entrar tan ceibe nas tendas a mercar lambetadas e xoguetes. Algún rateiro de viseira calada teno seguido ó longo de moitas rúas tortas. E algunha vez ten comido as súas lambetadas a tremer de anguria, coas bágoas nos ollos e o almibre nos beizos. A derradeira vez que o topei - tiña el oito anos - andaba moi triste. ¡Pesaban, ademais, tanto no seu espírito de neno os recordos da súa vellice!
Cando chegou a neno encomenzou a vida a se lle ensarillar. Dáballe medo a sorpresa con que o vían entrar tan ceibe nas tendas a mercar lambetadas e xoguetes. Algún rateiro de viseira calada teno seguido ó longo de moitas rúas tortas. E algunha vez ten comido as súas lambetadas a tremer de anguria, coas bágoas nos ollos e o almibre nos beizos. A derradeira vez que o topei - tiña el oito anos - andaba moi triste. ¡Pesaban, ademais, tanto no seu espírito de neno os recordos da súa vellice!
[...]
"Dos Arquivos do Trasno", Rafael Dieste
(Rafael Dieste nasceu no dia 29 de Janeiro de 1899. Morreu em 1981.)
Xosé Fernández Ferreiro 5
Ribeirana do Sil
Ribeirana do Sil,
cando pases o río,
pensa en min.
Ribeirana do Sil,
se vas ó convento,
reza por min.
Ribeirana do Sil,
se algún día queres,
quéreme a min.
Ribeirana do Sil,
o día que eu morra,
chora por min,
porque ribeirana,
ribeirana do Sil,
eu por ti morrín.
"Ribeirana do Sil", Xosé Fernández Ferreiro
(Xosé Fernández Ferreiro nasceu no dia 29 de Janeiro de 1931. Morreu em 2015.)
Ribeirana do Sil,
cando pases o río,
pensa en min.
Ribeirana do Sil,
se vas ó convento,
reza por min.
Ribeirana do Sil,
se algún día queres,
quéreme a min.
Ribeirana do Sil,
o día que eu morra,
chora por min,
porque ribeirana,
ribeirana do Sil,
eu por ti morrín.
"Ribeirana do Sil", Xosé Fernández Ferreiro
(Xosé Fernández Ferreiro nasceu no dia 29 de Janeiro de 1931. Morreu em 2015.)
terça-feira, 28 de janeiro de 2020
Carlos Magno, filho da Berta dos Pés Grandes
Carlos Magno nasceu em 742, filho de Pepino o Breve e de Berta de Laon, também conhecida como Berta dos Pés Grandes. Foi rei dos Francos e imperador do Ocidente, entre outros empregos e honrarias. Mais papista do que o Papa quando lhe dava jeito, conquistou meia Europa e teve, que se saiba, pelo menos quatro mulheres: Desiderata, Hildegarda de Vinzgouw, Fastrada e Luitgarda. Parece impossível que em Portugal não tenha passado de presidente da ERC, a imprestável Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
P.S. - No dia 28 de Janeiro de 814, Carlos Magno, o filho da Berta, morreu de pleurisia na cidade alemã de Aachen, conhecida em francês como Aix-la-Chapelle. Em Portugal, no dia 28 de Janeiro de 2020, a ERC continua a ser um monumental disparate, uma desnecessidade que nos custa os olhos da cara e que também já lá teve Azeredo Lopes, o das armas.
P.S. - No dia 28 de Janeiro de 814, Carlos Magno, o filho da Berta, morreu de pleurisia na cidade alemã de Aachen, conhecida em francês como Aix-la-Chapelle. Em Portugal, no dia 28 de Janeiro de 2020, a ERC continua a ser um monumental disparate, uma desnecessidade que nos custa os olhos da cara e que também já lá teve Azeredo Lopes, o das armas.
Presunção de Inocência
Mulher vaidosa, convencida, pedante e fanfarrona era Inocência. Daí é que vem a expressão.
António Arnaut 3
Portugal
Escrevo o teu nome, corpo inteiro
de uma saudade celular.
A imagem que me vem é dum pinheiro
numa fraga batida pelo mar.
Marinheiro
caminheiro
entre pélagos de noite e de luar.
Praia de vento à espera.
Ermas colinas, rugas do teu rosto,
cortadas por um longo veio de mosto
que traz em cada outono a primavera.
Trovador
lavrador
de um chão de saibro e quimera.
"Recolha Poética (1954-2017)", António Arnaut
(António Arnaut nasceu no dia 28 de Janeiro de 1936. Morreu em 2018.)
Escrevo o teu nome, corpo inteiro
de uma saudade celular.
A imagem que me vem é dum pinheiro
numa fraga batida pelo mar.
Marinheiro
caminheiro
entre pélagos de noite e de luar.
Praia de vento à espera.
Ermas colinas, rugas do teu rosto,
cortadas por um longo veio de mosto
que traz em cada outono a primavera.
Trovador
lavrador
de um chão de saibro e quimera.
"Recolha Poética (1954-2017)", António Arnaut
(António Arnaut nasceu no dia 28 de Janeiro de 1936. Morreu em 2018.)
Berecil Garay 4
Mensagem
Caiu sobre mim
pétala de flor: amor.
Começo ou fim?
Berecil Garay
(Berecil Garay nasceu no dia 28 de Janeiro de 1928. Morreu em 1996.)
Caiu sobre mim
pétala de flor: amor.
Começo ou fim?
Berecil Garay
(Berecil Garay nasceu no dia 28 de Janeiro de 1928. Morreu em 1996.)
Vergílio Ferreira 4
Cai a chuva abandonada
Cai a chuva abandonada
à minha melancolia,
a melancolia do nada
que é tudo o que em nós se cria.
a melancolia do nada
que é tudo o que em nós se cria.
Memória estranha de outrora
não a sei e está presente.
Em mim por si se demora
e nada em mim a consente
não a sei e está presente.
Em mim por si se demora
e nada em mim a consente
do que me fala à razão.
Mas a razão é limite
do que tem ocasião
Mas a razão é limite
do que tem ocasião
de negar o que me fite
de onde é a minha mansão
que é mansão no sem-limite.
Ao longe e ao alto é que estou
e só daí é que sou.
de onde é a minha mansão
que é mansão no sem-limite.
Ao longe e ao alto é que estou
e só daí é que sou.
"Conta-Corrente 1", Vergílio Ferreira
(Vergílio Ferreira nasceu no dia 28 de Janeiro de 1916. Morreu em 1996.)
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série Escritores,
Vergílio Ferreira
segunda-feira, 27 de janeiro de 2020
Microcontos & outras miudezas 191
Pobre país que assim despreza os seus
escritores
A Senhora Dona Carolina Salgado foi condenada pelo tribunal a quatro meses de prisão, substituída pelo pagamento de 600 euros de multa, por não ter cumprido parte de uma sentença a que tinha sido condenada pelo tribunal em Outubro de 2010. De acordo com o jornal Correio da Manhã, especialista em Carolina Salgado, "o juiz considerou como atenuantes na elaboração da sentença a idade da arguida e a sua situação socioeconómica". A Senhora Dona Carolina Salgado tem 42 anos, se os registos não enganam, e é lamentável que padeça de uma "situação socioeconómica". Pobre país que assim despreza os seus escritores!
P.S. - Por outro lado, para quem sofre de uma "situação socioeconómica", não seria preferível ir quatro meses para a cadeia, com cama, mesa e roupa lavada? Pelas minhas contas, seiscentos euros é muito dinheiro...
Saindo do armário
Um dia ele saiu do armário e disse: - Mãe, gosto de mulheres.
A perna extra
"Fiambre da perna extra" faz lembrar a "quinta pata do cavalo". O que é desagradável.
As pancadas de Jean-Baptiste Poquelin
O francês Jean-Baptiste Poquelin inventou as famosas pancadas de Jean-Baptiste Poquelin, as quais, secas e consecutivas, batidas no piso do palco, anunciavam ao público o início de um espectáculo teatral. Alguém alvitrou, no entanto, que chamar pancadas de Jean-Baptiste Poquelin às pancadas de Jean-Baptiste Poquelin não tinha jeito nenhum, até soava mal ao ouvido, e que chamar-lhes, por exemplo, pancadas de Molière seria muito mais engraçado. Tinha razão. As pancadas mudaram então o nome para Molière e Jean-Baptiste Poquelin também. Assim se passaram as coisas.
P.S. - Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido como Molière, nasceu no dia 15 de Janeiro de 1622. As pancadas de Molière foram entretanto substituídas por apitos ou campainhas e por uma voz de altifalante que manda desligar os telemóveis.
Expressão dramática
Via-se logo que era professora de expressão dramática. Estava na cara.
A Senhora Dona Carolina Salgado foi condenada pelo tribunal a quatro meses de prisão, substituída pelo pagamento de 600 euros de multa, por não ter cumprido parte de uma sentença a que tinha sido condenada pelo tribunal em Outubro de 2010. De acordo com o jornal Correio da Manhã, especialista em Carolina Salgado, "o juiz considerou como atenuantes na elaboração da sentença a idade da arguida e a sua situação socioeconómica". A Senhora Dona Carolina Salgado tem 42 anos, se os registos não enganam, e é lamentável que padeça de uma "situação socioeconómica". Pobre país que assim despreza os seus escritores!
P.S. - Por outro lado, para quem sofre de uma "situação socioeconómica", não seria preferível ir quatro meses para a cadeia, com cama, mesa e roupa lavada? Pelas minhas contas, seiscentos euros é muito dinheiro...
Saindo do armário
Um dia ele saiu do armário e disse: - Mãe, gosto de mulheres.
A perna extra
"Fiambre da perna extra" faz lembrar a "quinta pata do cavalo". O que é desagradável.
As pancadas de Jean-Baptiste Poquelin
O francês Jean-Baptiste Poquelin inventou as famosas pancadas de Jean-Baptiste Poquelin, as quais, secas e consecutivas, batidas no piso do palco, anunciavam ao público o início de um espectáculo teatral. Alguém alvitrou, no entanto, que chamar pancadas de Jean-Baptiste Poquelin às pancadas de Jean-Baptiste Poquelin não tinha jeito nenhum, até soava mal ao ouvido, e que chamar-lhes, por exemplo, pancadas de Molière seria muito mais engraçado. Tinha razão. As pancadas mudaram então o nome para Molière e Jean-Baptiste Poquelin também. Assim se passaram as coisas.
P.S. - Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido como Molière, nasceu no dia 15 de Janeiro de 1622. As pancadas de Molière foram entretanto substituídas por apitos ou campainhas e por uma voz de altifalante que manda desligar os telemóveis.
Expressão dramática
Via-se logo que era professora de expressão dramática. Estava na cara.
Abraçador de causas
Ele gostava de abraçar causas, mas era muito desajeitado. Foi acusado de assédio.
domingo, 26 de janeiro de 2020
É muito triste ser órfão
O
banqueiro corrupto e multimilionário ficou órfão aos 73 anos.
Disseram-lhe: "Quem não tem mãe não tem nada". Ligou logo para a Suíça.
Afonso Lopes Vieira 6
O segredo do mar
A "Flor do Mar" avançando
Navegava, navegava,
Lá para onde se via
O vulto que ela buscava.
Era tão grande, tão grande
Que a vista toda tapava.
E Bartolomeu erguido
Aos marinheiros bradava
Que ninguém tivesse medo
Do gigante que ali estava.
E mais perto agora estão
Do que procurando vão!
Bartolomeu que viu?
Que descobriu o valente?
- Que o gigante era um penedo
que tinha forma de gente?
Que era dantes o mar? Um quarto escuro
Onde os meninos tinham medo de ir.
Agora o mar é livre e é seguro
E foi um português que o foi abrir.
"Antologia Poética", Afonso Lopes Vieira
(Afonso Lopes Vieira nasceu no dia 26 de Janeiro de 1878. Morreu em 1946.)
A "Flor do Mar" avançando
Navegava, navegava,
Lá para onde se via
O vulto que ela buscava.
Era tão grande, tão grande
Que a vista toda tapava.
E Bartolomeu erguido
Aos marinheiros bradava
Que ninguém tivesse medo
Do gigante que ali estava.
E mais perto agora estão
Do que procurando vão!
Bartolomeu que viu?
Que descobriu o valente?
- Que o gigante era um penedo
que tinha forma de gente?
Que era dantes o mar? Um quarto escuro
Onde os meninos tinham medo de ir.
Agora o mar é livre e é seguro
E foi um português que o foi abrir.
"Antologia Poética", Afonso Lopes Vieira
(Afonso Lopes Vieira nasceu no dia 26 de Janeiro de 1878. Morreu em 1946.)
sábado, 25 de janeiro de 2020
Pai só há um
"Pai só há um", lamentou-se o professor-ensaiador, espreitando pela frincha da cortina a plateia
esgotada do teatrinho escolar. "O resto é tudo mães. Galinhas"...
Judith Teixeira 4
Delírios rubros
Quebro os nervos em torturas
como cordas ressequidas,
crispados por amarguras
nas minhas noites perdidas!
Ando na vida às escuras...
Se estendo as mãos doloridas,
abrasam-me mordeduras
de bocas encandescidas!
Sempre a fúria dos desejos,
a gritar pelos teus beijos
incendiando o meu sangue...
Traz-me o vento em seus clamores
presságios de novas dores -
e eu fico desfeita, exangue!
"Poesia e Prosa", Judith Teixeira
(Judith Teixeira nasceu no dia 25 de Janeiro de 1880. Morreu em 1959.)
Eusebio Lorenzo Baleirón 5
De ollos fechados
Os nenos da cidade procuran cando soñan
o rosto das imaxes dormidas entre a pedra
mais é grande a tristeza
e multiplas as formas do desexo que invocan.
É por iso que choran cando calan as fontes
e deitan sobre eles outros corpos preséncias;
água clara na hora da mañá descoberta,
tristeza entre a follaxe do seu turvo futuro.
Os nenos, na cidade, suspeitan da beleza
dun poente cinzento no mar das carruaxes,
coñecen cando chegan os anxos da loucura:
é por eles que agardan.
Os nenos, cando a tarde demora o seu final
escreben cousas tristes sobre as húmidas páxinas
e deixan tras de si unha auséncia de núbens
en que tamén eu soño: da luz para a palabra.
"O Corpo e as Sombras", Eusebio Lorenzo Baleirón
(Eusebio Lorenzo Baleirón nasceu no dia 25 de Janeiro de 1962. Morreu em 1986.)
Os nenos da cidade procuran cando soñan
o rosto das imaxes dormidas entre a pedra
mais é grande a tristeza
e multiplas as formas do desexo que invocan.
É por iso que choran cando calan as fontes
e deitan sobre eles outros corpos preséncias;
água clara na hora da mañá descoberta,
tristeza entre a follaxe do seu turvo futuro.
Os nenos, na cidade, suspeitan da beleza
dun poente cinzento no mar das carruaxes,
coñecen cando chegan os anxos da loucura:
é por eles que agardan.
Os nenos, cando a tarde demora o seu final
escreben cousas tristes sobre as húmidas páxinas
e deixan tras de si unha auséncia de núbens
en que tamén eu soño: da luz para a palabra.
"O Corpo e as Sombras", Eusebio Lorenzo Baleirón
(Eusebio Lorenzo Baleirón nasceu no dia 25 de Janeiro de 1962. Morreu em 1986.)
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sexta-feira, 24 de janeiro de 2020
E depois de Isabel dos Santos?
"Troika passa a reunir com Isabel dos Santos. Os responsáveis da troika estão fartos de falar com um Governo que não manda nada. 'Para intermediários - dizem -, já bastamos nós'. E na próxima visita a Portugal exigem reunir directamente com Isabel do Santos." Foi o que aqui escrevi no dia 3 de Julho de 2012, estava Pedro Passos Coelho em primeiro-ministro e já a filha do cleptocrata angolano José Eduardo dos Santos era a verdadeira proprietária disto tudo, com posições e interesses em mais de cento e cinquenta empresas portuguesas sobretudo dos sectores da energia, das telecomunicações, dos bancos e, dizem, da comunicação social, com destaque para a Efacec, o Eurobic, a Galp, a Amorim Energia e a NOS.
Agora, com a desgraça de Isabel dos Santos - que era mais do que nossa mãe, era nossa dona -, o que vai ser de nós?
Agora, com a desgraça de Isabel dos Santos - que era mais do que nossa mãe, era nossa dona -, o que vai ser de nós?
Mãe há só uma
Chamavam-lhe "filho desta e daquela", "filho de muitas mães". Ele defendia-se: - Mãe há só uma...
António Manuel Couto Viana 4
Bandeira rota
Eu chego sempre tarde quando chego;
Esqueço-me de mim, a conversar comigo,
Cavaleiro manchego!
- Que nobres intenções, na hora de sossego;
Que vãs prudências vis, na hora do perigo!
(A noiva que me fora prometida
Vai subir ao altar, por outro acompanhada,
Eu disse-me, demais, ao ouvido: "Toda a vida!"
Foi a pensar em mim que me rasguei na ferida
E fiquei para trás, a tropeçar na espada).
Quando escrevo "aventura" desconheço
Que a palavra tem sangue e carne e alma.
Sei-a moldar, mas só em barro ou gesso;
Doce carícia lírica num verso,
Quando a paisagem se distende, calma.
Mas quando me soluçam "Vem!" e é guerra
E esperam por mim, para um novo dia,
Indago-me: "O que fica além da terra?"
Que enigmas de fé meu sonho encerra,
Mascarando em prudência a covardia!
Pé ante pé, caminho, à espera, alerta,
Que venha ter comigo quem procuro;
Que me traga, em bandeja, uma vitória certa,
Que me enfie, no bolso, a índia descoberta
E eu possa, enfim, seguir, glorioso e seguro.
Por isso chego tarde quando chego;
Esquecido de mim, a conversar comigo.
Cavaleiro de manchego!
- Que nobres intenções, na hora do sossego;
Que vãs prudências vis, na hora do perigo!
António Manuel Couto Viana
(António Manuel Couto Viana nasceu no dia 24 de Janeiro de 1923. Morreu em 2010.)
Eu chego sempre tarde quando chego;
Esqueço-me de mim, a conversar comigo,
Cavaleiro manchego!
- Que nobres intenções, na hora de sossego;
Que vãs prudências vis, na hora do perigo!
(A noiva que me fora prometida
Vai subir ao altar, por outro acompanhada,
Eu disse-me, demais, ao ouvido: "Toda a vida!"
Foi a pensar em mim que me rasguei na ferida
E fiquei para trás, a tropeçar na espada).
Quando escrevo "aventura" desconheço
Que a palavra tem sangue e carne e alma.
Sei-a moldar, mas só em barro ou gesso;
Doce carícia lírica num verso,
Quando a paisagem se distende, calma.
Mas quando me soluçam "Vem!" e é guerra
E esperam por mim, para um novo dia,
Indago-me: "O que fica além da terra?"
Que enigmas de fé meu sonho encerra,
Mascarando em prudência a covardia!
Pé ante pé, caminho, à espera, alerta,
Que venha ter comigo quem procuro;
Que me traga, em bandeja, uma vitória certa,
Que me enfie, no bolso, a índia descoberta
E eu possa, enfim, seguir, glorioso e seguro.
Por isso chego tarde quando chego;
Esquecido de mim, a conversar comigo.
Cavaleiro de manchego!
- Que nobres intenções, na hora do sossego;
Que vãs prudências vis, na hora do perigo!
António Manuel Couto Viana
(António Manuel Couto Viana nasceu no dia 24 de Janeiro de 1923. Morreu em 2010.)
Augusto Meyer 6
Querência
Paisagem longa, na ondulação das coxilhas longas...
Debruns de caponetes...
Longes...
Oh! linhas suaves, como se houvesse
em cada coxilha uma saudade do chão
e alvos capões de nuvens muito brancas
no pampa azul de um infinito azul...
"Coração Verde", Augusto Meyer
(Augusto Meyer nasceu no dia 24 de Janeiro de 1902. Morreu em 1970.)
Paisagem longa, na ondulação das coxilhas longas...
Debruns de caponetes...
Longes...
Oh! linhas suaves, como se houvesse
em cada coxilha uma saudade do chão
e alvos capões de nuvens muito brancas
no pampa azul de um infinito azul...
"Coração Verde", Augusto Meyer
(Augusto Meyer nasceu no dia 24 de Janeiro de 1902. Morreu em 1970.)
quinta-feira, 23 de janeiro de 2020
Filho da mãe
Era filho da mãe todos os dias. Mas num dia em especial, uma vez por ano, fazia questão.
Animais de tiro... e queda
Foto Hernâni Von Doellinger |
Animal ou besta de tiro: animal que puxa um carro, na definição simplificadora do dicionário. Ou, mais desenvolvido, animal utilizado como tracção para o transporte de pessoas e mercadorias, aparelhos agrícolas como, por exemplo, o arado, ou como motor de noras e moinhos (chamam-se em Espanha moinhos de sangue).
Os principais animais de tiro são os cavalos, as mulas e os burros, os bois e as vacas, os ónagros, os camelos e dromedários, os iaques, os búfalos de água, os lamas, os alces e as renas do Pai Natal, os elefantes, os portugueses, as avestruzes e... os cães. Os cães: que antigamente tiravam só praticamente no Alasca e para o cinema, e agora, na marginal do Porto e Matosinhos, também puxam por jovens ciclistas e skaters radicais e manifestamente preguiçosos.
Outros animais de tiro, mas por diversa razão, são, aqui que ninguém nos ouve: o coelho-bravo, a lebre, a raposa e o saca-rabos; a perdiz-vermelha, o faisão, o pombo-da-rocha, o gaio, a pega-rabuda e a gralha-preta; o pato-real, a frisada, a marrequinha, o pato-trombeteiro, o marreco, o arrabio, a piadeira, o zarro-comum, a negrinha, a galinha-d´água, o galeirão, a tarambola-dourada, a galinhola, a rola-comum, a rola-turca, a codorniz, o pombo-bravo, o pombo torcaz, o tordo-zornal, o tordo-comum, o tordo-ruivo, a tordeia, o estorninho-malhado, a narceja-comum e a narceja-galega; o javali, o gamo, o veado, o corço e o muflão.
Para não saberem que vão morrer, a estes animais de tiro chamam-lhes espécies cinegéticas. É preciso que se note que o melro saiu da lista dos abatíveis em 2011, por ordem de Daniel Campelo, então secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural. Uma medida que seguramente marcou um extraordinário mandato, posto que breve.
Já os caracóis são obviamente animais de tiro porque puxam pela própria casa, andam com a rulote às costas (o que não acontece com as primas lesmas, essas viscosas sem-abrigo e nudistas descaradas), mas, pelos vistos, gostavam de ser ainda mais. Em 2015, uma campanha em nome destes simpáticos moluscos gastrópodes terrestres foi lançada pelos seus representantes legais, uma rapaziada bem disposta que sobretudo não quer que eles, os caracóis, sejam cozidos vivos. Seria, portanto, de lhes enfiar um balázio na cabeça, aos caracóis, e, então sim, metê-los na panela. Aos caracóis.
Com a coitada da lagosta é que ninguém se importa. Se calhar por ela ser podre de rica e pelar-se por uma sauna bem suada. Invejosos de merda...
Ariosto Teixeira 2
Adrenalina's
Bar
"Poemas do Front Civil", Ariosto Teixeira
A plebe
desfere punhaladas na noite do Adrenalina
Os meninos e
as meninas dentro da madrugada
Wodka
Uísque
Absinto
A gente só
queria o coração sacudir
Falar a noite
inteira
Mentir é tão
simples
Fugir é tão
fácil
De volta para
casa
Tudo vai ficar
bem
O corpo se
estende na sarjeta
Os hells
limparam seus canivetes
Na cara
chocolate do moleque
Encheram seu
corpo de chutes
E o deixaram
com o seu ninho de cobras verdes mortas nos olhos
Abro caminho
no deserto negro dos olhos da menina
Pouco importa
a guerra noturna em Beirute
O fogo a
consumir os prédios da capital
A velha
lágrima presa por um alfinete na retina
Onde estará
com seu jeito inquieto de pardal
A cabeça
raspada de skinhead
Talvez a perca
para sempre
Quem sabe a
encontro amanhã
A voar sobre a
colina lilás
Nada a fazer
Murmuro uma
velha canção
Espanco uma
lata de cerveja
Não me esqueça
Espero no
mesmo lugar
Apareça antes que mais
alguém morra no bar
"Poemas do Front Civil", Ariosto Teixeira
(Ariosto Teixeira nasceu em 1953. Morreu no dia 23 de Janeiro de 2010.)
quarta-feira, 22 de janeiro de 2020
Bailam corujas e pirilampos
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O vira,
Rua Brito e Cunha,
Secos & Molhados,
série Estou mesmo a ver o filme
Corta mais que um canivete
Era uma modinha antiga, do tempo em que havia respeito, não sei quem a cantava e o refrão dizia assim:
Corta mais que um canivete,
oh! que língua tão comprida.
Ora mete, mete, mete
a língua na tua vida.
Corta mais que um canivete,
oh! que língua tão comprida.
Ora mete, mete, mete
a língua na tua vida.
Lyad de Almeida 4
Finados.
Sacrifício das flores
para embelezar a morte...
"Tankas e Haikais Selecionados", Lyad de Almeida
(Lyad de Almeida nasceu no dia 22 de Janeiro de 1922. Morreu em 2000.)
Sacrifício das flores
para embelezar a morte...
"Tankas e Haikais Selecionados", Lyad de Almeida
(Lyad de Almeida nasceu no dia 22 de Janeiro de 1922. Morreu em 2000.)
Aureliano Pereira 6
Cousas de vellos
Cada vés que vou ò monte
paso por diante a tua casa,
y-ainda me lembro d' as noites
de brétema ou de xeada,
que ch' iba cantar à porta
a copra d' o tirinaina.
Y-ora rolóucame a risa
- e non rio por crianza -
cando n' a porta te vexo,
e 'n o sarego sentada
con un netiño 'n o colo
y-outro tirado 'n a lama.
E recordo cantas fixen
¡Dios que me deu! toleadas
por che falar unha miga
aló cand' o galo canta.
Casi se pode dicir
sin mentira ¡miña y-alma!
que c' os meus pasos abrin
a vereda d' a montana
e c' o rego dos meus ollos
medraron as espadanas.
Eu son abó, ti es abóa...
¡Xa che vai a conta larga!
Esto o tío Xan d' o Penedo
dixo à tía Pepa de Parga,
unha tardiña d' outono.
Despois, afalando as vacas,
votóuse pol-a vereda
levando diante a xugada
e dicindo dispaciño:
- Xa che vai a conta larga!...
¡Si m' acordo d' unha noite,
cando aló 'n a carballada
Ile din o pirmeiro bico!...
¡Ou, marela, condanada!...
"Cousas d'a Aldea: Versos Gallegos", Aureliano Pereira
(Aureliano Pereira nasceu no dia 22 de Janeiro de 1855. Morreu em 1906.)
Cada vés que vou ò monte
paso por diante a tua casa,
y-ainda me lembro d' as noites
de brétema ou de xeada,
que ch' iba cantar à porta
a copra d' o tirinaina.
Y-ora rolóucame a risa
- e non rio por crianza -
cando n' a porta te vexo,
e 'n o sarego sentada
con un netiño 'n o colo
y-outro tirado 'n a lama.
E recordo cantas fixen
¡Dios que me deu! toleadas
por che falar unha miga
aló cand' o galo canta.
Casi se pode dicir
sin mentira ¡miña y-alma!
que c' os meus pasos abrin
a vereda d' a montana
e c' o rego dos meus ollos
medraron as espadanas.
Eu son abó, ti es abóa...
¡Xa che vai a conta larga!
Esto o tío Xan d' o Penedo
dixo à tía Pepa de Parga,
unha tardiña d' outono.
Despois, afalando as vacas,
votóuse pol-a vereda
levando diante a xugada
e dicindo dispaciño:
- Xa che vai a conta larga!...
¡Si m' acordo d' unha noite,
cando aló 'n a carballada
Ile din o pirmeiro bico!...
¡Ou, marela, condanada!...
"Cousas d'a Aldea: Versos Gallegos", Aureliano Pereira
(Aureliano Pereira nasceu no dia 22 de Janeiro de 1855. Morreu em 1906.)
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Caminho 764
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ribeira da Riguinha e Carcavelos,
série Caminho de Santiago
Lois Carré Alvarellos 3
[...] preto da roseira onde horas antes arrincara a frol, parouse, tratou de domiñal-a postura que prematuramente encollía seu corpo, e n’un arranque de carraxe, puxo fin á aquela vida que tanto lle costaba sôster.
"Alevamento", Luís G. Vicencio
(Lois Carré Alvarellos, que também usou o pseudónimo de Luís G. Vicencio, nasceu no dia 22 de Janeiro de 1898. Morreu em 1965.)
"Alevamento", Luís G. Vicencio
(Lois Carré Alvarellos, que também usou o pseudónimo de Luís G. Vicencio, nasceu no dia 22 de Janeiro de 1898. Morreu em 1965.)
terça-feira, 21 de janeiro de 2020
Aníbal Otero 6
Corre, pulsa ligeira, non te esquezas
Corre, pulsa ligeira, non te esquezas
pasa diante de min, abre este tempo
que eu non podo pasar, caido en min, no fondo.
[...]
"Poemas Carcerarios de Aníbal Otero", Aníbal Otero
(Aníbal Otero nasceu no dia 21 de Janeiro de 1911. Morreu em 1974.)
Corre, pulsa ligeira, non te esquezas
pasa diante de min, abre este tempo
que eu non podo pasar, caido en min, no fondo.
[...]
"Poemas Carcerarios de Aníbal Otero", Aníbal Otero
(Aníbal Otero nasceu no dia 21 de Janeiro de 1911. Morreu em 1974.)
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segunda-feira, 20 de janeiro de 2020
Pobre país que assim despreza os seus escritores
A Senhora Dona Carolina Salgado foi hoje condenada pelo tribunal a quatro meses de prisão, substituída pelo pagamento de 600 euros de multa, por não ter cumprido parte de uma sentença a que tinha sido condenada pelo tribunal em Outubro de 2010. De acordo com o jornal Correio da Manhã, especialista em Carolina Salgado, "o juiz considerou como atenuantes na elaboração da sentença a idade da arguida e a sua situação socioeconómica". A Senhora Dona Carolina Salgado tem 42 anos, se os registos não enganam, e é lamentável que padeça de uma "situação socioeconómica". Pobre país que assim despreza os seus escritores!
P.S. - Por outro lado, para quem sofre de uma "situação socioeconómica", não seria preferível ir quatro meses para a cadeia, com cama, mesa e roupa lavada? Pelas minhas contas, seiscentos euros é muito dinheiro...
P.S. - Por outro lado, para quem sofre de uma "situação socioeconómica", não seria preferível ir quatro meses para a cadeia, com cama, mesa e roupa lavada? Pelas minhas contas, seiscentos euros é muito dinheiro...
Um membro maiúsculo
Solicitei, em tempo útil, a renovação da minha carteira
profissional. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista
informa-me que o meu pedido se encontra a "Aguardar a Avaliação por um
Membro", assim mesmo, um membro maiúsculo. No jornalismo em Portugal
os ordenados podem ser curtos, os empregos cada vez menos, a carteira custa 63 euros, mas de
membros estamos realmente muito bem servidos.
P.S. - Para os devidos efeitos, as solicitações nunca deverão ser efectuadas em tempo inútil.
P.S. - Para os devidos efeitos, as solicitações nunca deverão ser efectuadas em tempo inútil.
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