Foto Hernâni Von Doellinger |
domingo, 31 de dezembro de 2017
Em segunda mão com garantia
- Boa tarde...
- E o que vai ser?...
- Queria um ano.
- Novo?
- Pode ser usado, se tiver...
- E o que vai ser?...
- Queria um ano.
- Novo?
- Pode ser usado, se tiver...
Passagem do ano, segundo Drummond de Andrade
Passagem do ano
O último dia do ano
Não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
E novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
Farás viagens e tantas celebrações
De aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia
E coral,
Que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
Os irreparáveis uivos
Do lobo, na solidão.
O último dia do tempo
Não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
Onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
Uma mulher e seu pé,
Um corpo e sua memória,
Um olho e seu brilho,
Uma voz e seu eco.
E quem sabe até se Deus...
Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já se expirou, outras espreitam a morte,
Mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
E de copo na mão
Esperas amanhecer.
O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
O recurso da bola colorida,
O recurso de Kant e da poesia,
Todos eles... e nenhum resolve.
Surge a manhã de um novo ano.
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
Lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.
"A Rosa do Povo", Carlos Drummond de Andrade
O último dia do ano
Não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
E novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
Farás viagens e tantas celebrações
De aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia
E coral,
Que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
Os irreparáveis uivos
Do lobo, na solidão.
O último dia do tempo
Não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
Onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
Uma mulher e seu pé,
Um corpo e sua memória,
Um olho e seu brilho,
Uma voz e seu eco.
E quem sabe até se Deus...
Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já se expirou, outras espreitam a morte,
Mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
E de copo na mão
Esperas amanhecer.
O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
O recurso da bola colorida,
O recurso de Kant e da poesia,
Todos eles... e nenhum resolve.
Surge a manhã de um novo ano.
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
Lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.
"A Rosa do Povo", Carlos Drummond de Andrade
Junqueira Freire 2
Teus olhos
Que lindos olhos
Que estão em ti!
Tão lindos olhos
Eu nunca vi...
Pode haver belos
Mas não tais quais;
Não há no mundo
Quem tenha iguais.
São dois luzeiros,
São dois faróis:
Dois claros astros,
Dois vivos sóis.
Olhos que roubam
A luz de Deus:
Só estes olhos
Podem ser teus.
Olhos que falam
Ao coração:
Olhos que sabem
Dizer paixão.
Têm tal encanto
Os olhos teus!
- Quem pode mais?
Eles ou Deus?
"Poesias Completas", Junqueira Freire
(Junqueira Freire nasceu no dia 31 de Dezembro de 1832. Morreu em 1855.)
Que lindos olhos
Que estão em ti!
Tão lindos olhos
Eu nunca vi...
Pode haver belos
Mas não tais quais;
Não há no mundo
Quem tenha iguais.
São dois luzeiros,
São dois faróis:
Dois claros astros,
Dois vivos sóis.
Olhos que roubam
A luz de Deus:
Só estes olhos
Podem ser teus.
Olhos que falam
Ao coração:
Olhos que sabem
Dizer paixão.
Têm tal encanto
Os olhos teus!
- Quem pode mais?
Eles ou Deus?
"Poesias Completas", Junqueira Freire
(Junqueira Freire nasceu no dia 31 de Dezembro de 1832. Morreu em 1855.)
sábado, 30 de dezembro de 2017
Nogueira Tapety 2
Primaveril
É tempo de partir para o campo, Maria...
Vamos, que a Natureza em festa nos espera;
E na pompa da luz rebrilha a primavera,
Deslumbrante de sons, de aromas, de alegria...
Convalesce a floresta, a adusta ramaria,
Que o outono desfolhara, as cores recupera
E a jitirana em flor faz de cada tapera
Uma alcova nupcial perfumada e macia...
Vamos... Quando nós dois passarmos nos caminhos
Do côncavo do céu ao côncavo dos ninhos,
Hão de em coro aclamar cada passo que deres.
Vamos... Tu hás de ser, como eu sou, panteísta,
A amar a natureza, a implacável artista,
Que te fez a mais pura e a melhor das mulheres.
Nogueira Tapety
(Nogueira Tapety nasceu no dia 30 de Dezembro de 1890. Morreu em 1918.)
É tempo de partir para o campo, Maria...
Vamos, que a Natureza em festa nos espera;
E na pompa da luz rebrilha a primavera,
Deslumbrante de sons, de aromas, de alegria...
Convalesce a floresta, a adusta ramaria,
Que o outono desfolhara, as cores recupera
E a jitirana em flor faz de cada tapera
Uma alcova nupcial perfumada e macia...
Vamos... Quando nós dois passarmos nos caminhos
Do côncavo do céu ao côncavo dos ninhos,
Hão de em coro aclamar cada passo que deres.
Vamos... Tu hás de ser, como eu sou, panteísta,
A amar a natureza, a implacável artista,
Que te fez a mais pura e a melhor das mulheres.
Nogueira Tapety
(Nogueira Tapety nasceu no dia 30 de Dezembro de 1890. Morreu em 1918.)
Luís da Câmara Cascudo 2
O fiel Dom José
Era uma vez um príncipe que encontrou numa sapataria um rapaz tão vivo e simpático que desejou tê-lo como amigo e companheiro. O rei foi pedir ao sapateiro que desse seu filho para viver com o príncipe e o sapateiro cedeu. O rapaz se chamava José e o Rei deu o dom. Todo o mundo no reinado só o conhecia, daí em diante, por Dom José.
O príncipe e Dom José eram inseparáveis nas festas, passeios e caçadas. O rei tinha uma filha muito bonita mas invejosa e de mau gênio. Vendo aquela amizade do irmão com Dom José, enciumou-se e planejou desfazer o afeto que ligava os dois moços.
Uma manhã mandou dizer a Dom José que fosse conversar com ela no seu próprio quarto. Dom José procurou o príncipe, contou o convite e perguntou se devia ir.
- Vá, Dom José!
Dom José foi e a princesa recebeu-o muito bem e ficou meia hora conversando assuntos tolos, negócios da cidade, modas, etc. Meia hora depois Dom José saiu e foi narrar ao príncipe o que sucedera. No outro dia sucedeu o mesmo, mas a princesa prendeu o moço uma hora no seu quarto.
Apesar de sabedor de tudo, o príncipe começou a ficar desconfiado das conversas. Pela terceira vez a princesa mandou buscar Dom José e só o despediu hora e meia depois. Dom José repetiu toda a conversa ao seu amigo, mas o príncipe não acreditou e, julgando que ele tivesse tentado seduzir sua irmã, pediu ao rei para expulsá-lo do reinado. O rei, mesmo a contragosto, mandou Dom José sair e ir morar numa ilha distante.
[...]
"Contos Tradicionais do Brasil", Luís da Câmara Cascudo
(Luís da Câmara Cascudo nasceu no dia 30 de Dezembro de 1898. Morreu em 1986.)
Era uma vez um príncipe que encontrou numa sapataria um rapaz tão vivo e simpático que desejou tê-lo como amigo e companheiro. O rei foi pedir ao sapateiro que desse seu filho para viver com o príncipe e o sapateiro cedeu. O rapaz se chamava José e o Rei deu o dom. Todo o mundo no reinado só o conhecia, daí em diante, por Dom José.
O príncipe e Dom José eram inseparáveis nas festas, passeios e caçadas. O rei tinha uma filha muito bonita mas invejosa e de mau gênio. Vendo aquela amizade do irmão com Dom José, enciumou-se e planejou desfazer o afeto que ligava os dois moços.
Uma manhã mandou dizer a Dom José que fosse conversar com ela no seu próprio quarto. Dom José procurou o príncipe, contou o convite e perguntou se devia ir.
- Vá, Dom José!
Dom José foi e a princesa recebeu-o muito bem e ficou meia hora conversando assuntos tolos, negócios da cidade, modas, etc. Meia hora depois Dom José saiu e foi narrar ao príncipe o que sucedera. No outro dia sucedeu o mesmo, mas a princesa prendeu o moço uma hora no seu quarto.
Apesar de sabedor de tudo, o príncipe começou a ficar desconfiado das conversas. Pela terceira vez a princesa mandou buscar Dom José e só o despediu hora e meia depois. Dom José repetiu toda a conversa ao seu amigo, mas o príncipe não acreditou e, julgando que ele tivesse tentado seduzir sua irmã, pediu ao rei para expulsá-lo do reinado. O rei, mesmo a contragosto, mandou Dom José sair e ir morar numa ilha distante.
[...]
"Contos Tradicionais do Brasil", Luís da Câmara Cascudo
(Luís da Câmara Cascudo nasceu no dia 30 de Dezembro de 1898. Morreu em 1986.)
sexta-feira, 29 de dezembro de 2017
Alves Redol 5
O ar viciado entontecia-o à entrada, mas depois acabava por se habituar, procedendo em tudo como no tempo em que conferenciava com o avô. Adivinhava que o espreitavam por toda a parte, donde se podia avistar o mirante. E ali se conservava durante uma hora, pelo menos, sempre de pé, em atitude respeitosa, junto da mesa onde Diogo Relvas permanecia embalsamado e jovial.
Tirava-lhe o chapéu, dava-lhe uns borrifos de éter e escovava-lhe as barbas e o cabelo, de maneira a evitar que tomassem aquele aspecto de juta velha. Depois abria as cortinas para que todos assistissem ao encontro, deixando cerrada a janela que deitava para o poente, não se desse o caso de o sol lhe queimar o velho.
"Barranco de Cegos", Alves Redol
(Alves Redol nasceu no dia 29 de Dezembro de 1911. Morreu em 1969.)
Tirava-lhe o chapéu, dava-lhe uns borrifos de éter e escovava-lhe as barbas e o cabelo, de maneira a evitar que tomassem aquele aspecto de juta velha. Depois abria as cortinas para que todos assistissem ao encontro, deixando cerrada a janela que deitava para o poente, não se desse o caso de o sol lhe queimar o velho.
"Barranco de Cegos", Alves Redol
(Alves Redol nasceu no dia 29 de Dezembro de 1911. Morreu em 1969.)
Osvaldo Orico 2
Era uma carícia úmida, esquisita, escorregadia. Como se o lodo subisse do solo. E a enlameasse. Sempre tivera por aquele ente estranho uma grande piedade mas naquele momento, sentindo mais que a sua presença, o seu contato, tomava-se de medo, de nojo. Evitava, porém, denunciar o pavor que a dominava. E permanecia ali, imóvel, como que presa à terra, sem dizer palavra, sem fazer um movimento. O capataz, estimulado por uma aparente benevolência, avançava com as mãos pelos braços de Cholita, envolvendo-os em afagos súplices, derretidos... E como não encontrasse resistência, espalhava-as pelo rosto, pelos cabelos, sem que a moça se sentisse com ânimo de escorraçá-lo, de afastá-lo dali com os pés. Estava como que grudada ao solo, a respiração suspensa, os sentidos perturbados. Não se julgava dona de si mesma. Queria gritar; mas uma sensação nervosa lhe tapava a boca. Desejava fugir; mas as pernas desobedeciam à sua vontade, imobilizadas no terreno. E o pior é que as mãos de Pancho já não se contentavam com o rosto, nem com os cabelos. Varavam-lhe os seios, forçando o decote do vestido. Pela estrada, nenhuma sombra viva. Papaterra, desempenando o busto até antes acurvado e grotesco, ameaçava arrastá-la para o fundo do quintal, onde ele refocilava no brejo. Então sucedeu uma coisa que nem mesmo Cholita teria podido esperar: uma onda de sangue lhe degelou as pernas. E com elas arremeteu contra o capataz, obrigando-o a esgueirar-se pela sombra do jardim. Dali continuava a espreitá-la. Poucos passos o separavam do alvo. Humilhado e corrido, ameaçava-a ainda com a sua presença. Cholita alongou os olhos pela estrada, como a implorar proteção. E nada. De repente, sentiu que as vicejantes trepadeiras do alpendre desabavam, que a casa vinha abaixo, que as paredes não resistiam, que a terra se partia em pedaços, irritada e aflita, esticando os nervos na contorção de um minuto terrível, trágico. Um minuto, apenas...
"Marabaxo, Contos", Osvaldo Orico
(Osvaldo Orico nasceu no dia 29 de Dezembro de 1900. Morreu em 1981.)
"Marabaxo, Contos", Osvaldo Orico
(Osvaldo Orico nasceu no dia 29 de Dezembro de 1900. Morreu em 1981.)
Cândido Portinari
O Menino e o Povoado [Não tínhamos nenhum brinquedo]
Não tínhamos nenhum brinquedo
Comprado. Fabricamos
Nossos papagaios, piões,
Diabolô.
A noite de mãos livres e
pés ligeiros era: pique, barra-
manteiga, cruzado.
Certas noites de céu estrelado
E lua, ficávamos deitados na
Grama da igreja de olhos presos
Por fios luminosos vindos do céu
era jogo de
Encantamento. No silêncio podíamos
Perceber o menor ruído
Hora do deslocamento dos
Pequenos lumes... Onde andam
Aqueles meninos, e aquele
Céu luminoso e de festa?
Os medos desapareciam
Sem nada dizer nos recolhíamos
Tranquilos...
Não tínhamos nenhum brinquedo
Comprado. Fabricamos
Nossos papagaios, piões,
Diabolô.
A noite de mãos livres e
pés ligeiros era: pique, barra-
manteiga, cruzado.
Certas noites de céu estrelado
E lua, ficávamos deitados na
Grama da igreja de olhos presos
Por fios luminosos vindos do céu
era jogo de
Encantamento. No silêncio podíamos
Perceber o menor ruído
Hora do deslocamento dos
Pequenos lumes... Onde andam
Aqueles meninos, e aquele
Céu luminoso e de festa?
Os medos desapareciam
Sem nada dizer nos recolhíamos
Tranquilos...
"Poemas: o Menino e o Povoado, Aparições, a Revolta, uma Prece", Cândido Portinari
(Cândido Portinari nasceu no dia 29 de Dezembro de 1903. Morreu em 1962.)
Gustavo Barroso 2
Novembro. Andava-se já em seca brava. As águas tinham fugido. Entre os arbustos ressequidos terreavam mouchões de felga quistosos e nus, de onde o vento levantava à tarde uma poeirada de oiro.
Aos solavancos duros, o meu cavalo fatigado descia a última rampa da serra do Pereiro. Pela lomba íngreme, marcada de antigas aluviões erodentes, aqui e ali pungam touceiras enfezadas de arbustos espinhosos. A estrada sarjava de vermelho a terra desnuda, sem fiapos de gramíneas, com esqueletos de árvores. Só muito alto, onde havia mais frescura, azulesciam matos. A planície erma do sertão enchia-se da nevoaça das queimadas, acinzentando-se com o cair do dia. Para o poente esbatia-se uma amarelidez de crepúsculo. Alto, o céu era cinzento, deserto e tranqüilo como a paisagem. Um parecia refletir o outro. Todos os tons que durante o dia o sol esbraseara abrandavam-se, desmereciam: eram cinzento-pérola as capoeiras abertas, branco-cinza as extensões queimadas, azuladas as serranias que fugiam no horizonte, empastadas de bistre e sépia as várzeas que se ermavam e que se confundiam à distância. Raros sons quebravam a uniformidade do silêncio. Mais raros vultos moviam-se na tristeza monótona do cenário.
"Praias e Várzeas", Gustavo Barroso
(Gustavo Barroso nasceu no dia 29 de Dezembro de 1888. Morreu em 1959.)
Aos solavancos duros, o meu cavalo fatigado descia a última rampa da serra do Pereiro. Pela lomba íngreme, marcada de antigas aluviões erodentes, aqui e ali pungam touceiras enfezadas de arbustos espinhosos. A estrada sarjava de vermelho a terra desnuda, sem fiapos de gramíneas, com esqueletos de árvores. Só muito alto, onde havia mais frescura, azulesciam matos. A planície erma do sertão enchia-se da nevoaça das queimadas, acinzentando-se com o cair do dia. Para o poente esbatia-se uma amarelidez de crepúsculo. Alto, o céu era cinzento, deserto e tranqüilo como a paisagem. Um parecia refletir o outro. Todos os tons que durante o dia o sol esbraseara abrandavam-se, desmereciam: eram cinzento-pérola as capoeiras abertas, branco-cinza as extensões queimadas, azuladas as serranias que fugiam no horizonte, empastadas de bistre e sépia as várzeas que se ermavam e que se confundiam à distância. Raros sons quebravam a uniformidade do silêncio. Mais raros vultos moviam-se na tristeza monótona do cenário.
"Praias e Várzeas", Gustavo Barroso
(Gustavo Barroso nasceu no dia 29 de Dezembro de 1888. Morreu em 1959.)
Jáder de Carvalho 2
Eu me enganei
Eu me enganei quando disse: "É o fim!"
Via-me no espelho: a neve no cabelo.
As rugas se cruzavam no meu rosto.
A vista se cansava. Ah, era o fim!
Dentro do peito, o coração batia.
Em contraste com o rosto, a alma era jovem.
Eu gostava do cheiro das mulheres:
ia do olfato às profundezas d’alma.
Pensei: "A vida não me chega ao termo.
Sou todo vida. Só por fora é a morte."
E o mundo viu minha ressurreição.
Ah, quantas noites dormirei contigo!
Ah, quanto sol-nascente inda me espera!
A estrada é longa, mas não cansarei!...
Eu me enganei quando disse: "É o fim!"
Via-me no espelho: a neve no cabelo.
As rugas se cruzavam no meu rosto.
A vista se cansava. Ah, era o fim!
Dentro do peito, o coração batia.
Em contraste com o rosto, a alma era jovem.
Eu gostava do cheiro das mulheres:
ia do olfato às profundezas d’alma.
Pensei: "A vida não me chega ao termo.
Sou todo vida. Só por fora é a morte."
E o mundo viu minha ressurreição.
Ah, quantas noites dormirei contigo!
Ah, quanto sol-nascente inda me espera!
A estrada é longa, mas não cansarei!...
Jáder de Carvalho
(Jáder de Carvalho nasceu no dia 29 de Dezembro de 1901. Morreu em 1985.)
Augusto Fera 5
Quem diz que há festa tão bela
Como a noitada tripeira
Ou tem os olhos com remela
Ou língua que diz asneira.
"Cruz de Chumbo e Outros Poemas", Augusto Fera
(Augusto Fera nasceu no dia 29 de Dezembro de 1939. Morreu em 2012.)
Como a noitada tripeira
Ou tem os olhos com remela
Ou língua que diz asneira.
"Cruz de Chumbo e Outros Poemas", Augusto Fera
(Augusto Fera nasceu no dia 29 de Dezembro de 1939. Morreu em 2012.)
quinta-feira, 28 de dezembro de 2017
Quando o homem vence o cancro (ou o motociclo)
Um dos títulos mais useiramente infelizes na nossa comunicação social
são dois: "Fulano venceu o cancro" e "Sicrano derrotado pelo cancro".
Os heróis e os falhados. Ultrapassa-se o cancro simplesmente porque se
faz muita força, morre-se de cancro por indecente e má figura.
Ora, a realidade lá fora dos teclados e da tabela de vendas não é assim. Sobreviver ao cancro está muito pouco nas mãos de quem o padece. Depende de tantas e tantas variáveis exteriores ao doente e à "coragem" do doente, que só vou citar duas, dinheiro e médicos, e nada é garantido, e tudo se resume, no final, a tempo, sorte ou azar. Não há fortes e fracos, competentes e incompetentes, lutadores e cobardes. Não há vencedores nem vencidos nisto do cancro, assunto sério. É a vida.
Imagine-se o ridículo que seria levar o jargão jornalístico até às últimas consequências e, em casos de atropelamento, escrevermos, elogiando os sobreviventes, "Fulano venceu a motorizada", aos pontos obviamente, ou, injustiçando os mortos, "Sicrano derrotado pelo motociclo". Horrível, não é? Pois com o cancro também.
P.S. - Texto escrito e publicado originalmente no dia 10 de Maio de 2014, então com o título "Quando o homem vence o motociclo".
Ora, a realidade lá fora dos teclados e da tabela de vendas não é assim. Sobreviver ao cancro está muito pouco nas mãos de quem o padece. Depende de tantas e tantas variáveis exteriores ao doente e à "coragem" do doente, que só vou citar duas, dinheiro e médicos, e nada é garantido, e tudo se resume, no final, a tempo, sorte ou azar. Não há fortes e fracos, competentes e incompetentes, lutadores e cobardes. Não há vencedores nem vencidos nisto do cancro, assunto sério. É a vida.
Imagine-se o ridículo que seria levar o jargão jornalístico até às últimas consequências e, em casos de atropelamento, escrevermos, elogiando os sobreviventes, "Fulano venceu a motorizada", aos pontos obviamente, ou, injustiçando os mortos, "Sicrano derrotado pelo motociclo". Horrível, não é? Pois com o cancro também.
P.S. - Texto escrito e publicado originalmente no dia 10 de Maio de 2014, então com o título "Quando o homem vence o motociclo".
Ramsés Ramos
Hay kai da espera
(ao mário quintana)
enquanto você
guarda e aguarda
eu aguardente
Ramsés Ramos
(Ramsés Ramos nasceu no dia 28 de Dezembro de 1962. Morreu em 1998.)
(ao mário quintana)
enquanto você
guarda e aguarda
eu aguardente
Ramsés Ramos
(Ramsés Ramos nasceu no dia 28 de Dezembro de 1962. Morreu em 1998.)
Inglês de Sousa 5
Às vezes saíam a dar um passeio pelo cacaual, primeiro teatro dos seus amores, e entretinham-se a ouvir o canto sensual dos passarinhos ocultos na ramagem, chegando-se bem um para o outro, entrelaçando as mãos. Um dia quiseram experimentar se o leito de folhas secas que recebera o seu primeiro abraço lhes daria a mesma hospitalidade daquela manhã de paixão ardente e louca, mas reconheceram com um fastio súbito que a rede e a marquesa, sobretudo a marquesa do Padre-Santo João da Mata, eram mais cômodas e mais asseadas.
Outras vezes vagavam pelo campo, pisando a relva macia que o gado namorava, e assistiam complacentemente a cenas ordinárias de amores bestiais. Queriam, então, à plena luz do sol, desafiando a discrição dos maçaricos e das colhereiras cor-de-rosa, esquecer entre as hastes do capim crescido, nos braços um do outro, o mundo e a vida universal. A Faustina ficara em casa. João Pimenta e o Felisberto pescavam no furo e estariam bem longe. Na vasta solidão do sítio pitoresco só eles e os animais, oferecendo-lhes a cumplicidade do seu silêncio invencível. A intensa claridade do dia excitava-os. O sol mordia-lhes o dorso, fazendo-lhes uma carícia quente que lhes redobrava o prazer buscado no extravagante requinte.
"O Missionário", Inglês de Sousa
(Inglês de Sousa nasceu no dia 28 de Dezembro de 1853. Morreu em 1918.)
Outras vezes vagavam pelo campo, pisando a relva macia que o gado namorava, e assistiam complacentemente a cenas ordinárias de amores bestiais. Queriam, então, à plena luz do sol, desafiando a discrição dos maçaricos e das colhereiras cor-de-rosa, esquecer entre as hastes do capim crescido, nos braços um do outro, o mundo e a vida universal. A Faustina ficara em casa. João Pimenta e o Felisberto pescavam no furo e estariam bem longe. Na vasta solidão do sítio pitoresco só eles e os animais, oferecendo-lhes a cumplicidade do seu silêncio invencível. A intensa claridade do dia excitava-os. O sol mordia-lhes o dorso, fazendo-lhes uma carícia quente que lhes redobrava o prazer buscado no extravagante requinte.
"O Missionário", Inglês de Sousa
(Inglês de Sousa nasceu no dia 28 de Dezembro de 1853. Morreu em 1918.)
Armando Cotarelo Valledor 2
LUMIA.- Vaya, conta do teu soño.
MADANELA.- Fóramolo rescibir abordo. Breixo nos levaba na minueta, bandeira en popa. El estaba alá enriba, na amura, saudando co sombreiro. Vosté ben sabe como é danzal e fampista.
LUMIA.- Vaya, conta do teu soño.
MADANELA.- Certo. Temíase de vostede e desviábase. Esterrecía entrar na casa; na outra, que de ésta non sabe que nos mudamos. Des aquí verémolo sobre cuberta. Cuase vivimos á nado. Boeno, ¡Qué alegría, madre! El saudaba... tirándome bicos. Pero eu non podía chegarlle...
LUMIA.- ¡Cousas dos soños!...
MADANELA.- Fóramolo rescibir abordo. Breixo nos levaba na minueta, bandeira en popa. El estaba alá enriba, na amura, saudando co sombreiro. Vosté ben sabe como é danzal e fampista.
LUMIA.- Vaya, conta do teu soño.
MADANELA.- Certo. Temíase de vostede e desviábase. Esterrecía entrar na casa; na outra, que de ésta non sabe que nos mudamos. Des aquí verémolo sobre cuberta. Cuase vivimos á nado. Boeno, ¡Qué alegría, madre! El saudaba... tirándome bicos. Pero eu non podía chegarlle...
LUMIA.- ¡Cousas dos soños!...
"Mourenza", Armando Cotarelo Valledor
(Armando Cotarelo Valledor nasceu no dia 28 de Dezembro de 1879. Morreu em 1950.)
quarta-feira, 27 de dezembro de 2017
Microcontos & outras miudezas 63
Delícias do mar
Velhos tempos
Chamava-se Glória Dias, morava em Campolide e garantia que, no seu tempo, fora a musa inspiradora de Bruce Springsteen...
Era um homem muito antigo
Era um tipo muito antigo. Falavam-lhe em gigas e ele imaginava cestas...
Um conto de Natal
Um conto de Natal era geralmente uma seca. Já um conto de réis eram mil escudos. Uma pipa de massa naquele tempo, é preciso que se note.
Areia
macia e morna, água, o sal da terra, cheiro a argaço, sol quando Deus
quer, a brisa nas ventas, o falar das ondas, o silêncio do horizonte a
ganhar de vista, madrugadas de pés molhados, ocasos de fogo, Apúlia, um
fino bem tirado, pescadores,
peixeiras, surfistas, parassurfistas, ciclistas e todos os tipos de
nudistas, a Foz, Matosinhos, a ver navios, os números do Porto de
Leixões,
camarão da costa, gambas no Peixoto de Fafe, cracas em São Mateus,
alcatra de peixe no Boca Negra,
lapas em casa do Victor e da Ana, ilha Terceira, ilha Terceira, ilha
Terceira, ecos de Nemésio, mexilhões de vinagreta, masoquistas
esturricando agosto e
areando os entrefolhos, amêijoas à Bulhão Pato no portinho de Âncora, o
bacalhau assado na brasa do Senhor Álvaro em Valença, o bacalhau assado
no forno pela minha mãe, o bacalhau de quarto da minha avó de Basto, os
bolinhos de bacalhau da minha avó da Bomba, a punheta de bacalhau do meu
cunhado Álvaro, as trutas "do Coura" do querido amigo Vilaça Pinto,
que, palavra de honra, era como se fossem marítimas, polvo de
molho-verde, as lulas recheadas da minha sogra, as sardinhas da Dona
Dina, navalhas na chapa, arroz de tomate com petinga, ou com
jaquinzinhos, ou arroz de grelos com, ou arroz de feijão com, mas
malando, malandro, malandro, ou, supra-sumo dos supra-sumos, o arroz de
feijão vermelho com grelos e bacalhau frito da minha cunhada Isabel,
fanecas,
biqueirão, pescadinha de rabo na boca, filetes de peixe-galo, a raia
frita do
Salta o Muro aqui à porta, a lagosta da ilha de São Jorge comida à
ganância e à moina, as percebes da ilha do Sal, as bandejas das
rias galegas, carapaus grelhados no quintal do meu sogro, ostras de
Setúbal degustadas em Bordéus, os tremoços da Marrequinha da Recta. Isto
são delícias do mar. Outra coisa não:
Fitas de nastro tingidas de cor-de-rosa gomitado, cortadas em palitos
empacotados em vácuo e refrigerados não são, por mais que lhes chamem,
delícias do mar!Velhos tempos
Chamava-se Glória Dias, morava em Campolide e garantia que, no seu tempo, fora a musa inspiradora de Bruce Springsteen...
Era um homem muito antigo
Era um tipo muito antigo. Falavam-lhe em gigas e ele imaginava cestas...
Um conto de Natal
Um conto de Natal era geralmente uma seca. Já um conto de réis eram mil escudos. Uma pipa de massa naquele tempo, é preciso que se note.
Alexandre Pinheiro Torres 2
A morte nas ilhas (afortunadas?)
Se eu fosse água que milagre celebraria?
Nem sou sequer ainda a sua evaporação.
Não é as ilhas que os sonhos rebentam?
Eu vi as ninfas emergindo das águas
fartas de ilhas querendo invadir as caravelas:
quilhas afiadas no esmeril da areia.
A que trajecto pertenço? Todas as ilhas
São sementes de agonia. Nelas crescem fortalezas
aonde assomam às areias heróis que são
crianças mortas: quartos esquecidos duma casa.
A derrota são os canhões silenciosos pela aurora.
Nem a existência de um rei é um estandarte.
"A Flor Evaropada", Alexandre Pinheiro Torres
(Alexandre Pinheiro Torres nasceu no dia 27 de Dezembro de 1923. Morreu em 1999.)
Se eu fosse água que milagre celebraria?
Nem sou sequer ainda a sua evaporação.
Não é as ilhas que os sonhos rebentam?
Eu vi as ninfas emergindo das águas
fartas de ilhas querendo invadir as caravelas:
quilhas afiadas no esmeril da areia.
A que trajecto pertenço? Todas as ilhas
São sementes de agonia. Nelas crescem fortalezas
aonde assomam às areias heróis que são
crianças mortas: quartos esquecidos duma casa.
A derrota são os canhões silenciosos pela aurora.
Nem a existência de um rei é um estandarte.
"A Flor Evaropada", Alexandre Pinheiro Torres
(Alexandre Pinheiro Torres nasceu no dia 27 de Dezembro de 1923. Morreu em 1999.)
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Antônio Joaquim da Rosa 2
Um estrangeiro, percorrendo a bela província de S. Paulo, escreveu as impressões da sua viagem, que foram publicadas em um jornal da época.
Em um dos períodos desse escrito nos recordamos de ter lido que o autor se impressionara vivamente por ter encontrado nas nossas estradas algumas cruzes, tomando todas elas como testemunho de assassinatos cometidos nesses lugares.
Quem tiver lido esse trecho, a que nos referimos, pensará que o Brasil é habitado por bárbaros vingativos, como os corsos, sempre com a faca em punho ou com o bacamarte engatilhado, e que este solo abençoado, que serviu de berço ao nobre Amador Bueno da Ribeira, é mais fertilizado pelo sangue precioso de seus filhos do que pelos rios caudalosos que regam as suas entranhas, e pelas chuvas, ora tempestuosas, as mais das vezes bran das e serenas, que humedecem a sua superfície.
Até certo ponto não cndenamos o autor com toda a indignação, com toda a severidade que exige uma difamação tão afrontosa quão imerecida, contra a qual protestam altamente a nossa civilização, a nossa moralidade, os nossos costumes brandos, pacíficos e nobres.
Além do direito de adulterar, a que se têm arrogado todos os estrangeiros que têm escrito acerca da nossa terra, podia esse autor ser iludido pelas impressões de momento, por factos isolados, por informações inexactas.
Verdade é que uma ou outra cruz plantada à beira das nossas estradas revela ao viajante que ali tombou uma vítima que seguia seu caminho, talvez a cismar no anjo que deixara entre suspiros e lágrimas.
Em um dos períodos desse escrito nos recordamos de ter lido que o autor se impressionara vivamente por ter encontrado nas nossas estradas algumas cruzes, tomando todas elas como testemunho de assassinatos cometidos nesses lugares.
Quem tiver lido esse trecho, a que nos referimos, pensará que o Brasil é habitado por bárbaros vingativos, como os corsos, sempre com a faca em punho ou com o bacamarte engatilhado, e que este solo abençoado, que serviu de berço ao nobre Amador Bueno da Ribeira, é mais fertilizado pelo sangue precioso de seus filhos do que pelos rios caudalosos que regam as suas entranhas, e pelas chuvas, ora tempestuosas, as mais das vezes bran das e serenas, que humedecem a sua superfície.
Até certo ponto não cndenamos o autor com toda a indignação, com toda a severidade que exige uma difamação tão afrontosa quão imerecida, contra a qual protestam altamente a nossa civilização, a nossa moralidade, os nossos costumes brandos, pacíficos e nobres.
Além do direito de adulterar, a que se têm arrogado todos os estrangeiros que têm escrito acerca da nossa terra, podia esse autor ser iludido pelas impressões de momento, por factos isolados, por informações inexactas.
Verdade é que uma ou outra cruz plantada à beira das nossas estradas revela ao viajante que ali tombou uma vítima que seguia seu caminho, talvez a cismar no anjo que deixara entre suspiros e lágrimas.
"A Cruz de Cedro", Antônio Joaquim da Rosa
(Antônio Joaquim da Rosa nasceu em 1821. Morreu no dia 27 de Dezembro de 1886.)
Júlio Perneta 2
Exéquias
Hoje, relendo a Bíblia da existência,
Parei, chorando, em meio da leitura;
Havia em tudo emanações da essência
De teu sorriso e minha desventura.
Em cada trecho, eu ia relembrando
O teu perfil esplêndido e sonoro,
- Sombra que passa, célere, cantando
A minha mágoa, pela tuba de ouro.
E, como sombras hipnotizadas,
Passa, chorando, o triste amor desfeito,
O cortejo das almas desgraçadas;
E ris; teu riso é como uma ironia
Que vem desabrochar dentro em meu peito
O eterno lótus da Melancolia.
Júlio Perneta
(Júlio Perneta nasceu no dia 27 de Dezembro de 1869. Morreu em 1921.)
Parei, chorando, em meio da leitura;
Havia em tudo emanações da essência
De teu sorriso e minha desventura.
Em cada trecho, eu ia relembrando
O teu perfil esplêndido e sonoro,
- Sombra que passa, célere, cantando
A minha mágoa, pela tuba de ouro.
E, como sombras hipnotizadas,
Passa, chorando, o triste amor desfeito,
O cortejo das almas desgraçadas;
E ris; teu riso é como uma ironia
Que vem desabrochar dentro em meu peito
O eterno lótus da Melancolia.
Júlio Perneta
(Júlio Perneta nasceu no dia 27 de Dezembro de 1869. Morreu em 1921.)
terça-feira, 26 de dezembro de 2017
Também está bem...
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Lições de História 19: Hermógenes
Hermógenes era um filósofo grego que viveu nos séculos V e IV antes de Cristo. Filho de Hipónico e de Cálias III, pertencentes à abastada família Cálias da qual viria a sair a soprano Maria, frequentou Platão e são-lhe atribuídas tiradas tão extraordinárias como, por exemplo: "Quem fica deitado pode não cair, mas não aprende a andar" ou "O viajante nunca está só. Anda com ele o desejo de chegar". A crítica da época não lhe reconhecia grande génio.
Se calhar por isso, anos mais tarde, isto é por volta de 1970, Hermógenes dedicou-se ao futebol. Foi um honesto defesa direito sobretudo ao serviço do seu Rio Ave, onde jogou mais de dez épocas, e ainda teve tempo de passar pelo meu Fafe, em 1982-1983, antes de terminar a carreira novamente em casa, Vila do Conde, por volta de 1986.
Se calhar por isso, anos mais tarde, isto é por volta de 1970, Hermógenes dedicou-se ao futebol. Foi um honesto defesa direito sobretudo ao serviço do seu Rio Ave, onde jogou mais de dez épocas, e ainda teve tempo de passar pelo meu Fafe, em 1982-1983, antes de terminar a carreira novamente em casa, Vila do Conde, por volta de 1986.
segunda-feira, 25 de dezembro de 2017
Eufemisticamente falando
Sendo o cego invisual e o surdo insonoro, serão o manco impodal e o maneta imanual?...
Irene Lisboa 4
Solidão
Cai chuva, chora.
Chora, chora.
Solidão, solidão!
Cai chuva, chora.
Chora, chora.
Solidão, solidão!
Já não canta o pássaro.
Calou-se a voz, a alegre, a rara.
A que se ouvia solitária.
Cai chuva.
Não sou freira e estou num convento.
A paz, o silêncio, a chuva, os claustros...
Ser freira!
O sequestro, cantar, rezar.
Cai chuva, rude e sem dor.
Tu não choras.
Sou eu que choro.
Que é do pássaro, como cantava?
Voltou, voltou. Pia!
Bendito pássaro, onde estás?
Acompanha-me, já não chove.
Solidão, melancolia.
"Outono Havias de Vir", Irene Lisboa
(Irene Lisboa nasceu no dia 25 de Dezembro de 1892. Morreu em 1958.)
Luís Cristóvão dos Santos
A princípio o taumaturgo descreveu as delícias do céu, os querubins tocando harpa e uma nuvem de incenso vagando no azul, entre anjos e santos. A multidão ouvia em silêncio, maravilhada e boquiaberta. Então, de repente, o frade mudou. Sacudiu os braços e soltou a maldição terrível: - Homens sem Deus, mergulhados na lama do pecado. Amancebados! Mentirosos! Adúlteros! Arrependei-vos de vossos pecados! - E passou a descrever as torturas do inferno. Labaredas subiam, tochas ardendo, um relógio marcando: Sempre! Sempre! Nunca! Nunca! Que são as horas da Eternidade. E no meio da fornalha, o suplício do fumaceiro de enxofre sufocando tudo. Aí a multidão se abateu, lábias ciciavam. "Eu pecador, me confesso a Deus", almas tremendo de pavor, como corpos sacudidos de maleita. Junto de mim um matuto de Quitimbu tinha os olhos esgazeados. Cheguei mesmo a ver o suor lhe empastando a fronte morena. Uma velha traçou o xale com força, cobrindo a cabeça toda, temendo a baforada do satanás. E ao meu lado um soldado desatou o lenço que trazia ao pescoço, como se a coisa lhe abafasse a respiração. E, voltando-se para um companheiro, avisou que ia tomar uma "bicada" pois o cheiro de enxofre estava lhe sufocando a garganta. Depois, Frei Damião baixou os braços, serenou a voz. Nunca, na minha vida, vi silêncio maior.
"Frei Damião - O Missionário dos Sertões", Luís Cristóvão dos Santos
(Luís Cristóvão dos Santos nasceu no dia 25 de Dezembro de 1916. Morreu em 1997.)
Manuel Benício Fontenelle
A ti, berço dos sonhos, o meu sonho.
Mãe de Odorico, de Gonçalves Dias,
Terra onde saudosos olhos ponho,
Minha terra, mãe minha, as harmonias
Acolhe do meu débil alaúde
E entre os gloriosos sons dele o som rude.
Ó gigante que estás do mar à borda,
Sentinela deitado, alto mistério,
Pelas horas da noite, a um sopro acorda
Que passa te abalando em roda o império,
Sopro do Mal, e d'harpa que ao horror freme
Acolhe o frémito, o cantar que treme.
[...]
"Satanópolis", Manuel Benício Fontenelle
(Manuel Benício Fontenelle nasceu no dia 25 de Dezembro de 1828. Morreu em 1895.)
Mãe de Odorico, de Gonçalves Dias,
Terra onde saudosos olhos ponho,
Minha terra, mãe minha, as harmonias
Acolhe do meu débil alaúde
E entre os gloriosos sons dele o som rude.
Ó gigante que estás do mar à borda,
Sentinela deitado, alto mistério,
Pelas horas da noite, a um sopro acorda
Que passa te abalando em roda o império,
Sopro do Mal, e d'harpa que ao horror freme
Acolhe o frémito, o cantar que treme.
[...]
"Satanópolis", Manuel Benício Fontenelle
(Manuel Benício Fontenelle nasceu no dia 25 de Dezembro de 1828. Morreu em 1895.)
domingo, 24 de dezembro de 2017
Um conto de Natal
Um conto de Natal era geralmente uma seca. Já um conto de réis eram mil escudos. Uma pipa de massa naquele tempo, é preciso que se note.
Sobral Júnior
O desterrado
Junto ao mar, numa escarpa de granito
Beijada pelas ondas docemente,
Queda, em silêncio, o pálido proscrito,
A enxugar longa lágrima dolente.
Bem ao longe, na curva do infinito,
Se atufa a luz do sol resplandecente.
Como a rezar, sussurra a vento aflito,
Enquanto desce a triste noite algente.
Pensa na Pátria o pobre desterrado,
Pensa em revê-la, pensa, noite e dia,
Sem que chegue esse instante desejado...
E, à luz da lua que a amplidão invade,
Em tudo pondo o alvor da nostalgia,
Os olhos cerra, morto de saudade!
Junto ao mar, numa escarpa de granito
Beijada pelas ondas docemente,
Queda, em silêncio, o pálido proscrito,
A enxugar longa lágrima dolente.
Bem ao longe, na curva do infinito,
Se atufa a luz do sol resplandecente.
Como a rezar, sussurra a vento aflito,
Enquanto desce a triste noite algente.
Pensa na Pátria o pobre desterrado,
Pensa em revê-la, pensa, noite e dia,
Sem que chegue esse instante desejado...
E, à luz da lua que a amplidão invade,
Em tudo pondo o alvor da nostalgia,
Os olhos cerra, morto de saudade!
Sobral Júnior
(Sobral Júnior nasceu no dia 24 de Dezembro de 1890)
Fernando Castro
os ciclistas
como se o binóculo
trouxesse para dentro de si
despejos e recortes
da
paisagem
e os raios solares
se confundissem com os giros da bicicleta
que se espalham em torno da área presumível
por faixa e emblemas
- é o reino das ciclovias e certames
onde os ciclistas
abraçam o vazio e se despedem
em horizontes flutuantes
e
penetram no espaço de vasos taoistas
que descoberto em arestas e recipientes em torno
criam a profundidade do exterior
- Assim -,
o teu corpo
erguido em pilares
que circulam como vias de acesso
expele contínuas tonalidades de vidraças
momento em que o dorso se inclina
como folha de plátano recém-incendiada
quase tangendo os recantos da paisagem
dentro do binóculo
é
como os ciclistas conduzem
teu primeiro suspiro noturno
(sem lembrança)
"Os Ciclistas e Outros Poemas", Fernando Castro
(Fernando Castro nasceu no dia 24 de Dezembro de 1935)
como se o binóculo
trouxesse para dentro de si
despejos e recortes
da
paisagem
e os raios solares
se confundissem com os giros da bicicleta
que se espalham em torno da área presumível
por faixa e emblemas
- é o reino das ciclovias e certames
onde os ciclistas
abraçam o vazio e se despedem
em horizontes flutuantes
e
penetram no espaço de vasos taoistas
que descoberto em arestas e recipientes em torno
criam a profundidade do exterior
- Assim -,
o teu corpo
erguido em pilares
que circulam como vias de acesso
expele contínuas tonalidades de vidraças
momento em que o dorso se inclina
como folha de plátano recém-incendiada
quase tangendo os recantos da paisagem
dentro do binóculo
é
como os ciclistas conduzem
teu primeiro suspiro noturno
(sem lembrança)
"Os Ciclistas e Outros Poemas", Fernando Castro
(Fernando Castro nasceu no dia 24 de Dezembro de 1935)
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sábado, 23 de dezembro de 2017
Pragmatismo à portuguesa (e de época)
Foto Hernâni Von Doellinger |
Presentes de Natal 1
Ele: - Presente de Natal porreiro era um emprego, isso é que era.
Ela: - Não queres antes um par de meias?
Presentes de Natal 2
Ele: - Presente de Natal porreiro era paz no mundo e comida para todas as crianças, isso é que era.
Ela: - Não queres antes um pacote de Sugus? De framboesa...
Presentes de Natal 3
Ele: - Presente de Natal porreiro era um par de sapatos, isso é que era.
Ela: - Não queres antes um par de cornos?
O pragmático 1
Mandaram-no abaixo de Braga e ele foi. Há dois anos e meio que mora em Joane, Vila Nova de Famalicão.
O pragmático 2
- Ui, o que chove!...
- Mas é lá fora...
Para contar à mesa entre o bolo-rei e a abertura dos presentes (e dos ausentes)
Juntaram-se um alemão multinacional, um americano, um inglês, um francês, um italiano, um espanhol e um português, todos gente de rebimba o malho. E diz o Albert Einstein: "A imaginação é mais importante do que o conhecimento". E diz o Mark Twain: "O homem que não lê bons livros não tem nenhuma vantagem sobre o homem que não sabe ler". E diz o Charles Dickens: "Nunca nos devemos envergonhar das nossas próprias lágrimas". E diz o Antoine Lavoisier: "Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". E diz o Leonardo da Vinci: "Do mesmo modo que o metal enferruja com a ociosidade e a água parada perde a sua pureza, assim a inércia esgota a energia da mente". E diz o Miguel de Unamuno: "Viaja-se não para encontrar o destino, mas para fugir de onde se parte". E diz o Antonino Pereira da Silva: "Quem é que paga a última rodada?"...
Filinto Elísio 5
A macaca e o burro
No cristal de uma fonte clara e pura
Uma macaca estava contemplando
a sua formosura:
Os momos e os pulinhos revezando,
Da sua presunção indícios dava.
E de ser bela, com prazer, gozava.
Um burro, que pastava
Não longe do mostrengo presunçoso,
Condoído as orelhas sacudia.
E consigo dizia:
Se ao menos o meu porte grave e airoso,
Se a minha voz tonante ela tivera,
De ser vaidosa a permissão lhe eu dera.
No cristal de uma fonte clara e pura
Uma macaca estava contemplando
a sua formosura:
Os momos e os pulinhos revezando,
Da sua presunção indícios dava.
E de ser bela, com prazer, gozava.
Um burro, que pastava
Não longe do mostrengo presunçoso,
Condoído as orelhas sacudia.
E consigo dizia:
Se ao menos o meu porte grave e airoso,
Se a minha voz tonante ela tivera,
De ser vaidosa a permissão lhe eu dera.
Filinto Elísio
(Filinto Elísio nasceu no dia 23 de Dezembro de 1734. Morreu em 1819.)
Sérvulo Gonçalves 2
Os risos das virgens
Os risos puros das gentis donzelas
São nuvens d´ouro no celeste azul,
São meigas flores exalando aromas,
São primaveras dos rosais do sul.
Os risos brandos das mimosas virgens
São hinos ternos de infinito amor,
São ondas puras de harmonia infinda!
- Astros brilhantes de sideral fulgor!
Os risos castos das gentis donzelas
São os perfumes dos jardins de Deus,
São sombras vagas de um prazer imenso,
Prazer imenso que demanda os céus!
Os risos ternos das mimosas virgens
São sons etéreos de uma lira, oh sim!
São alvoradas de alegria extrema,
São castos beijos de um gozar sem fim.
Os risos puros das gentis donzelas
São nuvens d´ouro no celeste azul,
São meigas flores exalando aromas,
São primaveras dos rosais do sul.
Os risos brandos das mimosas virgens
São hinos ternos de infinito amor,
São ondas puras de harmonia infinda!
- Astros brilhantes de sideral fulgor!
Os risos castos das gentis donzelas
São os perfumes dos jardins de Deus,
São sombras vagas de um prazer imenso,
Prazer imenso que demanda os céus!
Os risos ternos das mimosas virgens
São sons etéreos de uma lira, oh sim!
São alvoradas de alegria extrema,
São castos beijos de um gozar sem fim.
Sérvulo Gonçalves
(Sérvulo Gonçalves nasceu no dia 23 de Dezembro de 1856. Morreu em 1923.)
Júlio César da Silva
Arte suprema
Tal como Pigmalião, a minha ideia
Visto na pedra, talho-a, domo-a, bato-a;
E ante os meus olhos e a vaidade fátua
Surge, formosa e nua, Galateia.
Mais um retoque, uns golpes... e remato-a;
Digo-lhe: "Fala!", ao ver em cada veia
Sangue rubro, que a cora e aformoseia...
E a estátua não falou, porque era estátua.
Bem haja o verso, em cuja enorme escala
Falam todas as vozes do universo
E ao qual também arte nenhuma iguala:
Quer mesquinho e sem cor, quer amplo e terso,
Em vão não é que eu digo ao verso: "Fala!"
E ele fala-me sempre, porque é verso.
Tal como Pigmalião, a minha ideia
Visto na pedra, talho-a, domo-a, bato-a;
E ante os meus olhos e a vaidade fátua
Surge, formosa e nua, Galateia.
Mais um retoque, uns golpes... e remato-a;
Digo-lhe: "Fala!", ao ver em cada veia
Sangue rubro, que a cora e aformoseia...
E a estátua não falou, porque era estátua.
Bem haja o verso, em cuja enorme escala
Falam todas as vozes do universo
E ao qual também arte nenhuma iguala:
Quer mesquinho e sem cor, quer amplo e terso,
Em vão não é que eu digo ao verso: "Fala!"
E ele fala-me sempre, porque é verso.
"Arte de Amar", Júlio César da Silva
(Júlio César da Silva nasceu no dia 23 de Dezembro de 1872. Morreu em 1936.)
Microcontos & outras miudezas 62
Gloria in excelsis
Eram quatro e formavam um excelente trio
Eram quatro pessoas em palco: um senhor à viola, uma senhora no clarinete, um senhor ao piano e outro senhor virando-lhe as páginas da partitura. Procurei-lhes os nomes enquanto tocavam Brahms e Mozart com assinavável competência. Os quatro formavam o famoso Trio Tomter, Kam & Ihle Hadland. Isto é: são o senhor Lars Anders Tomter, a senhora Sharon Kam e o senhor Christian Ihle Hadland, por ordem de instrumentos. O mudador de páginas, posto que exímio executante, era provavelmente o rapaz...
Sabatina
Instalava-se um certo desconforto na aula sempre que o professor chamava o Gregório...
Jingle bells, jingle bells
jingle bells, jingle bells
obladi, oblada
babalhau, azeite e alho
tá-tará-tá-tá-tá-tá
adeste fideles
na-na-na, nana-nana
vinho na pipa, couves na horta
quem está salvo, salvo está
silent night, holy nigh
grândola vila morena
rapa-tira-deixa-põe
ó que pena, ó que pena
we wish you a merry christmas
morte que mataste lira
porompom pero, porompom
Uma da manhã, ei, bem bom
all i want for christmas is you
giroflé, giroflá, giroflé, flé, flá
o galo badalo, a galinha balbina
o pinto jacinto e o peru gluglu
last christmas i gave you my heart
djobi djobi djobi djoba
eles não sabem que o sonho
foi bonita a festa pá
fairytale of new york
daili-daili-daili-dou
o meu menino é d'oiro
mama mia let me go
i wish it could be christmas everyday
pa-rum-pa-pum-pum
entram galifões de crista
de um fado que eu inventei
driving home for christmas
malageña salerosa
atirei o pau ao gato
deja de ser caprichosa
stop the cavalry
nas palhas deitado
mamã dá licença
estou muito cansado
i'm dreaming of a white christmas
ó que lindo chapéu preto
lá em cima está o tiroliroliro
cuidado casimiro, cuidado casimiro
let it snow, let it snow
na ribeira do sol posto
ninguém poderá mudar o mundo
quem faz um filho fá-lo por gosto
vão aos saltos pela casa
ring-a-ling, ring-a-ling
um pouco mais de sol - eu era brasa
só há estas, são pra ming
Entrou no Céu ao som de We are de champions. Ficou admirado, mas é o que os anjos cantam nestas ocasiões...
Eram quatro pessoas em palco: um senhor à viola, uma senhora no clarinete, um senhor ao piano e outro senhor virando-lhe as páginas da partitura. Procurei-lhes os nomes enquanto tocavam Brahms e Mozart com assinavável competência. Os quatro formavam o famoso Trio Tomter, Kam & Ihle Hadland. Isto é: são o senhor Lars Anders Tomter, a senhora Sharon Kam e o senhor Christian Ihle Hadland, por ordem de instrumentos. O mudador de páginas, posto que exímio executante, era provavelmente o rapaz...
Sabatina
Instalava-se um certo desconforto na aula sempre que o professor chamava o Gregório...
Jingle bells, jingle bells
jingle bells, jingle bells
obladi, oblada
babalhau, azeite e alho
tá-tará-tá-tá-tá-tá
adeste fideles
na-na-na, nana-nana
vinho na pipa, couves na horta
quem está salvo, salvo está
silent night, holy nigh
grândola vila morena
rapa-tira-deixa-põe
ó que pena, ó que pena
we wish you a merry christmas
morte que mataste lira
porompom pero, porompom
Uma da manhã, ei, bem bom
all i want for christmas is you
giroflé, giroflá, giroflé, flé, flá
o galo badalo, a galinha balbina
o pinto jacinto e o peru gluglu
last christmas i gave you my heart
djobi djobi djobi djoba
eles não sabem que o sonho
foi bonita a festa pá
fairytale of new york
daili-daili-daili-dou
o meu menino é d'oiro
mama mia let me go
i wish it could be christmas everyday
pa-rum-pa-pum-pum
entram galifões de crista
de um fado que eu inventei
driving home for christmas
malageña salerosa
atirei o pau ao gato
deja de ser caprichosa
stop the cavalry
nas palhas deitado
mamã dá licença
estou muito cansado
i'm dreaming of a white christmas
ó que lindo chapéu preto
lá em cima está o tiroliroliro
cuidado casimiro, cuidado casimiro
let it snow, let it snow
na ribeira do sol posto
ninguém poderá mudar o mundo
quem faz um filho fá-lo por gosto
vão aos saltos pela casa
ring-a-ling, ring-a-ling
um pouco mais de sol - eu era brasa
só há estas, são pra ming
sexta-feira, 22 de dezembro de 2017
Feliz Natal e faz favor de desculpar
Foto Hernâni Von Doellinger |
Os votos de boas festas andam cada vez mais chochos. Como as nozes. Então este ano saíram uma desgraça, as nozes e os votos de boas festas, complicados e chochos. São uns poeminhas a puxar ao sentimento, são uns "o melhor possível" muito envergonhados, são uns "nunca pior" do piorio, são uns seja o que Deus quiser embrulhados numa espécie de pedido de desculpas e, na verdade, parece que desejos implícitos de infelicidade geral. São uma tristeza. Um choradinho que desconsola. Ai que saudades que eu tenho dos bons velhos votos de um feliz Natal e um ano novo cheio de propriedades...
Era um homem muito antigo 8
Era um tipo mesmo muito antigo. Falavam-lhe em gigas e ele imaginava cestas...
Félix Araújo 2
Meu coração
Meu coração, este país tristonho,
Em que Deus periclita e o Inferno avança,
Tem as florestas negras do meu Sonho
E as cordilheiras verdes da Esperança.
Doira-o, às vezes, um clarão risonho:
- É a crença morta que ressurge, mansa...
Mas sobrevém o temporal tristonho
Da Dúvida cruel brandindo a lança.
Brilham, no céu, os astros em delírio.
No meu país, de onde fugiu a calma,
Brotam, chorando, as rosas do martírio.
Maldito coração, que Deus te açoite!
De que valem os sóis que tenho n’alma
Se existe em mim a maldição da Noite?
Meu coração, este país tristonho,
Em que Deus periclita e o Inferno avança,
Tem as florestas negras do meu Sonho
E as cordilheiras verdes da Esperança.
Doira-o, às vezes, um clarão risonho:
- É a crença morta que ressurge, mansa...
Mas sobrevém o temporal tristonho
Da Dúvida cruel brandindo a lança.
Brilham, no céu, os astros em delírio.
No meu país, de onde fugiu a calma,
Brotam, chorando, as rosas do martírio.
Maldito coração, que Deus te açoite!
De que valem os sóis que tenho n’alma
Se existe em mim a maldição da Noite?
"Dor", Félix Araújo
(Félix Araújo nasceu no dia 22 de Dezembro de 1922. Morreu em 1953.)
Álvaro Cunqueiro 5
Agora trobo o vento e máila lúa fría,
non o cervo do monte que a ágoa volvía.
Agora trobo o mare e máila nao veleira
non a amiga que canta só da abelaneira.
Agora trobo a lúa e máilo vento irado,
non o cervo do monte, meu amigo pasado.
Agora trobo a nao e máila mar maior,
e non aquela amiga, miña branca señor.
"Dona do Corpo Delgado", Álvaro Cunqueiro
(Álvaro Cunqueiro nasceu no dia 22 de Dezembro de 1911. Morreu em 1981.)
non o cervo do monte que a ágoa volvía.
Agora trobo o mare e máila nao veleira
non a amiga que canta só da abelaneira.
Agora trobo a lúa e máilo vento irado,
non o cervo do monte, meu amigo pasado.
Agora trobo a nao e máila mar maior,
e non aquela amiga, miña branca señor.
"Dona do Corpo Delgado", Álvaro Cunqueiro
(Álvaro Cunqueiro nasceu no dia 22 de Dezembro de 1911. Morreu em 1981.)
Antón Losada Diéguez 2
A mocedade quere loita e quere acollerse a unha bandeira que siñifique un despertar e un amañecer. A nosa bandeira ben ergueita e libre ao vento ten que levar aos curazóns mozos un ideal que faga latexar a alma con ledicia coa formanza d-unha obra que se comenza e que leva a posibilidade de ser rematada axiña tendo as portas abertas a todol-os ventos da Xusticia e da Beleza.
A todol-os vellos nacionalistas é perciso decirlles que temos a obriga de rexuvenecere a nosa actividade e que da nosa capacidade para unha mocedade costante e para un renacemento de todol-os días depende o trunfo do noso ideal. Temos que ser o sol decotío no seu nacemento e si o miramos morrer que esto sexa para voltar os ollos ao Nacente.
A todol-os vellos nacionalistas é perciso decirlles que temos a obriga de rexuvenecere a nosa actividade e que da nosa capacidade para unha mocedade costante e para un renacemento de todol-os días depende o trunfo do noso ideal. Temos que ser o sol decotío no seu nacemento e si o miramos morrer que esto sexa para voltar os ollos ao Nacente.
"Adiante", Antón Losada Diéguez
(Antón Losada Diéguez nasceu no dia 22 de Dezembro de 1884. Morreu em 1929.)
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