Amar é apanhar piriscas
Seria um casal patusco, se não fosse trágico. Desengonçados ambos,
cómicos no vestir, feiinhos graças a Deus, testo e panela emparelhados
de encomenda. Vagueiam pelas ruas de Matosinhos todos os dias, de
manhãzinha à noite, de braço dado, em andamento de procissão e olhos caídos,
passando o chão a pente fino à cata de piriscas reutilizáveis. Ele,
posto que zarolho, tem visão de longo alcance ou então algum radar que
eu não sei. Vê a beata e faz um gesto com a cabeça. Ela, em obediência
canina, dobra-se, apanha a prisca referenciada, entrega-lha e corre a
enfiar-lhe novamente o braço, até à próxima. Ele fuma e ela vai feliz.
Os dois são um filme mudo. Isso, uma fita das antigas, mas a cores.
Digo, seria um casal patusco, se não fosse trágico: quando lhe apetece, o
filhodaputa bate na mulher.
Prova de vida
- Está?
- Estou.
- Está?!...
- Estou!
- Ah!
- E aí, está?
- Estou.
- Está?!...
- Estou!
- Pronto, amanhã ligo eu.
Quando o dever chama
Nunca me tinha acontecido. Estou atolado em dívidas. Ontem fiquei a
dever doze cêntimos na padaria e hoje fiquei a dever cinquenta cêntimos
na peixaria. Por outro lado, devo dois euros (um mais um) à latinha do
Euromilhões, que é para o bacalhau do Natal. O meu nome na praça também
deve andar pelas ruas da amargura. Estou desgraçado, não sei o que
hei-de fazer à minha vida.
Saudações amigas?
Escrevi aí a uma criatura e, no final, mandei-lhe um "grande abraço". A
criatura respondeu-me e, no final, mandou-me, para a troca, "saudações
amigas". Saudações amigas? Mas o que raio são saudações amigas?
Evidentemente serão o contrário de saudações inimigas, mas o que são saudações inimigas? Abraço, eu sei: o abraço é sólido, palpável, vê-se, sente-se, dá-se, recebe-se, aperta-nos, aproxima-nos, humaniza-nos. Agora, saudações amigas...
Portugal anos 70, de Fátima ao Pérola Negra
Copo e vela, dez tostões. Copo e bela, um conto e quinhentos.
sexta-feira, 31 de agosto de 2018
António Lobo Antunes
Como caem as árvores eu caio e caindo caio como as folhas e as sombras caem devagar e leves e oiço-os chorar e falar comigo e não posso responder enquanto caio porque se respondesse que diria senão que me abato como se abateram outrora o meu pai a minha mãe o meu marido de repente calados e imóveis e assim brancos como a luz nesta casa tão branca sobre os móveis brancos os espelhos devolvem o silêncio e as lágrimas deles e amanhã subirão comigo lá acima e sem palavras para além das do padre voltarão o meu rosto na direcção do sol.
"A Ordem Natural das Coisas", António Lobo Antunes
(António Lobo Antunes nasceu no dia 1 de Setembro de 1942)
"A Ordem Natural das Coisas", António Lobo Antunes
(António Lobo Antunes nasceu no dia 1 de Setembro de 1942)
Celso Emilio Ferreiro 7
O neno preguntaba
¿De qué lugar iñoto ven o vento
e ónde se vai o vento cando marcha?
¿Quén lle ensinóu ao vento xeografía?
O neno preguntaba.
¿Dorme o vento no mar ou nas estrelas?
¿Dorme no val ou dorme na montaña?
¿Dorme no colo verde dos piñeiros?
O neno preguntaba.
¿Sabe que hai Dios o vento?
O neno preguntaba.
Iste vento que xoga cos meus rizos
¿será o anxo da garda?
¿Será o vento a voz dos que están mortos?
O neno preguntaba,
pero o vento
fuxía indiferente pola gándara.
"O Soño Sulagado", Celso Emilio Ferreiro
(Celso Emilio Ferreiro nasceu no dia 4 de Janeiro de 1912. Morreu no dia 31 de Agosto de 1979.)
¿De qué lugar iñoto ven o vento
e ónde se vai o vento cando marcha?
¿Quén lle ensinóu ao vento xeografía?
O neno preguntaba.
¿Dorme o vento no mar ou nas estrelas?
¿Dorme no val ou dorme na montaña?
¿Dorme no colo verde dos piñeiros?
O neno preguntaba.
¿Sabe que hai Dios o vento?
O neno preguntaba.
Iste vento que xoga cos meus rizos
¿será o anxo da garda?
¿Será o vento a voz dos que están mortos?
O neno preguntaba,
pero o vento
fuxía indiferente pola gándara.
"O Soño Sulagado", Celso Emilio Ferreiro
(Celso Emilio Ferreiro nasceu no dia 4 de Janeiro de 1912. Morreu no dia 31 de Agosto de 1979.)
quinta-feira, 30 de agosto de 2018
Lições de História 28: Triângulo das Bermudas
Só o Equilátero acreditava no Triângulo das Bermudas. Era parte interessada, refira-se. O Isósceles e o Escaleno faziam pouco, gozavam o patau, partiam o coco a rir. Sobretudo por causa daquela vestimenta ridícula que não chega a ser calças mas sobeja para calções...
Olavo Drummond 3
Sonhar é preciso
Se aos teus sonhos outros sonhos tu somares
Sob a espera da presença do irreal,
É porque estás além dos patamares
Dos arautos da frieza universal
Continua o teu sonho e não te ponhas
Na linhagem dos pétreos, sem sorriso,
Pois os anjos te assistem enquanto sonhas
E na terra te preparam um paraíso...
Benditos sejam os sempre sonhadores,
Fiéis aos passes de mágicos atores,
Que transformam o devaneio em realidade
Quem não sonha do seu chão não tem ciúmes,
É incapaz de lutar contra os costumes
Que corrompem os ideais de liberdade...
Olavo Drummond
(Olavo Drummond nasceu no dia 31 de Agosto de 1925. Morreu em 2006.)
Se aos teus sonhos outros sonhos tu somares
Sob a espera da presença do irreal,
É porque estás além dos patamares
Dos arautos da frieza universal
Continua o teu sonho e não te ponhas
Na linhagem dos pétreos, sem sorriso,
Pois os anjos te assistem enquanto sonhas
E na terra te preparam um paraíso...
Benditos sejam os sempre sonhadores,
Fiéis aos passes de mágicos atores,
Que transformam o devaneio em realidade
Quem não sonha do seu chão não tem ciúmes,
É incapaz de lutar contra os costumes
Que corrompem os ideais de liberdade...
Olavo Drummond
(Olavo Drummond nasceu no dia 31 de Agosto de 1925. Morreu em 2006.)
Francisca Júlia
À noite
Eis-me a pensar, enquanto a noite envolve a terra,
Olhos fitos no vácuo, a amiga pena em pouso,
Eis-me, pois a pensar... De antro em antro, de serra
Em serra, ecoa, longo, um requiem doloroso.
No alto uma estrela triste as pálpebra descerra,
Lançando, noite dentro, o claro olhar piedoso.
A alma das sombras dorme; e pelos ares erra
Um mórbido langor de calma e de repouso...
Em noite assim, de repouso e de calma,
É que a alma vive e a dor exulta, ambas unidas,
A alma cheia de dor, a dor cheia de alma...
É que a alma se abandona ao sabor dos enganos,
Antegozando já quimeras pressentidas
Que mais tarde hão de vir com o decorrer dos anos.
"Mármores", Francisca Júlia
(Francisca Júlia nasceu no dia 31 de Agosto de 1871. Morreu em 1920.)
Eis-me a pensar, enquanto a noite envolve a terra,
Olhos fitos no vácuo, a amiga pena em pouso,
Eis-me, pois a pensar... De antro em antro, de serra
Em serra, ecoa, longo, um requiem doloroso.
No alto uma estrela triste as pálpebra descerra,
Lançando, noite dentro, o claro olhar piedoso.
A alma das sombras dorme; e pelos ares erra
Um mórbido langor de calma e de repouso...
Em noite assim, de repouso e de calma,
É que a alma vive e a dor exulta, ambas unidas,
A alma cheia de dor, a dor cheia de alma...
É que a alma se abandona ao sabor dos enganos,
Antegozando já quimeras pressentidas
Que mais tarde hão de vir com o decorrer dos anos.
"Mármores", Francisca Júlia
(Francisca Júlia nasceu no dia 31 de Agosto de 1871. Morreu em 1920.)
Os influentes
quarta-feira, 29 de agosto de 2018
Microcontos & outras miudezas 100
O grande emprenhador
Não desfazendo, emprenhava sobretudo pelos ouvidos.
Na ponta da língua
"Puta que pariu", desabafou a visita. "Sala 5, cama 3", indicou a auxiliar hospitalar.
Está dito!
É o que eu estou farto de dizer.
Está dito!
Diz que tal.
O grande prestidigitador
Era um mágico extraordinário: em vez de coelhos da cartola, tirava macacos do nariz.
Luto
Todas as noites dava o corpo ao Manifesto. Manifesto morreu, e ela nunca mais.
A minha sogra não dorme e acorda sobressaltada
À meia-noite ressonava. Às duas ressonava. Às três ressonava. Às quatro ressonava. Às seis ressonava. E às sete ressonava. Quando foi acordada, ai que susto!, para o pequeno-almoço fidalgo, na cama, cerca das oito, derivado a não incomodar, a minha sogra queixou-se de que não tinha pregado olho, esteve para morrer toda a noite. Evidentemente tenho de rever esta coisada da próstata, a minha próstata, ando a mijar vezes demais.
De mestre
"Pinocar ou pinoquiar?", perguntou o jovem mestrando em Carpintaria & Outras Artes Sexuais. "Depende", respondeu o velho professor de nariz adunco e face testicular.
Não desfazendo, emprenhava sobretudo pelos ouvidos.
Na ponta da língua
"Puta que pariu", desabafou a visita. "Sala 5, cama 3", indicou a auxiliar hospitalar.
Está dito!
É o que eu estou farto de dizer.
Está dito!
Diz que tal.
O grande prestidigitador
Era um mágico extraordinário: em vez de coelhos da cartola, tirava macacos do nariz.
Luto
Todas as noites dava o corpo ao Manifesto. Manifesto morreu, e ela nunca mais.
A minha sogra não dorme e acorda sobressaltada
À meia-noite ressonava. Às duas ressonava. Às três ressonava. Às quatro ressonava. Às seis ressonava. E às sete ressonava. Quando foi acordada, ai que susto!, para o pequeno-almoço fidalgo, na cama, cerca das oito, derivado a não incomodar, a minha sogra queixou-se de que não tinha pregado olho, esteve para morrer toda a noite. Evidentemente tenho de rever esta coisada da próstata, a minha próstata, ando a mijar vezes demais.
De mestre
"Pinocar ou pinoquiar?", perguntou o jovem mestrando em Carpintaria & Outras Artes Sexuais. "Depende", respondeu o velho professor de nariz adunco e face testicular.
Ferreira Leal 2
Daqueles seis túmidos, seminus, justapostos como dois gémeos num colo de jaspe, circulado de flores e alumiado em cintilações de diamantes e rubis orientais; daquele vinco untuoso do dorso, que, a descer da nuca penugenta, se ia perder misteriosamente na curva côncava dos lombos, daqueles coxins refeitos das espáduas, continuando-se nas linhas cruas dos deltoides roliços e dos antebraços, resguardados até acima dos cotovelos em macia pelica, distendida pelos punhos franzinos e as pontas afiladas dos dedos; daquela cintura quebradiça, a jungir por um contraste arrojado as amplidões rendadas e florescentes do tórax com as mais salientes da pelve; daquele triunfante sorriso, que lhe sobredourava os lábios finos, os olhos arrepanhados no véu das pálpebras; das travessas espiras do cabelo, torcido atrás em grandes massas; da majestosa cerviz, balouçada num piso de semideia; daquele poema, enfim, de falbalás, reflexos, nuvens, fantasias, a compreender outro poema mais eloquente de carne tenra e palpitante; desprendiam-se capitosos odores, vívidos coloridos, eflúvios quentes, que embriagavam de desejos lúbricos e irritantes todos os olhos que a viam, os olfactos que a aspiravam e as epidermes que lhe roçavam de leva pedaços frescos da pele rósea.
"O Suplício de Um Marido", Ferreira Leal
(Ferreira Leal nasceu no dia 30 de Agosto de 1850)
"O Suplício de Um Marido", Ferreira Leal
(Ferreira Leal nasceu no dia 30 de Agosto de 1850)
Leandro Carré Alvarellos 3
[...]
"O Pago, drama en tres actos", Leandro Carré Alvarellos
(Leandro Carré Alvarellos nasceu no dia 30 de Agosto de 1888. Morreu em 1976.)
María.- Estase portando moi ben.
Miguel.- Regularmente.
María.- Estivo aquí o Señor da casa de Montrove.
Ramón.- ¿Quere saber se quedamos ou non co'ela?
María.- Si.
Miguel.- Paréceme algo vella, pero ten sol, ten âr, e aquela vista preciosa da ría... ¡alí débese vivir!
Ramón.- Pois nada, aceptala.
María.- Si, si, haina que aceptar...
Miguel.- E logo, poderei estar sempre respirando o recendente aroma dos piñeirales... Alí mellorarei seguramente, alí poñereime bon...
María.- Si, si.
Miguel.- Xa verás como non tês que andarme pinchando para me facer pasear... a mesma natureza convida.
Ramón.- Pois dala por nosa; e canto mais antes...
[...] "O Pago, drama en tres actos", Leandro Carré Alvarellos
(Leandro Carré Alvarellos nasceu no dia 30 de Agosto de 1888. Morreu em 1976.)
O intolerante
Era realmente uma pessoa com um feitio difícil. Tinha um problema com o álcool. E outro com o betadine.
terça-feira, 28 de agosto de 2018
Dá-se abraço em segunda mão
Caro Amigo,
Lembrei-me de te escrever hoje. Há que tempos, não é? Andei a mexer nas gavetas, faço-o uma vez por ano, sei lá porquê, e no meio da papelada encontrei meia dúzia de abraços antigos mas ainda em razoável estado de conservação. É o que me resta. Acho que é uma pena deitá-los fora. Vou mandar-te um. Espero que te sirva.
Melhores cumprimentos,
Haniceto.
Paroles, paroles, paroles
Dizem-me que as palavras já não valem nada. Mentira. As palavras são cada vez mais poderosas, as palavras dominam as nossas vidas. As palavras até tomaram o lugar dos afectos, dos carinhos. Reparem: antigamente davam-se beijos, davam-se abraços; agora dizem-se beijos, dizem-se abraços. O gesto ancestral e puro foi substituído pela retórica etiquetada, o contacto físico acabou vergado ao esboço da intenção - à simulação. À dissimulação?
Dizemos "Beijinhos", dizemos "Abraço", e assim ficamos. Pelas palavras. Beijos e abraços são só vocábulos. Mantemos uma distância alegadamente higiénica entre nós, os alegados amigos uns dos outros. Dizemos. Ao telefone, por escrito, ao vivo na pressa da rua, na patetice dos emoticons. Dar a sério (à séria, se lido em Lisboa) é que não. Ninguém dá nada a ninguém - nem sequer beijos, nem sequer abraços. Fazemos votos de. "O que lhe estimo é um beijo", "Desejo-lhe um excelente abraço"...
É. Olhem bem à volta: as palavras estão em alta, navegam de vento em popa. As palavras. O que verdadeiramente está em crise é a palavra, a palavra singular e definitiva, essa vaga memória de uma honra démodée que se arrasta pelas ruas da amargura - abandonada, pobre, cega e nua. Mas isto, claro, sou eu a dizer e são apenas... palavras, palavras, palavras.
Dá-se abraço em segunda mão
O meu amigo fazia anos e eu mandei-lhe uma SMS: "Parabéns. Abraço."
O meu amigo respondeu-me, também por SMS: "Devolvo o abraço. Obrigado."
E eu pensei: o abraço teria defeito?
Saudações amigas?
Escrevi aí a uma criatura e, no final, mandei-lhe um "grande abraço". A criatura respondeu-me e, no final, mandou-me, para a troca, "saudações amigas". Saudações amigas? Mas o que raio são saudações amigas? Evidentemente serão o contrário de saudações inimigas, mas o que são saudações inimigas? Abraço, eu sei: o abraço é sólido, palpável, vê-se, sente-se, dá-se, recebe-se, aperta-nos, aproxima-nos, humaniza-nos. Agora, saudações amigas...
Lembrei-me de te escrever hoje. Há que tempos, não é? Andei a mexer nas gavetas, faço-o uma vez por ano, sei lá porquê, e no meio da papelada encontrei meia dúzia de abraços antigos mas ainda em razoável estado de conservação. É o que me resta. Acho que é uma pena deitá-los fora. Vou mandar-te um. Espero que te sirva.
Melhores cumprimentos,
Haniceto.
Paroles, paroles, paroles
Dizem-me que as palavras já não valem nada. Mentira. As palavras são cada vez mais poderosas, as palavras dominam as nossas vidas. As palavras até tomaram o lugar dos afectos, dos carinhos. Reparem: antigamente davam-se beijos, davam-se abraços; agora dizem-se beijos, dizem-se abraços. O gesto ancestral e puro foi substituído pela retórica etiquetada, o contacto físico acabou vergado ao esboço da intenção - à simulação. À dissimulação?
Dizemos "Beijinhos", dizemos "Abraço", e assim ficamos. Pelas palavras. Beijos e abraços são só vocábulos. Mantemos uma distância alegadamente higiénica entre nós, os alegados amigos uns dos outros. Dizemos. Ao telefone, por escrito, ao vivo na pressa da rua, na patetice dos emoticons. Dar a sério (à séria, se lido em Lisboa) é que não. Ninguém dá nada a ninguém - nem sequer beijos, nem sequer abraços. Fazemos votos de. "O que lhe estimo é um beijo", "Desejo-lhe um excelente abraço"...
É. Olhem bem à volta: as palavras estão em alta, navegam de vento em popa. As palavras. O que verdadeiramente está em crise é a palavra, a palavra singular e definitiva, essa vaga memória de uma honra démodée que se arrasta pelas ruas da amargura - abandonada, pobre, cega e nua. Mas isto, claro, sou eu a dizer e são apenas... palavras, palavras, palavras.
Dá-se abraço em segunda mão
O meu amigo fazia anos e eu mandei-lhe uma SMS: "Parabéns. Abraço."
O meu amigo respondeu-me, também por SMS: "Devolvo o abraço. Obrigado."
E eu pensei: o abraço teria defeito?
Saudações amigas?
Escrevi aí a uma criatura e, no final, mandei-lhe um "grande abraço". A criatura respondeu-me e, no final, mandou-me, para a troca, "saudações amigas". Saudações amigas? Mas o que raio são saudações amigas? Evidentemente serão o contrário de saudações inimigas, mas o que são saudações inimigas? Abraço, eu sei: o abraço é sólido, palpável, vê-se, sente-se, dá-se, recebe-se, aperta-nos, aproxima-nos, humaniza-nos. Agora, saudações amigas...
Apolinário Porto-Alegre 5
De repente na treva sulcou uma centelha.
Crer-se-ia que fora ferida uma pederneira.
A faísca inoculou-se, tomou corpo, distendeu as formas e logo depois uma língua de fogo serpenteou rápida, crepitou momentos lutando com regelo atmosférico e, ao fim, uma labareda flutuou os ígneos penachos.
Meia hora decorrida a ourela dos matos da serra Geral forma uma faixa luminosa.
Então distinguiram-se vultos que cruzavam o ambiente iluminado.
Acerquemo-nos.
Dois homens estão junto a uma das fogueiras. Tomavam mate.
"O Vaqueano", Apolinário Porto-Alegre
(Apolinário Porto-Alegre nasceu no dia 29 de Agosto de 1844. Morreu em 1904.)
Crer-se-ia que fora ferida uma pederneira.
A faísca inoculou-se, tomou corpo, distendeu as formas e logo depois uma língua de fogo serpenteou rápida, crepitou momentos lutando com regelo atmosférico e, ao fim, uma labareda flutuou os ígneos penachos.
Meia hora decorrida a ourela dos matos da serra Geral forma uma faixa luminosa.
Então distinguiram-se vultos que cruzavam o ambiente iluminado.
Acerquemo-nos.
Dois homens estão junto a uma das fogueiras. Tomavam mate.
"O Vaqueano", Apolinário Porto-Alegre
(Apolinário Porto-Alegre nasceu no dia 29 de Agosto de 1844. Morreu em 1904.)
Borobó
Vivamos os soños, os soños tumultuosos que son as nosas vixilias. Solta as amarras da túa vida pasada, pois o barco que é a túa vida actual pode ser afundido dun momento a outro e non chegará nunca ó tranquilo porto que imaxinabas.
"Elección Parcial", Borobó
(Borobó, Raimundo García Domínguez de baptismo, nasceu no dia 10 de Julho de 1916. Morreu no dia 28 de Agosto de 2003.)
"Elección Parcial", Borobó
(Borobó, Raimundo García Domínguez de baptismo, nasceu no dia 10 de Julho de 1916. Morreu no dia 28 de Agosto de 2003.)
O solista
Com aquela mania de falar de cor, entrou na conversa dois compassos antes do tempo. Quer-se dizer: ficou a falar sozinho...
segunda-feira, 27 de agosto de 2018
Lições de História 27: Bob Dylan
Robert Allen Zimmerman nasceu na cidade americana de Duluth, Minnesota, em 1941, e gostava muito de cantar. Cantava, por exemplo, que os tempos estão a mudar. Mas cantava de uma maneira tão inesperadamente fanhosa que as pessoas começaram a chamar-lhe Bob Dylan.
Sá de Miranda 6
Esparsa VII
Não vejo o rosto a ninguém,
Cuidais que são, e não são.
Sombras que não vão nem vêm
Parece que avante vão.
Entre o doente e o são
Mente cada passo a espia;
No meio do claro dia
Andais entre lobo e cão.
Sá de Miranda
(Sá de Miranda nasceu no dia 28 de Agosto de 1481. Morreu em 1558.)
Não vejo o rosto a ninguém,
Cuidais que são, e não são.
Sombras que não vão nem vêm
Parece que avante vão.
Entre o doente e o são
Mente cada passo a espia;
No meio do claro dia
Andais entre lobo e cão.
Sá de Miranda
(Sá de Miranda nasceu no dia 28 de Agosto de 1481. Morreu em 1558.)
A impressão de Deus
Era apenas uma impressão, mas: quanto mais se afastava da Igreja, mais próximo de Deus se sentia.
domingo, 26 de agosto de 2018
António Reis 2
Não é a tua mão
Não é a tua mão
filha
que eu levo
na minha mão
é uma raiz
que eu planto
em mim mesmo
"Novos Poemas Quotidianos", António Reis
(António Reis nasceu no dia 27 de Agosto de 1927. Morreu em 1991.)
Não é a tua mão
filha
que eu levo
na minha mão
é uma raiz
que eu planto
em mim mesmo
"Novos Poemas Quotidianos", António Reis
(António Reis nasceu no dia 27 de Agosto de 1927. Morreu em 1991.)
Florencio Delgado Gurriarán 4
In vino veritas
Está no viño a verdade.
"In vino veritas". Certo.
Fuxirá da falsedade,
vivirá na craridade
quen, de xeito solermiño,
de Valdeorras, beba o viño:
Coñecerá, ao recuncar,
que anda a darlle, ao paladar
e á mente, lus e aloumiño.
(Florencio Delgado Gurriarán nasceu no dia 27 de Agosto de 1903. Morreu em 1987.)
Está no viño a verdade.
"In vino veritas". Certo.
Fuxirá da falsedade,
vivirá na craridade
quen, de xeito solermiño,
de Valdeorras, beba o viño:
Coñecerá, ao recuncar,
que anda a darlle, ao paladar
e á mente, lus e aloumiño.
"Cantarenas", Florencio Delgado Gurriarán
(Florencio Delgado Gurriarán nasceu no dia 27 de Agosto de 1903. Morreu em 1987.)
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Matosinhos tem uma ciclovia só para peões
sábado, 25 de agosto de 2018
Saudações amigas?
Escrevi aí a uma criatura e, no final, mandei-lhe um "grande abraço". A
criatura respondeu-me e, no final, mandou-me, para a troca, "saudações
amigas". Saudações amigas? Mas o que raio são saudações amigas?
Evidentemente serão o contrário de saudações inimigas, mas o que são
saudações inimigas? Abraço, eu sei: o abraço é sólido, palpável, vê-se,
sente-se, dá-se, recebe-se, aperta-nos, aproxima-nos, humaniza-nos.
Agora, saudações amigas...
Joaquim Cardozo 2
Poema do amor sem exagero
Eu não te quero aqui por muitos anos
Nem por muitos meses ou semanas,
Nem mesmo desejo que passes no meu leito
As horas extensas de uma noite.
Para que tanto corpo!
Mas ficaria contente se me desses
Por instantes apenas e bastantes
A nudez longínqua e de pérola
do teu corpo de nuvem.
"Poemas", Joaquim Cardozo
(Joaquim Cardozo nasceu no dia 26 de Agosto de 1897. Morreu em 1978.)
Eu não te quero aqui por muitos anos
Nem por muitos meses ou semanas,
Nem mesmo desejo que passes no meu leito
As horas extensas de uma noite.
Para que tanto corpo!
Mas ficaria contente se me desses
Por instantes apenas e bastantes
A nudez longínqua e de pérola
do teu corpo de nuvem.
"Poemas", Joaquim Cardozo
(Joaquim Cardozo nasceu no dia 26 de Agosto de 1897. Morreu em 1978.)
Portugal anos 70, de Fátima ao Pérola Negra
Copo e vela, dez tostões. Copo e bela, um conto e quinhentos.
sexta-feira, 24 de agosto de 2018
Quando o dever chama
Nunca me tinha acontecido. Estou atolado em dívidas. Ontem fiquei a dever doze cêntimos na padaria e hoje fiquei a dever cinquenta cêntimos na peixaria. Por outro lado, devo dois euros (um mais um) à latinha do Euromilhões, que é para o bacalhau do Natal. O meu nome na praça também deve andar pelas ruas da amargura. Estou desgraçado, não sei o que hei-de fazer à minha vida.
Luís González Tosar
Volver a Compostela
Cidade, os teus ollos de onte
foron o espello roto
onde eu quixen amarte.
Chegar a Compostela desde dentro,
coa forma da palabra rezumando,
voltar cara ó silencio de granito
cando a vida é verdade e ninguén chega.
Tan só o verso que ispe na nostalxia,
leve harmonía do lume en homenaxe
ou retorno a esa fraguiza sempre acesa
que nos marca os alustros da memoria.
Tráioche agora unha oración de noite
pecha e reixas forxadas ás escuras
coa música dos teus canos de pedra,
e ti segues ofrecéndome a túa aperta
falsa e clandestina,
erguendo as mans das lousas prohibidas
co engado do que brilla e se proclama.
Pouco ten mudado,
nada cambia
o ritmo das sombras debaixo das torres;
Santiago é un rostro sorrinte
na máxica bóveda das estrelas.
Luís González Tosar
(Luís González Tosar nasceu no dia 25 de Agosto de 1952)
Cidade, os teus ollos de onte
foron o espello roto
onde eu quixen amarte.
Chegar a Compostela desde dentro,
coa forma da palabra rezumando,
voltar cara ó silencio de granito
cando a vida é verdade e ninguén chega.
Tan só o verso que ispe na nostalxia,
leve harmonía do lume en homenaxe
ou retorno a esa fraguiza sempre acesa
que nos marca os alustros da memoria.
Tráioche agora unha oración de noite
pecha e reixas forxadas ás escuras
coa música dos teus canos de pedra,
e ti segues ofrecéndome a túa aperta
falsa e clandestina,
erguendo as mans das lousas prohibidas
co engado do que brilla e se proclama.
Pouco ten mudado,
nada cambia
o ritmo das sombras debaixo das torres;
Santiago é un rostro sorrinte
na máxica bóveda das estrelas.
Luís González Tosar
(Luís González Tosar nasceu no dia 25 de Agosto de 1952)
quinta-feira, 23 de agosto de 2018
Prova de vida
- Está?
- Estou.
- Está?!...
- Estou!
- Ah!
- E aí, está?
- Estou.
- Está?!...
- Estou!
- Pronto, amanhã ligo eu.
- Estou.
- Está?!...
- Estou!
- Ah!
- E aí, está?
- Estou.
- Está?!...
- Estou!
- Pronto, amanhã ligo eu.
Paulo Leminski 4
Razão de ser
Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
"Distraídos Venceremos", Paulo Leminski
(Paulo Leminski nasceu no dia 24 de Agosto de 1944. Morreu em 1989.)
Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
"Distraídos Venceremos", Paulo Leminski
(Paulo Leminski nasceu no dia 24 de Agosto de 1944. Morreu em 1989.)
Carlos Casares 3
Penso en Carlos e non sei en quen estou pensando realmente, se naquel rapaz divertido e atoleirado que podía desencadear unha catástrofe cando se lle atravesaba calquera loucura repentina na cabeza, ou naquel mozo adolescente que de pronto, nun verán, se converteu para min nunha especie de descoñecido, tamén unha miga triste e melancólico, calado e retraído como non fora nunca, ou no Carlos dos últimos anos, novamente divertido como cando era neno, ás veces un pouco desconcertante e enigmático, sempre alegre e contento, que nos veráns pasaba horas falando comigo polas noites, sentados os dous na solaina aberta desta casa de Beiro, onde estou agora. [...]
"O Sol do Verán", Carlos Casares
(Carlos Casares nasceu no dia 24 de Agosto de 1941. Morreu em 2002.)
"O Sol do Verán", Carlos Casares
(Carlos Casares nasceu no dia 24 de Agosto de 1941. Morreu em 2002.)
Amar é apanhar piriscas
Seria um casal patusco, se não fosse trágico. Desengonçados ambos, cómicos no vestir, feiinhos graças a Deus, testo e panela emparelhados de encomenda. Cirandam pelas ruas de Matosinhos todos os dias, de manhãzinha à noite, de braço dado, em passo de procissão e olhos caídos, passando o chão a pente fino à cata de piriscas reutilizáveis. Ele, posto que zarolho, tem visão de longo alcance ou então algum radar que eu não sei. Vê a beata e faz um gesto com a cabeça. Ela, em obediência canina, dobra-se, apanha a prisca referenciada, entrega-lha e corre a enfiar-lhe novamente o braço, até à próxima. Ele fuma e ela vai feliz. Os dois são um filme mudo. Isso, uma fita das antigas, mas a cores. Digo, seria um casal patusco, se não fosse trágico: quando lhe apetece, o filhodaputa bate na mulher.
quarta-feira, 22 de agosto de 2018
Nelson Rodrigues 6
Só o rosto é indecente. Do pescoço para baixo, podia-se andar nu.
Nelson Rodrigues
(Nelson Rodrigues nasceu no dia 23 de Agosto de 1912. Morreu em 1980.)
Nelson Rodrigues
(Nelson Rodrigues nasceu no dia 23 de Agosto de 1912. Morreu em 1980.)
Vasco Cabral 2
A luta
A luta é a minha primavera
Sinfonia de vida
o grito estridente dos rios
a gargalhada das fontes
o cantar das pedras e das rochas
o suor das estrelas!
a linha harmoniosa dum cisne!
"A Luta É a Minha Primavera", Vasco Cabral
(Vasco Cabral nasceu no dia 23 de Agosto de 1926. Morreu em 2005.)
A luta é a minha primavera
Sinfonia de vida
o grito estridente dos rios
a gargalhada das fontes
o cantar das pedras e das rochas
o suor das estrelas!
a linha harmoniosa dum cisne!
"A Luta É a Minha Primavera", Vasco Cabral
(Vasco Cabral nasceu no dia 23 de Agosto de 1926. Morreu em 2005.)
Felipe d'Oliveira 2
O clown
Sem apoio.
Solto na expectativa impaciente do irresistível.
Bloqueado pela ameaça circular dos cobradores
de jocoso, dos famintos de angústia grotesca.
Sem trapézio, como o trapezista.
Sem alteres, como o hércules.
Sem o aparato dos músculos, como o acrobata.
Sem refúgio e sem armas, desafia o risco manejando apenas
a desarticulação do jeito humano,
a deformação da máscara idiota onde a
graça estoura como um pontapé nas nádegas.
Sua ginástica tem de ser no vazio
sobre os fios frágeis do fracasso e do ridículo.
Dentro da roupa larga,
o corpo desengonçado
chacoalha cores, tropeça, achata-se sobre a
serragem do picadeiro.
A bofetada do partner
faz desabafar o delírio
sobre o tombo de costas (perfeito)
com estalos fingidos de espinha partida e
occipital rachado.
O aplauso voraz, em volta, o constringe
como uma goela de carnívoro.
"Lanterna Verde", Felipe d'Oliveira
(Felipe d'Oliveira nasceu no dia 23 de Agsoto de 1891. Morreu em 1933.)
Sem apoio.
Solto na expectativa impaciente do irresistível.
Bloqueado pela ameaça circular dos cobradores
de jocoso, dos famintos de angústia grotesca.
Sem trapézio, como o trapezista.
Sem alteres, como o hércules.
Sem o aparato dos músculos, como o acrobata.
Sem refúgio e sem armas, desafia o risco manejando apenas
a desarticulação do jeito humano,
a deformação da máscara idiota onde a
graça estoura como um pontapé nas nádegas.
Sua ginástica tem de ser no vazio
sobre os fios frágeis do fracasso e do ridículo.
Dentro da roupa larga,
o corpo desengonçado
chacoalha cores, tropeça, achata-se sobre a
serragem do picadeiro.
A bofetada do partner
faz desabafar o delírio
sobre o tombo de costas (perfeito)
com estalos fingidos de espinha partida e
occipital rachado.
O aplauso voraz, em volta, o constringe
como uma goela de carnívoro.
"Lanterna Verde", Felipe d'Oliveira
(Felipe d'Oliveira nasceu no dia 23 de Agsoto de 1891. Morreu em 1933.)
Affonso Manta 2
O aprendiz
Sou pobre realmente.
Tenho apenas algumas folhas de papel na alma
E uma vontade - digamos, mansa -
De hipnotizar borboletas.
Oue coisa sei da vida?
Pouca coisa sei da vida.
O bastante para não correr.
"O Retrato de Um Poeta", Affonso Manta
(Affonso Manta nasceu no dia 23 de Agosto de 1939. Morreu em 2003.)
Sou pobre realmente.
Tenho apenas algumas folhas de papel na alma
E uma vontade - digamos, mansa -
De hipnotizar borboletas.
Oue coisa sei da vida?
Pouca coisa sei da vida.
O bastante para não correr.
"O Retrato de Um Poeta", Affonso Manta
(Affonso Manta nasceu no dia 23 de Agosto de 1939. Morreu em 2003.)
Poesias completas e praticamente reunidas (vol. VIII)
Iniciação
Mandaram-no foder.
Ele foi.
E gostou bastante...
Algo de pacífico
Havia algo
de pacífico
no que ele dizia.
Ele dizia:
- Oceano...
Pela calada da noite
Pela calada da noite
falava a outra.
A calada da noite
era puta,
mas muito
envergonhada...
Caso de polícia
Florbela Espanca
Pessoa
Procura-se!
Procura-se
oportunidade
perdida.
Oferece-se
recompensa
a quem a
encontrar.
Apontamento musical
Era um pequeno
apontamento musical.
Estava escrito
num
post-it...
La vida de papel
Fez um barco e
lançou-se ao mar.
Morreu afogado.
O barco
era de papel
e o mar
não.
Mandaram-no foder.
Ele foi.
E gostou bastante...
Algo de pacífico
Havia algo
de pacífico
no que ele dizia.
Ele dizia:
- Oceano...
Pela calada da noite
Pela calada da noite
falava a outra.
A calada da noite
era puta,
mas muito
envergonhada...
Caso de polícia
Florbela Espanca
Pessoa
Procura-se!
Procura-se
oportunidade
perdida.
Oferece-se
recompensa
a quem a
encontrar.
Apontamento musical
Era um pequeno
apontamento musical.
Estava escrito
num
post-it...
La vida de papel
Fez um barco e
lançou-se ao mar.
Morreu afogado.
O barco
era de papel
e o mar
não.
terça-feira, 21 de agosto de 2018
De mestre
"Pinocar ou pinoquiar?", perguntou o jovem mestrando em Carpintaria
& Outras Artes Sexuais. "Depende", respondeu o velho professor de
nariz adunco e face testicular.
Isaac Díaz Pardo
Teatro en Israel
Comedia, menos divina que a do Dante, realizada en escenario dixital en ondas de alta frecuencia semi-electro-magnéticas, imposible de interferir. (Os parecidos coa realidade son pura coincidencia).
Busche: - Artiel, non teño máis remedio que decir que o meu pedido de que te retires dos territorios que ocupache e que deixes en liberdade a Arafate o digo en serio. Pero ti non me fagas caso, o digo só para a galería. Ti sigue zoupando neles até que non quede un deses que son capaces de morrer matando antes de deixar esta terra.
Sarrón: - ¿Non haberá perigo de que escoiten o que me dis?
Busche: - Non, Artiel. Só ti coñeces a clave.
Sarrón: - Ti moito dis, mais póñenme todos a parir dicindo que o terrorista son eu. E ti tampouco te salvas.
[...]
Isaac Díaz Pardo
(Isaac Díaz Pardo nasceu no dia 22 de Agosto de 1920. Morreu em 2012.)
Comedia, menos divina que a do Dante, realizada en escenario dixital en ondas de alta frecuencia semi-electro-magnéticas, imposible de interferir. (Os parecidos coa realidade son pura coincidencia).
Busche: - Artiel, non teño máis remedio que decir que o meu pedido de que te retires dos territorios que ocupache e que deixes en liberdade a Arafate o digo en serio. Pero ti non me fagas caso, o digo só para a galería. Ti sigue zoupando neles até que non quede un deses que son capaces de morrer matando antes de deixar esta terra.
Sarrón: - ¿Non haberá perigo de que escoiten o que me dis?
Busche: - Non, Artiel. Só ti coñeces a clave.
Sarrón: - Ti moito dis, mais póñenme todos a parir dicindo que o terrorista son eu. E ti tampouco te salvas.
[...]
Isaac Díaz Pardo
(Isaac Díaz Pardo nasceu no dia 22 de Agosto de 1920. Morreu em 2012.)
O Tarrenego!, a pedofilia e a Igreja que temos
O cardeal e os foguetes
O cardeal-patriarca de Lisboa garantiu ontem, em entrevista à rádio TSF e ao jornal Diário de Notícias, que não conhece casos de pedofilia na Igreja portuguesa. Mas, à cautela, acrescentou que "não podemos estar a deitar foguetes antes da festa, porque um caso pode sempre aparecer". Faz muito bem o senhor D. José Policarpo. Foguetes, não! Ainda lhe rebentam nas mãos.
(19 de Dezembro de 2011)
Os nossos bispos, a pedofilia e a hipocrisia deles
José Policarpo, cardeal-patriarca de Lisboa, garantia em Dezembro do ano passado, meia dúzia de dias antes do Natal, que não conhecia casos de pedofilia na Igreja portuguesa. Mas também dizia que o melhor era não "deitar foguetes antes da festa, porque um caso pode sempre aparecer". Pois pode e é preciso ter cuidado. Não faltam por aí manetas, por eles, os foguetes, lhes terem rebentado nas mãos - avisei eu.
Ontem, José Policarpo anunciou que os bispos portugueses querem que as vítimas de abusos sexuais por parte de membros do clero participem os casos "às autoridades civis competentes".
Não sei se o cardeal arrepiou caminho apenas para salvar as mãozinhas ou se teve um rebate de consciência. Mas este desafio dos bispos, tal como foi lançado cá para fora, enrodilhado em alegadas questões legais (e não morais, valha-nos Deus), é uma indecência e de uma hipocrisia e crueldade para com as vítimas que envergonham o Jesus Cristo que as excelências reverendíssimas deviam pregar e viver.
Quem é esta gente que fala em nome da minha Igreja e já não sabe o que é o amor ao próximo e a caridade cristã? O que é que acontece a esta gente quando se veste de vermelho, para tão escandalosamente desdenhar dos mais fracos e indefesos, dos estropiados?
E, no entanto, José Policarpo e os seus bispos (não sei quem os empurrou) deram um passo em direcção à verdade: há pedófilos e vítimas de pedofilia na Igreja portuguesa. A Hierarquia anda muito devagar e por isso eu só lhe peço que tente, para já, mais um passo. Um pequeno passo até ao enorme tapete para baixo do qual tem varrido, pelo menos ao longo dos últimos quarenta anos, os diversos casos de abusos sexuais sobre menores que conhece e a que fecha os olhos. E que tenha a dignidade mínima de expor, expurgar e fazer castigar os violadores e não as vítimas.
(20 de Abril de 2012)
Os bispos e a pedofilia: mais um pequeno passo
Eurico Dias Nogueira, antigo arcebispo de Braga, é da minha opinião: a Igreja Católica portuguesa "esteve demasiado calada" sobre os casos de pedofilia que aconteceram no seu seio. Em entrevista à rádio Antena 1, o prelado confirma ter informações de casos de abusos sexuais de menores dentro da instituição, que critica por ter tentado "abafar" as situações, sem "resolver" o problema. "Fazia-se isso secretamente", diz.
E querem saber como é que a Hierarquia "abafava" os casos? Por exemplo, mudando os padres pedófilos de paróquia em paróquia e de escola em escola, assim multiplicando o número de vítimas.
(21 de Abril de 2012)
Os bispos e a pedofilia: mais um pequeno passo 2
Manuel Morujão, padre porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, continua a falar demais e a falar de menos. Agora a propósito da pedofilia no interior da Igreja. É. Não têm emenda os nossos bispos: dão um passinho em frente e logo dois passos atrás. Não têm emenda e não têm perdão.
(11 de Dezembro de 2012)
E as provas? E os nomes?
A Conferência Episcopal Portuguesa garante ter dado "passos muito concretos na luta contra a pedofilia". Deu? Pois então que apresente provas, que diga nomes, como exige àqueles que denunciam os abusos praticados no interior da Igreja. Porque "não se deve dizer mais do que a verdade".
(4 de Janeiro de 2013)
O homem que sabia uma coisa terminada em "ia"
José Policarpo sabia de uma coisa terminada em "ia". Pedofilia?, perguntaram-lhe logo. Não, de pedofilia não sei nada, respondeu. Compaixão?, insistiram. Vão-se lixar, isso não interessa para nada e nem sequer termina em "ia", protestou o príncipe da Igreja na reforma. Economia, sei é de economia, acabou por se abrir o emérito, parece que um tudo nada afrontado com a maneira leviana como sindicatos e oposição estão a governar Portugal. Ou então seriam gases.
(27 de Outubro de 2013)
Bispo pede campanha contra pedofilia na Igreja
O título deste texto é mentira, e o que se segue também. O bispo de Viana do Castelo, Anacleto Oliveira, apelou hoje ao Presidente da República para "liderar a mobilização de toda a nação" numa "causa nacional" contra a pedofilia na Igreja, por considerar que o que tem sido feito "não chega".
"Nada há de mais poderoso e eficaz [do] que um povo inteiro unido pela mesma causa, no comum modo de viver e pensar, numa mesma cultura", fez notar o prelado, defendendo que "chegou a hora" de o País "gritar bem alto: basta de pedofilia nos colégios católicos, nos seminários e nas sacristias".
A última parte desta última parte também é inventada. A versão verdadeira, que tem a ver com incêndios e é um bocado de rir, está no jornal Público, que copiou da agência Lusa.
Repiro: o título deste texto é mentira. E é pena.
(20 de Agosto de 2017)
Cardeal-patriarca fala do que não sabe
Manuel Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa, não sabe nada de casamento - o que até se compreende, porque é solteiro. Também não sabe nada de sexo - o que se pode aceitar, porque certamente nunca praticou. Ainda assim, ignorante em toda a linha, debita palpite sobre os dois assuntos, defendendo que os católicos recasados "em situação irregular" devem ser aconselhados a viverem sem relações sexuais.
Manuel Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa, sabe muito bem da pedofilia na Igreja portuguesa. Falando do que sabe e do que realmente lhe diz respeito, gostaria de o ouvir propor que os padres devem ser aconselhados a deixarem as pilinhas dos meninos em paz.
(8 de Fevereiro de 2018)
O cardeal-patriarca de Lisboa garantiu ontem, em entrevista à rádio TSF e ao jornal Diário de Notícias, que não conhece casos de pedofilia na Igreja portuguesa. Mas, à cautela, acrescentou que "não podemos estar a deitar foguetes antes da festa, porque um caso pode sempre aparecer". Faz muito bem o senhor D. José Policarpo. Foguetes, não! Ainda lhe rebentam nas mãos.
(19 de Dezembro de 2011)
Os nossos bispos, a pedofilia e a hipocrisia deles
José Policarpo, cardeal-patriarca de Lisboa, garantia em Dezembro do ano passado, meia dúzia de dias antes do Natal, que não conhecia casos de pedofilia na Igreja portuguesa. Mas também dizia que o melhor era não "deitar foguetes antes da festa, porque um caso pode sempre aparecer". Pois pode e é preciso ter cuidado. Não faltam por aí manetas, por eles, os foguetes, lhes terem rebentado nas mãos - avisei eu.
Ontem, José Policarpo anunciou que os bispos portugueses querem que as vítimas de abusos sexuais por parte de membros do clero participem os casos "às autoridades civis competentes".
Não sei se o cardeal arrepiou caminho apenas para salvar as mãozinhas ou se teve um rebate de consciência. Mas este desafio dos bispos, tal como foi lançado cá para fora, enrodilhado em alegadas questões legais (e não morais, valha-nos Deus), é uma indecência e de uma hipocrisia e crueldade para com as vítimas que envergonham o Jesus Cristo que as excelências reverendíssimas deviam pregar e viver.
Quem é esta gente que fala em nome da minha Igreja e já não sabe o que é o amor ao próximo e a caridade cristã? O que é que acontece a esta gente quando se veste de vermelho, para tão escandalosamente desdenhar dos mais fracos e indefesos, dos estropiados?
E, no entanto, José Policarpo e os seus bispos (não sei quem os empurrou) deram um passo em direcção à verdade: há pedófilos e vítimas de pedofilia na Igreja portuguesa. A Hierarquia anda muito devagar e por isso eu só lhe peço que tente, para já, mais um passo. Um pequeno passo até ao enorme tapete para baixo do qual tem varrido, pelo menos ao longo dos últimos quarenta anos, os diversos casos de abusos sexuais sobre menores que conhece e a que fecha os olhos. E que tenha a dignidade mínima de expor, expurgar e fazer castigar os violadores e não as vítimas.
(20 de Abril de 2012)
Os bispos e a pedofilia: mais um pequeno passo
Eurico Dias Nogueira, antigo arcebispo de Braga, é da minha opinião: a Igreja Católica portuguesa "esteve demasiado calada" sobre os casos de pedofilia que aconteceram no seu seio. Em entrevista à rádio Antena 1, o prelado confirma ter informações de casos de abusos sexuais de menores dentro da instituição, que critica por ter tentado "abafar" as situações, sem "resolver" o problema. "Fazia-se isso secretamente", diz.
E querem saber como é que a Hierarquia "abafava" os casos? Por exemplo, mudando os padres pedófilos de paróquia em paróquia e de escola em escola, assim multiplicando o número de vítimas.
(21 de Abril de 2012)
Os bispos e a pedofilia: mais um pequeno passo 2
Manuel Morujão, padre porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, continua a falar demais e a falar de menos. Agora a propósito da pedofilia no interior da Igreja. É. Não têm emenda os nossos bispos: dão um passinho em frente e logo dois passos atrás. Não têm emenda e não têm perdão.
(11 de Dezembro de 2012)
E as provas? E os nomes?
A Conferência Episcopal Portuguesa garante ter dado "passos muito concretos na luta contra a pedofilia". Deu? Pois então que apresente provas, que diga nomes, como exige àqueles que denunciam os abusos praticados no interior da Igreja. Porque "não se deve dizer mais do que a verdade".
(4 de Janeiro de 2013)
O homem que sabia uma coisa terminada em "ia"
José Policarpo sabia de uma coisa terminada em "ia". Pedofilia?, perguntaram-lhe logo. Não, de pedofilia não sei nada, respondeu. Compaixão?, insistiram. Vão-se lixar, isso não interessa para nada e nem sequer termina em "ia", protestou o príncipe da Igreja na reforma. Economia, sei é de economia, acabou por se abrir o emérito, parece que um tudo nada afrontado com a maneira leviana como sindicatos e oposição estão a governar Portugal. Ou então seriam gases.
(27 de Outubro de 2013)
Bispo pede campanha contra pedofilia na Igreja
O título deste texto é mentira, e o que se segue também. O bispo de Viana do Castelo, Anacleto Oliveira, apelou hoje ao Presidente da República para "liderar a mobilização de toda a nação" numa "causa nacional" contra a pedofilia na Igreja, por considerar que o que tem sido feito "não chega".
"Nada há de mais poderoso e eficaz [do] que um povo inteiro unido pela mesma causa, no comum modo de viver e pensar, numa mesma cultura", fez notar o prelado, defendendo que "chegou a hora" de o País "gritar bem alto: basta de pedofilia nos colégios católicos, nos seminários e nas sacristias".
A última parte desta última parte também é inventada. A versão verdadeira, que tem a ver com incêndios e é um bocado de rir, está no jornal Público, que copiou da agência Lusa.
Repiro: o título deste texto é mentira. E é pena.
(20 de Agosto de 2017)
Cardeal-patriarca fala do que não sabe
Manuel Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa, não sabe nada de casamento - o que até se compreende, porque é solteiro. Também não sabe nada de sexo - o que se pode aceitar, porque certamente nunca praticou. Ainda assim, ignorante em toda a linha, debita palpite sobre os dois assuntos, defendendo que os católicos recasados "em situação irregular" devem ser aconselhados a viverem sem relações sexuais.
Manuel Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa, sabe muito bem da pedofilia na Igreja portuguesa. Falando do que sabe e do que realmente lhe diz respeito, gostaria de o ouvir propor que os padres devem ser aconselhados a deixarem as pilinhas dos meninos em paz.
(8 de Fevereiro de 2018)
segunda-feira, 20 de agosto de 2018
Josué Montello 6
Na véspera do combate, quando a lua despontou por cima dos contrafortes da serra do Medeiro, já encontrou as tropas do Capitão Nelson de Melo a poucos quilômetros do lugar escolhido para o duplo movimento - de vanguarda e retaguarda - contra as forças governistas. O batalhão marchava em silêncio, cobrindo a picada no passo certo da marcha, de baterias prontas para a ofensiva, enquanto a cavalaria se alongava em fila indiana, com os animais de orelhas fitas, rédeas soltas, batendo cadenciadamente os cascos nas pedras do chão. Adiante, nas carretas vagarosas, seguiam dois canhões, ladeados por quatro artilheiros.
Por volta das dez e meia, o batalhão parou para acampar. Dali se podia ver, banhada pela claridade do luar, a silhueta compacta das montanhas fechando o cenário da luta. Ocultos pela vegetação das encostas, já os canhões inimigos espreitariam, alongando o pescoço comprido, prontos para atirar.
"A Coroa de Areia", Josué Montello
(Josué Montello nasceu no dia 21 de Agosto de 1917. Morreu em 2006.)
Por volta das dez e meia, o batalhão parou para acampar. Dali se podia ver, banhada pela claridade do luar, a silhueta compacta das montanhas fechando o cenário da luta. Ocultos pela vegetação das encostas, já os canhões inimigos espreitariam, alongando o pescoço comprido, prontos para atirar.
"A Coroa de Areia", Josué Montello
(Josué Montello nasceu no dia 21 de Agosto de 1917. Morreu em 2006.)
José Rey González 2
Cando me morra...
Cando me morra quero que m'enterren
n'ista terriña n'onde â vida vin;
cando me morra non quero que veñan
ao rabo da caixa chorando por mín.
[...]
José Rey González
(José Rey González nasceu no dia 21 de Agosto de 1874. Morreu em 1957.)
Cando me morra quero que m'enterren
n'ista terriña n'onde â vida vin;
cando me morra non quero que veñan
ao rabo da caixa chorando por mín.
[...]
José Rey González
(José Rey González nasceu no dia 21 de Agosto de 1874. Morreu em 1957.)
Dora Vázquez 4
Unha noite desas solemnes e quedas do xullo, contaban as estrelas ás auras lixeiras a historia de amor dun reiseñor e unha tímida rosa. A mesma rosa que arrastraba a corrente dun arroio que a lúa bañaba con fulgores de prata.
Contábanlle que o canto do reiseñor era algo marabilloso. Os seus trinos vibrantes e melodiosos acendían as noites. Nas mesturas dos soutos e as carballeiras, escoitábano os outros paxaros espertos i encantados. Nos seus buratos detiñan os grilos o son dos seus élitros, e as ras deixaban de croar nas lagoas para escoitalo. Todo quedaba calado, nun lánguido silencio, no que soamente a gorxa prodixiosa do reiseñor degrañaba as súas belas cantigas na escuridade da noite.
Unha vez, ocurrera que unha noite o seu canto agromou máis doce e harmonioso que nunca soara. Saían da miuda gorxa notas que enxamais foran oídas. O silencio parecia máis intenso. A lúa, curiosa, incrinou á terra o seu perfil brillante, e o seu feixe resprandecente iluminou unha escena encantada.
Entre as follas das ponlas dunha roseira, alzábase, modesta e humilde unha bela, pero tímida rosa. E moi pretiño dela, chifraba o reiseñor a melodía do seu canto. A súa plumaxe brillaba na sombra do crepúsculo extrañamente, e nos seus ollos lucía a tenrura ollando para a flor. A rosa escoitábao caladiña, abraiada, emocionada. Polas súas meixelas deslizábase unha bágoa de felicidade, sentindo o corazón sumerxido no encanto do amor.
Contábanlle que o canto do reiseñor era algo marabilloso. Os seus trinos vibrantes e melodiosos acendían as noites. Nas mesturas dos soutos e as carballeiras, escoitábano os outros paxaros espertos i encantados. Nos seus buratos detiñan os grilos o son dos seus élitros, e as ras deixaban de croar nas lagoas para escoitalo. Todo quedaba calado, nun lánguido silencio, no que soamente a gorxa prodixiosa do reiseñor degrañaba as súas belas cantigas na escuridade da noite.
Unha vez, ocurrera que unha noite o seu canto agromou máis doce e harmonioso que nunca soara. Saían da miuda gorxa notas que enxamais foran oídas. O silencio parecia máis intenso. A lúa, curiosa, incrinou á terra o seu perfil brillante, e o seu feixe resprandecente iluminou unha escena encantada.
Entre as follas das ponlas dunha roseira, alzábase, modesta e humilde unha bela, pero tímida rosa. E moi pretiño dela, chifraba o reiseñor a melodía do seu canto. A súa plumaxe brillaba na sombra do crepúsculo extrañamente, e nos seus ollos lucía a tenrura ollando para a flor. A rosa escoitábao caladiña, abraiada, emocionada. Polas súas meixelas deslizábase unha bágoa de felicidade, sentindo o corazón sumerxido no encanto do amor.
(Dora Vázquez nasceu no dia 21 de Agosto de 1913. Morreu em 2010.)
domingo, 19 de agosto de 2018
O grande prestidigitador
Era um mágico extraordinário: em vez de coelhos da cartola, tirava macacos do nariz.
Décio Pignatari 3
Você quase me mata
e agora
me maltrata?
Décio Pignatari
(Décio Pignatari nasceu no dia 20 de Agosto de 1927. Morreu em 2012.)
e agora
me maltrata?
Décio Pignatari
(Décio Pignatari nasceu no dia 20 de Agosto de 1927. Morreu em 2012.)
Cora Coralina 6
Mulher da vida
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades
e carrega a carga pesada
dos mais torpes sinônimos,
apelidos e apodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à toa.
Mulher da vida, minha irmã.
[...]
Cora Coralina
(Cora Coralina nasceu no dia 20 de Agosto de 1889. Morreu em 1985.)
A minha sogra não dorme e acorda sobressaltada
À meia-noite ressonava. Às duas ressonava. Às três ressonava. Às quatro ressonava. Às seis ressonava. E às sete ressonava. Quando foi acordada, ai que susto!, para o pequeno-almoço fidalgo, na cama, cerca das oito, derivado a não incomodar, a minha sogra queixou-se de que não tinha pregado olho, esteve para morrer toda a noite. Evidentemente tenho de rever esta coisada da próstata, a minha, ando a mijar vezes demais.
sábado, 18 de agosto de 2018
Microcontos & outras miudezas 99
Ofender não ofende?
Há coisas que não se compreendem: como é que um erro defensivo pode ser mais grave do que um erro ofensivo?...
O guarda Rios
O guarda Rios trabalhava na secretaria do quartel da GNR da Pontinha, mas realmente prestava-se a alguma confusão...
O guarda-redes
Velho pescador aposentado, navegava em terra remendando redes e enxotando gaivotas.
O guarda nocturno
Era polícia durante o dia e segurança de discoteca durante a noite.
O guarda noturno
Entrava às seis e saía ao meio-dia.
O enformador
Ele era mais bolos. E tinha um primo que trabalhava com a polícia.
O almocinho de domingo, amém
Um dominguinho como de costume e Deus manda. Missinha das onze, homiliazinha com palavrinhas a abater e um que outro puxãozinho de orelhas para temperar, uns acenozinhos ao rebanho, umas lambidelas recebidas na mão santa, a do cachucho, e depois... o almocinho. O almocinho de dominguinho: três pratos, tal qual a Santíssima Trindade e o outro assunto que não vem ao caso. Duas horas à mesa e sempre a dar-lhe, como se fosse castigo, penitência. "Ui! Comi que nem um abade" - desabafou, num arroto final. "Nada de modéstias, Eminentíssimo e Reverendíssimo, afinal de contas sois Cardeal, Cardeal" - acudiu o solícito secretário, jovem presbítero, com as maiúsculas numa mão e o bicarbonato de sódio na outra.
Há coisas que não se compreendem: como é que um erro defensivo pode ser mais grave do que um erro ofensivo?...
O guarda Rios
O guarda Rios trabalhava na secretaria do quartel da GNR da Pontinha, mas realmente prestava-se a alguma confusão...
O guarda-redes
Velho pescador aposentado, navegava em terra remendando redes e enxotando gaivotas.
O guarda nocturno
Era polícia durante o dia e segurança de discoteca durante a noite.
O guarda noturno
Entrava às seis e saía ao meio-dia.
O enformador
Ele era mais bolos. E tinha um primo que trabalhava com a polícia.
O almocinho de domingo, amém
Um dominguinho como de costume e Deus manda. Missinha das onze, homiliazinha com palavrinhas a abater e um que outro puxãozinho de orelhas para temperar, uns acenozinhos ao rebanho, umas lambidelas recebidas na mão santa, a do cachucho, e depois... o almocinho. O almocinho de dominguinho: três pratos, tal qual a Santíssima Trindade e o outro assunto que não vem ao caso. Duas horas à mesa e sempre a dar-lhe, como se fosse castigo, penitência. "Ui! Comi que nem um abade" - desabafou, num arroto final. "Nada de modéstias, Eminentíssimo e Reverendíssimo, afinal de contas sois Cardeal, Cardeal" - acudiu o solícito secretário, jovem presbítero, com as maiúsculas numa mão e o bicarbonato de sódio na outra.
Haroldo de Campos 3
Ex/plicação
não há um
sentido único
num
poema
quando alguém
começa a ex-
plicá-lo e
chega ao fim
en-
tão só fica o
ex
do ponto de
partida
beco
(tente outra
vez)
sem saída
"A Educação dos Cinco Sentidos", Haroldo de Campos
(Haroldo de Campos nasceu no dia 19 de Agosto de 1929. Morreu em 2003.)
não há um
sentido único
num
poema
quando alguém
começa a ex-
plicá-lo e
chega ao fim
en-
tão só fica o
ex
do ponto de
partida
beco
(tente outra
vez)
sem saída
"A Educação dos Cinco Sentidos", Haroldo de Campos
(Haroldo de Campos nasceu no dia 19 de Agosto de 1929. Morreu em 2003.)
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sexta-feira, 17 de agosto de 2018
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