H
Sei que dez anos nos separam de pedras
e raízes nos ouvidos
e ver-te, ó menina do quarto vermelho,
era ver a tua bondade, o teu olhar terno
de Borboleta no Infinito
e toda essa sucessão de pontos vermelhos no espaço
em que tu eras uma estrela que caiu
e incendiou a terra
lá longe numa fonte cheia de fogos-fátuos.
"Ossóptico e Outros Poemas" , António Maria Lisboa
(António Maria Lisboa nasceu no dia 1 de Agosto de 1928. Morreu em 1953.)
domingo, 31 de julho de 2016
António Rebordão Navarro 2
Post scriptum
Se a solidão nos rói os ossos,
se temos de negar
e é forçoso viver
entre paredes que não crescem nem mingam,
caminhar e sorrir e criar com esforço
urgentes intervalos para a dor,
em papéis sem mistério
faremos nossa história
tão simples como o bom e o mau tempo.
Entretanto,
falamos, discutimos,
cuspimos na paisagem,
desafiamos a tristeza
e mordemos o corpo da alegria.
(Não sei se tu me vês
Escrevo-te estas linhas de verdade
porque sei que não choras
quando a vida to ordena,
porque sei que és livre
a desprezares
a gordura dos dias.
(Não te dou minhas mãos,
sento-me contigo à mesa que puseste,
que sempre pões em qualquer sítio,
- nos barcos, nos cafés, onde tu estás -
tua ternura é uma longa mesa
onde se sentam todos os vagabundos.)
Dou-te vinte séculos de fome sobre o mundo,
vários milhões de cruzes e cadáveres nos campos,
inumeráveis dramas conjugais,
pavores de toda a espécie
e o esforço que minha mãe faz para não chorar.
Só te envio
o que guardei das quedas mais terríveis,
o olhar para trás, o reter uma lágrima,
o ter trazido na minha mão direita
o frio que cobria a mão de meu pai morto.
Não te falo de coisas ociosas
Não te ofereço o único e perfeito
lugar do mundo aonde
talvez ainda exista a felicidade,
mas junto as minhas ruas
de crianças, eléctricos e caixotes de lixo
às tuas ruas de ladrões, prostitutas,
máquinas e polícias.
Se a solidão nos rói os ossos,
se temos de negar
e é forçoso viver
entre paredes que não crescem nem mingam,
caminhar e sorrir e criar com esforço
urgentes intervalos para a dor,
em papéis sem mistério
faremos nossa história
tão simples como o bom e o mau tempo.
Entretanto,
falamos, discutimos,
cuspimos na paisagem,
desafiamos a tristeza
e mordemos o corpo da alegria.
(Não sei se tu me vês
quando a insónia te envia
anjos de roxos olhos
que te impelem, atraem
e, súbito, te deixam.
Não quero dizer que te ouço cantar,
porque não ouço,
quando os muros se apertam,
quando encho grandes dias
de silêncio e mais nada.)
porque não ouço,
quando os muros se apertam,
quando encho grandes dias
de silêncio e mais nada.)
Escrevo-te estas linhas de verdade
porque sei que não choras
quando a vida to ordena,
porque sei que és livre
a desprezares
a gordura dos dias.
(Não te dou minhas mãos,
sento-me contigo à mesa que puseste,
que sempre pões em qualquer sítio,
- nos barcos, nos cafés, onde tu estás -
tua ternura é uma longa mesa
onde se sentam todos os vagabundos.)
Dou-te vinte séculos de fome sobre o mundo,
vários milhões de cruzes e cadáveres nos campos,
inumeráveis dramas conjugais,
pavores de toda a espécie
e o esforço que minha mãe faz para não chorar.
Só te envio
o que guardei das quedas mais terríveis,
o olhar para trás, o reter uma lágrima,
o ter trazido na minha mão direita
o frio que cobria a mão de meu pai morto.
Não te falo de coisas ociosas
que nunca possuiremos,
não te falo de roteiros fingidos
nem te envio palavras pelo vento.
Não te peço para me dares a paz
que nunca tive
nem mesmo a que julgava ter e me levaste.
que nunca tive
nem mesmo a que julgava ter e me levaste.
Não te ofereço o único e perfeito
lugar do mundo aonde
talvez ainda exista a felicidade,
mas junto as minhas ruas
de crianças, eléctricos e caixotes de lixo
às tuas ruas de ladrões, prostitutas,
máquinas e polícias.
Mais livre
(ou menos livre?)
do que dantes,
mais sereno
no entanto,
embora
a garganta
se encha
de acerados punhais
e uma ruga
recente
denuncie
que, às vezes,
num só instante
o mundo cresce
mais do que
em milénios,
abro todas as portas
e todas as janelas,
abro todas as veias
ao teu sangue,
vou contigo
por um caminho
por demais luminoso.
"Aqui e Agora", António Rebordão Navarro
(António Rebordão Navarro nasceu no dia 1 de Agosto de 1933. Morreu em 2015.)
(ou menos livre?)
do que dantes,
mais sereno
no entanto,
embora
a garganta
se encha
de acerados punhais
e uma ruga
recente
denuncie
que, às vezes,
num só instante
o mundo cresce
mais do que
em milénios,
abro todas as portas
e todas as janelas,
abro todas as veias
ao teu sangue,
vou contigo
por um caminho
por demais luminoso.
"Aqui e Agora", António Rebordão Navarro
(António Rebordão Navarro nasceu no dia 1 de Agosto de 1933. Morreu em 2015.)
Eu, que só quero ajudar... (uma história de acentos)
Era um rapaz dos seus 16-17 anos, se calhar 15 ou 18, ou 13, nunca fui bom nisto. Encarei o meu melhor sorriso e chamei o rapaz à atenção:
- O caro jovem fará o favor de me desculpar, não deve ter reparado, mas acontece que tem as calças a caírem-lhe, com licença, pelo cu abaixo. Vêem-se-lhe as cuecas inteiras, são de marca e ficam-llhe muito bem, é verdade. Às tantas, porém, se não lhes deita a mão, as calças arriam-se-lhe até aos artelhos, o caro jovem enrodilha-se nelas e ainda dá um tombo dos antigos, com consequências que lamentavelmente poderão redundar em consideráveis danos físicos e materiais.
O rapaz, talvez 19 anos, ou 12, não sei, olhou-me da cabeça aos pés com assinalável fastio, viu-me o cabelo branco e desorganizado, a barba grisalha de mês e meio, a mochila desengonçada às costas de uma T-shirt que há muito, muito tempo foi azul, as calças de fato-treino de cor incerta e largas como as dos palhaços, as sapatilhas brancas, a esquerda furada na biqueira (eram do meu filho), tentou adivinhar-me a idade e deve ter acertado em cheio, lançou o cigarro ao chão, o escarro seguiu o mesmo caminho, e respondeu-me um cagasésimo de segundo antes de me virar costas:
- Vai-te foder, ó velho do caralho...
Francamente, o que é que o rapaz pretenderia dizer com aquilo? Eu, que só quero ajudar...
(Moral da história: chama-se a atenção quando se pretende despertar interesse ou curiosidade, quando se quer dar nas vistas; chama-se à atenção quando se deseja fazer uma crítica ou algum reparo. É. Os acentos fazem uma certa e determinada diferença.)
- O caro jovem fará o favor de me desculpar, não deve ter reparado, mas acontece que tem as calças a caírem-lhe, com licença, pelo cu abaixo. Vêem-se-lhe as cuecas inteiras, são de marca e ficam-llhe muito bem, é verdade. Às tantas, porém, se não lhes deita a mão, as calças arriam-se-lhe até aos artelhos, o caro jovem enrodilha-se nelas e ainda dá um tombo dos antigos, com consequências que lamentavelmente poderão redundar em consideráveis danos físicos e materiais.
O rapaz, talvez 19 anos, ou 12, não sei, olhou-me da cabeça aos pés com assinalável fastio, viu-me o cabelo branco e desorganizado, a barba grisalha de mês e meio, a mochila desengonçada às costas de uma T-shirt que há muito, muito tempo foi azul, as calças de fato-treino de cor incerta e largas como as dos palhaços, as sapatilhas brancas, a esquerda furada na biqueira (eram do meu filho), tentou adivinhar-me a idade e deve ter acertado em cheio, lançou o cigarro ao chão, o escarro seguiu o mesmo caminho, e respondeu-me um cagasésimo de segundo antes de me virar costas:
- Vai-te foder, ó velho do caralho...
Francamente, o que é que o rapaz pretenderia dizer com aquilo? Eu, que só quero ajudar...
(Moral da história: chama-se a atenção quando se pretende despertar interesse ou curiosidade, quando se quer dar nas vistas; chama-se à atenção quando se deseja fazer uma crítica ou algum reparo. É. Os acentos fazem uma certa e determinada diferença.)
sábado, 30 de julho de 2016
Os anormais e os cães
Foto Hernâni Von Doellinger |
Um anormal levou o cão ao concerto do Pedro Abrunhosa que terminou há minutos no Passeio Atlântico de Matosinhos. Outro anormal também. Também levou o cão, quero dizer. Eram, portanto, dois cães de dois anormais. Sem terem culpa nenhuma, os cães dos dois anormais encontraram-se, engalfinharam-se, abocanharam-se, esgadanharam-se e espernearam-se no meio da multidão. Estávamos ali milhares de pessoas, mas adivinhem para quem sobrou... Exactamente.
Augusto Gil
Grão de incenso
Entraste com ar cansado
Numa igreja fria e triste.
Ajoelhei-me ao teu lado
- E nem ao menos me viste...
Ficaste a rezar ali,
Naquela imensa tristeza.
Rezei também, mas a ti
- Que aos anjos também se reza...
Ficaste a rezar até
Manhã dentro, manhã alta.
Como é que tens tanta fé
E a caridade te falta?...
"Luar de Janeiro", Augusto Gil
(Augusto Gil nasceu no dia 31 de Julho de 1873. Morreu em 1929.)
Entraste com ar cansado
Numa igreja fria e triste.
Ajoelhei-me ao teu lado
- E nem ao menos me viste...
Ficaste a rezar ali,
Naquela imensa tristeza.
Rezei também, mas a ti
- Que aos anjos também se reza...
Ficaste a rezar até
Manhã dentro, manhã alta.
Como é que tens tanta fé
E a caridade te falta?...
"Luar de Janeiro", Augusto Gil
(Augusto Gil nasceu no dia 31 de Julho de 1873. Morreu em 1929.)
Condutora inteligentíssima
Um casal de idosos num daqueles carrinhos portáteis, os papa-reformas, como alguém teve a feliz ideia de lhes chamar. Nas calmas, evidentemente. Atrás do carrinho de corda, uma condutora de um veículo a sério (à séria, se lido em Lisboa), uma verdadeira automobilista. A condutora, jovem e dinânima, tem óculos de sol e pressa de ambulância: buzina, assobia, gesticula, grita através da janela aberta:
- A passear!?...
Era domingo, duas da tarde, na ensolarada estrada à beira-mar. Condutora inteligentíssima! Sim, às tantas os velhos iam mesmo a passear...
- A passear!?...
Era domingo, duas da tarde, na ensolarada estrada à beira-mar. Condutora inteligentíssima! Sim, às tantas os velhos iam mesmo a passear...
sexta-feira, 29 de julho de 2016
A ignorância faz bem à pele e as bifanas também
Fui tratar da renovação do cartão do cidadão e, é preciso ter azar, correu tudo bem. Despacharam-me em menos de um quarto de hora. Eu contava passar a tarde
inteira refastelado numa das cadeiras partidas das instalações de Alferes Malheiro, embora tivesse
marcado para as catorze um encontro com o Lopes e com as bifanas da Conga, mas ainda não era meio-dia e já me despejava no meio da rua sem
saber o que fazer com os seguintes cento e vinte e tal
minutos da minha vida. É isto, desabituei-me de ir à Baixa do Porto...
Ameaçava ameaçar chover. Vi uma daquelas livrarias de campanha montada mesmo à frente do meu nariz, no largo da estação de metro da Trindade, e entrei. Lá dentro, o refugo do costume ao habitual preço da uva mijona, nada de razoavelmente interessante, mas às vezes nunca se sabe...
Uma simpática funcionária, diria entre os trinta e muitos e os quarenta e poucos, abeirou-se-me e perguntou, de sorriso engatilhado:
- Posso ajudá-lo?
- Ando só a ver, muito obrigado. Mas, já agora, diga-me, por favor: tem alguma coisa do Montalbán?
- De quem?
- Do Vázquez Montalbán, histórias do Pepe Carvalho...
- Quem?
- Pepe Carvalho.
- Saiu este ano?
- Não. No geral, são livros já com uns anitos...
- E o género?
- Policial, talvez. Mas dizer policial é dizer muito pouco. Policial literário e gastronómico, se for possível, e de repente não sei dizer melhor...
- Pepe Carvalho? Esse autor acho que não temos.
- Desculpe. O autor é Manuel Vázquez Montalbán. O herói dos livros é que se chama Pepe Carvalho, detective privado, uma espécie de Sherlock Holmes espanhol, mas versão séculos XX-XXI.
- Então é conhecido em Espanha...
- Acredito que sim, e em Portugal também. E no resto do mundo, se calhar. Não é que seja abonatório por aí além, mas até já fizeram filmes de um ou dois livros do Montalbán, quer ver?
Resolvi ser eu a ajudar a solícita porém desinformada funcionária. Ando exactamente a reler a Série Pepe Carvalho que as Edições ASA em boa hora começaram e em má hora interromperam, após a eucaliptal intervenção da Leya. Fui à mochila e saquei o "Assassinato no Comité Central", que por acaso acabei ainda na espera desse princípio de tarde. Expliquei à senhora:
- Vê?
- Ah! Montalbán é que é o autor. Eu estava a perceber que Pepe Carvalho é que...
- Esta era uma belíssima colecção da ASA que infelizmente...
- Ah! Livros da ASA não tenho.
- Mas Montalbán já foi publicado em português por outras editoras, pelo menos pela falecida Regra do Jogo e pela Caminho, se não me engano, há até uns livrinhos de bolso, tenho um, "As Termas"...
- "Assassinato no Comité Central", esse aí...
- Olhe, foi um dos que deram filme. Neste, quem faz de Pepe Carvalho no cinema é, veja lá, o Patxi Andión...
- Quem?
- O Patxi Andión, o famoso cantor espanhol, o cantautor, o poeta, o escritor...
- Não estou a ver...
- Então, o Patxi Andión, ainda outro dia esteve aqui na Casa da Música...
- Não, não conheço. E até gosto de música espanhola, mas não da música pimba...
- Minha senhora, o Patxi Andión...
Ia gastar mais um pouco do meu atamancado latim para explicar à gentil funcionária quem é Patxi Andión, mas desisti. Preferi ser agradável e mentir com quantos dentes tenho, e são todos menos os sisos inferiores. Disse:
- ... Pois, evidentemente a menina é nova demais para conhecer o Patxi, o Pepe e o Montalbán. A menina é de uma geração tipo mais... tipo.
- Ai não se deixe enganar pela aparência. Estou é muito bem conservada... - devolveu-me a amável funcionária, enfim sorrindo, e corando de satisfação e vaidade.
Cientificamente provado: a ignorância faz bem à pele. Por outro lado, as bifanas estavam di-vi-nais, como diria o meu irmão Nelo. E o Lopes, que parece que é bruxo, trouxe-me "O Seminarista", de Rubem Fonseca. "O Seminarista"! Só tenho quem me goze...
Ameaçava ameaçar chover. Vi uma daquelas livrarias de campanha montada mesmo à frente do meu nariz, no largo da estação de metro da Trindade, e entrei. Lá dentro, o refugo do costume ao habitual preço da uva mijona, nada de razoavelmente interessante, mas às vezes nunca se sabe...
Uma simpática funcionária, diria entre os trinta e muitos e os quarenta e poucos, abeirou-se-me e perguntou, de sorriso engatilhado:
- Posso ajudá-lo?
- Ando só a ver, muito obrigado. Mas, já agora, diga-me, por favor: tem alguma coisa do Montalbán?
- De quem?
- Do Vázquez Montalbán, histórias do Pepe Carvalho...
- Quem?
- Pepe Carvalho.
- Saiu este ano?
- Não. No geral, são livros já com uns anitos...
- E o género?
- Policial, talvez. Mas dizer policial é dizer muito pouco. Policial literário e gastronómico, se for possível, e de repente não sei dizer melhor...
- Pepe Carvalho? Esse autor acho que não temos.
- Desculpe. O autor é Manuel Vázquez Montalbán. O herói dos livros é que se chama Pepe Carvalho, detective privado, uma espécie de Sherlock Holmes espanhol, mas versão séculos XX-XXI.
- Então é conhecido em Espanha...
- Acredito que sim, e em Portugal também. E no resto do mundo, se calhar. Não é que seja abonatório por aí além, mas até já fizeram filmes de um ou dois livros do Montalbán, quer ver?
Resolvi ser eu a ajudar a solícita porém desinformada funcionária. Ando exactamente a reler a Série Pepe Carvalho que as Edições ASA em boa hora começaram e em má hora interromperam, após a eucaliptal intervenção da Leya. Fui à mochila e saquei o "Assassinato no Comité Central", que por acaso acabei ainda na espera desse princípio de tarde. Expliquei à senhora:
- Vê?
- Ah! Montalbán é que é o autor. Eu estava a perceber que Pepe Carvalho é que...
- Esta era uma belíssima colecção da ASA que infelizmente...
- Ah! Livros da ASA não tenho.
- Mas Montalbán já foi publicado em português por outras editoras, pelo menos pela falecida Regra do Jogo e pela Caminho, se não me engano, há até uns livrinhos de bolso, tenho um, "As Termas"...
- "Assassinato no Comité Central", esse aí...
- Olhe, foi um dos que deram filme. Neste, quem faz de Pepe Carvalho no cinema é, veja lá, o Patxi Andión...
- Quem?
- O Patxi Andión, o famoso cantor espanhol, o cantautor, o poeta, o escritor...
- Não estou a ver...
- Então, o Patxi Andión, ainda outro dia esteve aqui na Casa da Música...
- Não, não conheço. E até gosto de música espanhola, mas não da música pimba...
- Minha senhora, o Patxi Andión...
Ia gastar mais um pouco do meu atamancado latim para explicar à gentil funcionária quem é Patxi Andión, mas desisti. Preferi ser agradável e mentir com quantos dentes tenho, e são todos menos os sisos inferiores. Disse:
- ... Pois, evidentemente a menina é nova demais para conhecer o Patxi, o Pepe e o Montalbán. A menina é de uma geração tipo mais... tipo.
- Ai não se deixe enganar pela aparência. Estou é muito bem conservada... - devolveu-me a amável funcionária, enfim sorrindo, e corando de satisfação e vaidade.
Cientificamente provado: a ignorância faz bem à pele. Por outro lado, as bifanas estavam di-vi-nais, como diria o meu irmão Nelo. E o Lopes, que parece que é bruxo, trouxe-me "O Seminarista", de Rubem Fonseca. "O Seminarista"! Só tenho quem me goze...
Ora vamos lá traduzir Luís Figo
Perguntaram a Luís Figo se "Cristiano Ronaldo é o melhor jogador da história de Portugal". Figo respondeu: "Para mim, não há ninguém acima de Eusébio". Foram as palavras que lhe saíram da boca, mas não foi o que ele disse. O que Luís Figo realmente disse foi: "Não, o Cristiano Ronaldo não é melhor do que eu"...
Mário Quintana 4
Meu trecho predileto
O que mais me comove, em música,
O que mais me comove, em música,
são essas notas soltas - pobres notas únicas -
que do teclado arranca o afinador de pianos...
"Sapato Florido", Mário Quintana
(Mário Quintana nasceu no dia 30 de Julho de 1906. Morreu em 1994.)
Prémio Literário A. Lopes de Oliveira
Decorre até 31 de Dezembro de 2016 o prazo para recepção das obras concorrentes ao Prémio Literário A. Lopes de Oliveira/Câmara Municipal de Fafe. Iniciativa de âmbito nacional, aberta a "estudos histórico-sociais de âmbito local ou regional", para obras editadas em 2015 e 2016. Mais informação, aqui.
O escritor e tudo
Bonifácio de Montalvar é autor impaciente e impulsivo. Publicou o seu primeiro livro sem sequer o ter escrito, e revelou-se o sucesso que se vê: vai na décima sétima edição e já ganhou quatro prémios literários - um, internacional. Para além disso, é também pintor, performer, crítico de cinema, prefaciador, antiquário, amigo n.º 1 de Manuel António Pina, forcado amador, talhador de trasorelhos, apresentador de telejornais e prepara-se para lançar o seu segundo disco.
Logo ou imediatamente?
- Alô? Fala o Costa, da Silva & Silva.
- Viva! É Silva, da Costa & Costa.
- Era mesmo consigo. É pá, precisamos que nos enviem o vosso logo imediatamente.
- Enviarmos o quê?
- O vosso logo.
- Logo?
- Imediatamente.
- Logo ou imediatamente?
- Agora. Já temos a máquina a andar.
- Mandarei então imediatamente.
- Logo!
- Viva! É Silva, da Costa & Costa.
- Era mesmo consigo. É pá, precisamos que nos enviem o vosso logo imediatamente.
- Enviarmos o quê?
- O vosso logo.
- Logo?
- Imediatamente.
- Logo ou imediatamente?
- Agora. Já temos a máquina a andar.
- Mandarei então imediatamente.
- Logo!
quinta-feira, 28 de julho de 2016
Mudam-se os tempos, mudam-se as vaidades
Portugal, país de poetas e marinheiros? Bah! Isso foi chão que já deu uvas. Agora é: Portugal, país de fadistas e chefs
de cozinha. E quem não for uma coisa ou outra, ou as duas - ou, vá lá,
pelo menos comentador do que calhar ou escritor de calhamaços -, então é porque não é bom português.
Eu, por exemplo..
Curtas & grossas (série Quitério)
É preciso ter azar (ou As grandes decisões devem ser tomadas em cuecas)
No dia em que Quitério decidiu finalmente atirar-se de cabeça na piscina vazia, a piscina estava cheia. Quitério ficou como um pito. E resolveu, dali para a frente: as grandes decisões, as decisões definitivas, devem ser tomadas em cuecas.
O extraordinário poder de observação dos barmen
Armado em parvo, o que lhe sucedia regularmente todas as primeiras sextas-feiras de cada mês, Quitério entrou no Bar Àluzdasvelas pendurado nuns óculos de sol Ray Ban de lentes enormes e escuríssimas que lhe tapavam cerca de 75 por cento da cara. Tacteou um lugar ao balcão e assim ficou. O homem do bar atentou e disse: - Boa noite, senhor Quitério. Está diferente, hoje. O que é? Cortou o cabelo?...
Ó da Guarda!...
Ó da Guarda, gritou Quitério. Faz favor de dizer, apresentou-se Manuel Miguel de Sousa Pelica, nascido e residente na ex-freguesia de Avelãs de Ambom, e por acaso de visita ao Porto derivado a uma consulta.
Em defesa do alargamento
"Tempos difíceis estes os que vivemos", acabou por largar Quitério num longo suspiro, enfastiado com o raio da vida. Do outro lado do cimbalino mal tirado, Silveira, o chato, viu ali pé de conversa para dar e vender. E, sem contemplações, passou ao ataque:
- Exactamente, pá! Esta crise que nos sufoca, a ditadura do Eurogrupo e do Ecofin, o desemprego que não abranda, a falta de perspectivas de futuro...
- Nada disso...
- Eu percebo-te, pá! Crise de valores, queres tu dizer. Tens toda a razão, já não há valores, o que aí temos agora é uma juventude sem educação e sem respeito pelos mais velhos. No nosso tempo é que...
- Ó valha-me Deus...
- Sei aonde queres chegar, pá! Lá acima, estou a ver. É claro, já não há gente séria como antigamente. Saiu-nos na rifa esta cáfila de banqueiros arrivistas e políticos onzeneiros e trafulhas. É isso, não é?
- Não, pá! É o defeso, pá! O defeso! É este tempo todo sem futebolzinho a sério! O defeso é uma seca...
O taxista-leninista
Bem lhe recomendavam que não misturasse trabalho com política, mas Quitério ignorava. E dizia, alto e bom som, a quem o quisesse ouvir, "Sou taxista-leninista, e com muito gosto"...
O poder do sabão
Quitério era muito cuidadoso com a ferramenta. Todos os dias, de manhã e à noite, lavava as intimidades com um bom naco de sabão azul. O sabão, se não me engano, é um poderoso desinfectante e antibacteriano. Um dia, faltando sabão azul em casa, Quitério lavou-se com sabão rosa. Nunca mais foi o mesmo homem...
No dia em que Quitério decidiu finalmente atirar-se de cabeça na piscina vazia, a piscina estava cheia. Quitério ficou como um pito. E resolveu, dali para a frente: as grandes decisões, as decisões definitivas, devem ser tomadas em cuecas.
O extraordinário poder de observação dos barmen
Armado em parvo, o que lhe sucedia regularmente todas as primeiras sextas-feiras de cada mês, Quitério entrou no Bar Àluzdasvelas pendurado nuns óculos de sol Ray Ban de lentes enormes e escuríssimas que lhe tapavam cerca de 75 por cento da cara. Tacteou um lugar ao balcão e assim ficou. O homem do bar atentou e disse: - Boa noite, senhor Quitério. Está diferente, hoje. O que é? Cortou o cabelo?...
Ó da Guarda!...
Ó da Guarda, gritou Quitério. Faz favor de dizer, apresentou-se Manuel Miguel de Sousa Pelica, nascido e residente na ex-freguesia de Avelãs de Ambom, e por acaso de visita ao Porto derivado a uma consulta.
Em defesa do alargamento
"Tempos difíceis estes os que vivemos", acabou por largar Quitério num longo suspiro, enfastiado com o raio da vida. Do outro lado do cimbalino mal tirado, Silveira, o chato, viu ali pé de conversa para dar e vender. E, sem contemplações, passou ao ataque:
- Exactamente, pá! Esta crise que nos sufoca, a ditadura do Eurogrupo e do Ecofin, o desemprego que não abranda, a falta de perspectivas de futuro...
- Nada disso...
- Eu percebo-te, pá! Crise de valores, queres tu dizer. Tens toda a razão, já não há valores, o que aí temos agora é uma juventude sem educação e sem respeito pelos mais velhos. No nosso tempo é que...
- Ó valha-me Deus...
- Sei aonde queres chegar, pá! Lá acima, estou a ver. É claro, já não há gente séria como antigamente. Saiu-nos na rifa esta cáfila de banqueiros arrivistas e políticos onzeneiros e trafulhas. É isso, não é?
- Não, pá! É o defeso, pá! O defeso! É este tempo todo sem futebolzinho a sério! O defeso é uma seca...
O taxista-leninista
Bem lhe recomendavam que não misturasse trabalho com política, mas Quitério ignorava. E dizia, alto e bom som, a quem o quisesse ouvir, "Sou taxista-leninista, e com muito gosto"...
O poder do sabão
Quitério era muito cuidadoso com a ferramenta. Todos os dias, de manhã e à noite, lavava as intimidades com um bom naco de sabão azul. O sabão, se não me engano, é um poderoso desinfectante e antibacteriano. Um dia, faltando sabão azul em casa, Quitério lavou-se com sabão rosa. Nunca mais foi o mesmo homem...
quarta-feira, 27 de julho de 2016
Xesús Rodríguez López
Tras da obella
- ¿Prónde vas, Maruxiña, d'esta hora?
- Vou ô monte á catar una obella.
- ¿Non tés medo de noite e sin lua
tí soliña por esa debesa?
Por si cansas, dou volta contigo,
pois non quero que mai che soceda,
e buscando eu d'un lado e tí d'outro,
decontado daremos con ela.
- Ben vou sola. Agradezocho moito,
pro non canso, que teño boas pernas.
- Ben-ó sei. - ¿Cómo ó sabes? - Adrede
Ch'as mirei á mañá n-a restreva.
- Vaya, volve, non quero qu' acaso
por volvelas á ver te debezas,
porqu' as teño con ligas atadas
que sô o crego as desata n-a igresia.
- ¿Logo atouchas o crego? - Non tolo,
prô bendice o direito pra velas.
"Pasaxeiras", Xesús Rodríguez López
(Xesús Rodríguez López nasceu no dia 28 de Julho de 1859. Morreu em 1917.)
- ¿Prónde vas, Maruxiña, d'esta hora?
- Vou ô monte á catar una obella.
- ¿Non tés medo de noite e sin lua
tí soliña por esa debesa?
Por si cansas, dou volta contigo,
pois non quero que mai che soceda,
e buscando eu d'un lado e tí d'outro,
decontado daremos con ela.
- Ben vou sola. Agradezocho moito,
pro non canso, que teño boas pernas.
- Ben-ó sei. - ¿Cómo ó sabes? - Adrede
Ch'as mirei á mañá n-a restreva.
- Vaya, volve, non quero qu' acaso
por volvelas á ver te debezas,
porqu' as teño con ligas atadas
que sô o crego as desata n-a igresia.
- ¿Logo atouchas o crego? - Non tolo,
prô bendice o direito pra velas.
"Pasaxeiras", Xesús Rodríguez López
(Xesús Rodríguez López nasceu no dia 28 de Julho de 1859. Morreu em 1917.)
O Titanic não tinha esta perninha...
Ouço de fugida o Governo e a Oposição acerca das sanções europeias que afinal não vieram. (Mas eu acho que vieram). Ouço também de fugida os comentadores e politólogos do Governo e da Oposição a propósito do mesmo assunto. Ouço-os ao longe e lembro-me do Titanic. O Titanic era o cão da minha tia Hermenegilda e, coitadinho, não tinha esta perna...
O bebé que era sedentário, mas a mãe não queria
Estacionaram o carro junto à praia. A mulher saiu, morena e roliça, num refrescante vestido branco comprido à mãe-de-santo. O homem foi ao banco de trás buscar o filho e pousou-o no chão. O miúdo não gostou. Era ainda um bebezinho dos primeiros passos que quase não se tinha em pé. Se calhar por isso, sentou-se no empedrado, abriu as goelas e chorou o seu protesto. A mãe procurou por quem passava, era eu, e ralhou pedagógica e mansamente ao petiz, naquele português doce do Brasil: - Rodinei Uaxinton, chega! Que sedentarismo, minino!...
terça-feira, 26 de julho de 2016
Salvador Golpe 2
A Galicia
No aniversario da morte de Rosalía
Galicia, non te afrixas, ergue a frente:
Que se calou a céltica cantora
Das coitas tuas, xa chegou a hora
De vel-o Sol, da libertá, fulxente.
Tempral-a lira, non; tempral-a inxente
Espada rexional fai falla agora.
O que non teña corazón ¡afora!
Non é teu fillo o que non é valente.
Non te afrixas Galicia; pois xa late
N-esta xeneracion sangue bravía
Que vai da tua libertá ó rescate.
¿Qué importa que non cante Rosalía
Se o día que estrelece é de combate…?
Calou o rusiñol, comenza o día.
"A Nosa Terra", Salvador Golpe
(Salvador Golpe nasceu no dia 27 de Julho de 1850. Morreu em 1909.)
No aniversario da morte de Rosalía
Galicia, non te afrixas, ergue a frente:
Que se calou a céltica cantora
Das coitas tuas, xa chegou a hora
De vel-o Sol, da libertá, fulxente.
Tempral-a lira, non; tempral-a inxente
Espada rexional fai falla agora.
O que non teña corazón ¡afora!
Non é teu fillo o que non é valente.
Non te afrixas Galicia; pois xa late
N-esta xeneracion sangue bravía
Que vai da tua libertá ó rescate.
¿Qué importa que non cante Rosalía
Se o día que estrelece é de combate…?
Calou o rusiñol, comenza o día.
"A Nosa Terra", Salvador Golpe
(Salvador Golpe nasceu no dia 27 de Julho de 1850. Morreu em 1909.)
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Feira Medieval de Leça do Balio 2016
Os Hospitalários no Caminho de Santiago - Feira Medieval de Matosinhos, de 8 a 11 de Setembro, à roda do Mosteiro de Leça do Balio. Mais informação e programa, brevemente.
Campanha eleitoral
Cansado de esperar pela sua vez, o candidato levantou-se e pediu o microfone. Melhor dizendo: saltou da cadeira e exigiu o microfone, porque ele é que é o candidato, o povo o que quer é ouvir o candidato e blablablá penetra não ganha votos nem dá empregos. O candidato agarrou pois no microfone, coçou-lhe a cabecinha com a unhaca da cera, soprou-lhe o pó num imenso perdigoto e, sem mais delongas, dirigiu-se aos seus caríssimos e suspensíssimos apoiantes, praticamente quinze e em transe:
- Alô, chape, chape, um, dois. Um, dois, três, microfone, experiência. Chape, chape, um, dois. Um, dois, três, quatro, microfone...
E a multidão irrompeu em aplausos.
- Alô, chape, chape, um, dois. Um, dois, três, microfone, experiência. Chape, chape, um, dois. Um, dois, três, quatro, microfone...
E a multidão irrompeu em aplausos.
Os amantes
Foto Hernâni Von Doellinger |
Sempre gostei da palavra amantes. Desde pequenino. Claro que nesse tempo os amantes eram um senhor numa Florett que se encontrava com uma senhora, já fora da vila, e depois iam os dois para uma quelha fazer o que tinha de ser feito, de preferência na Quelha do Santo Velho, que agora é uma rua de cafés e escolas. O senhor e a senhora eram casados, mas não reciprocamente. Naquele antigamente não era obrigatório o uso do capacete. A senhora às vezes tinha filhos que não eram parecidos com o pai.
Eram amantes, estavam amantizados. Toda a gente da terra sabia. Fafe ainda hoje é uma terra pequena. Cochichava-se, mexericava-se, emprenhava-se pelos ouvidos. Num misto de recriminação e inveja, os amantizados eram olhados de esguelha, havia quem mudasse de passeio, quem baixasse os olhos, quem deixasse de os salvar. Isto era com as as mulheres. Às amantes, a religião chamava-lhes adúlteras. Com eles, parecia que havia uma espécie de respeito, de admiração: aos homens, o povo chamava-lhes pinantes.
Mas o que havia sobretudo era muita dor de... cotovelo.
As mulheres falavam com orgulho no "meu amante" e batiam no peito, nos peitos, com toda a força do corpo, sem vergonha e sem vergonhas, reclamando o que lhes pertencia a troco do que davam. Os homens faziam de conta. Os cornos não eram os últimos a saber. Se calhar eram os primeiros. Só podia dar para o torto. E dava.
Lembro-me muito bem, de uma vez, no Santo: houve uma espera, pancadaria da velha entre mulher legítima e a outra, na disputa por um lingrinhas que se ria como um perdido e era feio como um calhau. Parecia as festas do concelho, eram girândolas de sapatos, brincos e cabelos pelo ar, orelhas esgaçadas, saias arregaçadas, blusas esventradas, recíprocas recomendações de higiene íntima guinchadas (parecia nos altifalantes do Baptista) com indicações precisas sobre os locais do corpo que precisavam de arejo, mais arranhões e bofetadas, encontrões e apalpões, tropeções e tudo ao molho, tudo a aproveitar, tudo a aplaudir.
Foi mesmo assim, palavra de honra. A amásia deu parte de fraca e deixou-se ficar no chão. Espumava por todos os lados. O rosto passava-lhe do vermelho ao verde, que até parecia um semáforo. Nós ainda não sabíamos o que era um semáforo, mas era aquilo. A ofendida batia no ar e falava ao mesmo tempo – "A badalhoca enche-o de gemadas para ele não lhe sair de cima". Perante o argumento, à outra deu-lhe o fanico, cheia de vergonha e ranho.
Acorreu o senhor Zé Manco, que tinha um tasco-mercearia, A Primorosa, e muito jeito para dar injecções. Para além disso, o molageiro gostava também de pôr a mãozinha no sopeirame local. "É afastar, faz favor, é dar espaço, para ela respirar", dizia o senhor Zé Manco nos seus domínios, abrindo de vez a blusa da amantizada, baixando-lhe um quase nada o sutiã e expondo um quase tudo de uns seios brancos como a neve, coisa linda de se ver. Depois, uma caneca de água fresca cabeça abaixo da desmaiada, "para a mulher espertar". E a mulher espertou.
E eu fiquei ali a gostar ainda mais da palavra amantes.
Por essa altura, a extraordinária e breve Janis Joplin berrava desalmadamente por um Mercedes Benz. Eu só pedia muito baixinho a Deus Nosso Senhor que me desse uma Florett. E, se não fosse abuso, muitas gemadas, que a minha mãe só me dava quando eu passava de classe, que era uma vez por ano...
(O texto é repetidíssimo. A foto é finalmente minha. E portanto...)
(O texto é repetidíssimo. A foto é finalmente minha. E portanto...)
segunda-feira, 25 de julho de 2016
Cassiano Ricardo
Poema implícito
O que a vida nos faz
supor esteja atrás dos objetos.
A presença do oculto,
o que a fotografia não nos diz.
As coisas
que não chegou a me dizer Lenora
a que foi
morar no reino dos pássaros mudos.
E que mais me feriram justamente
porque não chegaram a ser ditas.
Os gritos, esculpidos na boca
das figuras de pedra.
Tudo o que é implícito.
Tudo o que é tácito.
Não gosto dos explícitos.
Gosto dos tácitos.
Daqueles que me dizem tudo
sem me dizer uma única palavra.
Não amo os lógicos,
os socráticos.
Amo os lunáticos,
os de cabeça virgem
e lírica.
Não amo os pássaros que cantam,
amo os pássaros mudos.
"A Face Perdida", Cassiano Ricardo
(Cassiano Ricardo nasceu no dia 26 de Julho de 1895. Morreu em 1974.)
O que a vida nos faz
supor esteja atrás dos objetos.
A presença do oculto,
o que a fotografia não nos diz.
As coisas
que não chegou a me dizer Lenora
a que foi
morar no reino dos pássaros mudos.
E que mais me feriram justamente
porque não chegaram a ser ditas.
Os gritos, esculpidos na boca
das figuras de pedra.
Tudo o que é implícito.
Tudo o que é tácito.
Não gosto dos explícitos.
Gosto dos tácitos.
Daqueles que me dizem tudo
sem me dizer uma única palavra.
Não amo os lógicos,
os socráticos.
Amo os lunáticos,
os de cabeça virgem
e lírica.
Não amo os pássaros que cantam,
amo os pássaros mudos.
"A Face Perdida", Cassiano Ricardo
(Cassiano Ricardo nasceu no dia 26 de Julho de 1895. Morreu em 1974.)
Francisco Bugalho 2
Dois meninos
Meu menino canta, canta
Uma canção que é ele só que entende
E que o faz sorrir.
Meu menino tem nos olhos os mistérios
Dum mundo que ele vê e que eu não vejo
Mas de que tenho saudades infinitas.
As cinco pedrinhas são mundos na mão.
Formigas que passam,
Se brinca no chão,
São seres irreais...
Meu menino de olhos verdes como as águas
Não sabe falar,
Mas sabe fazer arabescos de sons
Que têm poesia.
Meu menino ama os cães,
Os gatos, as aves e os galos,
(São Francisco de Assis
Em menino pequeno)
E fica horas sem fim,
Enlevado, a olhá-los.
E ao vê-lo brincar, no chão sentadinho,
Eu tenho saudades, saudades, saudades
Dum outro menino...
"Canções de Entre Céu e Terra", Francisco Bugalho
(Francisco Bugalho nasceu no dia 26 de Julho de 1905. Morreu em 1949.)
Meu menino canta, canta
Uma canção que é ele só que entende
E que o faz sorrir.
Meu menino tem nos olhos os mistérios
Dum mundo que ele vê e que eu não vejo
Mas de que tenho saudades infinitas.
As cinco pedrinhas são mundos na mão.
Formigas que passam,
Se brinca no chão,
São seres irreais...
Meu menino de olhos verdes como as águas
Não sabe falar,
Mas sabe fazer arabescos de sons
Que têm poesia.
Meu menino ama os cães,
Os gatos, as aves e os galos,
(São Francisco de Assis
Em menino pequeno)
E fica horas sem fim,
Enlevado, a olhá-los.
E ao vê-lo brincar, no chão sentadinho,
Eu tenho saudades, saudades, saudades
Dum outro menino...
"Canções de Entre Céu e Terra", Francisco Bugalho
(Francisco Bugalho nasceu no dia 26 de Julho de 1905. Morreu em 1949.)
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Chamei comas às aspas e estou muito aborrecido
Por exemplo, as aspas. Toda a minha vida chamei aspas às aspas. Aspas é um nome com o seu quê de palerma, mas aceita-se, não ofende ninguém, nomeadamente as aspas propriamente ditas, que são a parte mais interessada.
Que se segue: ontem, sei lá bem o que me deu, chamei comas às aspas num e-mail que mandei ao meu irmão. Comas. Palavra de honra, nunca tal me tinha acontecido e foi, eu fique ceguinho, sem intenção. Chamei-lhes comas, não sei onde tinha a cabeça. Devo confessar, a propósito, que me senti um bocado badalhoco. Pedi desculpa ao meu irmão e peço publicamente desculpa às aspas, às aspas propriamente ditas...
Que se segue: ontem, sei lá bem o que me deu, chamei comas às aspas num e-mail que mandei ao meu irmão. Comas. Palavra de honra, nunca tal me tinha acontecido e foi, eu fique ceguinho, sem intenção. Chamei-lhes comas, não sei onde tinha a cabeça. Devo confessar, a propósito, que me senti um bocado badalhoco. Pedi desculpa ao meu irmão e peço publicamente desculpa às aspas, às aspas propriamente ditas...
domingo, 24 de julho de 2016
Um bobsleigh em segunda mão
Foto Hernâni Von Doellinger |
No tempo dos sonhos eu tive um: comprar um bobsleigh em segunda mão, pegar na mulher, no filho e no futuro e mudarmo-nos os quatro para Santiago de Compostela, que era o estrangeiro que me estava mais à mão e nós gostávamos razoavelmente derivado às ruinhas, às tapas e às cañas e por, a bem dizer, nem ser estrangeiro. Melhor dito, gostamos muito. Mas hoje em dia: a Galiza anda tão à rasca como a gente, já não é oficialmente estrangeiro e saraiva por mais que saraive, ainda que em galego, não é neve nem embala. Ia fazer o quê com o bobsleigh na Praça do Obradoiro? (Do Obradoiro, rico nome...) Ainda por cima, os gandulos do lado de cá cortaram-me as vazas, entesaram-me até ao cutão. Desisti portanto do bobsleigh e tirei o passe do metro para a Senhora da Hora. Segundo julgo saber, na Senhora da Hora não neva há variados anos por uma questão de princípio. Que se segue: de bolsos vazios e sonhos roubados, fico olimpicamente em casa à espera do Verão de que não gosto e que, por acaso, me incomoda. Sem bobsleigh, sem ruinhas, sem tapas e sem cañas. Uma seca que só visto...
Sou dado a invernos. Para mim, melhor que chova em Santiago. E que neve e que gele. Ou então nada disso, que, ao ponto a que chegámos, também não interessa - mas Santiago, sempre Santiago, mesmo sem bobsleigh e ainda que faça sol. Um dia destes lá iremos, eu, a mulher, o filho e o futuro, pobres e a pé, se Deus quiser, mas vamos. E tem de ser rápido, antes que os senhores Jeroen Dijsselbloem e Wolfgang Schäuble, cínicos de profissão e governadores de Portugal, nos interditem a vida em primeira mão.
Ánxel Sevillano
Un anxo
Eu sentin trepar, meu pai,
e máis nun pasóu ninguén;
coido que sería un anxo?
Eu ficaba eiqui soliño,
nista xesteira en frol,
í o anxo viría enredar conmigo,
ti non coidas?
E qué xoguetes terán os anxos?
Terán cabalos de cartón?
E podrase entrar no ceo
con cabaliños de cartón?
El Señor, de certo,
xogará cos nenos e cos anxos;
farán carreiras, andarán ós niños
e chimparán abelás ás reboladas?
Cando eu vaia ao ceo
quero levar o meu cabalo
e mais o carro de tres rodas
que me mercache no feiral.
Eu montaréi, i os anxos
turrarán por min, nonsi?
habrá estreliñas fartas sementadas;
deixarán andar nelas?
Cando eu vaia ao ceo
ti has vir conmigo, ¿Non é certo?
Sinón non quero ir.
E hai que morrer, meu pai,
pra poder ir o ceo?
Mais qué falas tí, meu pequeno,
qué falas; ti non ollas?
O ceo fica eiquí,
Dios fica eiquí,
o Anxo fica eiquí onte ti moras?
Imos xogar co carro;
¡qué sol cego,
que vida mais fermosa!
Ánxel Sevillano
(Ánxel Sevillano nasceu no dia 25 de Julho de 1906. Morreu em 1989.)
Eu sentin trepar, meu pai,
e máis nun pasóu ninguén;
coido que sería un anxo?
Eu ficaba eiqui soliño,
nista xesteira en frol,
í o anxo viría enredar conmigo,
ti non coidas?
E qué xoguetes terán os anxos?
Terán cabalos de cartón?
E podrase entrar no ceo
con cabaliños de cartón?
El Señor, de certo,
xogará cos nenos e cos anxos;
farán carreiras, andarán ós niños
e chimparán abelás ás reboladas?
Cando eu vaia ao ceo
quero levar o meu cabalo
e mais o carro de tres rodas
que me mercache no feiral.
Eu montaréi, i os anxos
turrarán por min, nonsi?
habrá estreliñas fartas sementadas;
deixarán andar nelas?
Cando eu vaia ao ceo
ti has vir conmigo, ¿Non é certo?
Sinón non quero ir.
E hai que morrer, meu pai,
pra poder ir o ceo?
Mais qué falas tí, meu pequeno,
qué falas; ti non ollas?
O ceo fica eiquí,
Dios fica eiquí,
o Anxo fica eiquí onte ti moras?
Imos xogar co carro;
¡qué sol cego,
que vida mais fermosa!
Ánxel Sevillano
(Ánxel Sevillano nasceu no dia 25 de Julho de 1906. Morreu em 1989.)
E o anúncio mais estúpido do mundo é... da CUF
"Ainda não nos conhecemos pessoalmente, mas conheço muito bem a sua hérnia do hiato", diz o figurante que faz de médico ao figurante que faz de "Sr. Antunes de Lisboa que entra na CUF de Viseu depois de uma almoçarada"...
Doente da treta
Sou eu. Como doente, sou uma nódoa, um ignorante, uma vergonha para a classe dos doentes. Devia ser expulso. Vejam bem isto: no outro dia fui à farmácia aviar uma receita com os medicamentos do costume, são só dois, remédios de manutenção que tomo há anos, e pergunta-me o farmacêutico, por causa daquela coisa dos genéricos:
- O Xpghtywçtor, como é que é a embalagem?...
- Desculpe lá, mas esse é para quê?... - atrapalhei-me eu, sem saber de que é que o homem estava a falar. Na verdade, era a primeira vez que me faziam uma pergunta assim tão difícil na farmácia...
O profissional sorriu, cheio de paciência e esferográficas no bolso da bata branca, disse-me ao que fazia bem o medicamento e, na posse dessa preciosa informação, eu já lhe pude explicar que era uma caixa assim assim e coisa e tal.
- E o Gvmkzxqumnarc? É em frasco ou...- voltou o farmacêutico à carga, e eu outra vez à nora.
- E esse é para?... - pedi novamente ajuda, corado de vergonha, no meio de um estabelecimento à cunha de especialistas.
O farmacêutico parou de sorrir. E desatou a rir. Mas lá me esclareceu, e eu lá lhe respondi que era em frasco, se faz favor, e faz favor de desculpar...
Percebem o que eu quero dizer? Como doente, sou de uma incompetência a toda a prova. Sou uma anedota. Como é que eu posso entrar naquelas interessantes conversas de sala de espera de consultório médico, conversas de doentes como deve ser, doentes encartados, e discutir e confrontar com os meus pares colesteróis, internamentos, tacos e chapas de roxis, cardiologistas, bruxas e medicamentos, se nem sei o nome dos doizinhos remédios que tomo? Não posso. Não estou capacitado...
- O Xpghtywçtor, como é que é a embalagem?...
- Desculpe lá, mas esse é para quê?... - atrapalhei-me eu, sem saber de que é que o homem estava a falar. Na verdade, era a primeira vez que me faziam uma pergunta assim tão difícil na farmácia...
O profissional sorriu, cheio de paciência e esferográficas no bolso da bata branca, disse-me ao que fazia bem o medicamento e, na posse dessa preciosa informação, eu já lhe pude explicar que era uma caixa assim assim e coisa e tal.
- E o Gvmkzxqumnarc? É em frasco ou...- voltou o farmacêutico à carga, e eu outra vez à nora.
- E esse é para?... - pedi novamente ajuda, corado de vergonha, no meio de um estabelecimento à cunha de especialistas.
O farmacêutico parou de sorrir. E desatou a rir. Mas lá me esclareceu, e eu lá lhe respondi que era em frasco, se faz favor, e faz favor de desculpar...
Percebem o que eu quero dizer? Como doente, sou de uma incompetência a toda a prova. Sou uma anedota. Como é que eu posso entrar naquelas interessantes conversas de sala de espera de consultório médico, conversas de doentes como deve ser, doentes encartados, e discutir e confrontar com os meus pares colesteróis, internamentos, tacos e chapas de roxis, cardiologistas, bruxas e medicamentos, se nem sei o nome dos doizinhos remédios que tomo? Não posso. Não estou capacitado...
Lésbicas e sapatões
Confesso que sou um bocado lésbico. Sou lésbico naquela parte que diz respeito a gostar de mulheres. Por isso não compreendo as lésbicas que gostam de mulheres que fazem tudo para parecerem homens...
sábado, 23 de julho de 2016
Elisa Lispector
Todas as manhãs Marim vem sentar-se à varanda do velho sobrado da rua da Imperatriz, vestido de linho engomado, os cabelos negros e lisos penteados, os braços inúteis cruzados sobre o busto. Depois que toma tento do que vai lá embaixo, reparando numa ou noutra pessoa que passa, inclina a cabeça de lado, os olhos como contas azuis ligeiramente amortecidos, e fica olhando com ar distante, entristecido.
"No Exílio", Elisa Lispector
(Elisa Lispector nasceu no dia 24 de Julho de 1911. Morreu em 1989.)
"No Exílio", Elisa Lispector
(Elisa Lispector nasceu no dia 24 de Julho de 1911. Morreu em 1989.)
Alphonsus de Guimaraens
Ismália
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava longe do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
"Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte", Alphonsus de Guimaraens
(Alphonsus de Guimaraens, que se chamava Afonso Henrique da Costa Guimarães, nasceu no dia 24 de Julho de 1870. Morreu em 1921.)
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava longe do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
"Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte", Alphonsus de Guimaraens
(Alphonsus de Guimaraens, que se chamava Afonso Henrique da Costa Guimarães, nasceu no dia 24 de Julho de 1870. Morreu em 1921.)
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Raimundo de Farias Brito
Há, pois, a luz, há a natureza e há a consciência. A natureza é Deus representado, a luz é Deus em sua essência e a consciência é Deus percebido.
Raimundo de Farias Brito
(Raimundo de Farias Brito nasceu no dia 24 de Julho de 1862. Morreu em 1917.)
Raimundo de Farias Brito
(Raimundo de Farias Brito nasceu no dia 24 de Julho de 1862. Morreu em 1917.)
Guilherme de Almeida 2
Cuidado!
Ó namorados que passais, sonhando,
quando bóia, no céu, a lua cheia!
Que andais traçando corações na areia
e corações nos peitos apagando!
Desperta os ninhos vosso passo... E quando
pelas bocas em flor o amor chilreia,
nem sei se é o vosso beijo que gorjeia,
se são as aves que se estão beijando...
Mais cuidado! Não vá vossa alegria
afligir tanta gente que seria
feliz sem nunca ouvir nem ver!
Poupai a ingenuidade delicada
dos que amaram sem nunca dizer nada,
dos que foram amados sem saber!
"Messidor", Guilherme de Almeida
(Guilherme de Almeida nasceu no dia 24 de Julho de 1890. Morreu em 1969.)
Ó namorados que passais, sonhando,
quando bóia, no céu, a lua cheia!
Que andais traçando corações na areia
e corações nos peitos apagando!
Desperta os ninhos vosso passo... E quando
pelas bocas em flor o amor chilreia,
nem sei se é o vosso beijo que gorjeia,
se são as aves que se estão beijando...
Mais cuidado! Não vá vossa alegria
afligir tanta gente que seria
feliz sem nunca ouvir nem ver!
Poupai a ingenuidade delicada
dos que amaram sem nunca dizer nada,
dos que foram amados sem saber!
"Messidor", Guilherme de Almeida
(Guilherme de Almeida nasceu no dia 24 de Julho de 1890. Morreu em 1969.)
Diogo e Pedro Costa, comendadores obviamente
Os irmãos Diogo Costa e Pedro Costa acabam de sagrar-se campeões do mundo da classe 420 em vela. A prova decorreu nos últimos cinco dias em San Remo, Itália, e as condecorações terão lugar, evidentemente, na nova Sala das Comendas do Palácio de Belém, suponho que já no início da próxima semana, se houver vagas...
Desnecessidades da língua portuguesa
Já repararam na quantidade de palavras da língua portuguesa que usam escusadamente um eme final? O eme que se escreve mas não se lê. Se não fosse esta caloraça, podia passar o dia inteiro a dar exemplos uns atrás dos outros - abrevio, porém, dando seis, como os dedos de uma mão mais um, e vou pela sombra: rodage, vantage, viage, sabotage, calibrage, portage, arage. E afinal são sete, os dedos de uma mão mais dois da outra. Para que é que estas palavras precisam do eme no fim se o eme no fim não se diz? E logo a letra eme, a das três perninhas, tantas perninhas, menos duas apenas do que as cinco patas do cavalo.
O eme, faço notar, que ainda por cima é a letra minúscula mais maiúscula do nosso abecedário. Um escândalo! Uma evidente desnecessidade e um tremendo desperdício de espaço num país com somente noventa e dois mil quilómetros quadrados. No eme é que se poupava, digo e redigo. Mas isto não vêem os senhores Jeroen Dijsselbloem e Wolfgang Schäuble mailos do Eurogrupo e do Ecofin, e aos do falso acordo ortográfico a coisa também lhes passou ao lado. Salta aos olhos que estes doutores da mula ruça não andam de metro e muito menos de camioneta. Não falam com pessoas, nunca foram ao Minho. Ou, se calhar, faltou-lhes corage...
O eme, faço notar, que ainda por cima é a letra minúscula mais maiúscula do nosso abecedário. Um escândalo! Uma evidente desnecessidade e um tremendo desperdício de espaço num país com somente noventa e dois mil quilómetros quadrados. No eme é que se poupava, digo e redigo. Mas isto não vêem os senhores Jeroen Dijsselbloem e Wolfgang Schäuble mailos do Eurogrupo e do Ecofin, e aos do falso acordo ortográfico a coisa também lhes passou ao lado. Salta aos olhos que estes doutores da mula ruça não andam de metro e muito menos de camioneta. Não falam com pessoas, nunca foram ao Minho. Ou, se calhar, faltou-lhes corage...
sexta-feira, 22 de julho de 2016
Curtas & grossas 11
Moelas de coelho
Evidentemente que os coelhos não têm moelas. Nem o coelhos nem a coelhas. De uma vez por todas, os coelhos não têm moelas. E, no entanto, quem cozinha muito bem as moelas de coelho é o meu amigo Peixoto, em Fafe...
O maratonista dos tiros de partida
Era o primeiro a arrancar e a assumir a liderança de todas as maratonas em que participava, duas ou três por fim-de-semana. Na meta, 42,195 km depois, tinha desistido 42,145 km antes.
Doenças de pele e semânticas correlativas
Uma impingem. Duas já é abuso.
Entre a bisca lambida e o bilhar às três tabelas
Era um atleta de mão cheia. Dele se dizia, e com razão, que dava cartas no jogo de bilhar. Passou ao lado de uma grande carreira, exactamente porque nunca percebeu que bisca lambida é uma coisa e as três tabelas são outra. As duas juntas, com efeito, não fazem modalidade.
Apontamento social (ou cor-de-rosa, vá lá)
O casal Antunes apresentou-se como de costume: deslumbrante, no seu habitual 4-4-2 losango.
Quando as árvores morriam de pé
"Morta por dentro, mas de pé, de pé, como as árvores!...", dizia a Senhora Dona Palmira Bastos, batendo altaneira com a bengala no tablado, na beleza insubstituível do preto e branco da televisão antiga. A queridíssima Senhora Dona Palmira Bastos tinha quase noventa anos e ainda não sabia das motosserras.
Evidentemente que os coelhos não têm moelas. Nem o coelhos nem a coelhas. De uma vez por todas, os coelhos não têm moelas. E, no entanto, quem cozinha muito bem as moelas de coelho é o meu amigo Peixoto, em Fafe...
O maratonista dos tiros de partida
Era o primeiro a arrancar e a assumir a liderança de todas as maratonas em que participava, duas ou três por fim-de-semana. Na meta, 42,195 km depois, tinha desistido 42,145 km antes.
Doenças de pele e semânticas correlativas
Uma impingem. Duas já é abuso.
Entre a bisca lambida e o bilhar às três tabelas
Era um atleta de mão cheia. Dele se dizia, e com razão, que dava cartas no jogo de bilhar. Passou ao lado de uma grande carreira, exactamente porque nunca percebeu que bisca lambida é uma coisa e as três tabelas são outra. As duas juntas, com efeito, não fazem modalidade.
Apontamento social (ou cor-de-rosa, vá lá)
O casal Antunes apresentou-se como de costume: deslumbrante, no seu habitual 4-4-2 losango.
Quando as árvores morriam de pé
"Morta por dentro, mas de pé, de pé, como as árvores!...", dizia a Senhora Dona Palmira Bastos, batendo altaneira com a bengala no tablado, na beleza insubstituível do preto e branco da televisão antiga. A queridíssima Senhora Dona Palmira Bastos tinha quase noventa anos e ainda não sabia das motosserras.
O Imenso Adeus
O homem caminhava vagarosamente ao lado da mulher. Curvado pelo peso de, fiz as contas, setenta e tantos anos bem medidos, caminhava ainda assim com uma dignidade evidente. O homem velho, de casaco e digno, pé ante pé até ao café de praia e ao milagre do sol-pôr, levava as mãos atrás das costas. E nas mãos, reparei, um livrinho da Colecção Vampiro: "O Imenso Adeus", de Raymond Chandler.
Caramba!, és cá dos meus - pensei. E apeteceu-me dar-lhe um abraço...
P.S. - Raymond Chandler, se fosse vivo, faria hoje 128 anos. O que seria extraordinário.
Caramba!, és cá dos meus - pensei. E apeteceu-me dar-lhe um abraço...
P.S. - Raymond Chandler, se fosse vivo, faria hoje 128 anos. O que seria extraordinário.
Redacção (exactamente: cção)
A televisão é muito importante. Gosto de ver na televisão as redacções das televisões porque nas redacções das televisões que dão na televisão não há cadeiras partidas. Trabalhei em muitas e variegadas redacções, na rádio e sobretudo na imprensa, mas nunca na redacção de uma televisão.
Nas redacções onde eu trabalhei as cadeiras eram todas mancas e andávamos à pancada por uma que se segurasse mais ou menos. O sobrevivente marcava a sua cadeira para toda a vida, mas quando virava costas já ela estava debaixo do cu do lado. E andávamos outra vez à pancada. Foi por isso que, quando chegou a altura, estávamos sem forças para irmos às ventas dos bandalhos que fazem profissão de destruir redacções e que têm cadeiras da televisão. Feitas de cortiça.
A televisão é muito boa porque dá na televisão. Eu gosto muito da televisão.
Nas redacções onde eu trabalhei as cadeiras eram todas mancas e andávamos à pancada por uma que se segurasse mais ou menos. O sobrevivente marcava a sua cadeira para toda a vida, mas quando virava costas já ela estava debaixo do cu do lado. E andávamos outra vez à pancada. Foi por isso que, quando chegou a altura, estávamos sem forças para irmos às ventas dos bandalhos que fazem profissão de destruir redacções e que têm cadeiras da televisão. Feitas de cortiça.
A televisão é muito boa porque dá na televisão. Eu gosto muito da televisão.
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