Foto Hernâni Von Doellinger |
terça-feira, 31 de maio de 2016
Murilo Rubião 4
Alexandre Saldanha Ribeiro. Desprezou o elevador e seguiu pela escada, apesar da volumosa mala que carregava e do número de andares a serem vencidos. Dez.
Não demonstrava pressa, porém o seu rosto denunciava a segurança de uma resolução irrevogável. Já no décimo pavimento, meteu-se por um longo corredor, onde a poeira e detritos emprestavam desagradável aspecto aos ladrilhos. Todas as salas encontravam-se fechadas e delas não escapava qualquer ruído que indicasse presença humana.
Parou diante do último escritório e perdeu algum tempo lendo uma frase, escrita a lápis, na parede. Em seguida passou a mala para a mão esquerda e com a direita experimentou a maçaneta, que custou a girar, como se há muito não fosse utilizada. Mesmo assim não conseguiu franquear a porta, cujo madeiramento empenara. Teve que usar o ombro para forçá-la. E o fez com tamanha violência que ela veio abaixo ruidosamente. Não se impressionou. Estava muito seguro de si para dar importância ao barulho que antecedera a sua entrada numa saleta escura, recendendo a mofo. Percorreu com os olhos os móveis, as paredes. Contrariado, deixou escapar uma praga. Quis voltar ao corredor, a fim de recomeçar a busca, quando deu com um biombo. Afastou-o para o lado e encontrou uma porta semicerrada. Empurrou-a. Ia colocar a mala no chão, mas um terror súbito imobilizou-o: sentado diante de uma mesa empoeirada, um homem de cabelos grisalhos, semblante sereno, apontava-lhe um revólver. Conservando a arma na direção do intruso, ordenou-lhe que não se afastasse.
Não demonstrava pressa, porém o seu rosto denunciava a segurança de uma resolução irrevogável. Já no décimo pavimento, meteu-se por um longo corredor, onde a poeira e detritos emprestavam desagradável aspecto aos ladrilhos. Todas as salas encontravam-se fechadas e delas não escapava qualquer ruído que indicasse presença humana.
Parou diante do último escritório e perdeu algum tempo lendo uma frase, escrita a lápis, na parede. Em seguida passou a mala para a mão esquerda e com a direita experimentou a maçaneta, que custou a girar, como se há muito não fosse utilizada. Mesmo assim não conseguiu franquear a porta, cujo madeiramento empenara. Teve que usar o ombro para forçá-la. E o fez com tamanha violência que ela veio abaixo ruidosamente. Não se impressionou. Estava muito seguro de si para dar importância ao barulho que antecedera a sua entrada numa saleta escura, recendendo a mofo. Percorreu com os olhos os móveis, as paredes. Contrariado, deixou escapar uma praga. Quis voltar ao corredor, a fim de recomeçar a busca, quando deu com um biombo. Afastou-o para o lado e encontrou uma porta semicerrada. Empurrou-a. Ia colocar a mala no chão, mas um terror súbito imobilizou-o: sentado diante de uma mesa empoeirada, um homem de cabelos grisalhos, semblante sereno, apontava-lhe um revólver. Conservando a arma na direção do intruso, ordenou-lhe que não se afastasse.
"A armadilha", Murilo Rubião
(Murilo Rubião nasceu no dia 1 de Junho de 1916. Morreu em 1991.)
Nada se compara ao poliglotismo português
O turista estrangeiro aproximou-se do vendedor de óculos de sol de beira de praia. Era obviamente um turista estrangeiro, só eu e os turistas estrangeiros é que sabemos malvestir assim, nunca me engano a esse respeito. O vendedor de óculos de sol de beira de praia é português dos quatro costados, conheço-o muito bem, há anos, monta banca todos os dias ali em baixo e quando chove é vendedor de guarda-chuvas de beira de praia. É, além disso, ambulante, mas apenas para fugir aos fiscais e à polícia. Ele também percebeu logo que o freguês que tinha pela frente era estrangeiro. Mas pensam que se atrapalhou? Era o que faltava! Nós os portugueses temos connosco esta habilidade extraordinária de nos desenrascarmos sempre, seja em que situação for, cá em casa ou lá fora, mesmo debaixo de água, aprendemos línguas, copiamos hábitos, possuímos este poder de desenrascanço, improvisação e adaptação, que tomaram muitos, até os Alemães, e que fez de nós um povo das sete partidas do mundo por excelência. Bem, com estas tretas todas, esqueci-me do que queria contar...
Ah!, já sei: o turista estrangeiro. Portanto, o turista estrangeiro abeirou-se do vendedor de óculos português e perguntou: - The glasses, how much?... (Estão a ver como eu tinha razão?).
Foi um clique, um cagagésimo de segundo bastou para que o rapidíssimo cérebro do nosso vendedor formatasse "é inglês, pois então vamos a isso" e mudasse imediatamente de registo, fazendo um entre parênteses na língua do Camões. Cheio de segurança e poliglotismo, respondeu ao camone, marcando ostensivamente as sílabas: - Quali? Quali qui quieres?...
Ah!, já sei: o turista estrangeiro. Portanto, o turista estrangeiro abeirou-se do vendedor de óculos português e perguntou: - The glasses, how much?... (Estão a ver como eu tinha razão?).
Foi um clique, um cagagésimo de segundo bastou para que o rapidíssimo cérebro do nosso vendedor formatasse "é inglês, pois então vamos a isso" e mudasse imediatamente de registo, fazendo um entre parênteses na língua do Camões. Cheio de segurança e poliglotismo, respondeu ao camone, marcando ostensivamente as sílabas: - Quali? Quali qui quieres?...
Lenda de Cayo Carpo 2016 (programa)
Já no próximo fim-de-semana, de sexta-feira a domingo, dias 3 a 5 de Junho de 2016. Lenda de Cayo Carpo, recriação histórica e feira romana, na Praia de Matosinhos, junto ao Monumento do Senhor do Padrão. Mais informação e programa, aqui.
segunda-feira, 30 de maio de 2016
Ramón Piñeiro
O menosprezo da lingua galega era cousa adoitada na nosa burguesía urbana. Tíñase por lingua "rústica", "ordinaria", "plebea", e aos seus falantes por "ignorantes", "atrasados", "vulgares". Esta actitude despectiva campou durante moito tempo e aínda hoxe conserva vixencia inanque xa á defensiva. Coa soberbia que lle daba o seu poderío social, ademais de autoalimentar a súa runfadela menosprezadora chegou a exercer tal brutal presión sobre a mentalidade colectiva que os propios galego-falantes tragárona por verdadeira. Chegaron a ter por certo que o falar en galego era o signo indiscutible do seu atraso, da súa inferioridade, sen caeren na conta - nin podía pedírselles tal cousa - de que a súa inferioridade radicaba no nivel de vida e non no idioma falado. Non se decataban de que a superioridade dos desprezadores era económico-social, mais non idiomática. No terreo económico-social dábase esa relación superioridade/inferioridade, mentres que no terreo ideomático só ocorría que falaban linguas diferentes. Coa importante particularidade de que a inmensa maioría era a que falaba galego e só a minoría era socialmente poderosa e impuña rudamente as súas pautas.
Situación tan aberrante tiña por forza que provocar contestación, a menos que o pobo galego perdera por completo a conciencia da súa personalidade. E foron os poetas os primeiros en demostrar que non a perdera ao recolleren na camada popular a lingua desprezada e convertérena, ao traveso dunha poesía de gran calidade, en instrumento denunciador das mágoas da maioría.
"Olladas no Futuro", Ramón Piñeiro
(Ramón Piñeiro nasceu no dia 31 de Maio de 1915. Morreu em 1990.)
Situación tan aberrante tiña por forza que provocar contestación, a menos que o pobo galego perdera por completo a conciencia da súa personalidade. E foron os poetas os primeiros en demostrar que non a perdera ao recolleren na camada popular a lingua desprezada e convertérena, ao traveso dunha poesía de gran calidade, en instrumento denunciador das mágoas da maioría.
"Olladas no Futuro", Ramón Piñeiro
(Ramón Piñeiro nasceu no dia 31 de Maio de 1915. Morreu em 1990.)
Xavier Costa Clavell
¿De
quen era fillo? Non se sabía nin quen era o pai, nin siquer a
nai, inda que se sospeitaba que era unha muller que se tiña
deitado con varios homes na bisbarra de Vimianzo. Tampouco era
coñecido o lugar do seu nacemento.
O único que a xente sabía era que
o meniño que non tiña moito máis cunha semán cando apareceu
envolto con roupas de abrigo, a pesar de que xa viñera a
primavera, ao pé dun rústico muro de pedra que separaba o
camiño das silveiras. ¿Onde? Había quen dicía que nas terras
de Vimianzo. Pero outros afirmaban que fora preto da parroquia de
San Tirso de Oseiro, onde nacera Manuel Murguía, na belida terra
cuxa paisaxe vén a ser unha suave transición hacia a terra
bergantiñán, cantada por Pondal. Incluso había quen aseguraba
que o picariño fora deixado ó abrigo da "Pena
Forcada", situada nada menos que nos míticos Montes de
Traba.
O único certo era que ó
"fillo do vento" recollérano uns labregos do val de
Vimianzo e que coidaron del ata que foi levado ao hospicio da
cidade de Santiago de Compostela, onde foi bautizado poñéndolle
o nome de Manuel. Criouse no hospicio e, naturalmente, o seu
apelido era Expósito.
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"Fillo do Vento", Xavier Costa Clavell
(Xavier Costa Clavell nasceu no dia 30 de Maio de 1923. Morreu em 2006.)
Wenceslau de Moraes 4
Choc-In-Toi, a deliciosa Choc-In-Toi, habitava, há longos séculos, uma pacífica aldeia do Yang-tsze-kiang, não longe do lugar que hoje se diz Xangai. Como fosse muito dada a estudos literários e as escolas do seu sexo não lhe satisfizessem a ambição, conseguiu que seus pais lhe permitissem o disfarçar-se em homem, e assim abalou, a ir frequentar a mais famosa universidade do império. Volveu ao lar após três anos; volveu tão pura como fora; da sua inocência há provas irrecusáveis. Para não divagar muito nestas páginas, basta dizer a quem me queira ouvir, que um lenço de seda branca, que ela enterrara na lama em presença duma sua cunhada predisposta a vaticinar-lhe rudes lances, foi depois tirado sem uma só mancha e sem um só farpão, branco, puro, como a alma da donzela; e basta saber que as flores da sua preferência, que ela deixara no jardim, rogando aos deuses que as conservassem frescas como ela, assim se conservaram durante a longa ausência, embora, como consta, a cunhada as fosse regando com água quente tirada da chaleira.
Durante os três anos de seu estudo, um companheiro, por nome Leun-San-Pac, intimamente se lhe afeiçoou. Era o seu camarada inseparável, o seu irmão; dormindo juntos, conversando juntos, estudando juntos, divagando, sonhando; e o lorpa do mocinho nunca se apercebeu que tinha a seu lado uma mulher.
Quando soou a hora das despedidas, cortava o coração ver o rapaz, lamentando o futuro isolamento, a perda dum amigo como aquele. A moça consolava-o. A moça pousava-lhe nos ombros as suas mãos gentis, e exortava-o a que se enchesse de coragem, a que se entregasse ao amor do estudo, até alcançar um alto grau de sapiência. - "E depois, dizia-lhe ela entre soluços, e depois, se com saudade te recordares ainda de mim, abala, vem ver-me à minha aldeia." - E dava-lhe
indicações precisas do lugar. Despediram-se, entre choros.
"Paisagens da China e do Japão", Wenceslau de Moraes
(Wenceslau de Moraes nasceu no dia 30 de Maio de 1854. Morreu em 1929.)
Durante os três anos de seu estudo, um companheiro, por nome Leun-San-Pac, intimamente se lhe afeiçoou. Era o seu camarada inseparável, o seu irmão; dormindo juntos, conversando juntos, estudando juntos, divagando, sonhando; e o lorpa do mocinho nunca se apercebeu que tinha a seu lado uma mulher.
Quando soou a hora das despedidas, cortava o coração ver o rapaz, lamentando o futuro isolamento, a perda dum amigo como aquele. A moça consolava-o. A moça pousava-lhe nos ombros as suas mãos gentis, e exortava-o a que se enchesse de coragem, a que se entregasse ao amor do estudo, até alcançar um alto grau de sapiência. - "E depois, dizia-lhe ela entre soluços, e depois, se com saudade te recordares ainda de mim, abala, vem ver-me à minha aldeia." - E dava-lhe
indicações precisas do lugar. Despediram-se, entre choros.
"Paisagens da China e do Japão", Wenceslau de Moraes
(Wenceslau de Moraes nasceu no dia 30 de Maio de 1854. Morreu em 1929.)
domingo, 29 de maio de 2016
Não te armarás em parvo, disse o Senhor
O problema dos ex-colegas. Não é brincadeira. Para um gajo com quase sessenta anos de idade embora em estado praticamente novo, o problema dos ex-colegas é uma chatice quase tão grande como os calhamaços do José Rodrigues dos Santos se eu os lesse. Imaginem-me: com ex-colegas da escola primária, os melhores de todos, com ex-colegas do seminário, já lá irei, com ex-colegas do liceu que foram para doutores e foi um ar que se lhes deu, com ex-colegas dos Comandos que acham que são muito mama sumae! e eu não sou, com ex-colegas da fábrica de quem tenho tantas saudades, com ex-colegas dos jornais e da rádio que têm lá as suas vidinhas, vejo-me fodido para os aturar a todos, mesmo quando eles não querem saber de mim, o que é regra geral.
E quando querem saber de mim, então ainda é pior. O caso do seminário, e eu disse que vinha cá, é absolutamente paradigmático. Para quê? Digmático. Ninguém me mandou para o seminário, fui porque quis, porque queria ser padre, e às vezes ainda quero. A minha mulher sabe disso. No ano em que lá cheguei, éramos 136 crianças, havia um documento de acção psicológica (isto anda tudo ligado) que rezava assim: "Começar é fácil. Recomeçar é de muitos. Chegar ao fim é de heróis. Nesta marcha ascensional é nosso dever caminhar! A empresa é difícil, mas fascinante O Ideal!"...
E há umas certas e determinadas pessoas que acreditam nisto, os supra-sumos que chegaram ao "O Ideal!". Se tivessem ido para os Comandos, andariam agora por aí de boina vermelha e crachá, eventualmente de G3 a tiracolo se os deixassem, e em vez de ego te absolvo diriam... mama sumae! Estes rapazes tiveram os melhores mestres do mundo, o padre Fonseca e o padre João Aguiar, e não aprenderam nada com eles, não perceberam nada da vida...
Porque. Reencontrei-me ultimamente, e gostei no princípio, com ex-colegas do seminário que deram em padres. Há aquela festa inicial, "ó pá, há que tempos, és mesmo tu, estás mais gordo, estás mais magro, está igualzinho, dá cá esses ossos, dá cá essa febras!", como pessoas normais, e depois os meus ex-colegas enfiam no cu um daqueles feijõezinhos que lhes dão aquela voz sacrista e falseta, e, superiores, condescendentes e compassivos, perguntam sempre, como se estivessem ensaiados uns com os outros, "e então, o que é que tens feito?"...
Fico à rasca. Começo a suar, a gaguejar, não sei o que hei-de dizer em minha defesa. Afinal estou perante um dos que chegaram ao topo do Kilimanjaro e eu nem sequer passei do sopé do Bom Jesus do Monte, onde o Secónego tinha uma casa. Conto o melhor que consigo: "ó pá, tenho sido sobretudo jornalista, sou casado, sempre com a mesma mulher, o que é um bocado estranho na minha profissão, admito e peço desculpa, tenho um filho com 32 anos que é uma jóia e o meu maior orgulho, temos a casa e o carro pagos, saímos de vez em quando para arejar, cada vez menos, eu não sei conduzir mas cozinho muito bem, e não me lembro se já disse que sou jornalista"...
Era assim. Mas há dias mudei de táctica, quando voltei a esbarrar com um dos meus que deu em padre. Inquirido sacramentalmente "e então, o que é que tens feito?", confessei na mesma o "ó pá..." do parágrafo anterior, porque tenho este defeito de informar, mas depois acrescentei perguntando também, para livração da minha alma:
- E tu? Nunca fizeste nada, pois não? Quer-se dizer, és padre, não é?...
P.S. - A propósito do título deste texto, eu sei: sou bastante pecador...
E quando querem saber de mim, então ainda é pior. O caso do seminário, e eu disse que vinha cá, é absolutamente paradigmático. Para quê? Digmático. Ninguém me mandou para o seminário, fui porque quis, porque queria ser padre, e às vezes ainda quero. A minha mulher sabe disso. No ano em que lá cheguei, éramos 136 crianças, havia um documento de acção psicológica (isto anda tudo ligado) que rezava assim: "Começar é fácil. Recomeçar é de muitos. Chegar ao fim é de heróis. Nesta marcha ascensional é nosso dever caminhar! A empresa é difícil, mas fascinante O Ideal!"...
E há umas certas e determinadas pessoas que acreditam nisto, os supra-sumos que chegaram ao "O Ideal!". Se tivessem ido para os Comandos, andariam agora por aí de boina vermelha e crachá, eventualmente de G3 a tiracolo se os deixassem, e em vez de ego te absolvo diriam... mama sumae! Estes rapazes tiveram os melhores mestres do mundo, o padre Fonseca e o padre João Aguiar, e não aprenderam nada com eles, não perceberam nada da vida...
Porque. Reencontrei-me ultimamente, e gostei no princípio, com ex-colegas do seminário que deram em padres. Há aquela festa inicial, "ó pá, há que tempos, és mesmo tu, estás mais gordo, estás mais magro, está igualzinho, dá cá esses ossos, dá cá essa febras!", como pessoas normais, e depois os meus ex-colegas enfiam no cu um daqueles feijõezinhos que lhes dão aquela voz sacrista e falseta, e, superiores, condescendentes e compassivos, perguntam sempre, como se estivessem ensaiados uns com os outros, "e então, o que é que tens feito?"...
Fico à rasca. Começo a suar, a gaguejar, não sei o que hei-de dizer em minha defesa. Afinal estou perante um dos que chegaram ao topo do Kilimanjaro e eu nem sequer passei do sopé do Bom Jesus do Monte, onde o Secónego tinha uma casa. Conto o melhor que consigo: "ó pá, tenho sido sobretudo jornalista, sou casado, sempre com a mesma mulher, o que é um bocado estranho na minha profissão, admito e peço desculpa, tenho um filho com 32 anos que é uma jóia e o meu maior orgulho, temos a casa e o carro pagos, saímos de vez em quando para arejar, cada vez menos, eu não sei conduzir mas cozinho muito bem, e não me lembro se já disse que sou jornalista"...
Era assim. Mas há dias mudei de táctica, quando voltei a esbarrar com um dos meus que deu em padre. Inquirido sacramentalmente "e então, o que é que tens feito?", confessei na mesma o "ó pá..." do parágrafo anterior, porque tenho este defeito de informar, mas depois acrescentei perguntando também, para livração da minha alma:
- E tu? Nunca fizeste nada, pois não? Quer-se dizer, és padre, não é?...
P.S. - A propósito do título deste texto, eu sei: sou bastante pecador...
sábado, 28 de maio de 2016
Leopoldo Basa Villadefrancos
¿Fixo ben?
Fuxindo da probeza veu Antón coa súa filla pra América. Aló na terriña, baixo duns terrós e unha crus medio peneque, quedaba a parenta no ciminteiro durmindo pra sempre. ¡Probiña Sabela!
Ó chegar a Buenos Aires, Antón foi adimitido nunha compaña ingresa de ferros-carrís, pra coidar dunhas agullas na vía por onde a besta negra das rodas no ventre pasaba
ruxindo.
Sabeliña chamábase tamén a filla de Antón, e polo garrida era un milleiro de herbas cabreiras, un alcoube de meigallos. Con ela e o seu cariño entrañable; co troupelar estrepitoso do tren que era o mesmiño que o daló; co canto dos galeos que como aló cantaban; co prateado luar das noites quedas, críase Antón na súa terriña, e vivía felís, hastra que o diaño dun señorito puxo treidoramente os ollos en Sabeliña; sendo ó peor, que ela non lle dixo: "Non me cucas", como a outros mil lles dixera.
Chegou Antón a saber que aquel señorito, falando un día cuns amigos, había dito que iba a rouba-la gallega do tren, que lle poñería unha casa moi churrusqueira pra engañala, e dempois, cando se cansara dela, daríalle con perdón un couce no... e añadira tamén que non lle sería difícil, porque o pai era un besta, e a filla, a filla estaba tola por el, e conformábase con todo, hastra con fuxir, aunque aínda tiña delor de seu pai.
Antón, desde aquel punto, non volveu a dormir: notou que a rapaza lavaba na testa certo tolaxe que xa non lle deixaba nin cantar polas mañáns como as labercas da aldea onde nacera. Tembrou de verse soilo coa morriña, abandonado da filla da ialma, que era seu único amore... ¡Malo raxo!
Quixo o demo que unha noite atopara o galán palicando coa nena na mesma porta da casa, e pasándolle pola mente unha idea como un relaxo, invitouno a probar viño tostado do Ribeiro, pois truxera de Galicia dúas botellas do millor. Fíxolle beber canto quixo, deulle tamén un pouco de ron, e cando o tuvo ben borracho, mandou a Sabeliña que fora á vila a mercar non sei qué bagatela.
Faltaban des menutos pra que pasara un tren. A noite estaba como o mantelo da Virxe dos Dolores… Por aqueles lugares ninguén pasaba a aquelas horas... cargou Antón co gavilán borracho, andivo como tres centos metros de camiño, e deixando en medio da vía, como quen deixa un refaixo vello, correu a poñe-las señales de que non había novedade; e cando o tres pasou botando centellas, Antón, presinándose, dixo: Díos mo perdone, pro tiña o meu corazón feito un agulleteiro.
Leopoldo Basa Villadefrancos, em "Almanaque Gallego para 1900"
(Leopoldo Basa Villadefrancos nasceu no dia 29 de Maio de 1866. Morreu em 1947.)
Fuxindo da probeza veu Antón coa súa filla pra América. Aló na terriña, baixo duns terrós e unha crus medio peneque, quedaba a parenta no ciminteiro durmindo pra sempre. ¡Probiña Sabela!
Ó chegar a Buenos Aires, Antón foi adimitido nunha compaña ingresa de ferros-carrís, pra coidar dunhas agullas na vía por onde a besta negra das rodas no ventre pasaba
ruxindo.
Sabeliña chamábase tamén a filla de Antón, e polo garrida era un milleiro de herbas cabreiras, un alcoube de meigallos. Con ela e o seu cariño entrañable; co troupelar estrepitoso do tren que era o mesmiño que o daló; co canto dos galeos que como aló cantaban; co prateado luar das noites quedas, críase Antón na súa terriña, e vivía felís, hastra que o diaño dun señorito puxo treidoramente os ollos en Sabeliña; sendo ó peor, que ela non lle dixo: "Non me cucas", como a outros mil lles dixera.
Chegou Antón a saber que aquel señorito, falando un día cuns amigos, había dito que iba a rouba-la gallega do tren, que lle poñería unha casa moi churrusqueira pra engañala, e dempois, cando se cansara dela, daríalle con perdón un couce no... e añadira tamén que non lle sería difícil, porque o pai era un besta, e a filla, a filla estaba tola por el, e conformábase con todo, hastra con fuxir, aunque aínda tiña delor de seu pai.
Antón, desde aquel punto, non volveu a dormir: notou que a rapaza lavaba na testa certo tolaxe que xa non lle deixaba nin cantar polas mañáns como as labercas da aldea onde nacera. Tembrou de verse soilo coa morriña, abandonado da filla da ialma, que era seu único amore... ¡Malo raxo!
Quixo o demo que unha noite atopara o galán palicando coa nena na mesma porta da casa, e pasándolle pola mente unha idea como un relaxo, invitouno a probar viño tostado do Ribeiro, pois truxera de Galicia dúas botellas do millor. Fíxolle beber canto quixo, deulle tamén un pouco de ron, e cando o tuvo ben borracho, mandou a Sabeliña que fora á vila a mercar non sei qué bagatela.
Faltaban des menutos pra que pasara un tren. A noite estaba como o mantelo da Virxe dos Dolores… Por aqueles lugares ninguén pasaba a aquelas horas... cargou Antón co gavilán borracho, andivo como tres centos metros de camiño, e deixando en medio da vía, como quen deixa un refaixo vello, correu a poñe-las señales de que non había novedade; e cando o tres pasou botando centellas, Antón, presinándose, dixo: Díos mo perdone, pro tiña o meu corazón feito un agulleteiro.
Leopoldo Basa Villadefrancos, em "Almanaque Gallego para 1900"
(Leopoldo Basa Villadefrancos nasceu no dia 29 de Maio de 1866. Morreu em 1947.)
Quando o 1.º de Maio era no dia 28
Antigamente o 1.º Maio era no dia 28 do mesmo. Quando digo antigamente quero dizer antes do 25 de Abril de 1974, que já é antigamente que chegue. Um por exemplo: o estádio do SC Braga na Ponte, antes da extraordinária Pedreira do arquitecto Souto Moura, chamava-se Estádio 28 de Maio, e se quiserem saber porquê, procurem. De corte fascista, o 28 de Maio tentava aparentar-se e rivalizar com o Estádio Nacional, no Jamor, ou em Oeiras, consoante a dor de cotovelo de cada qual, e foi inaugurado, em 1950, por Salazar e Carmona, que assim dito até parecem uma alegre sociedade de costureiros. Veio a revolução e o estádio mudou de nome, passou a chamar-se Estádio 1.º de Maio, viva o Dia dos Trabalhadores, viva a classe operária!, mais ajuizado seria que se tivesse chamado sempre Campo da Quinta da Mitra.
Em todo o caso, como já escrevi aqui, mudar o nome do velho estádio de Braga, de 28 de Maio para 1.º de Maio, só demonstra (raciocínio palerma e suinamente fascistóide) que a Outra Senhora levava 27 dias de avanço em relação a Esta Senhora e que as revoluções cometem-se sobretudo e quase só para mudar os nomes das ruas, praças, pontes, estádios e outro imobiliário.
Querem outro por exemplo? O Estádio 25 de Abril, de Penafiel. Antes da "política", aquele terreiro chamava-se Campo das Leiras. Que mal é que tinha o nome?
Em todo o caso, como já escrevi aqui, mudar o nome do velho estádio de Braga, de 28 de Maio para 1.º de Maio, só demonstra (raciocínio palerma e suinamente fascistóide) que a Outra Senhora levava 27 dias de avanço em relação a Esta Senhora e que as revoluções cometem-se sobretudo e quase só para mudar os nomes das ruas, praças, pontes, estádios e outro imobiliário.
Querem outro por exemplo? O Estádio 25 de Abril, de Penafiel. Antes da "política", aquele terreiro chamava-se Campo das Leiras. Que mal é que tinha o nome?
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SC Braga,
série A língua portuguesa é muito traiçoeira
sexta-feira, 27 de maio de 2016
José Craveirinha 3
Gumes de névoa
Lágrimas?
Ou apenas
dois intoleráveis
ardentes gumes de névoa
acutilando-me cara abaixo?
"Maria", José Craveirinha
(José Craveirinha nasceu no dia 28 de Maio de 1922. Morreu em 2003.)
Lágrimas?
Ou apenas
dois intoleráveis
ardentes gumes de névoa
acutilando-me cara abaixo?
"Maria", José Craveirinha
(José Craveirinha nasceu no dia 28 de Maio de 1922. Morreu em 2003.)
Até para se ser pega é preciso ter sorte
Foto Hernâni Von Doellinger |
A notícia espalhou-se como fogo em mato seco: um automobilista acabara de atropelar mortalmente uma pega, toda esmigalhadinha. Assassino! Juntaram-se imediatamente a Quercus, o PAN, a Protectora dos Animais, a Greenpeace, dois dirigentes dos Super Dragões e vários elementos do movimento cívico e espontâneo SOS Grilo Careca de Asa Redonda e Perna Curta, que está muito bem organizado para estas emergências. Rodearam o carro, arrancaram o automobilista cá para fora e encheram-no de carolos e caneladas, para ele aprender. Só não chegaram ao linchamento porque, regra geral, desconheciam a palavra, e os poucos que a conheciam de vista confundiam-na com lixamento e achavam que, para lixar o energúmeno, os carolos e as caneladas já estavam bem.
Apareceu a GNR. A autoridade aproveitou para também molhar a sopa, quer-se dizer, o automobilista caiu sozinho sobre duas secretárias e esbarrou-se sem ninguém lhe tocar num armário ali no meio da via, e, posto isto, ordenou-lhe que se explicasse. O automobilista explicou-se. E convenceu. A Quercus, o PAN, a Protectora dos Animais, a Greenpeace, os dirigentes dos Super Dragões, os espontâneos do SOS Grilo Careca de Asa Redonda e Perna Curta e a própria GNR fartaram-se de pedir desculpas ao homem e até lhe deram os parabéns. Tudo não passara de um pequeno mal-entendido, erro de comunicação. Afinal o automobilista não tinha morto uma pega ou Pica pica melanotos, seria uma tragédia, tinha apenas atropelado mortalmente uma pega meretriz de beira de estrada, solteira e mãe de três filhos, toda esmigalhadinha. São coisas que acontecem...
(Texto escrito e publicado no passado domingo, dia 22 de Maio de 2016. Repito-o hoje para lhe meter a pega com quem estive esta manhã no Parque da Cidade do Porto. Mostro-a de costas, evidentemente, para não ser reconhecida...)
Manuel Teixeira Gomes 2
Rompeu, por fim, o sol, apressado e quente, sem que tivéssemos prestado atenção ao seu glorioso aparecimento, e começou a concertada faina de levantar o céu da armação. Logo aos primeiros movimentos a superfície da água, no recinto da armação, começou também de se encrespar, aqui e ali, de rolos de prata viva; eram pequenos cardumes de sardinha, que fugiam à voracidade do atum. Acudiu-se-lhe com umas redes triangulares, dobradiças, chamadas "muletas", que facilmente a apanhavam e distribuíam pelos convidados. Nós já tínhamos o nosso fogareiro de barro preparado, à espera, com a lata sobre as brasas; ali, em poucos minutos, ficava a sardinha assada, e logo era comida mesmo na ponta da unha, com pão de toda a farinha, minheiro e ainda quente do forno, e regado com um "tinto" áspero de surdo flavor, trazido adrede para aquela função já certa.
Apenas a água principiou a ferver, com a revolução do peixe que se aproximava da superfície, rompeu a mais tremenda gritaria e algazarra de que tenho memória, e que ainda redobrou ao aparecimento dos primeiros atuns. Começou então a toirada.
Sucedeu que o primeiro atum arpoado se escapou, e caído à água com tal velocidade parecia voar, jorrando sangue que o acompanhava de um rasto de púrpura. A assuada ao marujo infeliz foi medonha, e vi jeitos de o atirarem à água. Mas é que os primeiros atuns que apareciam, tendo ainda campo para nadar, fugiam das barcas, enquanto os marujos, abrindo os braços, e com grandes pancadas no costado das lanchas, os incitavam às sortes, como se fossem bois.
Isso, porém, durou pouco. Entre borbolhões de espuma assomou logo uma densa camada de peixe, e tão apertada pelo costado das barcas, que os marujos quase lhe davam às cegas, levantando uma cabeça de cada arpoada.
Viu-se então que o atum era de bom calibre e muito. Ao meu lado, um perito amador, mas de reconhecida autoridade, ia-o contando, e quando chegou aos quinhentos verificou-se que não fazia falta no copo, onde continuava a afluir em camadas igualmente densas.O sangue e a água, misturados, soltavam-se aos cachões, envolvendo os peixes em línguas de púrpura cristalina, e ao centro da rede faziam remoinho, abrindo um poço fundo e largo, por cujas paredes transparentes giravam, desvairados, os grandes bichos cintilantes.
"Uma copejada de atum", Manuel Teixeira Gomes
(Manuel Teixeira Gomes nasceu no dia 27 de Maio de 1860. Morreu em 1941.)
Sucedeu que o primeiro atum arpoado se escapou, e caído à água com tal velocidade parecia voar, jorrando sangue que o acompanhava de um rasto de púrpura. A assuada ao marujo infeliz foi medonha, e vi jeitos de o atirarem à água. Mas é que os primeiros atuns que apareciam, tendo ainda campo para nadar, fugiam das barcas, enquanto os marujos, abrindo os braços, e com grandes pancadas no costado das lanchas, os incitavam às sortes, como se fossem bois.
Isso, porém, durou pouco. Entre borbolhões de espuma assomou logo uma densa camada de peixe, e tão apertada pelo costado das barcas, que os marujos quase lhe davam às cegas, levantando uma cabeça de cada arpoada.
Viu-se então que o atum era de bom calibre e muito. Ao meu lado, um perito amador, mas de reconhecida autoridade, ia-o contando, e quando chegou aos quinhentos verificou-se que não fazia falta no copo, onde continuava a afluir em camadas igualmente densas.O sangue e a água, misturados, soltavam-se aos cachões, envolvendo os peixes em línguas de púrpura cristalina, e ao centro da rede faziam remoinho, abrindo um poço fundo e largo, por cujas paredes transparentes giravam, desvairados, os grandes bichos cintilantes.
"Uma copejada de atum", Manuel Teixeira Gomes
(Manuel Teixeira Gomes nasceu no dia 27 de Maio de 1860. Morreu em 1941.)
quinta-feira, 26 de maio de 2016
Estes tão inoportunos Jogos Olímpicos
Rui Vitória, treinador da principal equipa de futebol da Benfica SAD, diz, de acordo com o jornal digital Maisfutebol, e em defesa do sagrado descanso dos seus jogadores mais jovens, que os Jogos Olímpicos não vêm no "melhor momento". Realmente. Tem toda a razão o Vitória. Quem foi que se lembrou de marcar uns Jogos Olímpicos assim tão em cima da hora?
Nem de propósito, Jorge Jesus, treinador da principal equipa de futebol da Sporting SAD, também já tinha dito que não deixa William Carvalho ir ao Brasil, porque, lá está, o rapaz farta-se de trabalhar e vai ao Europeu.
Tanto amor à Pátria e tanto respeito pelos portugueses e pelos valores olímpicos enternecem-me. Tanto, que ouso sugerir ao Comité Olímpico de Portugal que, para facilitar a vida a toda a gente, benevolamente proíba a ida aos Jogos de todos os atletas da Benfica SAD e da Sporting SAD, e já agora também da FC Porto SAD, que não tem treinador da principal equipa de futebol para falar nem jogadores que sirvam, mas se tivesse era a mesma merda.
Nem de propósito, Jorge Jesus, treinador da principal equipa de futebol da Sporting SAD, também já tinha dito que não deixa William Carvalho ir ao Brasil, porque, lá está, o rapaz farta-se de trabalhar e vai ao Europeu.
Tanto amor à Pátria e tanto respeito pelos portugueses e pelos valores olímpicos enternecem-me. Tanto, que ouso sugerir ao Comité Olímpico de Portugal que, para facilitar a vida a toda a gente, benevolamente proíba a ida aos Jogos de todos os atletas da Benfica SAD e da Sporting SAD, e já agora também da FC Porto SAD, que não tem treinador da principal equipa de futebol para falar nem jogadores que sirvam, mas se tivesse era a mesma merda.
quarta-feira, 25 de maio de 2016
Ruben A. 3
É preciso viver em estado de prevenção. Não ir na enxurrada do
colectivismo e morrer afogado num bairro económico ou numa colónia
balnear, resistir às pressões políticas mirabolantes, quer sejam de uma
banda ou de outra, manter a condição do homem-artista em luta com o
homem-massa foi sempre o que em mim se tornou claro desde que aos poucos
tomei posse da minha personalidade. É fatal que se caminhe para a
sanidade de vida das classes baixas, é humano que isso se faça, no
entanto também é humano, mais talvez, que se lute desesperadamente para
que a condição mais sagrada do homem evolua libertando-se das massas
satisfeitas com a assistência médica, televisão e funeral pago. Essa
massa vai criar um novo espírito animal, vai catalogar-se em Darwin e,
convencidos que essa massa está feliz, constatamos ao fim de pouco tempo
que esses grandes grupos de populações standardizadas deixaram de
pensar e o seu sentir é apenas tactual, sem nada de sublimação em
momentos mais íntimos.
O mundo que pensa, do artista e do intelectual, tem de libertar-se do incómodo desses homens que trouxeram como contribuição para a humanidade uma ideia abstracta do colectivo em marcha, que passaram a emitir sons, como pequenas estações emissoras, que não precisam de se articular em palavras, bastando-lhes os gestos. Ao fim e ao cabo aqueles que julgaram ter contribuído para a evolução da humanidade, dessa massa informe, é com tristeza, se ainda forem vivos, que constatam o facto de terem criado mais uma categoria animal, símios aperfeiçoados, em substituição do processo normal e não aflitivo do homem que evolui gradualmente dentro da sua própria missão de homem.
"O Mundo à Minha Procura", Ruben A.
(Ruben A. nasceu no dia 26 de Maio de 1920. Morreu em 1975.)
O mundo que pensa, do artista e do intelectual, tem de libertar-se do incómodo desses homens que trouxeram como contribuição para a humanidade uma ideia abstracta do colectivo em marcha, que passaram a emitir sons, como pequenas estações emissoras, que não precisam de se articular em palavras, bastando-lhes os gestos. Ao fim e ao cabo aqueles que julgaram ter contribuído para a evolução da humanidade, dessa massa informe, é com tristeza, se ainda forem vivos, que constatam o facto de terem criado mais uma categoria animal, símios aperfeiçoados, em substituição do processo normal e não aflitivo do homem que evolui gradualmente dentro da sua própria missão de homem.
"O Mundo à Minha Procura", Ruben A.
(Ruben A. nasceu no dia 26 de Maio de 1920. Morreu em 1975.)
Calvário, jardim de memória e saudades
Foto Hernâni Von Doellinger |
O Jardim do Calvário, em Fafe, vai encher-se de risos e sorrisos nos primeiros quatro dias do próximo mês de Junho. É bom. É o IV Encontro de Palhaços do Mundo e eu gostava tanto de estar lá, não do lado cómodo do público, mas no centro das atenções, no lado cómico, de nariz vermelho, cara pintada e sapatos de metro, a inventar alegria para os outros. E para mim. Sim, alegria para mim. Porque eu sempre quis ser palhaço. Melhor dizendo: quando eu era pequeno, primeiro queria ser grande. E quando fosse grande queria ser palhaço, maquinista de comboio, famoso, padre, polícia à paisana, pianista, advogado, jornalista, actor, bombeiro, jogador de futebol, tarzan, presidente da república, terrorista, papa, escritor, herói, cantor, ciclista, santo e piloto de avião de guerra. Já há muito que sou grande e, francamente, sou tarzan e é um pau. Sou tarzan como a maioria dos portugueses: estamos de tanga e isso é indesmentível, somos portanto tarzões.
Mas palhaço é que era! Alguns amigos, lisonjeiros, dizem-me que eu às vezes até sou um bocado palhaço. Por outro lado, alguns filhos da mãe que não me gramam acusam-me de eu às vezes ser um bocado palhaço. Palavra de honra, às vezes e um bocado não me chega: eu queria ser palhaço, mas palhaço completamente.
E não vejo melhor sítio para ser palhaço do que no meu Jardim do Calvário. Com efeito, foi ali que me iniciei no mundo do espectáculo, evidentemente como espectador, com lugar cativo no serão das inesquecíveis Festas da Vila. Ano após ano, antes da marcha e do fogo, passaram-me pelas mãos a Senhora Dona Amália, a Hermínia Silva - que, para além do indispensável Pacheco, trazia atrás o filho, o tenor Mário Silva -, o Rodrigo, a Tonicha, o José Cid, o Paco Bandeira, a Dina, os putos do Mini Pop que tinham ido ao Festival da Canção e depois viriam a ser os Jafumega, o Hugo Maia de Loureiro que era cinturão negro e campeão de judo e ofereceu no focinho aos assobios de uns tantos por causa de um playback mal explicado, o Nicolau Breyner e o Herman José que andavam a passear pelo País a rábula do "Senhor Contente, Senhor Feliz", eventualmente a Lenita Gentil, a Florência, o Armando Gama e o Marco Paulo, e o mais certo é ter levado também com o Nelo Silva e com os Broa de Mel, com o Manuel Morais e com o "Cantinflas Português" que era uma coisa que só vista...
Estão a ver, portanto, o meu currículo. Eu e o Jardim do Calvário. Eu entrava à sorrelfa, todos os anos variando de expediente, porque os espectáculos eram a pagar, tinham plateia para a burguesia local, comerciantes e pequenos industriais, respectivas matronas e extremosa prole, que se acadeiravam no espaço de cimento aparentemente afectado por um cataclismo de filme e pomposamento chamado de "rinque de patinagem", os mais ricos dos mais ricos nas filas da frente, e à volta da vedação, de pé, apertadinhos e aos apalpões, era a geral, éramos nós, pessoal do rés-do-chão mas os que batíamos mais palmas quando tínhamos as mãos de vago.
Se não estou em erro, terá sido ali mesmo que começou essa tradição tão festiva e tão fafense do "cuelho", também chamado de empernanço ou, cientificamente falando, "estou a ver passar os ciclistas"...
No Jardim do Calvário iniciei-me também nos fumos. Pelos nove-dez anos, ia fumar para as escadas do inamovível portão das traseiras, o sítio de Fafe onde se faziam as coisas feias. O Bílio aparecia com meio maço de Definitivos, que ali queimávamos num instante, antes que alguém nos visse e fosse contar à minha mãe. Depois eu ia-me confessar. Porque Deus vê tudo e fumar era um pecado muito grande, um dos maiores logo a seguir à punheta. Não fiquei com o vício. Do cigarro, quero dizer.
Pelos dezoito-dezanove, já nas escadas da frente, lá no alto, fui apresentado à liamba, que tinha vindo de Angola com uma mão à frente e outra atrás e era muito fixe. Nunca percebi a moca dos outros, sempre pensei que estavam apenas a armar-se, porque a mim a coisa não fazia absolutamente nada, tirando os engasgos. E também não fiquei freguês.
Ao longo dos últimos anos, sempre que pude, voltei ao Jardim, com amigos, para ouvir os concertos da Banda de Revelhe (era o sítio certo, valha-me Deus!), ou apenas, e dizer aqui apenas é uma rematada tolice, para, sozinho, envergonhadamente comovido, apaziguar as saudades. Ouço a "Aida" de Verdi enquanto escrevo isto. "O patria mia!" é onde vai o disco nestas últimas linhas, e nem de propósito. Tormou-se-me a comoção: vieram-me saudades do palhaço que eu queria ser.
P.S. - Aos fafenses mais novos: o lago do Jardim do Calvário, para além de cisnes ou pelo menos patos, já teve barcos ou pelo menos barco. Houve uma altura em que tinha também crocodilos. Os crocodilos faziam um barulho medonho à noite e não deixavam descansar o Mecas, que morava ali ao lado, em casa do padrinho, se bem me lembro. O Mecas ia depois para a fábrica e, embora fosse muito trabalhador, passava todo o dia a dormir exactamente por causa dos crocodilos - era o que ele explicava aos chefes e patrões, quando o apanhavam. Perguntem aos mais antigos, a ver se eu estou a mentir...
Palhaços do Mundo 2016, em Fafe
Quarto Encontro de Palhaços do Mundo, em Fafe. Quatro dias - 1, 2, 3 e 4 de Junho de 2016 -, com actividades centradas no Jardim do Calvário, mas passando também pela Casa da Cultura e pelo Parque da Cidade. Espectáculos e oficinas, animação de rua, artistas de Portugal, Brasil, Espanha, Holanda e Colômbia. Mais informação, aqui.
terça-feira, 24 de maio de 2016
Corrigindo os "défices de proximidade"
Foto Hernâni Von Doellinger |
A ministra da Justiça, Maria van Dunem, vai reactivar os dezanove tribunais extintos há dois anos pela sua antecessora, Paula Teixeira da Cruz. A intenção anunciada é a de "corrigir os défices de proximidade" do mapa judiciário que o Governo anterior nos enfiou pelas goelas abaixo.
Estimo a pessoa Paula Teixeira da Cruz. Escrevi no dia 24 de Junho de 2012, a propósito da política de cortes de Paula Teixeira da Cruz no Ministério da Justiça, sob o mando de Passos Coelho:
A Justiça é cega. A ministra também.
A ERC custa aos contribuintes portugueses mais de quatro milhões de euros por ano e não serve para nada. O Tribunal de Paredes de Coura custa aos contribuintes portugueses certa de onze mil euros por ano e é essencial para o acesso à justiça de uma população abandonada, envelhecida, pobre e mal servida de transportes e estradas. O Governo precisa de poupar: vai fechar o tribunal.
Creio que é isto que a actual ministra quer dizer quando fala de "défices de proximidade". Entretanto a ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) ainda por cá anda. A ERC, passe a redundância, "tem como principais atribuições e competências a regulação e supervisão dos meios de comunicação social". Olhem para as televisões, passem os olhos pelos jornais - a ERC está a fazer um rico serviço, não está?
Portugal de Lés-a-Lés 2016
Décima oitava edição do Portugal de Lés-a-Lés, a maior maratona mototurística da Europa, que volta a unir os extremos geográticos de Portugal, deste vez de sul a norte. Dias 9, 10 e 11 de Junho de 2016, de Albufeira ao Luso/Buçaco e depois ala cá para riba até Vila Pouca de Aguiar. Mil quilómetros de aventura, mil e quinhentas motos, mil e seiscentos participantes, e evidentemente o Nestinho. Mais informação, aqui.
Era um homem muito antigo 6
Era um homem muito antigo e vivia agarrado a coisas que já não se usam, como por exemplo o "Bonanza".
Vejam lá que lhe falaram na "Guerra dos Tronos" e ele disse "quê?"...
segunda-feira, 23 de maio de 2016
Ferreira de Castro 4
- E que é que eu vou lá fazer, tio?
Macedo embaraçou-se:
- Tu vais... Sim, eu já disse que o homem prefere cearenses... Foi difícil arranjar... Eu bem queria que tu fosses como empregado. Mas ele disse que para já, não; que depois se via; que o que precisava era de seringueiros...
- Ah, eu vou, então, extrair borracha?
- Por um tempo... Até te arranjarem lá coisa melhor. Eu recomendei-te bem!
E, temendo um súbito desânimo, consolou:
- Mas não te aflijas por isso! Depois de lá estares e de verem de quanto és capaz, estou certo de que te arranjam coisa melhor. Demais a mais, muitos donos de seringal começaram por seringueiros. Quantos tenho eu conhecido aqui! A questão é uma pessoa ter sorte e esperteza! O diabo não é tão feio como o pintam. É verdade: quantos anos tens agora?
- Vinte e seis.
- Vinte e seis? Foi isso mesmo que eu lhe disse. Mas como não tinha bem a certeza... Vinte e seis! Estás uma criança! Podes ter um grande futuro. Aquilo são terras para a gente ir com essa idade, quando se é novo...
Alberto quedou-se resignado, silencioso, com os olhos fixos no velho sofá. Depois:
- Quando é a partida?
- É amanhã à noite, no "Justo Chermont". Tinhas alguma coisa a fazer?
- Não. Nada... Perguntei por perguntar.
"A Selva", Ferreira de Castro
(Ferreira de Castro nasceu no dia 24 de Maio de 1898. Morreu em 1974.)
Macedo embaraçou-se:
- Tu vais... Sim, eu já disse que o homem prefere cearenses... Foi difícil arranjar... Eu bem queria que tu fosses como empregado. Mas ele disse que para já, não; que depois se via; que o que precisava era de seringueiros...
- Ah, eu vou, então, extrair borracha?
- Por um tempo... Até te arranjarem lá coisa melhor. Eu recomendei-te bem!
E, temendo um súbito desânimo, consolou:
- Mas não te aflijas por isso! Depois de lá estares e de verem de quanto és capaz, estou certo de que te arranjam coisa melhor. Demais a mais, muitos donos de seringal começaram por seringueiros. Quantos tenho eu conhecido aqui! A questão é uma pessoa ter sorte e esperteza! O diabo não é tão feio como o pintam. É verdade: quantos anos tens agora?
- Vinte e seis.
- Vinte e seis? Foi isso mesmo que eu lhe disse. Mas como não tinha bem a certeza... Vinte e seis! Estás uma criança! Podes ter um grande futuro. Aquilo são terras para a gente ir com essa idade, quando se é novo...
Alberto quedou-se resignado, silencioso, com os olhos fixos no velho sofá. Depois:
- Quando é a partida?
- É amanhã à noite, no "Justo Chermont". Tinhas alguma coisa a fazer?
- Não. Nada... Perguntei por perguntar.
(Ferreira de Castro nasceu no dia 24 de Maio de 1898. Morreu em 1974.)
Lenda de Cayo Carpo 2016, em Matosinhos
Lenda de Cayo Carpo. Recriação histórica e feira romana, de 3 a 5 de Junho de 2016, na Praia de Matosinhos, junto ao Monumento do Senhor do Padrão. Mais informação e programa, aqui.
domingo, 22 de maio de 2016
Até para se ser pega é preciso ter sorte
A notícia espalhou-se como fogo em mato seco: um automobilista acabara de atropelar mortalmente uma pega, toda esmigalhadinha. Assassino! Juntaram-se imediatamente a Quercus, o PAN, a Protectora dos Animais, a Greenpeace, dois dirigentes dos Super Dragões e vários elementos do movimento cívico e espontâneo SOS Grilo Careca de Asa Redonda e Perna Curta, que está muito bem organizado para estas emergências. Rodearam o carro, arrancaram o automobilista cá para fora e encheram-no de carolos e caneladas, para ele aprender. Só não chegaram ao linchamento porque, regra geral, desconheciam a palavra, e os poucos que a conheciam de vista confundiam-na com lixamento e achavam que, para lixar o energúmeno, os carolos e as caneladas já estavam bem.
Apareceu a GNR. A autoridade aproveitou para também molhar a sopa, quer-se dizer, o automobilista caiu sozinho sobre duas secretárias e esbarrou-se sem ninguém lhe tocar num armário ali no meio da via, e, posto isto, ordenou-lhe que se explicasse. O automobilista explicou-se. E convenceu. A Quercus, o PAN, a Protectora dos Animais, a Greenpeace, os dirigentes dos Super Dragões, os espontâneos do SOS Grilo Careca de Asa Redonda e Perna Curta e a própria GNR fartaram-se de pedir desculpas ao homem e até lhe deram os parabéns. Tudo não passara de um pequeno mal-entendido, erro de comunicação. Afinal o automobilista não tinha morto uma pega ou Pica pica melanotos, seria uma tragédia, tinha apenas atropelado mortalmente uma pega meretriz de beira de estrada, solteira e mãe de três filhos, toda esmigalhadinha. São coisas que acontecem...
Apareceu a GNR. A autoridade aproveitou para também molhar a sopa, quer-se dizer, o automobilista caiu sozinho sobre duas secretárias e esbarrou-se sem ninguém lhe tocar num armário ali no meio da via, e, posto isto, ordenou-lhe que se explicasse. O automobilista explicou-se. E convenceu. A Quercus, o PAN, a Protectora dos Animais, a Greenpeace, os dirigentes dos Super Dragões, os espontâneos do SOS Grilo Careca de Asa Redonda e Perna Curta e a própria GNR fartaram-se de pedir desculpas ao homem e até lhe deram os parabéns. Tudo não passara de um pequeno mal-entendido, erro de comunicação. Afinal o automobilista não tinha morto uma pega ou Pica pica melanotos, seria uma tragédia, tinha apenas atropelado mortalmente uma pega meretriz de beira de estrada, solteira e mãe de três filhos, toda esmigalhadinha. São coisas que acontecem...
sábado, 21 de maio de 2016
GNR e Guardia Civil à caça dos gambozinos
Numa espectacular operação de apenas três dias - quarta, quinta e sexta-feira -, unidades especiais da nossa GNR e da Guardia Civil espanhola conseguiram "deter um grupo de seis terroristas que praticava o tráfico de armamento, operando nos dois lados da fronteira, estando estes homens a preparar uma acção terrorista na zona de Lisboa", segundo fontes oficiais. Tinha de ser em Lisboa, é preciso defender Lisboa.
Mas era a mangar. Era um faz-de-conta, um exercício transfronteiço, como se diz, programado, com guião, e os terroristas não eram a sério. Os terroristas, que também eram da GNR e da Guardia Civil, suponho, tinham um papel a cumprir e cumpriram: depois de meia dúzia de tiros de pólvora seca, entregaram-se aos bons ou morreram de enfarte, isso ainda não percebi bem.
Eu sempre gostei de simulacros. Desde pequenino. Primeiro dos simulacros dos Bombeiros de Fafe, na fachada do Club Fafense, depois dos simulacros da Protecção Civil, que são sempre uma enorme confusão e uma inesgotável poça de sangue, e agora também gosto dos simulacros das chamadas "operações especiais". Porque nos simulacros, na hora do balanço, correu sempre tudo bem. O sucesso do simulacro dá na televisão e ficamos todos muito mais descansados e seguros, incluindo os verdadeiros terroristas, que assim, um dia que se resolvam, já sabem como se devem precatar.
Mas era a mangar. Era um faz-de-conta, um exercício transfronteiço, como se diz, programado, com guião, e os terroristas não eram a sério. Os terroristas, que também eram da GNR e da Guardia Civil, suponho, tinham um papel a cumprir e cumpriram: depois de meia dúzia de tiros de pólvora seca, entregaram-se aos bons ou morreram de enfarte, isso ainda não percebi bem.
Eu sempre gostei de simulacros. Desde pequenino. Primeiro dos simulacros dos Bombeiros de Fafe, na fachada do Club Fafense, depois dos simulacros da Protecção Civil, que são sempre uma enorme confusão e uma inesgotável poça de sangue, e agora também gosto dos simulacros das chamadas "operações especiais". Porque nos simulacros, na hora do balanço, correu sempre tudo bem. O sucesso do simulacro dá na televisão e ficamos todos muito mais descansados e seguros, incluindo os verdadeiros terroristas, que assim, um dia que se resolvam, já sabem como se devem precatar.
sexta-feira, 20 de maio de 2016
Lições de História (revisão da matéria dada)
Os Bítalas
Os Bítalas eram um conjunto e cantavam obladi oblada. Eram quatro, sendo que o do bombo tinha cara de morcão, e chamavam-se Bítalas exactamente por terem cabelo grande, mas que afinal não era assim tão grande, como os hippies vieram depois a demonstrar - era apenas um cabelinho amaricado, anos vinte, muito tipo Beatriz Costa. Os Bítalas eram ingleses de Liverpool. Em Portugal, no tempo em que imperava o corte à tigela (ou malga, consoante a parte do país), quem tivesse o cabelo a roçar as orelhas era Bítala. Eu fui, mas cantava num orfeão e por isso passei ao lado de uma grande carreira.
Hipócrates
Hipócrates, ou Ἱπποκράτης, assim lhe chamava a mulher quando se zangava com ele, nasceu 460 anos antes de Nosso Senhor Jesus Cristo, era grego como o Tsrípras, ou Τσίπρας, e começou por ser considerado o pai da medicina. Depois tornou-se juramento e foi a partir daí que os médicos deixaram de ser de fiar. Não é por acaso que agora, quando sabemos que vamos morrer e nos dizem que estamos sãos como pêros, pedimos sempre "uma segunda opinião"...
Sodoma e Gomorra (ou há moralidade ou...)
Os sodomitas, habitantes de Sodoma, ficaram com a pior parte da fama. Os gomorritas safaram-se, vá-se lá saber porquê, e nem constam nos dicionários. A História às vezes é muito injusta.
A Távola Redonda
Quando a trombeta tocou para o tacho, eram mais de quatro mil cavaleiros, de faca e garfo em punho como se fossem para uma justa, mas sentados e com um apetite escancarado e lavajão, posto que estávamos na Idade Média. Manifestamente atónito e arreliado assim assim, o rei Artur fez contas à vida, pelos dedos, apaziguou a algazarra da turba colorida e apenhachada com meia dúzia de flechas cirurgicamente colocadas e obviamente fatais, invocou o regimento e colocou um ponto de ordem à mesa. O seguinte: "Embora nunca tenhamos realmente existido, está historicamente provado que vocês não podem ser mais de doze, talvez 24, ou, para não me chamarem forreta, temos sala para 150, fora as crianças, que pagam metade. Agora, 4.145 adultos e gordos, menos seis, já é uma escandalosa moinice. De onde é que me apareceu esta gente toda, que ainda por cima não traz o Magriço, que até nem dá despesa nenhuma, como o próprio nome indica? Por São Jorge, isto é a Távola Redonda, não é a mesa do Orçamento"...
E assim começou a Guerra dos Cem Anos
Era um encontro previsto para ser diplomático e discutido em três sets: quando Mister Cheddar, pela Inglaterra, e Monsieur Camembert, pela França, reuniram em Sherwood, sob os auspícios do Robin dos Bosques e a bênção de Frei Tuck, tendo sobre a mesa, já naquele tempo, a delicada questão das quotas leiteiras. Estava tudo a correr bem, entre uísques e champanhes bem bebidos, mas era um cheiro a chulé que não se podia. Foi então que o inglês, já com um grãozinho na asa e uma mola de roupa no nariz, não aguentou mais e questionou o francês, com a ajuda do Carlos Fino, que fazia as traduções: - Porque é que o caro amigo (old chap, no original) não vai mas é lavar os pés no Sena?
E foi assim que começou a Guerra dos Cem Anos. Até hoje.
D. Afonso Henriques
A verdade é esta: Afonso Henriques usava saias, batia na mãe e morava geralmente no austero Castelo de Guimarães. Tinha também o Paço dos Duques, um abastado triplex com jacúzi onde passava férias, recebia amigos e, de quinze em quinze dias, gostava de empossar governos.
P.S. - O jovem Afonso ficou, aliás, para a história da moda como o verdadeiro criador da maxissaia.
Robert Schumann
Robert Schumann foi durante muitos anos um compositor alemão, famoso sobretudo pela peça "Carnaval. Scènes mignonnes sur quatre notes, Opus 9", para piano, que pode (e deve) ser ouvida um bocadinho aqui. Mais tarde, e depois de ter morrido, Robert deixou de ser alemão, largou a música e o "n" final do apelido, fez-se luxemburguês e ministro dos Negócios Estrangeiros de França. Robert Schuman é considerado um dos "pais da Europa", foi o primeiro presidente daquilo que hoje se chama Parlamento Europeu e está na lista de espera do Vaticano para ser declarado santo.
Sócrates
Sócrates começou como filósofo em Atenas e jogou na selecção brasileira de futebol. Anos mais tarde foi primeiro-ministro de Portugal. Estragou tudo.
Marx
Depois de ter inventado o comunismo, Marx fez comédia em Hollywood, cantou "A mula da cooperativa", foi candidato à Presidência da República e abriu um restaurante em Fafe. Actualmente diz piadas na rádio e joga a defesa direito no FC Porto após fuga do Benfica.
Egas Moniz
Egas Moniz sempre gostou de fazer a cabeça dos outros. Começou com o pequeno Afonso Henriques e deu-se mal. Depois generalizou e deram-lhe um Nobel. Ultimamente querem tirar-lho, por causa do abuso.
Salomão
Salomão era muito rico e muito sábio. Ordenou a construção do Templo de Jerusalém e mandou cortar um bebé ao meio. Depois fugiu para o Brasil e entrou na telenovela "O Astro".
Papin
Depois de ter inventado uma marmita, Papin fez 54 jogos e marcou 30 golos pela selecção francesa de futebol.
Garibaldi
Garibaldi foi um general italiano muito famoso por usar blusão vermelho. Mais tarde tornou-se numa espécie de guindaste.
Os Bítalas eram um conjunto e cantavam obladi oblada. Eram quatro, sendo que o do bombo tinha cara de morcão, e chamavam-se Bítalas exactamente por terem cabelo grande, mas que afinal não era assim tão grande, como os hippies vieram depois a demonstrar - era apenas um cabelinho amaricado, anos vinte, muito tipo Beatriz Costa. Os Bítalas eram ingleses de Liverpool. Em Portugal, no tempo em que imperava o corte à tigela (ou malga, consoante a parte do país), quem tivesse o cabelo a roçar as orelhas era Bítala. Eu fui, mas cantava num orfeão e por isso passei ao lado de uma grande carreira.
Hipócrates
Hipócrates, ou Ἱπποκράτης, assim lhe chamava a mulher quando se zangava com ele, nasceu 460 anos antes de Nosso Senhor Jesus Cristo, era grego como o Tsrípras, ou Τσίπρας, e começou por ser considerado o pai da medicina. Depois tornou-se juramento e foi a partir daí que os médicos deixaram de ser de fiar. Não é por acaso que agora, quando sabemos que vamos morrer e nos dizem que estamos sãos como pêros, pedimos sempre "uma segunda opinião"...
Sodoma e Gomorra (ou há moralidade ou...)
Os sodomitas, habitantes de Sodoma, ficaram com a pior parte da fama. Os gomorritas safaram-se, vá-se lá saber porquê, e nem constam nos dicionários. A História às vezes é muito injusta.
A Távola Redonda
Quando a trombeta tocou para o tacho, eram mais de quatro mil cavaleiros, de faca e garfo em punho como se fossem para uma justa, mas sentados e com um apetite escancarado e lavajão, posto que estávamos na Idade Média. Manifestamente atónito e arreliado assim assim, o rei Artur fez contas à vida, pelos dedos, apaziguou a algazarra da turba colorida e apenhachada com meia dúzia de flechas cirurgicamente colocadas e obviamente fatais, invocou o regimento e colocou um ponto de ordem à mesa. O seguinte: "Embora nunca tenhamos realmente existido, está historicamente provado que vocês não podem ser mais de doze, talvez 24, ou, para não me chamarem forreta, temos sala para 150, fora as crianças, que pagam metade. Agora, 4.145 adultos e gordos, menos seis, já é uma escandalosa moinice. De onde é que me apareceu esta gente toda, que ainda por cima não traz o Magriço, que até nem dá despesa nenhuma, como o próprio nome indica? Por São Jorge, isto é a Távola Redonda, não é a mesa do Orçamento"...
E assim começou a Guerra dos Cem Anos
Era um encontro previsto para ser diplomático e discutido em três sets: quando Mister Cheddar, pela Inglaterra, e Monsieur Camembert, pela França, reuniram em Sherwood, sob os auspícios do Robin dos Bosques e a bênção de Frei Tuck, tendo sobre a mesa, já naquele tempo, a delicada questão das quotas leiteiras. Estava tudo a correr bem, entre uísques e champanhes bem bebidos, mas era um cheiro a chulé que não se podia. Foi então que o inglês, já com um grãozinho na asa e uma mola de roupa no nariz, não aguentou mais e questionou o francês, com a ajuda do Carlos Fino, que fazia as traduções: - Porque é que o caro amigo (old chap, no original) não vai mas é lavar os pés no Sena?
E foi assim que começou a Guerra dos Cem Anos. Até hoje.
D. Afonso Henriques
A verdade é esta: Afonso Henriques usava saias, batia na mãe e morava geralmente no austero Castelo de Guimarães. Tinha também o Paço dos Duques, um abastado triplex com jacúzi onde passava férias, recebia amigos e, de quinze em quinze dias, gostava de empossar governos.
P.S. - O jovem Afonso ficou, aliás, para a história da moda como o verdadeiro criador da maxissaia.
Robert Schumann
Robert Schumann foi durante muitos anos um compositor alemão, famoso sobretudo pela peça "Carnaval. Scènes mignonnes sur quatre notes, Opus 9", para piano, que pode (e deve) ser ouvida um bocadinho aqui. Mais tarde, e depois de ter morrido, Robert deixou de ser alemão, largou a música e o "n" final do apelido, fez-se luxemburguês e ministro dos Negócios Estrangeiros de França. Robert Schuman é considerado um dos "pais da Europa", foi o primeiro presidente daquilo que hoje se chama Parlamento Europeu e está na lista de espera do Vaticano para ser declarado santo.
Sócrates
Sócrates começou como filósofo em Atenas e jogou na selecção brasileira de futebol. Anos mais tarde foi primeiro-ministro de Portugal. Estragou tudo.
Marx
Depois de ter inventado o comunismo, Marx fez comédia em Hollywood, cantou "A mula da cooperativa", foi candidato à Presidência da República e abriu um restaurante em Fafe. Actualmente diz piadas na rádio e joga a defesa direito no FC Porto após fuga do Benfica.
Egas Moniz
Egas Moniz sempre gostou de fazer a cabeça dos outros. Começou com o pequeno Afonso Henriques e deu-se mal. Depois generalizou e deram-lhe um Nobel. Ultimamente querem tirar-lho, por causa do abuso.
Salomão
Salomão era muito rico e muito sábio. Ordenou a construção do Templo de Jerusalém e mandou cortar um bebé ao meio. Depois fugiu para o Brasil e entrou na telenovela "O Astro".
Papin
Depois de ter inventado uma marmita, Papin fez 54 jogos e marcou 30 golos pela selecção francesa de futebol.
Garibaldi
Garibaldi foi um general italiano muito famoso por usar blusão vermelho. Mais tarde tornou-se numa espécie de guindaste.
Encontros Literários de Fafe 2016
Iniciativa do Núcleo de Artes e Letras de Fafe. Hoje e amanhã, dias 20 e 21 de Maio, os Encontros Literários de Fafe 2016, sob o lema "A Literatura e as Artes". Mais informação e programa, aqui.
quinta-feira, 19 de maio de 2016
Contra a discriminação do mercurocromo, sempre!
Foto Hernâni Von Doellinger |
Portugal ocupa um honroso nono lugar ex aequo no ranking mundial dos países com maior consumo de álcool. Feitas as contas, cada português (incluindo os portugueses que não bebem) bebeu em 2015 uma média de 12,5 litros de álcool. O relatório da Organização Mundial da Saúde, hoje divulgado, é mais uma vez omisso no que diz respeito aos números do consumo de mercurocromo. O que se lamenta.
quarta-feira, 18 de maio de 2016
Mário de Sá-Carneiro 4
Como eu não possuo
Olho em volta de mim. Todos possuem -
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.
Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minha alma pára e não os sente!
Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo para ascender ao céu,
Falta-me unção para me afundar no lodo.
Não sou amigo de ninguém. Para o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...
Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...
Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!...
Desejo errado... Se eu a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim - ó ânsia! - eu a teria...
Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases dourados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante...
De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.
"Dispersão", Mário de Sá-Carneiro
(Mário de Sá-Carneiro nasceu no dia 19 de Maio de 1890. Morreu em 1916.)
Olho em volta de mim. Todos possuem -
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.
Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minha alma pára e não os sente!
Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo para ascender ao céu,
Falta-me unção para me afundar no lodo.
Não sou amigo de ninguém. Para o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...
Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...
Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!...
Desejo errado... Se eu a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim - ó ânsia! - eu a teria...
Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases dourados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante...
De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.
"Dispersão", Mário de Sá-Carneiro
(Mário de Sá-Carneiro nasceu no dia 19 de Maio de 1890. Morreu em 1916.)
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