Choc-In-Toi, a deliciosa Choc-In-Toi, habitava, há longos séculos, uma pacífica aldeia do Yang-tsze-kiang, não longe do lugar que hoje se diz Xangai. Como fosse muito dada a estudos literários e as escolas do seu sexo não lhe satisfizessem a ambição, conseguiu que seus pais lhe permitissem o disfarçar-se em homem, e assim abalou, a ir frequentar a mais famosa universidade do império. Volveu ao lar após três anos; volveu tão pura como fora; da sua inocência há provas irrecusáveis. Para não divagar muito nestas páginas, basta dizer a quem me queira ouvir, que um lenço de seda branca, que ela enterrara na lama em presença duma sua cunhada predisposta a vaticinar-lhe rudes lances, foi depois tirado sem uma só mancha e sem um só farpão, branco, puro, como a alma da donzela; e basta saber que as flores da sua preferência, que ela deixara no jardim, rogando aos deuses que as conservassem frescas como ela, assim se conservaram durante a longa ausência, embora, como consta, a cunhada as fosse regando com água quente tirada da chaleira.
Durante os três anos de seu estudo, um companheiro, por nome Leun-San-Pac, intimamente se lhe afeiçoou. Era o seu camarada inseparável, o seu irmão; dormindo juntos, conversando juntos, estudando juntos, divagando, sonhando; e o lorpa do mocinho nunca se apercebeu que tinha a seu lado uma mulher.
Quando soou a hora das despedidas, cortava o coração ver o rapaz, lamentando o futuro isolamento, a perda dum amigo como aquele. A moça consolava-o. A moça pousava-lhe nos ombros as suas mãos gentis, e exortava-o a que se enchesse de coragem, a que se entregasse ao amor do estudo, até alcançar um alto grau de sapiência. - "E depois, dizia-lhe ela entre soluços, e depois, se com saudade te recordares ainda de mim, abala, vem ver-me à minha aldeia." - E dava-lhe
indicações precisas do lugar. Despediram-se, entre choros.
"Paisagens da China e do Japão", Wenceslau de Moraes
(Wenceslau de Moraes nasceu no dia 30 de Maio de 1854. Morreu em 1929.)
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