terça-feira, 30 de abril de 2024

Por causa do anúncio

Viu um anúncio a pedir idiotas e lá foi ele. Estava no fundo de desemprego e respondia a todos os anúncios.

Profissional

- Então o que é que faz?
- Desempregado.
- E o que é que fazia?
- Nada.

Adiantados mentais, graças a Deus

Tivemos Braga de Macedo, ministro das Finanças de um governo de Cavaco. Tivemos Pedro Boucherie Mendes, na rádio Antena 3 e na televisão SIC. Temos agora Sebastião Bugalho, comentarista político e cabeça-de-lista de Luís Montenegro ao Parlamento Europeu. Que sortudos que nós somos! Abençoado país que pare sem interrupção tantos adiantados mentais, pelo menos um por geração. Graças a Deus, temo-los. Viva Portugal!

Villas-Boas. Estavam à espera de quê?

(O texto que se segue, tomem bem nota, escrevi-o e publiquei-o aqui no Tarrenego! no dia 20 de Junho de 2011. E mantenho o título. Por mim, portista, André Villas-Boas é muito bem-vindo à presidência do FC Porto, estava anunciado e já vem tarde. Mas foi pena Pinto da Costa ter perdido as eleições, quero dizer, não devia sequer ter concorrido. Sair de livre vontade e pelo seu próprio pé, digo eu, sempre mostraria alguma dignidade.)

Aviso já: acho muito bem que o André Villas-Boas vá para o Chelsea. Era preciso ser parvo para não querer ganhar cinco milhões de euros por ano. E Villas-Boas não é parvo. Não percebo, portanto, o alarido que por aí vai, o despeito dos traídos, que acusam o jovem técnico de ter renegado o seu portismo desde pequequino, que não lhe perdoam o abandono da cadeira de sonho. E ouço choro e ranger de dentes.
Até parece que caiu o Carmo e a Trindade...
Mas estavam à espera de quê? Do triunfo dos valores? Do amor à camisola? Tretas! Estes tipos são assim: egoístas, vaidosos, ambiciosos, calculistas, insensíveis, falsos num certo sentido. Exactamente no sentido de serem... falsos. Têm estas qualidades todas, preenchem o perfil completo do homem de sucesso. Por isso é que os tubarões os querem para treinadores (ou para presidentes de empresas, ou para directores de jornais), e não por eles irem à missa todos os dias. E estes tipos vingam sempre, quase sempre. Com a rapidez e a pujança de um eucalipto.
André Villas-Boas fez um trabalho sensacional no FC Porto. Foi apenas um ano, mas foi bom enquanto durou. O clube e os portistas só têm de estar gratos, concedendo-lhe uma despedida sem rancores e com votos de boa sorte.
Villas-Boas é jovem, competente, quer ficar (ainda mais) rico (ainda mais) depressa. Tem todo o direito a tratar de vida. Ainda por cima, sai do Dragão com respeito absoluto pelo contrato que assinou com Pinto da Costa: o Chelsea vai pagar ao FC Porto os 15 milhões de euros referentes à cláusula de rescisão aceite de mútuo acordo por treinador e presidente e que existe precisamente para estas situações. Que querem mais?
E quem pode negar a Villas-Boas o direito a sonhar – ele é muito dado a sonhos – com a unanimidade nacional, esse beatífico desiderato só possível de alcançar quando se deixa o FC Porto? E, de preferência, deixando-o de calças na mão.
Depois há o dinheiro. Voltamos sempre ao dinheiro. Ah!, sim, o vil metal. Vil metal, o raio que os parta! Vil metal é contar os cêntimos, vil metal é ganhar o salário mínimo, vil metal é estar desempregado, vil metal é receber o subsídio de desemprego, vil metal é perder o subsídio de desemprego, vil metal é não ter dinheiro para gastar na farmácia, vil metal é ver os filhos com fome, vil metal é ter vergonha de roubar! A iglantónica quantia de cinco milhões de euros/ano multiplicada por três anos não é vil metal. É uma fortuna instantânea a que não se pode dizer não. Seria pecado! Sem perdão! Porque, nisto de traições, ainda vai alguma diferença entre 30 dinheiros e 15 milhões...
Este fim-de-semana saíram-me seis euros e noventa e cinco cêntimos no Euromilhões e eu fiquei bem contente. Eu não sei ao certo quanto dinheiro é cinco milhões de euros por ano. Só se me explicarem em camiões (isto é, se me disserem: "dá para encher xis camiões com notas"...). Mas suspeito que cinco milhões de euros por ano são muitos, muitos camiões. E ainda bem, melhor para o André.
Os argumentos, acredito piamente, estão todos a favor do jovem técnico. Na maioria das críticas que lhe fazem, vejo alguma inveja e muita hipocrisia. Vejo, sim senhor. E não gosto do que vejo.
Ó sepulcros branqueados! Ó raça de víboras! Digo-vos só isto: deixai o homem em paz! Quem de entre vós nunca aceitaria ir treinar o Chelsea por cinco milhões/ano que atire a primeira pedra!
Eu vou apanhar o avião.

segunda-feira, 29 de abril de 2024

Sexofone, saxofome, aqui jazz a humanidade

Os sopranos têm, por definição, o tom de voz mais agudo e com mais alcance de mulher ou de rapaz muito novo. Se os sopranos forem homens, os puristas preferem chamar-lhes contratenores, que há quem confunda com contentores. Os sopranos dividem-se essencialmente em sete partes: soprano ligeiro, soprano lírico-ligeiro, soprano lírico, soprano lírico-spinto, soprano lírico-dramático, soprano dramático e soprano ultraligeiro. Também podem ser saxofones ou clarinetes, por exemplo, amiúde utilizados no jazz. Nos Estados Unidos, os Sopranos ainda piam mais fino: são mais que as mães, maus como as cobras e convictos frequentadores de meretrizes. São extremamente mafiosos e profundos conhecedores, estes sim, de contentores, blocos de cimento, peixes e rios, para além de cabeças de cavalo, que há quem confunda com cabeças de cavala. De escabeche. Quando inadvertidamente apanhados por famílias inimigas, liquidados e desmembrados como manda a lei, os Sopranos são chamados, por divertimento, meios-sopranos. Os Sopranos americanos fizeram uma excelente série de televisão e posteriormente derem em filme, que deveria ter por título, corrigido, digo eu, "Os Contratenores". O melhor Soprano do mundo (portanto, o pior) chamava-se Tony e padecia de ansiedade.

A capella, ma non troppo

A rádio Smooth FM anunciava a vinda a Portugal dos Manhattan Transfer. Fazia a apresentação, e é justo, de "um dos mais famosos grupos de jazz a cappella". Em fundo passava um jingle: os Manhattan Transfer, "um dos mais famosos grupos de jazz a cappella", cantando muito bem acompanhados por orquestra. Perdoa-lhes, Senhor, eles não sabem o que é cantar a capella...

Apontamento musical

Era um pequeno apontamento musical. Estava escrito num post-it.  

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Jazz.

Maria Rita, Maria Rita

Foto Hernâni Von Doellinger

Foi em Julho de 2016, dia 7. Ao ar livre, junto ao mar, no Passeio Atlântico de Matosinhos como se fosse no meu quintal, a cantora brasileira Maria Rita acompanhada pela excelentíssima Orquestra Jazz de Matosinhos, a melhor orquestra de jazz do país. Um mimo, um luxo matosinhense que relembro aqui, hoje.

domingo, 28 de abril de 2024

Não te escames!

Escamar. Quer-se dizer, tirar as escamas ou, pelo contrário, cobrir de escamas. No Brasil significa também fugir. Mas, em Fafe do meu tempo, como noutros terras portuguesas que não sei e pelo menos aqui ao lado na Galiza, escamar era e é sobretudo irritar, zangar, ofender ou ficar ofendido ou sentido, é escarmentar, outra palavra que tal, mais uma a que tornarei propositadamente noutra ocasião. Mas escamar. As pessoas escamavam-se umas com as outras, e às vezes era para toda a vida. Pedia-se calma - não te escames! Avisava-se para o perigo - ui, não o queiras ver escamado! Justificava-se o amuo, a separação - estou escamado com ele. E eu gostava desse falar antigo.

(Publicado originalmente no meu blogue Fafismos)

Foi um ar que se lhe deu

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 27 de abril de 2024

Rúben Amorim, sonso mas com boa imprensa

Rúben Amorim, o grande comunicador, afinal enganou-se quando foi esta semana a Londres, ele e o seu empresário, de avião particular, ai não, para tratar do contrato que se segue. "Foi um erro", disse hoje Rúben Amorim, o sábio, e pediu humildemente desculpa. Foi sem querer. Ele sabia lá! Como é que ele, coitado, ia adivinhar que o timing da lamentável viagem a Inglaterra era "completamente desajustado" e que a coisa ia dar merda? Como é que ele, o bom-serás, ia adivinhar que os sportinguistas não iam gostar? Como é que ele, a simpatia em pessoa, ia adivinhar que estava a trair os seus jogadores? Como é que ele, valha-me Deus, ia adivinhar que o Sporting joga amanhã com o FC Porto o jogo que até podia ser o do título? E pediu outra vez desculpa, porque ele, com grande categoria, é sempre "o primeiro a dizer que os problemas individuais não se podem sobrepor à equipa". Rúben Amorim, o cavalheiro, o preferido dos jornalistas e comentadores desportivos, pediu pela terceira vez desculpa. E depois saiu e riu-se. E riu-se. E continua rir-se, que eu bem o ouço...

sexta-feira, 26 de abril de 2024

O meu avô era designer e não sabia

Foto Hernâni Von Doellinger

Já contei que o meu avô da Bomba, apesar de quarteleiro dos Bombeiros de Fafe, e daí o apelido, nunca se apartou completamente do velho e honrado ofício de sapateiro com que se iniciara na vida. Enquanto pôde, num cantinho por baixo das escadas que subiam para "o salão" do quartel da Rua José Cardoso Vieira de Castro, ele manteve banca e fez, com desenho próprio, as sandálias e sapatos que calçavam a família. A família lá de casa dele, quero dizer, mulher e filhos, porque o meu avô não era de dar. O máximo que dava eram os bons-dias, mas exigia o troco e recibo com número de contribuinte.
Em todo o caso, fui semanticamente injusto quando chamei sapateiro ao meu avô da Bomba. Sapateiro. Nestes tempos em que nem os cegos são cegos - são invisuais -, agora que já nem há mentirosos - mas inverdadeiros -, nos dias em que nem os bois são chamados pelos nomes - têm números -, chamar sapateiro ao meu avô da Bomba é praticamente um insulto, e estou muito arrependido, que me desculpem os sapateiros propriamente ditos.
Se escrevesse hoje, e é o que faço agora, eu diria que o meu avô da Bomba era um mestre do artesanato, um artífice do calfe, uma sumidade da sovela, uma Joana Vasconcelos por antecipação, e fazia-lhe um museu; diria que era uma start-up em pessoa e metia-o na Bolsa de Nova Iorque; diria que era um criador de sapatos e enchia-o de massa do PRR; diria que era um caso exemplar do empreendedorismo nacional e pendurava-lhe mais uma medalha no 10 de Junho; diria que era um estilista, um designer de calçado, e acompanhava-o à Feira de Milão. É isso. Se escrevesse hoje, eu diria que, para todos os efeitos, o meu avô era um designer, um artista, isso, sobretudo um artistas. Ai era, era...

P.S. - Publicado originalmente no dia 19 de Novembro de 2015. Hoje é Dia Mundial do Design Gráfico, e cá estamos outra vez...

Beijo molhado

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 25 de abril de 2024

O defeito do 25 de Abril

O mal do 25 de Abril é ser só um dia. Uma efeméride.

Por qué no te callas, Marcelo?

Lembro-me muito bem. Em Abril de 2012, Marcelo Rebelo de Sousa, isto é, o comentador Marcelo Rebelo de Sousa, andava muito preocupado com Pedro Passos Coelho, que era primeiro-ministro. O Professor achava que Passos Coelho falava demais. E que quem muito fala pouco acerta. E que cada vez que o Pedro abria a boca, ou entrava mosca ou saía asneira. E que mais vale calado do que ser contraditado.
Marcelo sabia muito bem do que falava: de falar demais, de desbocamento. E dizia que Passos "não podia" andar por aí a bitaitar "de manhã, à tarde e à noite".
Ou por outra, o comentador Marcelo Rebelo de Sousa mandou o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho fechar a matraca. Ora bem. Porque é que Marcelo, agora Presidente da República e por maioria de razão, não segue o seu próprio conselho, ganha juízo e deixa também de andar por aí armado em Pinto da Costa, a dizer asneiras a tordo e a direito?...

25 de Abril e coisa e tal

Vinte e cinco de Abril sempre, nem que seja só às vezes. 

Abril em Portugal

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 23 de abril de 2024

O quinto dos infernos

Moro num terceiro andar. Direito. E dou-me muito bem com todos os vizinhos do prédio, isto é, não me dou de todo com vizinho nenhum, que é a melhor maneira de nos darmos todos bem. O meu vizinho do quinto entrou em obras, ou por outra, resolveu deitar a casa abaixo da porta para dentro e fazer lá dentro uma casa nova, isso é lá com ele. Paredes, soalhos, tectos, canalizações, instalações eléctricas, louças e móveis de casa de banho e cozinha, tudo destruído sem dó nem piedade, deitado abaixo à força de camartelos pneumáticos, sonoras rebarbadoras, explosões de dinamite, buldózeres, bolas de aço e outra maquinaria pesada de demolição, que eu bem a ouço lá em cima em manobras, um chinfrim medonho, um basqueiro insuportável, incessante, eu e a minha mulher já só falamos um com o outro por SMS para nos ouvirmos, é pó por todos os lados, sufocante e cego, a porta da rua sempre escancarada, de manhã à noite, os elevadores impraticáveis, o chão um nojo, é o inferno, o fim do mundo mesmo em cima das nossas cabeças em água, ouradas, doridas, cansadas, apenas com os vizinhos do quarto-direito de permeio, esses, coitados, completamente à beira da loucura, com a casa a tremer-lhes como varas verdes e episódios bidiários de histeria conjugal.
Começou tudo no dia 1 de Março e deverá prolongar-se pelo menos por mais um ou dois meses, a fazer fé no aviso gentilmente afixado no placar de cortiça do condomínio. E não me posso queixar. Ainda de acordo com a missiva do vizinho do quinto, a empreitada "decorre tal como permite o quadro legal em vigor", dando "cumprimento ao estipulado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 16.º do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo decreto-lei n.º 9/2007 de 17 de Janeiro". Ainda bem. Assim, estou muito mais descansado...

Turistificação

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 21 de abril de 2024

Pegada ecológica

Tinha uma pegada deveras ecológica. Fosse aonde fosse, ia em pezinhos de lã.

De volta à terra

Chegou aos 66 anos e quatro meses, reformou-se e resolveu regressar à terra, voltar às raízes. Mandioca, cenoura, beterraba, batata-doce, inhame, gengibre, nabo, rabanete - à base disso.

P.S. - Hoje é Dia da Terra ou Dia Mundial da Terra ou Dia do Planeta Terra ou Dia da Mãe Terra. É também Dia Nacional do Património Geológico.

sábado, 20 de abril de 2024

Stultorum infinitus est numerus

Depois de gastar o seu latim, gastou também o seu grego e as luzinhas que sabia de aramaico. E nem assim...

P.S. - Hoje é Dia da Latinidade. Sobretudo no Brasil e nas américas Central e do Sul de uma forma geral. Não por acaso, a fundação de Roma por Rómulo terá ocorrido, segundo a tradição, no dia 21 de Abril de 753 a.C.

Declinando

Ofereceram-lhe um emprego muito jeitoso no novo Governo. Ou na TAP. Ou na Caixa. Era à escolha, mas muito bem pago e sem precisar de vergar a mola. Ele porém, vertical, declinou. - Lingua, linguae, linguae, linguam, linguā, lingua... - foi o que disse.

Chamam-lhe train surfing

Foto Hernâni Von Doellinger

Acerca da insegurança no Metro do Porto, dos vários tipos de insegurança no Metro do Porto, escrevi aqui no dia 2 de Abril de 2015: "Eu se fosse segurança, palavra de honra, nem sequer me metia com os gandulos que agora viajam na esplanada das traseiras do metro sem que uma farda qualquer os arranque dali para fora pelas orelhas e, já agora, com um par de estalos. E antes que se aleijem."
Isto, portanto, há nove anos, altura em que a coisa terá começado. Os putos chamam a isto, cá em cima, "andar à guna". Entretanto, em Abril de 2019, quatro destes gabirus, com 15 ou 16 anos, caíram à linha em Rio Tinto quando andavam nestes perigosos preparos, foram atropelados e ficaram feridos, dois deles em estado grave. E em Maio do ano anterior morrera uma rapariga de 13 anos. De acordo com os mais recentes avistamentos, a toléria continua. Os jornais e as televisões chamam a esta merda train surfing, o que lhe empresta um ar desportivo, radical, aventureiro, jovem e dinâmico, desafiante, descontraído, nome de nova modalidade olímpica. Eu chamo-lhe estupidez. Estupidez natural.

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Posso pedir um disco?


Vinham o padre, o presidente da câmara, o chefe da polícia, o sargento da GNR, o Emplastro, o comandante dos bombeiros, a fanfarra dos escuteiros, uma gaiola com pombas brancas, o André Ventura e o director da prisão. Parecia a procissão da Senhora de Antime parando em frente à Câmara, meu rico menino. O carcereiro, que vinha também, desatarraxou a porta da cela e o director da prisão, pausado e solene, com voz de locutor de rádio, informou o condenado: - Tens direito a um último pedido. O condenado pensou um bocadinho e disse: - Pode ser o "Sete e Pico", do Conjunto António Mafra?...

Agora a sério. Isto é, à séria, se inadvertidamente lido em Lisboa. Falemos de discos, dos velhinhos e cada vez mais modernos discos de vinil. A primeira jukebox de todos os tempos entrou em funcionamento no "saloon" Palais Royale, de São Francisco, EUA, no dia 23 de Novembro de 1889. A Fafe, as primeiras jukeboxes deverão ter chegado no final da década de sessenta do século passado, com as barracas de matraquilhos que se instalavam por baixo da Arcada, mais central era impossível, pelos 16 de Maio e pelas Festas da Vila. Havia um brilhantíssimo grupo de jovens fafenses, mais velhos do que eu, que dava excelente uso à novidade. Dessa malta porreira fariam parte, se não me engano, o Berto Dantas, o tio, o Eduardo do Retiro, o Mesquita, creio que o Mané, o Dr. Mané, o Jorge Lem, se era assim que se chamava, o Jorge Barros, filho do Nelinho, bissextamente o Ginho Cardoso e não tenho a certeza se o Bi Valente, gente assim desta categoria, e estou decerto a esquecer alguém ou alguéns e a confundir nomes. Eu admirava muito estes tipos cheios de classe, seguia-os sempre que podia, distâncias à parte, uma vez até me levaram com eles para um jogo de futebol que foram fazer a Felgueiras e no fim ainda tiveram a bondade de convidar-me para a almoçarada na Juditinha, evidentemente depois do Bertinho ter pedido por mim à minha mãe.
Mas tornando à maquineta dos discos, que mais tarde haveria de exibir também videoclipes, aliás de muito duvidosa qualidade, artística e técnica. Aquela rapaziada, já com algum mundo, tinha fino gosto musical e conhecia o que, regra geral, em Fafe ainda não se sabia. Acredito que me educaram o ouvido, entre alguns outros a quem o devo. A escolha na jukebox era muito limitada, pindérica, a ementa ao dispor consistia quase só naquilo a que hoje costumamos chamar música pimba. "O autocarro do amor" - de "Os Taras" e Montenegro, por onde andava um moço chamado Quim Barreiros - tocava de manhã até à noite, num despique fratricida e interminável com "Eu te amo, meu Brasil", de "Os Incríveis". Uma xaropada insuportável, um atentado às orelhas de qualquer um, nem que não as tivesse ou por mais moucas que elas fossem. A minha sorte é que os rapazes do bando do Bertinho, chamemos-lhes assim, faziam questão de destoar da ignorância geral e caprichavam na evangelização, pondo a tocar, de forma paciente e cirúrgica, Beatles obrigatoriamente, "Aquellos ojos verdes", por Nat King Cole, que eu desconhecia, tenho vaga ideia também de um clássico de Sinatra, não sei qual, lembro-me da poderosa versão de "I'm free", da ópera rock Tommy, dos The Who, com a London Symphony Orchestra, e sobretudo, e estou-lhes tão grato por isso, ensinaram-me a inestimável "Eloise", de Barry Ryan, que ainda hoje me regala.

Assim que tal, as festas acabavam, as barracas eram desfeitas, as jukeboxes iam-se embora e a minha vida entristecia. Sobrava-me o rádio e Quando o Telefone Toca, do Matos Maia, e era preciso dizer a frase.
Os 16 de Maio agora são Feiras Francas e as Festas da Vila, graduada em cidade, chamam-se Festas do Concelho, muita água passou entretanto por baixo das pontes e carros por cima então nem se fala. É tudo muito sofisticado e cosmopolita, mas os discos de vinil estão outra vez na moda e a música dos António Mafra parece que também.
Por outro lado. Os matraquilhos foram inventados pelo galego Alexandre Campos Ramires ou Alexandre de Fisterra, que também era editor e escritor. O nome mais bonito dos matraquilhos é, digo eu, pseberico. Assim se falava pelo menos em Fafe.

P.S. - Hoje é Dia do Disco de Vinil ou simplesmente Dia do Disco.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Fafe já não tem piononos

"O Rapto", de Marco Bellocchio

No monte de São Jorge havia um pionono. E constava que havia outro no monte de Castelhão. Fui testemunha de ambos, embora o segundo possa jamais ter existido. O pionono, para mim, era uma espécie de meco que ajudava montes de pouca monta a porem-se em bicos de pés, a chegarem-se a uma certa altura, a uma altura certa, a um número redondo que desse jeito falar. Quero dizer: era uma espécie de sapato de salto alto para caga-tacos complexados, porém ao contrário, com o tacão virado para cima e usado na cabeça, bem na crucha da cabeça. Depois tomei conhecimento do Pio IX, mas nunca percebi a relação, e acho um insulto chamar-lhe marco geodésico. Ao papa. Ao sumo pontífice.
Assim com maiúscula, o Pionono era exactamente em São Jorge, é justo que se diga. Pionono era nome próprio, sítio, geografia. Era topónimo com alvará. "Vou ao Pionono". Ia-se ao Pionono. Ao Pionono ia-se aos pinheiros pelo Natal, ia-se esgaçar umas pernadas de carvalho para o trono da cascata do Santo António, ia-se aos fentos ou ao mato para o eido ou às giestas secas para espertar a lareira do chão da cozinha, ia-se brincar aos cobóis, ia-se cagar ao monte e ia-se dar umas trancadas, e o que eu gostava da palavra trancadas, mesmo sem ainda conseguir alcançar o que ela quereria dizer. Nem de propósito, São Jorge parece que também tinha mamoas, eu confesso que não sabia mas fiquei a saber no final do ano passado.
(As giestas, por falar nelas, davam umas vassouras de categoria e o Trancadas era um barbeiro mesmo ao lado do tasco do Neca do Hotel, proximidade que se revelava de uma comodidade extrema. Por falar nisso, lembro-me de descer um degrauzinho, mais cá para o centro da vila, ali entre a sombria loja da Rosindinha Catequista e a Cafelândia, mas esse era o Sr. António Grande, o segundo barbeiro do meu padrinho Américo. Eu ia lá com o meu padrinho mais o meu tio Zé da Bomba, aos sábados de manhã, que naquele tempo eram sempre de sol. Na espera lia-se "O Primeiro de Janeiro", mal eu sabia que ainda o haveria de fazer. O meu padrinho Américo e o meu tio Zé da Bomba eram irmãos do meu pai, o grande Lando Bomba, e depois foram meus pais, à falta do propriamente dito, por razão de força maior.)
Hoje os montes de São Jorge e de Castelhão são casas e é o progresso. Os montes foram capados, terraplenados, desarborizados, alcatroados, liquidados. Os montes morreram de morte matada e a culpa morreu solteira. Fafe já não tem piononos. Mas, dizem-me, tem ainda a "Garrafinha" e historiadores até dar com um pau. Um deles, quem dera que não chova, ainda há-de contar esta como deve ser.

E agora, só para que conste: pio-nono será a forma "correcta" de escrever, se nos referirmos ao meco. Mas pionono pode ser também nome de doce muito popular em Espanha, na América Latina e nas Filipinas. Por outro lado, Pio IX, que se chamava Giovanni Maria Mastai-Ferretti, teve o segundo maior pontificado da história da Igreja, logo a seguir a São Pedro. E foi o primeiro papa a ser fotografado. Foi também um sacana do piorio e o Vaticano fez dele santo. Pio IX, que tratava os judeus como "cães" e abaixo de cão, foi o responsável pelo rapto de Edgardo Mortara, um menino de seis anos baptizado em segredo e retirado à força da sua família judaica, história contada por Marco Bellocchio no filme "O Rapto", estreado no Festival de Cannes do ano passado e que chega hoje às salas de cinema.

Era um perseguidor de sonhos

Foi apanhado, detido, julgado e condenado por stalking, exibicionismo e ultraje público ao pudor. Ele dizia que apenas perseguia os seus sonhos.

P.S. - Hoje é Dia Nacional de Sensibilização para o Fenómeno do Stalking.

domingo, 14 de abril de 2024

O passeio do jovem ciclista em cuecas

Foto Hernâni Von Doellinger

Palavra de honra, em cuecas. Os famosos slipes ou trusses. Em cuecas, portanto. O jovem ciclista atravessou com a maior das descontracções a praça principal da vila de Caminha, em frente à Câmara e à igreja, perante o espanto e a reprovação compungida da distintíssima esplanada do Café Central que rebentava pelas costuras de senhorecas e senhorecos, sobretudo portuenses da Foz chique em gozo de segunda casa. Ou terceira. Ou. Primeiro para cima, depois para baixo, pedalando em preparos tão resumidos, o ciclista em cima da bicicleta, parece impossível num centro histórico! A indignação foi praticamente geral, até as arcas dos gelados coraram. E perceba-se o escândalo: era domingo e hora da missa para os indígenas, valha-me Deus...

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Ciclista.

Bicicletai, meninada!

Foto Hernâni Von Doellinger

O poeta do sol

Ele sabia de sóis. Dizia, e era bem certo: - É efémero o sol do Algarve. Uma ou duas semanas após, e lá se foi o bronzeado...

Lá onde o teu sorriso mora

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 13 de abril de 2024

Com bandeira portuguesa

O Irão atacou um navio com bandeira portuguesa no estreito de Ormuz. E eu estou preocupado. A bandeira, é a deste Governo ou a do anterior Executivo?

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Dava-te um beijo, mas não tenho...

Dizem-me que as palavras já não valem nada. Mentira. As palavras são cada vez mais poderosas, as palavras dominam as nossas vidas. As palavras até tomaram o lugar dos afectos, dos carinhos. Reparem. Antigamente davam-se beijos, davam-se abraços. Agora dizem-se beijos, dizem-se abraços. O gesto ancestral e puro foi substituído pela retórica etiquetada, o contacto físico acabou vergado ao esboço da intenção - à simulação. À dissimulação?
Dizemos "Beijinhos", dizemos "Abraço", dizemos olá de boca, e assim ficamos. Pelas palavras. Beijos e abraços são só vocábulos, paleio. Mantemos uma distância alegadamente higiénica entre nós, os alegados amigos uns dos outros. Amigos por computador. Dizemos. Enviamos. Remetemos. Aproveitamos a oportunidade para. Ao telefone, por escrito, ao vivo na pressa da rua, na patetice dos emojis. Dar a sério (à séria, se lido em Lisboa) é que não. Ninguém dá nada a ninguém - nem sequer beijos, nem sequer abraços. Fazemos votos de. "O que lhe estimo é um magnífico beijo", "Desejo-lhe um excelentíssimo abraço". E nisto estamos.
É. Olhem bem à volta: as palavras estão em alta, navegam de vento em popa. As palavras. O falatório. Nunca tanto se palavrou. Nunca se falou tanto, nunca se mentiu tanto. Isso. O que verdadeiramente está em crise é a palavra, a palavra singular e definitiva, essa vaga memória de uma honra démodée que se arrasta pelas ruas da amargura - abandonada, pobre, cega e nua. Mas isto, claro, sou eu a dizer e são apenas... palavras, palavras, palavras.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Beijo.

Um minuto o nosso beijo

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Nossa Senhora era astronauta

Nós os da Igreja Católica celebramos no dia 15 de Agosto a primeira astronauta da história da humanidade, que foi Nossa Senhora da Assunção, como muito bem descobriu uma vez no seu habitual dizer tolo o Sr. Gonçalo Portocarrero de Almada, que escreve evidentemente no Observador vestido de padre. O Sr. de Almada explica que quando Nossa Senhora subiu ao Céu subiu ao céu. Porque o Céu é no céu, sempre a subir, nas nuvens o mais certo ou se calhar um pouco acima, nas estrelas, enquanto o Inferno, agora sou eu a dizer e como toda a gente sabe, localiza-se, geologicamente falando, no piso -999 da Terra, isto é, nas profundezas do inferno.
"Fosse o que fosse, talvez não seja temerário supor que, pela sua assunção, Maria foi a primeira criatura humana a transpor o espaço. Não foi uma mera espectadora da História, mas uma protagonista e precursora de uma das maiores proezas da humanidade.", proclama o Sr. Portocarrero, directamente de Cabo Canaveral, numa inesperada confusão entre astronáutica e santidade, ciência e fé que faria corar do vergonha o próprio Padre Mário da Lixa.
Depois os senhores gonçalos todos, sotainados ou não, ficam muito incomodados quando lêem e ouvem que Nossa Senhora de Fátima foi um ovni. E o negócio, valha-nos Deus?...

P.S. - Publicado originalmente no dia 15 de Agosto de 2019.  O lamentável Sr. Portocarrero continua por aí, a dividir, a odiar, a disparatar, mas não é isso que interessa aqui hoje. Hoje é Dia Internacional do Voo Espacial Tripulado.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

A vida era uma fotonovela


Recuemos. À década de oitenta do século passado e ao cimo da mui portuense Rua de 31 de Janeiro, onde havia uma casa de jogos de máquinas de flippers e afins que tinha uma cave com um altifalante fanhoso que, de uns quantos em quantos minutos, gritava cá para fora a curiosa frase "Mudança de modelo". Lá em baixo parece que havia umas raparigas muito jeitosas e nuas a fazerem não sei o quê e umas cabinas individuais e sebentas com ranhura para a clientela meter a moeda como nas velhas jukeboxes de feira e espreitar por um vidro e fazer também não sei o quê. Sei muito pouco do assunto porque, palavra de honra, nunca lá pus os pés. Ou se calhar pus, lembro-me vagamente da situação, não juraria em tribunal, mas isso também não vem ao caso.

Informei-me. "Mudança de modelo", logo a seguir ao ding-dong de uma campainha de aeroporto, queria dizer, por exemplo, que a morena mamuda passava a pasta à loura pernalta e ia para os bastidores ler a Corín Tellado, e assim sucessivamente e vice-versa, mas decerto queria dizer também que os clientes tinham de fechar a braguilha e limpar as mãos o mais rapidamente possível e dar a vez a outros, que eram mais que as mães, sobretudo no intervalo de almoço. O speaker de serviço dizia "Mudaaaança de modeloooo" com um garbo só comparável ao do mestre-de-cerimónias do Circo Merito quando anunciava na Feira Velha a sensacional "Maribelaaaa no seu rrrrrola-rolaaaa". Eu gostava: "Mudaaaança de modeloooo"! Parava em frente para ouvir, uma e outra vez, até à hora de voltar ao trabalho. E ria-me. Quase quarenta anos depois, leio e ouço a moderna lengalenga da "mudança de paradigma". "Mudança de paradigma" acima, "mudança de paradigma" abaixo. "Mudança de paradigma" para aqui, "mudança de paradigma" para ali. E também me faz rir, confesso, mas não me arrebita. Falta-lhe sustância, ao paradigma...

Já agora, sobre Corín Tellado, espanhola que se chamava Maria del Socorro Tellado Lopez e morreu no dia 11 de Abril de 2009, aos 82 anos. Escritora, autora mais lida na língua de Cervantes logo atrás do próprio, publicou mais de quatro mil romances cor-de-rosa ao longo de uma carreira de quase 56 anos, vendendo acima de 400 milhões de exemplares, o que lhe valeu a entrada no Guiness em 1994. Em Portugal, e pelo menos em Fafe, antes do 25 de Abril, a senhora Corín Tellado ficou famosa pela melosíssima revista de fotonovelas a que emprestava o nome. As revistas eram disputadas, partilhadas, emprestadas, trocadas, rompiam-se de mão em mão, iam de casa em casa como a Sagrada Família mas com outros interesses. A televisão era a RTP e o mais parecido com uma telenovela era o TV Rural do engenheiro Sousa Veloso, "despeço-me com amizade até ao próximo programa". Na rádio, o "Simplesmente Maria", folhetim radiofónico, chegou à Renascença apenas em Março de 1973, e o país desfez-se em lágrimas, como se houvera inundações. Já disse: era assim em Portugal e pelo menos em Fafe. A parte de Fafe do rés-do-chão, da esfregona e da costura. A parte de Fafe de que sou. Era triste mas era isto: a vida era uma fotonovela.
E depois chegou a Gina...

"Eu e a UNITA" no Mar Shopping


O novo livro do jornalista Orlando Castro, "Eu e a UNITA", é lançado no próximo domingo, dia 14 de Abril, pelas 16 horas, na Fnac do Mar Shopping Matosinhos. Sobre si próprio e sobre o que o move, diz Orlando Castro: "Ao longo dos anos defendo aquilo que considero o mais correcto para a minha terra, Angola. Consigo não agradar nem a gregos (MPLA) nem a troianos (UNITA)".

terça-feira, 9 de abril de 2024

Viva Zapata!

Viva!
Viva Portugal!
Viva a República e a Monarquia!
Viva a Igreja e a Maçonaria!
Viva a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Vila Real de Santo António, não desfazendo de todas as outras associações humanitários de bombeiros voluntários do resto do País que têm nome mais curto, como, por exemplo, Fão ou Freixo de Espada à Cinta!
Viva!

Viva císsimo!
Viva mente!
Viva quente!
Vá para dentro!

Viva cidade!
Viva Villa!
Viva Zapata!
Viva México!
Arriba, arriba! Ándale, ándale!
Viva Las Vegas!
Ó Elvis, ó Elvis, bisavós à vista!
Viva!

Santinho!

P.S. - Emiliano Zapata (de seu nome completo, Emiliano Zapata Salazar), líder da Revolução Mexicana de 1919, herói nacional mexicano conhecido como Caudilho do Sul, foi emboscado e morto no dia 10 de Abril de 1919. Marlon Brando, o grande Marlon Brando cujo centenário passou por estes dias, foi Zapata no filme "Viva Zapata!", de 1952, com argumento de John Steinbeck e realização de Elia Kazan. "Viva Zapata!" foi considerado pelo The New York Times como um dos 1000 melhores filmes do mundo. De Zapata, dizem que disse um dia: "É melhor morrer de pé do que viver de joelhos", frase de almanaque também atribuída, parece que erradamente, a Franklin Roosevelt e, numa ligeira variação, a Che Guevara.

Memórias da ditadura


O livro "Memórias da Ditadura - Sociedade, Emigração e Resistência" será lançado depois de amanhã, dia 12 de Abril, pelas 18 horas, na Associação 25 de Abril, em Lisboa. A obra, concebida e realizada por Daniel Bastos, a partir do espólio fotográfico inédito de Fernando Mariano Cardeira, antigo oposicionista, militar desertor, emigrante e exilado político, tem edição bilingue (português e inglês), traduzida por Paulo Teixeira, e é prefaciada pelo historiador e investigador José Pacheco Pereira. A apresentação estará a cargo de Manuel Pedroso Marques, militar, antigo exilado político e presidente da RTP
Escreve Daniel Bastos: "No ano em que se assinala meio século de liberdade e democracia em Portugal, a publicação deste livro, que conta com o apoio institucional da Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril, constitui uma oportunidade simbólica de revisitar o país como era há 50 anos. Mormente o quotidiano de pobreza e miséria em Lisboa, a efervescência do movimento estudantil português, o embarque de tropas para o Ultramar e os caminhos da deserção, da emigração "a salto" e do exílio, uma estratégia seguida por milhares de portugueses em demanda de melhores condições de vida e para escapar à Guerra Colonial nos anos 60 e 70."

Melhores dias Verão

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Então Ele não ressuscitou?

Gosto de entrar em igrejas e capelas. Igrejas e capelas vazias, silenciosas, fora dos horários de expediente. E abertas, o que é cada vez mais raro. Entro. Como ainda há bocado, na funcional capelinha da Obra do Padre Grilo, que frequento amiúde aqui em Matosinhos, ao pé da porta. Entrei, sentei-me, olhei em frente, e o que vi eu, para meu espanto, meu máximo espanto? O Jesus Cristo da Sexta-Feira Santa, seviciado, ferido, pregado à cruz e morto, como de costume em cima do sacrário vagamente dourado e embutido na parede de mármore, como se nada fosse, como se entretanto mais nada tivesse acontecido, como se não tivesse havido Domingo de Páscoa, como se a história tivesse morrido ali. - Ó diabo! - pensei, desconfiado -, mas então Ele não ressuscitou ao terceiro dia?...

É em situações assim, creio, que a fé de uma pessoa vacila.

O hóquei está de volta ao Palácio

Foto Tarrenego!

Praticamente "pronto" o segundo Palácio de Cristal original, então baptizado Pavilhão de Desportos do Porto e ajambrado às três pancadas para o Campeonato Mundial de Hóquei em Patins de 1952, que decorreu assim mesmo sem cobertura. Isso, um pavilhão ao ar livre. Lá atrás, é possível ver talvez ainda um resto da cúpula central do verdadeiro Palácio de Cristal. Esta é uma de meia dúzia de fotos históricas que "trouxe" de O Primeiro de Janeiro antes que chovesse, mas não lhe sei o autor.
O Pavilhão Rosa Mota chama-se actualmente Super Bock Arena, isto é, continua ligado ao ramo das cervejas, quem sabe se um dia não será Sagres ou Cergal, e, 72 anos depois, volta a receber uma grande competição de hóquei em patins, agora a final four da Liga dos Campeões, nos dias 11 e 12 de Maio.

sábado, 6 de abril de 2024

A tensão, muita a tensão

- Temos tomado a nossa medicação? - pergunta-me ela.
- Temos, temos, senhora doutora - respondo eu, que sou uma pessoa educada e um exemplar tomador de medicações.
- Temos feito o nosso exerciciozinho diário?
- Todos os dias, senhora doutora.
- Temos moderado a nossa alimentação?
- Que remédio, senhora doutora. O dinheiro já só dá para cascas de batatas. 
- Ora ainda bem. Vamos lá ver como que é temos a nossa tensão - diz-me ela.
- Vamos a isso, senhora doutora, nem é tarde nem é cedo - digo eu, tirando o casaco que nunca uso e arregaçando a manga da camisa.
Vimos a tensão.
- Temo-la um bocadinho alta - informa-me ela, sem esconder a preocupação.
- Um bocadinho pouco ou um bocadinho muito, senhora doutora? - pergunto eu, evidentemente também já um bocadinho muito à rasca. 
- Bastante, bastante. Vamos meter este comprimidozinho debaixo da língua e vamos deitar um bocadinho ali - diz-me ela.
- Vamos lá então, senhora doutora. A senhora doutora primeiro, que eu gosto de ficar por cima - digo eu, que, repito, sou uma pessoa educada e exemplar tomador de medicações. 

P.S. - Publicado originalmente no dia 27 de Dezembro de 2012.

Questão de feitio

Ele tinha um pé chato. O outro, não desfazendo, era uma simpatia...

Na saúde e na doença

Com a saúde não se brinca. Com a doença, ainda vá que não vá, sempre dá para espairecer...

Os últimos castores

Hoje é Dia Internacional do Castor. O castor-europeu ou castor-da-eurásia, ou castor fiber, esteve praticamente extinto em todo o continente, mas foi salvo in extremis e hoje em dia pode ser encontrado em zonas húmidas de floresta temperada desde a Noruega até à Rússia. Em Portugal sobrevive uma pequena e laboriosa comunidade de castores ali para os lados de Paços de Ferreira.

Isso, a obra-prima

Foto Hernâni Von Doellinger

A obra-prima

Os especialistas dividem-se e a opinião pública também. Há quem defenda que o melhor trabalho de Miguel Ângelo são os frescos da Capela Sistina. Outros preferem a Baía de Cascais.

P.S. - Os Delfins, de Miguel Ângelo, celebram hoje 40 anos de carreira. Melhor fariam se celebrassem 40 anos de início da carreira, uma vez que estiveram pelo menos uma dúzia de anos parados, desfeitos como banda, isto é, sem carreira, mas, pronto, este é o truque a que muitos artistas deitam mão para exibirem uma consistência e uma perenidade que verdadeiramente não têm...

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Abdominais definidos

Tenho os abdominais muito bem definidos. Quereis ver? Abdominais: referentes ao abdómen; músculos do abdómen; exercícios para fortalecer os músculos do abdómen; peixes teleósteos cujas barbatanas pélvicas estão inseridas no abdómen, atrás das peitorais; insectos coleópteros com abdómen muito desenvolvido; crustáceos cirrípedes, parasitas. Vistes?

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Actividade Física. E Dia Internacional do Desporto ao Serviço do Desenvolvimento e da Paz.

Põe-te em guarda

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 4 de abril de 2024

E se o fim do mundo for isto?

Matosinhos à tarde. Sol que era um consolo. O casal descia a rua, a minha, em direcção ao mar ali à beira, puxado pela trela do pequeno cocker. Eis senão quando, porventura desarranjado pelo strogonoff de vitela de primeira e leite-creme que lhe serviram ao almoço, o aflito canídeo arriou as calças e cagou ali mesmo em pleno passeio, com evidente alívio pessoal e grande satisfação dos babados papás. Acabada a obra, a madama, higiene e civismo acima de tudo, foi à carteira e retirou um lenço de papel de um branco imaculado, abriu-o, ao lenço casto, e voltou a dobrá-lo, liturgicamente, agora apenas em dois, baixou-se, quase que me pareceu que se benzia, e... limpou o cu ao cão. Depois amarrotou o papel e lançou-o para junto do saralhoto. No meio do passeio. Do meu. E lá seguiram os três para o mar e para o sol, dois deles puxados pela trela.
A autarquia agradece. Faz colecção. No brasão de Lisboa figuram corvos, no de Matosinhos deveriam desenhar saralhotos. A cidade de Matosinhos, para além das muitas outras coisas muito boas, é isto: não há passeios que cheguem para tanta merda de cão. E não é só Matosinhos, embora Matosinhos abuse. E a culpa não é do cão.

Volto ao enternecedor quadro urbano que pincelei o melhor que pude e soube no longínquo Outubro de 2011, então sob o acutilante título "Matosinhos, sol e saralhotos". E volto, mais de uma década depois, porque a situação piorou drasticamente, está que não se pode. É merda por todos os lados, se me dão licença, e há quem se convença que são ornamentações para as festas da cidade, restos esquecidos das iluminações de Natal. Não são! São mesmo saralhotos de cão, cada vez mais e cada vez maiores, saralhotos nojentos que tomaram conta dos passeios e das ruas, já não se pode pôr pé fora de casa. A coisa alcançou proporções dramáticas. Pandémicas. Dantescas. Apocalípticas. É caso de calamidade pública, já vem tarde o alerta vermelho de colapso iminente. É o fim do mundo, pelo menos em Matosinhos, e eu nunca na minha vida pensei que o fim do mundo fosse este monte de merda e tanta falta de respeito pelos outros e sobretudo por quem limpa.
Muitos temem que Matosinhos desapareça do mapa, num futuro mais ou menos próximo, derivado ao aquecimento global, ao degelo e à subida do nível das águas do mar. Néscios! O fim, o afogamento de Matosinhos é agora, está a ser, submersa a cidade num irreprimível turbilhão de saralhotos de cão. E - insisto - a culpa não é do cão.

P.S. - Hoje é Dia Mundial dos Animais de Rua.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

O rato roeu a rolha

Revoltaram-se os ratos. E pudera. Acusados de serem os primeiros a abandonar o navio, atropelando mulheres e crianças, apontados como sinónimo de cobarde, ladrão, manhoso ou vigarista, introduzidos à força em trocadilhos idiotas e em provérbios e ditos amiúde populares, estavam fartos de levar e calar. Os ratos e inclusive as ratas, muito mais doridas e por maioria de razão.
Revoltaram-se portanto os ratos. Organizaram-se. Chegada a horinha, meteram-se na fila, esperaram pela vez respectiva, marcaram o ponto e abandonaram ordeiramente o navio. Foram os últimos a sair. E apagaram a luz. Já em terra firme, os ratos dirigiram-se sem mais delongas à montanha que os pariu e roeram a rolha da garrafa do rei da Rússia. Todos, menos o Alcides, que era um rato de biblioteca e foi para o café ler "A Saga/Fuga de J.B.", de Gonzalo Torrente Ballester.

P.S. - Hoje é Dia do Rato. Não confundir com Dia da NATO, que por acaso também é hoje.

Há barcos para muitos portos

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 2 de abril de 2024

Salgueiro Maia, por Sophia

Aquele que na hora da vitória
respeitou o vencido

Aquele que deu tudo e não pediu a paga

Aquele que na hora da ganância
Perdeu o apetite

Aquele que amou os outros e por isso
Não colaborou com a sua ignorância ou vício

Aquele que foi "Fiel à palavra dada à ideia tida"
como antes dele mas também por ele
Pessoa disse


Sophia de Mello Breyner Andresen

(Salgueiro Maia morreu no dia 3 de Abril de 1992)

Poema a Salgueiro Maia, de Manuel Alegre

Ele ia de Santarém
a caminho de Lisboa
não sabia se ganhava
não sabia se perdia.
Ele ia de Santarém
para jogar a sua sorte
a caminho de Lisboa
em marcha de vida ou morte.
E dentro dele uma voz
todo o tempo lhe dizia:
Levar a carta a Garcia.

Ele ia de Santarém
todo de negro vestido
como um cavaleiro antigo
em cima do tanque verde
com o seu elmo e sua lança
ei-lo que avança e avança
ninguém o pode deter.

Ele ia de Santarém
para vencer ou morrer.
E em toda a estrada o ruído
da marcha do Capitão.
Eram lagartas rangendo
e mil cavalos correndo
contra o tempo sem sentido.
E aquela voz que dizia:
Levar a carta a Garcia.

Era um cavaleiro andante
no peito do Capitão.
E o pulsar do coração
de quem já tomou partido.
Ele ia de Santarém
todo de negro vestido.


Manuel Alegre

(Salgueiro Maia morreu no dia 3 de Abril de 1992)

Salgueiro Maia, segundo Manuel Alegre

Salgueiro Maia

Ficaste na pureza inicial
do gesto que liberta e se desprende.
Havia em ti o símbolo e o sinal
havia em ti o herói que não se rende.

Outros jogaram o jogo viciado
para ti nem poder nem sua regra.
Conquistador do sonho inconquistado
havia em ti o herói que não se integra.

Por isso ficarás como quem vem
dar outro rosto ao rosto da cidade.
Diz-se o teu nome e sais de Santarém
trazendo a espada e a flor da liberdade.


Manuel Alegre

(Salgueiro Maia morreu no dia 3 de Abril de 1992)

Manicómicos

Foto Hernâni Von Doellinger

Por falar nisso. O Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, foi inaugurado no dia 2 de Abril de 1942. Ali estava, segundo a imprensa da época, um "manicómio", um lugar para "assistência a alienados", um "pavilhão para loucos", um sítio "esplêndido" e "simpático". E ainda bem. A imprensa da época vai entretanto ser corrigida com termos mais mansos, porque há coisas que hoje em dia realmente não se dizem. Nomeadamente "assistência", "pavilhão", "esplêndido" e sobretudo "simpático", que é uma palavra filha da mãe. Uma palavra, numa palavra, manifestamente suspeita e aliás indecente, direi até cancelável.

Castelos na areia

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Eu queria ser palhaço, mas palhaço completamente

Sonhava-me no circo, não do lado cómodo do público, mas no centro das atenções, no lado cómico, de nariz vermelho, cara pintada e sapatos de metro, a inventar alegria para os outros. E para mim. Isso, alegria para mim. Porque eu sempre quis ser palhaço. Ou por outra: quando eu era pequeno, em Fafe, primeiro queria ser grande. E quando fosse grande queria ser palhaço, maquinista de comboio, famoso, padre, polícia à paisana, pianista, advogado, jornalista, actor, bombeiro, jogador de futebol, tarzan, presidente da república, terrorista, papa, escritor, herói, cantor, ciclista, santo, piloto de avião de guerra como o major alvega e pirata.
Que se segue: já há muito que sou grande e, francamente, sou tarzan e é um pau. Sou tarzan como a maioria dos portugueses: estamos de tanga e isso é indesmentível, somos portanto tarzões.
Mas palhaço é que era! Alguns amigos, lisonjeiros, dizem-me que eu às vezes até sou um bocado palhaço. Por outro lado, o das costas, alguns filhos da mãe que não me gramam acusam-me de eu às vezes ser um bocado palhaço. Palavra de honra, às vezes e um bocado não me chega: eu queria ser palhaço, mas palhaço completamente.

Brincar em serviço

Ele nunca brincava em serviço. O que, para um palhaço de circo, era talvez contraproducente.

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Diversão no Trabalho.

Contra os canhões

Foto Hernâni Von Doellinger