Foto Hernâni Von Doellinger |
sábado, 30 de setembro de 2017
Microcontos & outras miudezas 49
Comer com os olhos (e boca calada)
Eram dois homens, já na segunda metade da idade. Um deles fica à porta, enquanto o outro entra no restaurante. O proprietário, que o recebe no hall, pergunta-lhe "É para almoçar?" e o homem responde "É para dar uma vista de olhos". O dono do estabelecimento, embora lhe apeteça, não disparata: "Faça favor. Isto não é nenhum museu, mas não paga nada"...
Um ou dois minutos depois, o homem sai. Olha para o amigo que o espera, não falam, e desandam dali no mesmo passo descomprometido com que tinham chegado. Deixo de os ver. Fico a imaginar que vão a outro restaurante, fazem a mesma cena mas trocam de papéis. Assim, à vez, vão comendo com os olhos e já ficam almoçados. Melhor do que ir mastigar o papo seco de nariz amarrotado contra a montra do talho...
P.S. - Publicado originalmente no dia 14 de Novembro de 2011. Lembram-se desses tempos em que os portugueses iam perdendo o hábito de comer com a boca?...
Um supositório para todos
Quitério teve a ideia derivado àquilo dos livros escolares usados. Uma ideia de alcance mais profundo, a de Quitério, porém de momento reservada, e muito bem!, a esse grupo de trabalhadores de elite que são os deputados da Nação. A proposta é a seguinte: que os nossos parlamentares, em caso de doença e necessitando de tratamento - longe vá o agoiro -, passem a servir-se de um supositório colectivo e reutilizável, unzinho, atado com uma guita, como a bala do Raul Solnado...
O meu benfeitor voltou a atacar
Mais uma vez, hoje: metido sorrateiramente na caixa de correio da porta de casa, um prospectozinho 21x10 em couchê fatela escrito dum lado só. Pergunta, em letras garrafais, vermelhas, "Precisa de dinheiro?" e, ainda enorme mas a preto, "Tem imóvel?"... E passa a explicar, em caracteres mais recatados: "Mesmo com penhoras, dívidas fiscais ou problemas bancários, temos a solução! Contacte-nos. Resolvemos em 48 horas. Análise gratuita". Seguem-se dois números de telemóvel, e mais nada, nem um nome, uma morada, uma marca, pois, como diz o Evangelho, "Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que fez a direita, a fim de que a tua esmola fique em segredo" (Mateus 6:3-4). Ainda há gente boa, graças a Deus...
P.S. - Da primeira vez chamei-lhe A toda a parte chegam os vampiros. Para ouvir, Zeca Afonso, sempre.
Ismã, o homem da sorte
- E depois havia um gajo que, onde aparecesse, corria sempre tudo bem...
- Quem era?
- Um gajo, um tal... tenho aqui o nome debaixo da língua, um tal... um tal...
- Um tal Ismã?...
A minha famosa receita de Tomates aux gésiers de lapin
Livre de gorduras e lave em duas águas, uma pode ser das Pedras, as moelas de coelho. Meta as moelas de coelho numa marinada feita com sumo de pepino nacional, vinagre balsâmico, azeite de trufa, mel de rosmaninho, gengibre, flor de anis, flor de sal, flor-de-lis, flor-de-lótus e flor-de-ferrari. Deixe a repousar esta marinada dentro de uma embalagem para ovos de codorniz enquanto o ministro da Finanças conta até dez, que é aproximadamente durante duas horas e um quarto. Os ovos de codorniz deviam ter sido tirados antes, agora desfaça-se ao menos das cascas. Lave muito bem os tomates, corte um chapeuzinho numa das extremidades e limpe-os de todas as sementes e nervuras internas. Introduza as moelas de coelho nos tomates, misturando-as com uns pozinhos de queijo com o nome mais arrevesado que encontrar no supermercado. Pegue nos tomates e coloque o chapeuzinho, que vai adornar, de lado, com um pequeno cartão a dizer PRESS. Leve os tomates ao forno durante 180 minutos a 15 graus. Excelente. Está pronto. Retire do forno e deite ao lixo. Aqueça a feijoada que sobrou de ontem, encha o prato até à borda e... seja feliz!
P.S. - Receita originalmente publicada em Sei de sítios, no dia 9 de Setembro de 2011, era então ministro das Finanças o vagaroso Vítor Gaspar. Como têm muita procura, mais moelas de coelho aqui, aqui e aqui.
Eram dois homens, já na segunda metade da idade. Um deles fica à porta, enquanto o outro entra no restaurante. O proprietário, que o recebe no hall, pergunta-lhe "É para almoçar?" e o homem responde "É para dar uma vista de olhos". O dono do estabelecimento, embora lhe apeteça, não disparata: "Faça favor. Isto não é nenhum museu, mas não paga nada"...
Um ou dois minutos depois, o homem sai. Olha para o amigo que o espera, não falam, e desandam dali no mesmo passo descomprometido com que tinham chegado. Deixo de os ver. Fico a imaginar que vão a outro restaurante, fazem a mesma cena mas trocam de papéis. Assim, à vez, vão comendo com os olhos e já ficam almoçados. Melhor do que ir mastigar o papo seco de nariz amarrotado contra a montra do talho...
P.S. - Publicado originalmente no dia 14 de Novembro de 2011. Lembram-se desses tempos em que os portugueses iam perdendo o hábito de comer com a boca?...
Um supositório para todos
Quitério teve a ideia derivado àquilo dos livros escolares usados. Uma ideia de alcance mais profundo, a de Quitério, porém de momento reservada, e muito bem!, a esse grupo de trabalhadores de elite que são os deputados da Nação. A proposta é a seguinte: que os nossos parlamentares, em caso de doença e necessitando de tratamento - longe vá o agoiro -, passem a servir-se de um supositório colectivo e reutilizável, unzinho, atado com uma guita, como a bala do Raul Solnado...
O meu benfeitor voltou a atacar
Mais uma vez, hoje: metido sorrateiramente na caixa de correio da porta de casa, um prospectozinho 21x10 em couchê fatela escrito dum lado só. Pergunta, em letras garrafais, vermelhas, "Precisa de dinheiro?" e, ainda enorme mas a preto, "Tem imóvel?"... E passa a explicar, em caracteres mais recatados: "Mesmo com penhoras, dívidas fiscais ou problemas bancários, temos a solução! Contacte-nos. Resolvemos em 48 horas. Análise gratuita". Seguem-se dois números de telemóvel, e mais nada, nem um nome, uma morada, uma marca, pois, como diz o Evangelho, "Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que fez a direita, a fim de que a tua esmola fique em segredo" (Mateus 6:3-4). Ainda há gente boa, graças a Deus...
P.S. - Da primeira vez chamei-lhe A toda a parte chegam os vampiros. Para ouvir, Zeca Afonso, sempre.
Ismã, o homem da sorte
- E depois havia um gajo que, onde aparecesse, corria sempre tudo bem...
- Quem era?
- Um gajo, um tal... tenho aqui o nome debaixo da língua, um tal... um tal...
- Um tal Ismã?...
A minha famosa receita de Tomates aux gésiers de lapin
Livre de gorduras e lave em duas águas, uma pode ser das Pedras, as moelas de coelho. Meta as moelas de coelho numa marinada feita com sumo de pepino nacional, vinagre balsâmico, azeite de trufa, mel de rosmaninho, gengibre, flor de anis, flor de sal, flor-de-lis, flor-de-lótus e flor-de-ferrari. Deixe a repousar esta marinada dentro de uma embalagem para ovos de codorniz enquanto o ministro da Finanças conta até dez, que é aproximadamente durante duas horas e um quarto. Os ovos de codorniz deviam ter sido tirados antes, agora desfaça-se ao menos das cascas. Lave muito bem os tomates, corte um chapeuzinho numa das extremidades e limpe-os de todas as sementes e nervuras internas. Introduza as moelas de coelho nos tomates, misturando-as com uns pozinhos de queijo com o nome mais arrevesado que encontrar no supermercado. Pegue nos tomates e coloque o chapeuzinho, que vai adornar, de lado, com um pequeno cartão a dizer PRESS. Leve os tomates ao forno durante 180 minutos a 15 graus. Excelente. Está pronto. Retire do forno e deite ao lixo. Aqueça a feijoada que sobrou de ontem, encha o prato até à borda e... seja feliz!
P.S. - Receita originalmente publicada em Sei de sítios, no dia 9 de Setembro de 2011, era então ministro das Finanças o vagaroso Vítor Gaspar. Como têm muita procura, mais moelas de coelho aqui, aqui e aqui.
Vicente Risco 5
Viña o tranway toupetante e lumioso. Alveiros pillouno e chegou â casa.
Oito días levou estudiando o rescrito, antre libros d'arqueoloxía e d'ocultismo. Comparou a escritura aquela co-as figuras que fan as estrelas no ceo, cos símbolos alquímicos, cos sinos do Zodiaco e dos planetas, con polígonos regulares, con todo los esquemas que tivo â man. Resolveu mil cuestiós de simboloxía. Os probremas dos comenzos enchíanse de luz no seu miolo, pro non atopaba a tradución: â correspondencia fonética d'aquelas letras se non podía chegar por ningún camiño. Traballou de alma... Traballou un día mais qu'o Creador, mais é qu'o Creador non traballaba por trinta mil pesos...
O oitavo día, espapallado, non s'ergueu do leito.
- ¡Ay que centella, malos diaños non me coman, que besta son! E podia que non cumpla rezal-o rescrito: os lamas do Tibet meten as oraciós n'un muiño de man e danlle voltas, e cada volta que dan val coma se dixeran a oración unha vez... Y-eu sen cair da burra!... ¡Olla o demo!... E botous'a durmir.
"D'o Caso que Ll'aconteceu ô Doutor Alveiros", Vicente Risco
(Vicente Risco nasceu no dia 1 de Outubro de 1884. Morreu em 1963.)
Oito días levou estudiando o rescrito, antre libros d'arqueoloxía e d'ocultismo. Comparou a escritura aquela co-as figuras que fan as estrelas no ceo, cos símbolos alquímicos, cos sinos do Zodiaco e dos planetas, con polígonos regulares, con todo los esquemas que tivo â man. Resolveu mil cuestiós de simboloxía. Os probremas dos comenzos enchíanse de luz no seu miolo, pro non atopaba a tradución: â correspondencia fonética d'aquelas letras se non podía chegar por ningún camiño. Traballou de alma... Traballou un día mais qu'o Creador, mais é qu'o Creador non traballaba por trinta mil pesos...
O oitavo día, espapallado, non s'ergueu do leito.
- ¡Ay que centella, malos diaños non me coman, que besta son! E podia que non cumpla rezal-o rescrito: os lamas do Tibet meten as oraciós n'un muiño de man e danlle voltas, e cada volta que dan val coma se dixeran a oración unha vez... Y-eu sen cair da burra!... ¡Olla o demo!... E botous'a durmir.
"D'o Caso que Ll'aconteceu ô Doutor Alveiros", Vicente Risco
(Vicente Risco nasceu no dia 1 de Outubro de 1884. Morreu em 1963.)
Botar é a direito e um beber cívico
- Botas tu ou boto eu?
- Bota tu, mas bota de alto...
- Boto em consciência...
- Então bonda, que já esborda...
- E agora?
- Agora: dou-lhe um beijinho, mando-lhe uma pescoçada, e a seguir boto eu...
P.S. - Botar ou não botar, eis a questão. Sobre tão momentoso assunto, recomendo duas releituras evidentemente educativas, aqui no Tarrenego!: Mais um quartilho para a mesa do canto e O falar antigo (ou o fafês, se calhar).
- Bota tu, mas bota de alto...
- Boto em consciência...
- Então bonda, que já esborda...
- E agora?
- Agora: dou-lhe um beijinho, mando-lhe uma pescoçada, e a seguir boto eu...
P.S. - Botar ou não botar, eis a questão. Sobre tão momentoso assunto, recomendo duas releituras evidentemente educativas, aqui no Tarrenego!: Mais um quartilho para a mesa do canto e O falar antigo (ou o fafês, se calhar).
sexta-feira, 29 de setembro de 2017
Microcontos & outras miudezas 48
Olho por olho
Hortaliça comprada nas farmácias é 25 por cento mais barata do que nos hipermercados. Latas de salsichas de seis unidades com 50 por cento de desconto e uma embalagem grátis de supositórios para a tosse.
A mulher que não acreditava na religião verdadeira
Bateram à porta e Dona Amélia abriu. Pensava que era o carteiro. Eram duas senhoras muito simpáticas com uma revista nas mãos. A revista chamava-se A Sentinela e as duas senhoras muito simpáticas queriam falar, mas Dona Amélia não as queria ouvir. Que não tinha vagar para revistas nem para jornais, que fizessem o favor de ir andando, que ela tinha mais que fazer. As pessoas com 84 anos e sós são mesmo assim, estão sempre muito ocupadas. As duas senhoras muito simpáticas, e pacientes, insistiam de pé enfiado na porta e revista em riste, falavam do fim do mundo, da Bíblia, de profecias, do Reino de Deus, de Jesus Cristo, de religião, e aqui, alto e pára o baile, Dona Amélia arrebitou as orelhas e perguntou: - Ai vocês são da religião?...
- Somos Testemunhas de Jeová - responderam as duas senhoras muito simpáticas e pacientes.
- Olha, ainda por cima jeovás! Rua, andor daqui para fora! - mandou Dona Amélia, sacando do toco de vassoura, mais rápida que a própria sombra. - Eu não acredito nessas lérias. Eu não acredito na religião católica, que é a verdadeira, e ia agora... Xô, xô, xô, já disse!
Deus vê tudo, mas não é geral
Sem filhos em casa e sem netos, o casal conversava sobre como iria ser o Natal, a noite de consoada. Batatas, troços e bacalhau, isso era ponto assente, pelo menos ainda este ano. Mas ela tinha dúvidas de que valesse a pena sequer fazer o pinheiro. Ele mandou que sim. E que sim, porque "Deus até nos pode castigar se não fizermos", justificou, numa daqueles inocentes confusões teologais que chegam ao Céu e o pessoal de branco e asas desata logo a rir. Fez-se então o pinheiro e até se pôs um enfeite na parte de fora da porta. O enfeite foi roubado logo no primeiro dia.
Por outro lado. Alguém esqueceu-se do guarda-chuva numa capela. O guarda-chuva está lá há mais de quinze dias, abandonado, e ninguém o leva. A capela, não sendo uma grande atracção arquitectónica, é razoavelmente procurada por turistas e curiosos de outras marcas. Se fosse um café ou uma farmácia, o mais certo é que o guarda-chuva já estivesse com novo dono, mesmo que não tivesse sido esquecido. Mas ali não: é a casa de Deus e Deus não é cego. Seria pecado e o Velho é vingativo! No átrio de um prédio de apartamentos é outra coisa...
Moral das histórias: Deus vê tudo, mas não é geral. E tem particulares dificuldades no escuro...
De tanga
Quando eu era pequeno queria ser grande. E quando fosse grande queria ser palhaço, maquinista de comboio, famoso, padre, polícia à paisana, pianista, advogado, jornalista, actor, bombeiro, jogador de futebol, tarzan, presidente da república, terrorista, papa, escritor, herói, cantor, ciclista, santo e piloto de caça. Já há muito que sou grande e, francamente, sou tarzan e é um pau...
Lições de História 16: Chamberlain
Chamberlain nasceu em 1869, em Heckfield, no Hampshire, e foi primeiro-ministro do Reino Unido nos anos finais da década de 1930. Dessa época ficou-lhe a fama de otário, por ter assinado um acordo com Hitler. Morreu em 1940 e joga actualmento no Liverpool.
Hortaliça comprada nas farmácias é 25 por cento mais barata do que nos hipermercados. Latas de salsichas de seis unidades com 50 por cento de desconto e uma embalagem grátis de supositórios para a tosse.
A mulher que não acreditava na religião verdadeira
Bateram à porta e Dona Amélia abriu. Pensava que era o carteiro. Eram duas senhoras muito simpáticas com uma revista nas mãos. A revista chamava-se A Sentinela e as duas senhoras muito simpáticas queriam falar, mas Dona Amélia não as queria ouvir. Que não tinha vagar para revistas nem para jornais, que fizessem o favor de ir andando, que ela tinha mais que fazer. As pessoas com 84 anos e sós são mesmo assim, estão sempre muito ocupadas. As duas senhoras muito simpáticas, e pacientes, insistiam de pé enfiado na porta e revista em riste, falavam do fim do mundo, da Bíblia, de profecias, do Reino de Deus, de Jesus Cristo, de religião, e aqui, alto e pára o baile, Dona Amélia arrebitou as orelhas e perguntou: - Ai vocês são da religião?...
- Somos Testemunhas de Jeová - responderam as duas senhoras muito simpáticas e pacientes.
- Olha, ainda por cima jeovás! Rua, andor daqui para fora! - mandou Dona Amélia, sacando do toco de vassoura, mais rápida que a própria sombra. - Eu não acredito nessas lérias. Eu não acredito na religião católica, que é a verdadeira, e ia agora... Xô, xô, xô, já disse!
Deus vê tudo, mas não é geral
Sem filhos em casa e sem netos, o casal conversava sobre como iria ser o Natal, a noite de consoada. Batatas, troços e bacalhau, isso era ponto assente, pelo menos ainda este ano. Mas ela tinha dúvidas de que valesse a pena sequer fazer o pinheiro. Ele mandou que sim. E que sim, porque "Deus até nos pode castigar se não fizermos", justificou, numa daqueles inocentes confusões teologais que chegam ao Céu e o pessoal de branco e asas desata logo a rir. Fez-se então o pinheiro e até se pôs um enfeite na parte de fora da porta. O enfeite foi roubado logo no primeiro dia.
Por outro lado. Alguém esqueceu-se do guarda-chuva numa capela. O guarda-chuva está lá há mais de quinze dias, abandonado, e ninguém o leva. A capela, não sendo uma grande atracção arquitectónica, é razoavelmente procurada por turistas e curiosos de outras marcas. Se fosse um café ou uma farmácia, o mais certo é que o guarda-chuva já estivesse com novo dono, mesmo que não tivesse sido esquecido. Mas ali não: é a casa de Deus e Deus não é cego. Seria pecado e o Velho é vingativo! No átrio de um prédio de apartamentos é outra coisa...
Moral das histórias: Deus vê tudo, mas não é geral. E tem particulares dificuldades no escuro...
De tanga
Quando eu era pequeno queria ser grande. E quando fosse grande queria ser palhaço, maquinista de comboio, famoso, padre, polícia à paisana, pianista, advogado, jornalista, actor, bombeiro, jogador de futebol, tarzan, presidente da república, terrorista, papa, escritor, herói, cantor, ciclista, santo e piloto de caça. Já há muito que sou grande e, francamente, sou tarzan e é um pau...
Lições de História 16: Chamberlain
Chamberlain nasceu em 1869, em Heckfield, no Hampshire, e foi primeiro-ministro do Reino Unido nos anos finais da década de 1930. Dessa época ficou-lhe a fama de otário, por ter assinado um acordo com Hitler. Morreu em 1940 e joga actualmento no Liverpool.
Paulo Bomfim
Antônio triste
Esguio como um poste da Avenida
Cheio de fios e de pensamentos,
Antônio era triste como as árvores
Despidas pelo inverno,
Alegre, às vezes, como a passarada
Nos fins da madrugada.
Sozinho, como os bancos de uma praça
Em noites de neblina,
Antônio, protegido de retalhos
Com seu cigarro aceso,
Lembrava-me um balão que, multicor,
Se vê no firmamento:
Não se sabe donde veio
Não se sabe aonde vai.
Não era velho
Nem era moço,
Não tinha idade
Antônio Triste.
Quando as luzes cansadas se apagavam
E as trevas devoravam a cidade,
Antônio Triste chorava e cantava:
À luz de um cigarro, bailava e rodava
Pelas ruas desertas e molhadas.
Mas, certa noite um varredor de rua,
Viu muito lixo no chão:
Tanto trapo amontoado,
Quase um balão de São João!
Um resto de cigarro num canto da boca,
A mecha se apagara.
Antônio, o triste balão de retalhos,
Findara!
"Antônio Triste", Paulo Bomfim
(Paulo Bomfim nasceu no dia 30 de Setembro de 1926)
Esguio como um poste da Avenida
Cheio de fios e de pensamentos,
Antônio era triste como as árvores
Despidas pelo inverno,
Alegre, às vezes, como a passarada
Nos fins da madrugada.
Sozinho, como os bancos de uma praça
Em noites de neblina,
Antônio, protegido de retalhos
Com seu cigarro aceso,
Lembrava-me um balão que, multicor,
Se vê no firmamento:
Não se sabe donde veio
Não se sabe aonde vai.
Não era velho
Nem era moço,
Não tinha idade
Antônio Triste.
Quando as luzes cansadas se apagavam
E as trevas devoravam a cidade,
Antônio Triste chorava e cantava:
À luz de um cigarro, bailava e rodava
Pelas ruas desertas e molhadas.
Mas, certa noite um varredor de rua,
Viu muito lixo no chão:
Tanto trapo amontoado,
Quase um balão de São João!
Um resto de cigarro num canto da boca,
A mecha se apagara.
Antônio, o triste balão de retalhos,
Findara!
"Antônio Triste", Paulo Bomfim
(Paulo Bomfim nasceu no dia 30 de Setembro de 1926)
quinta-feira, 28 de setembro de 2017
Plínio Marcos 2
Futebol e papa
O papa passou por São Paulo e houve como um despertar na espiritualidade do povo. Sente-se isso em qualquer dos estreitos, escamosos e esquisitos caminhos dos roçados do bom Deus, que cruzam as quebradas do mundaréu. Esse povão lesado, sofrido, que só come bagulho catado no chão da feira, que mora na beira dos rios e quase se afoga toda vez que chove, que só berra da geral sem nunca influir no resultado, mostrou todo seu amor e todo seu carinho para esse elemento inquietador que veio para despertar. E teve, o povão, algumas chances de ver o Maluf com sua comitiva de sabujos e, isolados, vaiá-los com toda força de suas caixas de catarro. O Francelino também levou vaia. Quilômetros de apupos merecidos foram dirigidos ao Francelino pelo povão mineiro. Isso quer dizer que vai faltar vaia nos estádios de futebol nesse domingo. O torcedor já descarregou sua bateria. Amou, aplaudiu chorando o papa e vaiou Maluf e seus sabujos. São Paulo, Palmeiras, Corinthians e Santos podem entrar tranquilos em campo e apresentarem sem medo o futebol morrinhento que vêm apresentando. Tenho certeza de que a torcida não vai querer pegar nenhum jogador na saída do estádio para ralar. Os incompetentes dirigentes do futebol de São Paulo e do Brasil já estão ficando em segundo plano. O homem comum está percebendo que um Nabi, um Matheus, um cartola qualquer é apenas consequência da situação política do país, que escala Maluf, Francelino e outros do mesmo naipe serem governadores. O futebol sem arte, sem brilho que, devido aos tecnocratas, burocratas e politiqueiros, hoje se joga no Brasil é apenas o reflexo do que se passa na nação. E o torcedor mais cegueta começa a perceber isso. Começa a se desinteressar de gastar energia vaiando jogador e brigando na geral. Prefere vaiar os verdadeiros culpados por todo o nosso triste estado de miséria.
Só causou espanto entre o pessoal da galera os Maluf, os Matheus não quererem enfiar uma camisa do Corinthians no papa e levá-lo pra benzer a pedra fundamental do futuro estádio corintiano. Eles são capazes de tudo pra se fazerem notar.
Há muito tempo o Morumbi não servia para um espetáculo tão bonito, de tanta espiritualidade e fé. É hora de o torcedor despertar e se tocar que nenhum time, por mais alegria que nos dê, pode ser confundido com religião.
O papa passou por São Paulo e houve como um despertar na espiritualidade do povo. Sente-se isso em qualquer dos estreitos, escamosos e esquisitos caminhos dos roçados do bom Deus, que cruzam as quebradas do mundaréu. Esse povão lesado, sofrido, que só come bagulho catado no chão da feira, que mora na beira dos rios e quase se afoga toda vez que chove, que só berra da geral sem nunca influir no resultado, mostrou todo seu amor e todo seu carinho para esse elemento inquietador que veio para despertar. E teve, o povão, algumas chances de ver o Maluf com sua comitiva de sabujos e, isolados, vaiá-los com toda força de suas caixas de catarro. O Francelino também levou vaia. Quilômetros de apupos merecidos foram dirigidos ao Francelino pelo povão mineiro. Isso quer dizer que vai faltar vaia nos estádios de futebol nesse domingo. O torcedor já descarregou sua bateria. Amou, aplaudiu chorando o papa e vaiou Maluf e seus sabujos. São Paulo, Palmeiras, Corinthians e Santos podem entrar tranquilos em campo e apresentarem sem medo o futebol morrinhento que vêm apresentando. Tenho certeza de que a torcida não vai querer pegar nenhum jogador na saída do estádio para ralar. Os incompetentes dirigentes do futebol de São Paulo e do Brasil já estão ficando em segundo plano. O homem comum está percebendo que um Nabi, um Matheus, um cartola qualquer é apenas consequência da situação política do país, que escala Maluf, Francelino e outros do mesmo naipe serem governadores. O futebol sem arte, sem brilho que, devido aos tecnocratas, burocratas e politiqueiros, hoje se joga no Brasil é apenas o reflexo do que se passa na nação. E o torcedor mais cegueta começa a perceber isso. Começa a se desinteressar de gastar energia vaiando jogador e brigando na geral. Prefere vaiar os verdadeiros culpados por todo o nosso triste estado de miséria.
Só causou espanto entre o pessoal da galera os Maluf, os Matheus não quererem enfiar uma camisa do Corinthians no papa e levá-lo pra benzer a pedra fundamental do futuro estádio corintiano. Eles são capazes de tudo pra se fazerem notar.
Há muito tempo o Morumbi não servia para um espetáculo tão bonito, de tanta espiritualidade e fé. É hora de o torcedor despertar e se tocar que nenhum time, por mais alegria que nos dê, pode ser confundido com religião.
Plínio Marcos
(Plínio Marcos nasceu no dia 29 de Setembro de 1035. Morreu em 1999.)
Luís Miguel Nava 2
A fome
Aqui, onde a mão não
alcança o interruptor da vida, aqui
só brilha a solidão.
Desfazem-se as lembranças contra os vidros.
Aqui, onde a brancura
dum lenço é a brancura do infortúnio,
aqui a solidão
não brilha, apenas
se estorce.
A fome fala através das feridas.
"Vulcão", Luís Miguel Nava
(Luís Miguel Nava nasceu no dia 29 de Setembro de 1957. Morreu em 1995.)
Aqui, onde a mão não
alcança o interruptor da vida, aqui
só brilha a solidão.
Desfazem-se as lembranças contra os vidros.
Aqui, onde a brancura
dum lenço é a brancura do infortúnio,
aqui a solidão
não brilha, apenas
se estorce.
A fome fala através das feridas.
"Vulcão", Luís Miguel Nava
(Luís Miguel Nava nasceu no dia 29 de Setembro de 1957. Morreu em 1995.)
Alexandre Cribeiro 2
O último poente é xa mentira.
Muller quente cingida ás olas,
o teu corazón lonxano xa é mentira.
Muller feita de silencio e pedra,
de distancias inútiles e pedra,
teus ollos, teus seos enormes,
teu inxelo sentir, é xa mentira.
Muller xoven, potente e tenra,
muller,
muller como unha lúa:
eres mentira nacendo en mín.
Pode chover.
Debe chover.
Chove. Chove hastra afogar
a ialma
e os meus ósos cheos de tí.
"Acoitelado na Espera", Alexandre Cribeiro
(Alexandre Cribeiro nasceu no dia 29 de Setembro de 1936. Morreu em 1995.)
Muller quente cingida ás olas,
o teu corazón lonxano xa é mentira.
Muller feita de silencio e pedra,
de distancias inútiles e pedra,
teus ollos, teus seos enormes,
teu inxelo sentir, é xa mentira.
Muller xoven, potente e tenra,
muller,
muller como unha lúa:
eres mentira nacendo en mín.
Pode chover.
Debe chover.
Chove. Chove hastra afogar
a ialma
e os meus ósos cheos de tí.
"Acoitelado na Espera", Alexandre Cribeiro
(Alexandre Cribeiro nasceu no dia 29 de Setembro de 1936. Morreu em 1995.)
Xosé Trapero Pardo
- ¿Iba a traguer ostede - dixo o Peludeciño falando serio coma un home - ainda as alforxas, para que a xente diga que é un vello rabudo e negado, que non se decata que estamos xa n-autros tempos, e que anque a educación custa máis, inda me dixeron que sería de balde, somos máis aducados?... ¿Ostede non sabe que o porgueso é ir a máis cada día, en non quedarse esbacoado n-un sitio?... ¿Non sabe que temos que estar en todo a nivel europeo?... ¿Non sabe?....
"E Pelúdez Dixo", Xosé Trapero Pardo
(Xosé Trapero Pardo nasceu no dia 29 de Setembro de 1900. Morreu em 1995.)
"E Pelúdez Dixo", Xosé Trapero Pardo
(Xosé Trapero Pardo nasceu no dia 29 de Setembro de 1900. Morreu em 1995.)
Newton Rossi 2
Oração dos que não sabem rezar
Senhor!
Que estas palavras, que não dizem tudo,
Possam chegar um dia aos Teus ouvidos!
Chegar como quem chega sem bater à porta...
Sem roupa nova, sem nenhum requinte
E sem mesmo saber como chegou!...
Que o ódio seja extinto pela paz.
Que haja compreensão e tolerância,
Que os povos se entendam como irmãos!
Que no coração da criatura humana,
Pleno de equilíbrio e de harmonia,
Viceje a planta da fraternidade!...
Senhor!
Que estas palavras, que não dizem tudo,
Possam transpor os mundos no infinito,
Levando o apelo mudo dos aflitos,
Os gemidos de dor dos desgraçados,
O remorso dos maus, e dos bons, o perdão...
E a ânsia oculta da espécie humana
De atingir, sem saber como, a perfeição!...
Escuta-as Senhor!
São palavras que não foram decoradas,
Não foram feitas apenas para os lábios...
Mensagem de pureza, que mais é um clamor,
Dos que não sabem dizer, dos que não podem falar,
Dos que só sabem sofrer, dos que só sabem sentir,
Dos que só sabem esperar...
Esta é a oração dos que não sabem rezar.
Senhor!
Que estas palavras, que não dizem tudo,
Possam chegar um dia aos Teus ouvidos!
Chegar como quem chega sem bater à porta...
Sem roupa nova, sem nenhum requinte
E sem mesmo saber como chegou!...
Que o ódio seja extinto pela paz.
Que haja compreensão e tolerância,
Que os povos se entendam como irmãos!
Que no coração da criatura humana,
Pleno de equilíbrio e de harmonia,
Viceje a planta da fraternidade!...
Senhor!
Que estas palavras, que não dizem tudo,
Possam transpor os mundos no infinito,
Levando o apelo mudo dos aflitos,
Os gemidos de dor dos desgraçados,
O remorso dos maus, e dos bons, o perdão...
E a ânsia oculta da espécie humana
De atingir, sem saber como, a perfeição!...
Escuta-as Senhor!
São palavras que não foram decoradas,
Não foram feitas apenas para os lábios...
Mensagem de pureza, que mais é um clamor,
Dos que não sabem dizer, dos que não podem falar,
Dos que só sabem sofrer, dos que só sabem sentir,
Dos que só sabem esperar...
Esta é a oração dos que não sabem rezar.
"Alma da Rua", Newton Rossi
(Newton Rossi nasceu no dia 29 de Setembro de 1926. Morreu em 2007.)
quarta-feira, 27 de setembro de 2017
António Jacinto 4
Vadiagem
Naquela hora já noite
quando o vento nos traz mistérios a desvendar
musseque em fora fui passear as loucuras
com os rapazes das ilhas:
uma viola a tocar
o Chico a cantar
(que bem que canta o Chico!)
e a noite quebrada na luz das nossas vozes
Vieram também, vieram também
cheirando a flor de mato
- cheiro grávido de terra fértil -
as moças das ilhas
sangue moço aquecendo
a Bebiana, a Teresa, a Carminda, a Maria.
Uma viola a tocar
o Chico a cantar
a vida aquecida com o sol esquecido
a noite é caminho
caminho, caminho, tudo caminho serenamente negro
sangue fervendo
cheiro bom a flor de mato
a Maria a dançar
(que bem que dança remexendo as ancas!)
E eu a querer, a querer a Maria
e ela sem se dar
Vozes dolentes no ar
a esconder os punhos cerrados
alegria nas cordas da viola
alegria nas cordas da garganta
e os anseios libertados
das cordas de nos amordaçar
Lua morna a cantar com a gente
as estrelas se namorando sem romantismo
na praia da Boavista
o mar ronronante a nos incitar
Todos cantando certezas
a Maria a bailar se aproximando
sangue a pulsar
sangue a pulsar
mocidade correndo
a vida
peito com peito
beijos e beijos
as vozes cada vez mais bêbadas de liberdade
a Maria se chegando
a Maria se entregando
Uma viola a tocar
e a noite quebrada na luz do nosso amor...
"Poemas", António Jacinto
(António Jacinto nasceu no dia 28 de Setembro de 1924. Morreu em 1991.)
Naquela hora já noite
quando o vento nos traz mistérios a desvendar
musseque em fora fui passear as loucuras
com os rapazes das ilhas:
uma viola a tocar
o Chico a cantar
(que bem que canta o Chico!)
e a noite quebrada na luz das nossas vozes
Vieram também, vieram também
cheirando a flor de mato
- cheiro grávido de terra fértil -
as moças das ilhas
sangue moço aquecendo
a Bebiana, a Teresa, a Carminda, a Maria.
Uma viola a tocar
o Chico a cantar
a vida aquecida com o sol esquecido
a noite é caminho
caminho, caminho, tudo caminho serenamente negro
sangue fervendo
cheiro bom a flor de mato
a Maria a dançar
(que bem que dança remexendo as ancas!)
E eu a querer, a querer a Maria
e ela sem se dar
Vozes dolentes no ar
a esconder os punhos cerrados
alegria nas cordas da viola
alegria nas cordas da garganta
e os anseios libertados
das cordas de nos amordaçar
Lua morna a cantar com a gente
as estrelas se namorando sem romantismo
na praia da Boavista
o mar ronronante a nos incitar
Todos cantando certezas
a Maria a bailar se aproximando
sangue a pulsar
sangue a pulsar
mocidade correndo
a vida
peito com peito
beijos e beijos
as vozes cada vez mais bêbadas de liberdade
a Maria se chegando
a Maria se entregando
Uma viola a tocar
e a noite quebrada na luz do nosso amor...
"Poemas", António Jacinto
(António Jacinto nasceu no dia 28 de Setembro de 1924. Morreu em 1991.)
Josyra Sampaio
Essa parte tua que é minha
Essa parte tua que é minha
tão pouca mas tão tua
quero completamente
minha
Esse pedaço de ti
é tão meu
quanto eu sou toda tua
"Soma", Josyra Sampaio
(Josyra Sampaio nasceu no dia 28 de Setembro de 1931)
Essa parte tua que é minha
tão pouca mas tão tua
quero completamente
minha
Esse pedaço de ti
é tão meu
quanto eu sou toda tua
"Soma", Josyra Sampaio
(Josyra Sampaio nasceu no dia 28 de Setembro de 1931)
Manuel Casado Nieto
Neve
Fuma a cachimba do val
bocadas ceibes de brétema
e andan os sirgos do vento
a peneirar nas folerpas.
[...]
Manuel Casado Nieto
(Manuel Casado Nieto nasceu no dia 28 de Setembro de 1912. Morreu em 1983.)
Fuma a cachimba do val
bocadas ceibes de brétema
e andan os sirgos do vento
a peneirar nas folerpas.
[...]
Manuel Casado Nieto
(Manuel Casado Nieto nasceu no dia 28 de Setembro de 1912. Morreu em 1983.)
terça-feira, 26 de setembro de 2017
Araújo de Figueiredo 2
Abro a janela
Abro a janela e a porta. A luz do sol faísca
Numa rubra efusão de berilos diluídos
Onde estivera, há pouco, a mais bela odalisca
Do oriente, a lavar seus cabelos brunidos.
À luz do sol a praia é uma casa mourisca
Com mirantes azuis, circulando-a, floridos.
E esse barco a correr recorda uma ave arisca,
Que se afasta da terra. E aqui, pelo comprido
Caminho que a esmeralda encantadora arrasta
Vejo um rio a tremer no verdor que se alastra,
E um perfume sutil de roseiras encerra...
E através desse rio, e através do oceano,
Contemplativamente olho o sol, todo ufano,
A fecundar, seguido, o cetim da terra.
Araújo de Figueiredo
(Araújo de Figueiredo nasceu no dia 27 de Setembro de 1865. Morreu em 1927.)
Abro a janela e a porta. A luz do sol faísca
Numa rubra efusão de berilos diluídos
Onde estivera, há pouco, a mais bela odalisca
Do oriente, a lavar seus cabelos brunidos.
À luz do sol a praia é uma casa mourisca
Com mirantes azuis, circulando-a, floridos.
E esse barco a correr recorda uma ave arisca,
Que se afasta da terra. E aqui, pelo comprido
Caminho que a esmeralda encantadora arrasta
Vejo um rio a tremer no verdor que se alastra,
E um perfume sutil de roseiras encerra...
E através desse rio, e através do oceano,
Contemplativamente olho o sol, todo ufano,
A fecundar, seguido, o cetim da terra.
Araújo de Figueiredo
(Araújo de Figueiredo nasceu no dia 27 de Setembro de 1865. Morreu em 1927.)
Vinicius Meyer 2
Os Reis Magos
No caminho de areia do Presépio,
- cada qual mais bonito ao meu olhar! -
lá estavam os três Reis Magos deslumbrantes:
Melchior, no seu cavalo,
e Baltasar a pé.
De manhãzinha, ainda antes do café,
eu os ia ajudar a subir o caminho
até ao berço de palha do Menino
que entre um boi e um burrinho nos sorria.
Ajudava um pouquinho ao Rei Gaspar,
um pouquinho mais ao Rei Melchior,
mas ajudava muito a Baltasar
porque era preto, corno os pretos velhos
que me contavam histórias de encantar,
porque era humilde, corno os pretos bons
que, mesmo quando são reis, só andam a pé.
O certo é que no Dia de Reis,
troando deviam estar no alto do caminho,
quem chegava primeiro ao berço do Menino,
com seu presente humilde em sua mão,
era o rei preto que viera a pé.
E eu sorria contente, e parecia
aos meus olhos atentos de menino,
que o Menino Deus, que nos sorria
entre um boi e um burrinho no Presépio,
se esquecia, também, dos dois reis poderosos,
do Rei Gaspar no seu camelo alto,
do Rei Melchior no seu cavalo ágil,
e era todo sorrisos, era todo doçura
para o pobre Baltasar que eu ajudara,
para o rei preto que chegara a pé.
No caminho de areia do Presépio,
- cada qual mais bonito ao meu olhar! -
lá estavam os três Reis Magos deslumbrantes:
Melchior, no seu cavalo,
e Baltasar a pé.
De manhãzinha, ainda antes do café,
eu os ia ajudar a subir o caminho
até ao berço de palha do Menino
que entre um boi e um burrinho nos sorria.
Ajudava um pouquinho ao Rei Gaspar,
um pouquinho mais ao Rei Melchior,
mas ajudava muito a Baltasar
porque era preto, corno os pretos velhos
que me contavam histórias de encantar,
porque era humilde, corno os pretos bons
que, mesmo quando são reis, só andam a pé.
O certo é que no Dia de Reis,
troando deviam estar no alto do caminho,
quem chegava primeiro ao berço do Menino,
com seu presente humilde em sua mão,
era o rei preto que viera a pé.
E eu sorria contente, e parecia
aos meus olhos atentos de menino,
que o Menino Deus, que nos sorria
entre um boi e um burrinho no Presépio,
se esquecia, também, dos dois reis poderosos,
do Rei Gaspar no seu camelo alto,
do Rei Melchior no seu cavalo ágil,
e era todo sorrisos, era todo doçura
para o pobre Baltasar que eu ajudara,
para o rei preto que chegara a pé.
Vinicius Meyer
(Vinicius Meyer nasceu no dia 27 de Setembro de 1906. Morreu em 1954.)
Bernardino Graña
O vento díxome cousas
Que non atopo nos libros.
Resoaba a súa voz no mundo
igual que un soño perdido.
E o mar buscaba unha aperta,
Buscaba un peito ou un niño,
E non atopaba nada
Senón penedos espidos.
Recordo que era Nadal
E eu bebía moito viño.
Estabamos todos xuntos,
Os anxos meus, os amigos...
O vento e o mar berraban
Coma cans adoecidos.
E nós calados, fumando,
Bebendo, mirando fixos,
Por se chegaba algún día
Un forasteiro ou escrito
Que nos dixese que existe
Máis alá de todo un brillo,
Un sol que non ten solpores,
Nin vacas tristes, nin grilos.
Estabamos todos xuntos,
No meu silencio metidos,
Querendo que nos chegara
Algo estraño, de outro signo
Que nos sacara cal gando
E nos mostrar o camiño
Para pacer herba nova
E choutar noutros eixidos.
"Poema do Home que Quixo Vivir", Bernardino Graña
(Bernardino Graña nasceu no dia 27 de Setembro de 1932)
Que non atopo nos libros.
Resoaba a súa voz no mundo
igual que un soño perdido.
E o mar buscaba unha aperta,
Buscaba un peito ou un niño,
E non atopaba nada
Senón penedos espidos.
Recordo que era Nadal
E eu bebía moito viño.
Estabamos todos xuntos,
Os anxos meus, os amigos...
O vento e o mar berraban
Coma cans adoecidos.
E nós calados, fumando,
Bebendo, mirando fixos,
Por se chegaba algún día
Un forasteiro ou escrito
Que nos dixese que existe
Máis alá de todo un brillo,
Un sol que non ten solpores,
Nin vacas tristes, nin grilos.
Estabamos todos xuntos,
No meu silencio metidos,
Querendo que nos chegara
Algo estraño, de outro signo
Que nos sacara cal gando
E nos mostrar o camiño
Para pacer herba nova
E choutar noutros eixidos.
"Poema do Home que Quixo Vivir", Bernardino Graña
(Bernardino Graña nasceu no dia 27 de Setembro de 1932)
segunda-feira, 25 de setembro de 2017
Lições de História 16: Chamberlain
Chamberlain nasceu em 1869, em Heckfield, no Hampshire, e foi primeiro-ministro do Reino Unido nos anos finais da década de 1930. Dessa época ficou-lhe a fama de otário, por ter assinado um acordo com Hitler. Morreu em 1940 e joga actualmento no Liverpool.
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Ismã, o homem da sorte
- E depois havia um gajo que, onde aparecesse, corria sempre tudo bem...
- Quem era?
- Um gajo, um tal... tenho aqui o nome debaixo da língua, um tal... um tal...
- Um tal Ismã?...
- Quem era?
- Um gajo, um tal... tenho aqui o nome debaixo da língua, um tal... um tal...
- Um tal Ismã?...
Comendo salada de violetas com os Pink Floyd
Luís Filipe Barros não canta, não toca, que me conste, mas é uma lenda viva do rock'n'roll. É português e da rádio, e quem não souber dele o melhor é procurá-lo na Wikipédia, porque eu aqui não faço desenhos. Conviveu com os Pink Floyd, com os Bon Jovi e com os Deep Purple, quase partiu uma perna ao vocalista dos Supertramp, ensinou a aguardente aos Spandau Ballet, levou os Police ao Jamaica, estendeu ao comprido o líder dos Clash, mas tudo começou com... Herman José.
Anos oitenta do século passado. Luís Filipe Barros era uma das vozes da moda e gozava do estatuto de verdadeira vedeta. "Ia aos restaurantes, almoçava ou jantava, mas não pagava. Nos bares, bebia sempre à borla. Ia às discotecas, aos fins-de-semana, e ainda ganhava dinheiro. Eram realmente bons tempos...", dizia-me o famoso radialista há coisa de nove anos, para um trabalho na revista 24horas.
Nas deslocações ao Norte, um dos seus companheiros de viagem costumava ser Herman José, que também fazia o circuito das discotecas. "Íamos para o Porto na sexta-feira e regressávamos a Lisboa no domingo à noite, a contar notas, cada um para o seu lado, no comboio". Da primeira vez havia em Campanhã uma pequena multidão de fãs à espera, agitando cartazes. Luís julgava que era para o Herman, mas não, era mesmo para ele...
O importante papel que Luís Filipe Barros desempenhava como divulgador musical na rádio portuguesa introduzia-o na intimidade das estrelas de rock que visitavam Portugal ou Espanha. Uma vez, em Madrid, foi convidado para jantar com os Pink Floyd, após concerto. Contou-me: "Eu estava cheio de fome, queria comer o meu bife, mas os gajos andavam numa de emagrecer e tinham marcado num restaurante japonês. Foi uma desgraça: peixe cru e salada de violetas, naquela altura eu sabia lá o que isso era. Mas dava para perceber que os tipos já não podiam ver o Roger Waters. Tinha a mania que mandava em tudo, lá por o Sid Barrett ser maluco..."
Aos Supertrump, que andavam também nos cornos da lua com o "Breakfast in America", Luís Filipe Barros ia dando cabo dos dois concertos agendados para Cascais. Alguém teve a infeliz ideia de organizar um jogo de futebol entre os músicos e a equipa da chamada comunicação social. Luís, do lado dos jornalistas, levou a coisa a sério (à séria, se lido em Lisboa) e... ia partindo uma perna ao vocalista da banda britânica. Confessou: "Dei uma trancada tamanha no Roger Hodgson, que quase não havia concerto para ninguém. Fui expulso e tudo..."
Outro que levou que contar foi Joe Strummer, a voz dos Clash, num espectáculo em que o nosso Luisinho "quase andava à pêra com um gajo da segurança que estava com eles e tinha uma boina do IRA". Com o grupo em palco a tocar na maior desorganização, dado o adiantado estado de embriaguez e não só em que todos se encontravam, Strummer pediu a Luís Filipe Barros que o ajudasse a subir ao estrado. E o radialista deu o seu melhor: "Empurrei-o para o palco, mas quando chegou lá acima, embalado, faltaram-lhe as pernas e ele espalhou-se ao comprido à frente de dez mil pessosas. Foi um trambolhão monumental".
Em abono da verdade, deve dizer-se que Luís Filipe Barros tinha por hábito desencaminhar o pessoal para os copos, no "Snob ou no Bairro Alto", depois dos concertos. Uma noite levou o Stewart Copland a esse baluarte do bas-fond lisboeta que era o bar Jamaica, e o baterista dos Police gostou tanto que, bem bebido, "já estava a querer comprar aquilo..."
Outra vez pegou nos aprumadinhos Spandau Ballet e ala até à Costa da Caparica, para almoço. Comeram sardinhas assadas e "adoraram", porém perderam-se pela aguardente. Emborcaram uma garrafa inteira, e desde esse dia - recordou o Luís -, "quando davam uma entrevista à MTV, diziam sempre que Portugal tinha a melhor bebida do mundo: o bagaço".
E enfim um extra. Luís Filipe Barros no camarim dos Bon Jovi. "Nunca tinha visto nem nunca mais voltei a ver uma cena assim: o baterista "Tico" Torres, em cuecas e de barrete na cabeça, passando as calças a ferro..."
Anos oitenta do século passado. Luís Filipe Barros era uma das vozes da moda e gozava do estatuto de verdadeira vedeta. "Ia aos restaurantes, almoçava ou jantava, mas não pagava. Nos bares, bebia sempre à borla. Ia às discotecas, aos fins-de-semana, e ainda ganhava dinheiro. Eram realmente bons tempos...", dizia-me o famoso radialista há coisa de nove anos, para um trabalho na revista 24horas.
Nas deslocações ao Norte, um dos seus companheiros de viagem costumava ser Herman José, que também fazia o circuito das discotecas. "Íamos para o Porto na sexta-feira e regressávamos a Lisboa no domingo à noite, a contar notas, cada um para o seu lado, no comboio". Da primeira vez havia em Campanhã uma pequena multidão de fãs à espera, agitando cartazes. Luís julgava que era para o Herman, mas não, era mesmo para ele...
O importante papel que Luís Filipe Barros desempenhava como divulgador musical na rádio portuguesa introduzia-o na intimidade das estrelas de rock que visitavam Portugal ou Espanha. Uma vez, em Madrid, foi convidado para jantar com os Pink Floyd, após concerto. Contou-me: "Eu estava cheio de fome, queria comer o meu bife, mas os gajos andavam numa de emagrecer e tinham marcado num restaurante japonês. Foi uma desgraça: peixe cru e salada de violetas, naquela altura eu sabia lá o que isso era. Mas dava para perceber que os tipos já não podiam ver o Roger Waters. Tinha a mania que mandava em tudo, lá por o Sid Barrett ser maluco..."
Aos Supertrump, que andavam também nos cornos da lua com o "Breakfast in America", Luís Filipe Barros ia dando cabo dos dois concertos agendados para Cascais. Alguém teve a infeliz ideia de organizar um jogo de futebol entre os músicos e a equipa da chamada comunicação social. Luís, do lado dos jornalistas, levou a coisa a sério (à séria, se lido em Lisboa) e... ia partindo uma perna ao vocalista da banda britânica. Confessou: "Dei uma trancada tamanha no Roger Hodgson, que quase não havia concerto para ninguém. Fui expulso e tudo..."
Outro que levou que contar foi Joe Strummer, a voz dos Clash, num espectáculo em que o nosso Luisinho "quase andava à pêra com um gajo da segurança que estava com eles e tinha uma boina do IRA". Com o grupo em palco a tocar na maior desorganização, dado o adiantado estado de embriaguez e não só em que todos se encontravam, Strummer pediu a Luís Filipe Barros que o ajudasse a subir ao estrado. E o radialista deu o seu melhor: "Empurrei-o para o palco, mas quando chegou lá acima, embalado, faltaram-lhe as pernas e ele espalhou-se ao comprido à frente de dez mil pessosas. Foi um trambolhão monumental".
Em abono da verdade, deve dizer-se que Luís Filipe Barros tinha por hábito desencaminhar o pessoal para os copos, no "Snob ou no Bairro Alto", depois dos concertos. Uma noite levou o Stewart Copland a esse baluarte do bas-fond lisboeta que era o bar Jamaica, e o baterista dos Police gostou tanto que, bem bebido, "já estava a querer comprar aquilo..."
Outra vez pegou nos aprumadinhos Spandau Ballet e ala até à Costa da Caparica, para almoço. Comeram sardinhas assadas e "adoraram", porém perderam-se pela aguardente. Emborcaram uma garrafa inteira, e desde esse dia - recordou o Luís -, "quando davam uma entrevista à MTV, diziam sempre que Portugal tinha a melhor bebida do mundo: o bagaço".
E enfim um extra. Luís Filipe Barros no camarim dos Bon Jovi. "Nunca tinha visto nem nunca mais voltei a ver uma cena assim: o baterista "Tico" Torres, em cuecas e de barrete na cabeça, passando as calças a ferro..."
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domingo, 24 de setembro de 2017
Austregésilo de Athayde 2
Outro dia, Brito Broca, que lê velhos jornais e velhas revistas, descobriu num deles, muito maior de trinta anos, uma nota sobre o romance "Quando as Hortênsias Florescem", que escrevi em 1919 e felizmente não foi publicado. Os originais existem, mas vou destruí-los no fogo um destes dias. Deixou de aparecer na época porque eu o escrevera tão ao vivo nas personagens e nos fatos que o meu querido e saudoso tio Professor Austregésilo, para quem eu lera alguns capítulos, me aconselhou a deixá-lo dormir na gaveta o o que lhe parecia mais acertado, substituir as pessoas e os episódios, mas isso, no meu ponto de vista, importaria em mutilar a obra de arte.
Passagens do "Quando as Hortênsias Florescem" viram a escassa luz da publicidade em jornais sem muitos leitores. Logo descobriram que um dos tipos retratados era o polemista Antônio Torres, com quem eu andara às turras na imprensa e que teve a imprudência de desafiar-me para um duelo. Torres era gordo e pesadão, jamais se dera a exercícios físicos e nada entendia de como se bater a espada ou florete. No tempo, eu tinha músculos de aço, o boxe era um dos meus esportes e o mestre Zé Ferreira adestrara-me na esgrima para toucher à la fin de l’envoi qualquer espadachim famanaz. Duma intervenção oportuna de Gilberto Amado, que advertiu Torres dos riscos que ia correr, resultou uma convenção de cavalheiros, segundo a qual não deveríamos mais nos engalfinhar em letras de fôrma.
"Vana Verba. Conversas na Barbearia Sol", Austregésilo de Athayde
(Austregésilo de Athayde nasceu no dia 25 de Setembro de 1898. Morreu em 1993.)
Passagens do "Quando as Hortênsias Florescem" viram a escassa luz da publicidade em jornais sem muitos leitores. Logo descobriram que um dos tipos retratados era o polemista Antônio Torres, com quem eu andara às turras na imprensa e que teve a imprudência de desafiar-me para um duelo. Torres era gordo e pesadão, jamais se dera a exercícios físicos e nada entendia de como se bater a espada ou florete. No tempo, eu tinha músculos de aço, o boxe era um dos meus esportes e o mestre Zé Ferreira adestrara-me na esgrima para toucher à la fin de l’envoi qualquer espadachim famanaz. Duma intervenção oportuna de Gilberto Amado, que advertiu Torres dos riscos que ia correr, resultou uma convenção de cavalheiros, segundo a qual não deveríamos mais nos engalfinhar em letras de fôrma.
"Vana Verba. Conversas na Barbearia Sol", Austregésilo de Athayde
(Austregésilo de Athayde nasceu no dia 25 de Setembro de 1898. Morreu em 1993.)
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Daniel Pernas Nieto 3
A velliña
Enriba d’a probiña van caindo
as folerpas d’a neve mainamente,
ela peta co’a moca n-os puxigos;
i-o gonzo ferruxente
as portas quedas ó seu paso deixa,
e soilo un can que a sente
de ves en cando lle responde á probe,
somellando decir queixosamente,
que a millor d’as virtudes mal s’atopa,
que d’a noite o relente
i-a mesma neve lle farán un leito
negado pol-a xente.
"Fala das Musas e Outros Poemas", Daniel Pernas Nieto
(Daniel Pernas Nieto nasceu no dia 25 de Setembro de 1884. Morreu em 1946.)
Enriba d’a probiña van caindo
as folerpas d’a neve mainamente,
ela peta co’a moca n-os puxigos;
i-o gonzo ferruxente
as portas quedas ó seu paso deixa,
e soilo un can que a sente
de ves en cando lle responde á probe,
somellando decir queixosamente,
que a millor d’as virtudes mal s’atopa,
que d’a noite o relente
i-a mesma neve lle farán un leito
negado pol-a xente.
"Fala das Musas e Outros Poemas", Daniel Pernas Nieto
(Daniel Pernas Nieto nasceu no dia 25 de Setembro de 1884. Morreu em 1946.)
Augusto Casas 2
Romance da lúa
Co arume da noite,
a lúa, tola, roxa,
malfadada depinicaba
saudades nos eidos da miña alma.
Como unha vaca bermella
as cornas tiña de prata pol-os ceos,
ledamente, o seu ollar paseiaba.
Lonxe as estrelas soaban,
campás doutas espadaiñas;
o chifro do vento erguía
un cheiro d'herba mollada;
o galanteio da serra
espenuxaba as suas falas,
i-o pecoreiro das somas
entre as cornas lle chantaba
un auturuxo afiado
na punta da sua aguillada.
A lúa - toliña, tola -
estrelas depinicaba.
A sua pel era bermella
i-as suas cornas eran brancas.
A vos da noite se ouvía:
"Ey, vaca, ey… Ey, Fidalga!"
I-ela com’unha siñora,
polo azur se paseiaba;
riba da testa, a follaxe
de milleiros de alboradas;
encol dos seus ollos lenes
a leda noite arrumada
de húmida herba ulindo
ao corazón dos alálas.
"O Vento Segrel", Augusto Casas
(Augusto Casas nasceu no dia 25 de Setembro de 1906. Morreu em 1973.)
Co arume da noite,
a lúa, tola, roxa,
malfadada depinicaba
saudades nos eidos da miña alma.
Como unha vaca bermella
as cornas tiña de prata pol-os ceos,
ledamente, o seu ollar paseiaba.
Lonxe as estrelas soaban,
campás doutas espadaiñas;
o chifro do vento erguía
un cheiro d'herba mollada;
o galanteio da serra
espenuxaba as suas falas,
i-o pecoreiro das somas
entre as cornas lle chantaba
un auturuxo afiado
na punta da sua aguillada.
A lúa - toliña, tola -
estrelas depinicaba.
A sua pel era bermella
i-as suas cornas eran brancas.
A vos da noite se ouvía:
"Ey, vaca, ey… Ey, Fidalga!"
I-ela com’unha siñora,
polo azur se paseiaba;
riba da testa, a follaxe
de milleiros de alboradas;
encol dos seus ollos lenes
a leda noite arrumada
de húmida herba ulindo
ao corazón dos alálas.
"O Vento Segrel", Augusto Casas
(Augusto Casas nasceu no dia 25 de Setembro de 1906. Morreu em 1973.)
A minha receita de tomates aux gésiers de lapin
Tomates aux gésiers de lapin. Livre de gorduras e lave em duas águas, uma pode ser das Pedras, as moelas de coelho. Meta as moelas de coelho numa marinada feita com sumo de pepino nacional, vinagre balsâmico, azeite de trufa, mel de rosmaninho, gengibre, flor de anis, flor de sal, flor-de-lis, flor-de-lótus e flor-de-ferrari. Deixe a repousar esta marinada dentro de uma embalagem para ovos de codorniz enquanto o ministro da Finanças conta até dez, que é aproximadamente durante duas horas e um quarto. Os ovos de codorniz deviam ter sido tirados antes, agora desfaça-se ao menos das cascas. Lave muito bem os tomates, corte um chapeuzinho numa das extremidades e limpe-os de todas as sementes e nervuras internas. Introduza as moelas de coelho nos tomates, misturando-as com uns pozinhos de queijo com o nome mais arrevesado que encontrar no supermercado. Pegue nos tomates e coloque o chapeuzinho, que vai adornar, de lado, com um pequeno cartão a dizer PRESS. Leve os tomates ao forno durante 180 minutos a 15 graus. Excelente. Está pronto. Retire do forno e deite ao lixo. Aqueça a feijoada que sobrou de ontem, encha o prato até à borda e... seja feliz!
P.S. - Receita originalmente publicada em Sei de sítios, no dia 9 de Setembro de 2011, era então ministro das Finanças o vagaroso Vítor Gaspar. Como têm muita procura, mais moelas de coelho aqui, aqui e aqui.
P.S. - Receita originalmente publicada em Sei de sítios, no dia 9 de Setembro de 2011, era então ministro das Finanças o vagaroso Vítor Gaspar. Como têm muita procura, mais moelas de coelho aqui, aqui e aqui.
sábado, 23 de setembro de 2017
Carlos Pimentel
Salfabetizando
Sentado no chão
rabiscando no pó
um grupo escutando
sentado no chão
um grupo escutando
rabiscando
com o dedo
com um pau
sem papel, e sem lápis
um grupo
salfabetizando
"Tijolo a Tijolo", Carlos Pimentel
(Carlos Pimentel nasceu no dia 24 de Setembro de 1944. Morreu em 2016.)
Sentado no chão
rabiscando no pó
um grupo escutando
sentado no chão
um grupo escutando
rabiscando
com o dedo
com um pau
sem papel, e sem lápis
um grupo
salfabetizando
"Tijolo a Tijolo", Carlos Pimentel
(Carlos Pimentel nasceu no dia 24 de Setembro de 1944. Morreu em 2016.)
Antonio Tabucchi 5
Fez esta pergunta enquanto Greta limpava a mancha de chocolate do rosto do filho, e aquilo que perguntava a si própria gostaria de o ter perguntado a todos os comensais daquela festa de família, daquela família tão hospitaleira e generosa que celebrava um avô empreendedor capaz de transformar velhas estações de mala-posta numa lucrativa empresa comercial, da qual também ela era agora proprietária, visto que o proprietário era Michel. Mas que tinha Monsieur Haussmann que ver com isso? Haviam de tomá-la por louca. Minha querida, teria dito Greta (teria sido precisamente Greta a dizê-lo), que tem Haussmann que ver com isso, é o maior urbanista francês do século deza nove, remodelou Paris, tu cresceste num dos prédios erguidos por vontade dele, por que havias tu de te lembrar de Haussmann? Greta tinha o complexo de viver em Genebra que, à vista de Paris, ela considerava uma cidade de província, e talvez achasse aquilo uma provocação. Não era de todo em todo coisa que se dissesse numa festa de família, naquela casa sólida com amplas janelas debruçadas sobre o lago, junto àquela mesa lautamente recheada de todas as benesses do Senhor, poderia ter falado do deserto, mas ter-lhe-iam perguntado que tinha o deserto que ver com aquilo, ela poderia ter respondido que por contraste, porque vocês, aqui à vossa frente, têm um lago esplendoroso a transbordar, e ainda por cima com um repuxo no meio que projecta a água a cem metros de altura, ao passo que a minha avó vivia rodeada de areia e em pequenina para arranjar uma bilha de água pela manhã tinha de caminhar até ao poço de Al Karib, agora até consegui lembrar-me do nome, e tinha de fazer três quilómetros no escuro para lá chegar e outros três debaixo de um sol abrasador para regressar com a bilha à cabeça, e vocês não podem realmente fazer ideia do que é a água porque têm água a mais.
"O Tempo Envelhece Depressa", Antonio Tabucchi
(Antonio Tabucchi nasceu no dia 24 de Setembro de 1943. Morreu em 2012.)
"O Tempo Envelhece Depressa", Antonio Tabucchi
(Antonio Tabucchi nasceu no dia 24 de Setembro de 1943. Morreu em 2012.)
O sucesso mede-se em cirurgias adiadas
A greve dos enfermeiros fez adiar cerca de seis mil cirurgias, e por isso foi um sucesso. Os médicos, que não são menos do que os enfermeiros, também vão grevar no mês que vem e, para que a doutoral greve seja também um sucesso, será de esperar o adiamento de pelo menos sessenta mil cirurgias. Ou seiscentas mil. De greve em greve antes de eleições, nem que sejam para a junta, qualquer dia os hospitais fecham de vez, as cirurgias serão todas desmarcadas sem aviso, e nós os "pacientes" morreremos regra geral como tordos, mas será um sucesso ainda maior, a glória...
A glória sindical.
P.S. - Esta desgraça começou quando um gajo fino como um alho - sindicalista médico ou enfermeiro, desconfio - inventou a palavra paciente para substituir a palavra doente. Já aqui escrevi: o mal do doente foi ter passado a paciente. Paciente. Depois uma senhora do secretariado acrescentou na margem do P1, a lápis, a palavra utente. Utente de quê?...
A glória sindical.
P.S. - Esta desgraça começou quando um gajo fino como um alho - sindicalista médico ou enfermeiro, desconfio - inventou a palavra paciente para substituir a palavra doente. Já aqui escrevi: o mal do doente foi ter passado a paciente. Paciente. Depois uma senhora do secretariado acrescentou na margem do P1, a lápis, a palavra utente. Utente de quê?...
sexta-feira, 22 de setembro de 2017
Abel Botelho 5
Havia primeiro uma sorte de pequeno pátio interior, ladrilhado a tijolo, com portas abrindo sobre imundas cafuas em esconso, que promiscuamente serviam de depósito de géneros e quartos de dormir. Uma outra porta, em frente da entrada, dava serventia para uma grande sala em osso, assimétrica e oblonga, o teto sem forro, nua ainda na sua provisoria aspereza a taipa escura das paredes, e onde a intensa absorção da luz, por efeito da ausência quase completa do branco, junta com um espesso véu de fumo sobrenadando, apagava as arestas, comia os contornos, emprestava aquele vasto cenário um ar fantástico, impedindo a nítida visionação das coisas.
Entretanto, via-se logo porção de gente abancada contra as duas compridas mesas paralelas, que longitudinalmente tomavam toda a quadra. Difusas, vivas, em todos os sentidos cruzavam-se as conversas; um estrupidante rumor de interesse reboava alto no recinto, por entre o alegre tilintar dos copos e o lento espiralar dos rolos de fumo dos cigarros. Da asna central do teto - cuja ossatura pelintra, a descoberto, acusava a grade irregular das vigas e permitia contar as telhas - pendia um varão de ferro, tendo nos extremos dois grandes candeeiros de petróleo com para-luz de folha pintado a verde. De roda, numa caótica confusão, vestindo as traves, pejando os cantos, em rima junto ás paredes, por toda a parte riscando cabalísticas sombras, apontavam vagos perfis de arados, ancinhos, foices, aduelas, arcos de pipas, talhas para azeite, rosários de cebolas, pilhas de lenha, um promontório enorme de batatas. Cheirava a feno e a peixe frito; respirava-se um ar morno e penetrante, cumulativo a tasca e a curral, a abegoaria e a caserna.
"Amanhã", Abel Botelho
(Abel Botelho nasceu no dia 23 de Setembro de 1854. Morreu em 1917.)
Entretanto, via-se logo porção de gente abancada contra as duas compridas mesas paralelas, que longitudinalmente tomavam toda a quadra. Difusas, vivas, em todos os sentidos cruzavam-se as conversas; um estrupidante rumor de interesse reboava alto no recinto, por entre o alegre tilintar dos copos e o lento espiralar dos rolos de fumo dos cigarros. Da asna central do teto - cuja ossatura pelintra, a descoberto, acusava a grade irregular das vigas e permitia contar as telhas - pendia um varão de ferro, tendo nos extremos dois grandes candeeiros de petróleo com para-luz de folha pintado a verde. De roda, numa caótica confusão, vestindo as traves, pejando os cantos, em rima junto ás paredes, por toda a parte riscando cabalísticas sombras, apontavam vagos perfis de arados, ancinhos, foices, aduelas, arcos de pipas, talhas para azeite, rosários de cebolas, pilhas de lenha, um promontório enorme de batatas. Cheirava a feno e a peixe frito; respirava-se um ar morno e penetrante, cumulativo a tasca e a curral, a abegoaria e a caserna.
"Amanhã", Abel Botelho
(Abel Botelho nasceu no dia 23 de Setembro de 1854. Morreu em 1917.)
Antônio de Godói
Trovas
Teus olhos da cor da aurora
De uma doçura sem fim...
(Ai! mesmo Nossa Senhora
Não era bonita assim!).
Explana o verso com luxo
Da minha pena em cascata,
Como o esguincho de um repuxo
Numa piscina de prata.
Que minha estrofe em arpejos
Jorre sonora da pena,
Envolta em pompas de beijos
Dos lábios de uma morena.
Teu olhar tendo por cima
Do verso, como um sombreiro,
Procuro engastar na rima
Todo o rubi de uma joalheiro.
Tu me puseste quebranto,
Sem ti não posso passar,
Quero viver como um santo
No nicho do teu olhar.
Cheio de amor e de graça
Vejo-te em tudo o que vejo...
Hei de beber numa taça
O vinho bom de teu beijo.
Eis armada a minha tenda
Onde há de pousar a rima:
Por baixo um metro de renda,
Teus olhos negros por cima.
Longe de ti como sofre
Quem vive do teu olhar...
Fechei minh´alma num cofre,
Mando-te a chave, Guiomar.
Antônio de Godói
(Antônio de Godói nasceu no dia 23 de Setembro de 1873. Morreu em 1905.)
Teus olhos da cor da aurora
De uma doçura sem fim...
(Ai! mesmo Nossa Senhora
Não era bonita assim!).
Explana o verso com luxo
Da minha pena em cascata,
Como o esguincho de um repuxo
Numa piscina de prata.
Que minha estrofe em arpejos
Jorre sonora da pena,
Envolta em pompas de beijos
Dos lábios de uma morena.
Teu olhar tendo por cima
Do verso, como um sombreiro,
Procuro engastar na rima
Todo o rubi de uma joalheiro.
Tu me puseste quebranto,
Sem ti não posso passar,
Quero viver como um santo
No nicho do teu olhar.
Cheio de amor e de graça
Vejo-te em tudo o que vejo...
Hei de beber numa taça
O vinho bom de teu beijo.
Eis armada a minha tenda
Onde há de pousar a rima:
Por baixo um metro de renda,
Teus olhos negros por cima.
Longe de ti como sofre
Quem vive do teu olhar...
Fechei minh´alma num cofre,
Mando-te a chave, Guiomar.
Antônio de Godói
(Antônio de Godói nasceu no dia 23 de Setembro de 1873. Morreu em 1905.)
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