Ele diz que é troglodita, isto é, que fala várias línguas, e pôs no currículo. Poliglotas, costuma explicar, eram os gajos dos dinossauros, com uma moca ao ombro e as mulheres arrastadas pelos cabelos.
terça-feira, 4 de novembro de 2025
segunda-feira, 3 de novembro de 2025
Sete minutos e quatro centímetros
Um pé assim e outro assado
Ele tinha um pé de laranja lima. O outro era normal, perfeitinho graças a Deus: cinco dedos, tarso e metatarso, planta ou sola, peito ou dorso, calcanhar e tornozelo, num total de 26 ossos em razoável estado de conservação. E era bom nas bolas paradas.
domingo, 2 de novembro de 2025
Uma frase enigmática
Agora é assim. Uma pessoa famosa por ser famosa, equilibrada ou tola, por sistema ou em episódio, isso para o caso não interessa, escreve uma palermice qualquer sem sentido nem gramática nas redes sociais, os jornais apressam-se a "noticiar" que essa pessoa famosa por ser famosa, isto é, por dar nos jornais, publicou "uma frase enigmática". E publicam a "frase enigmática". Não se sabe o que é, ninguém sabe nem precisa de saber o que é, mas os jornais "metem" cá para fora. E nisto estamos.
Era tão fácil a morte em Fafe
O testamento
O notário vacilou. Mas leu. O defunto deixava beijos e abraços. Distribuídos pelos inúmeros herdeiros em fracções de zero a 145, consoante o julgado merecimento de cada qual. Dinheiro não havia. Tinha ido todo em putas e vinho verde. Isto é, em beijos e abraços.
A caixa do correio mete-me medo. Não tanto pelas contas da luz, da água ou do condomínio, tampouco pelos avisos das Finanças ou do Tribunal, mas principalmente pelos que me perguntam pelo meu ouro e eu não os conheço de lado nenhum, pelos que me pedem o meu voto e não me conhecem de lado nenhum, pelos que querem comprar a minha casa que eu não quero vender, pelos que me querem vender uma casa que eu não quero comprar, pelos que querem que eu mude de Deus, e agora até pelos que me querem vender a minha morte como se soubessem alguma coisa da minha vida que eu não sei, ainda por cima aliciando-me com extras e regalias redundantes, luxos próprios para defuntos vaidosos, como se por acaso eu estivesse mortinho por fazer figura.
Novos Mistérios de Fafe
É no blogue Mistérios de Fafe que eu publico, desde o início do ano, os meus textos sobre Fafe, sobre vidas, pessoas, usos, falares e acontecimentos do meu tempo de Fafe e após, isto é, sobre o modo como o recordo ou quero recordar. Histórias e memórias pessoais, juvenis e profissionais, velhas amizades, cromos e admirações, cenas gagas ou desgraçadas, pilhérias, peripécias, é o que por lá conto. Entretanto, mantenho activos os blogues Fafismos e Tarrenego!, este, mais generalista e "nacional".
(Mistérios de Fafe pode ser visto e lido em - https://misteriosdefafe.blogspot.com/)
sábado, 1 de novembro de 2025
Os dias trocados
A Igreja Católica tem mais de vinte mil santos e beatos com cartão passado e as quotas em dia. Santos populares, que são apenas três, nossos, e os outros todos. Muitos deles de uma santidade nefasta ou pelo menos altamente duvidosa, mas paciência, agarremo-nos então aos vinte mil. E hoje é dia deles todos. Dia de Todos os Santos. É portanto dia de festa de arromba, a romaria maior da Igreja inteira. Seria de multiplicar por vinte mil, digo eu, o pagode sem fim de um São João, de um Santo António, de uma Senhora de Antime, de um Senhor de Matosinhos, de uma Senhora da Agonia, de uma Senhora dos Remédios, até de um Corpo de Deus, mas não, o povo pega no feriado e vai chorar para o cemitério. Chorar os seus mortos, os Finados, os Fiéis Defuntos. Mas isso é só amanhã, criaturas!...
P.S. - Hoje é Dia de Todos os Santos.
sexta-feira, 31 de outubro de 2025
Com cem mil coiotes!
Branca e radiante
Branca de Neve brincava às casinhas com a casa dos sete anões. Com os anões ela brincava aos médicos. Mas não sei se, hoje em dia, isto se pode dizer.
quinta-feira, 30 de outubro de 2025
Recordações da casinha amarela
A idade não tem idade
Às vezes penso. Que idade terá uma mulher que diz que tem cinquenta anos?
Ameaçava chover. Vi uma daquelas livrarias de campanha montada mesmo à frente do meu nariz, no largo da estação de metro da Trindade, e entrei. A mania dos livros apanhei-a em Fafe, mal aprendi a ler, na biblioteca que na altura se chamava da Gulbenkian e lembro-me muito bem da carrinha cinzenta em chapa canelada, a biblioteca itinerante, que frequentei uma ou duas vezes, mas o meu sítio já era edifício, creio que um primeiro-andar entre a loja do Damião Monteiro e a esquina que dava para a Polícia e em cima ou por baixo da Legião Portuguesa, o que certamente justificaria que fosse ali mesmo em frente a meta de partida e de chegada da corrida de jericos dos 16 de Maio. Entrei, dizia, tornando ao Porto e à livraria bimby. Lá dentro, o refugo do costume ao habitual preço da uva mijona, nada de razoavelmente interessante, mas às vezes nunca se sabe...
Uma simpática funcionária, diria entre os trinta e muitos e os quarenta e poucos, abeirou-se-me e perguntou, de sorriso engatilhado:
- Posso ajudá-lo?
- Ando só a ver, muito obrigado. Mas, já agora, diga-me, por favor: tem alguma coisa do Montalbán?
- De quem?
- Do Vázquez Montalbán, histórias do Pepe Carvalho...
- Quem?
- Pepe Carvalho.
- Saiu este ano?
- Não. No geral, são livros já com uns anitos...
- E o género?
- Policial, talvez. Mas dizer policial é dizer muito pouco. Policial literário e gastronómico, se for possível, e de repente não sei dizer melhor...
- Pepe Carvalho? Esse autor acho que não temos.
- Desculpe. O autor é Manuel Vázquez Montalbán. O herói dos livros é que se chama Pepe Carvalho, detective privado de origem galega e estabelecido em Barcelona, uma espécie de Sherlock Holmes espanhol, mas mais verosímil e versão séculos XX/XXI.
- Então é conhecido em Espanha...
- Quem? Eu?
- Não. Esse tal Pepe....
- Acredito que sim, e em Portugal também. E no resto do mundo, se calhar. Não é que seja abonatório por aí além, mas até já fizeram filmes de um ou dois livros do Montalbán, quer ver?
Resolvi ser eu a ajudar a solícita porém desinformada funcionária. Por falar em Manuel Vázquez Montalbán (1939-2003), eu andava exactamente a reler a Série Pepe Carvalho que as Edições ASA em boa hora começaram e em má hora interromperam, após a eucaliptal intervenção da Leya. Fui à mochila e saquei o "Assassinato no Comité Central", que por acaso acabei ainda na espera desse princípio de tarde. Expliquei à senhora:
- Vê?...
- Ah! Montalbán é que é o autor. Eu estava a perceber que Pepe Carvalho é que...
- Esta era uma belíssima colecção da ASA que infelizmente...
- Ah! Livros da ASA não tenho.
- Mas Montalbán já foi publicado em português por outras editoras, pelo menos pela falecida Regra do Jogo e pela Caminho, se não me engano, há até uns livrinhos de bolso, tenho um, "As Termas"...
- "Assassinato no Comité Central", esse aí...
- Olhe, foi um dos que deram filme. Neste, quem faz de Pepe Carvalho no cinema é, veja lá, o Patxi Andión...
- Quem?
- O Patxi Andión, o famoso cantor espanhol, o cantautor, o poeta, o escritor...
- Não estou a ver...
- Então, o Patxi Andión, ainda outro dia esteve aqui na Casa da Música...
- Não, não conheço. E até gosto de música espanhola, mas não da música pimba...
- Minha senhora, o Patxi Andión...
Ia gastar mais um pouco do meu atamancado latim para explicar à gentil funcionária o que é realmente música pimba e quem era Patxi Andión (1947-2019), também professor universitário, que visitava Portugal desde o tempo do Zip Zip - de Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz -, ia contar-lhe as amizades antigas do basco nascido em Madrid com Ary dos Santos e com Zeca Afonso, ia confessar-lhe as saudades que eu sentia de o ouvir cantar no rádio da nossa casinha amarela, no Santo Velho, em Fafe, eu ainda menino e moço de seminário, de férias, nas vésperas de nos mudarmos para o Assento, "ay Manuela, ay Manuela!", a minha mãe também gostava, punha mais alto, e eu cantava com ganas, engrossando a voz, comovido, revoltado, militante de não sei quê, "rúmbala, rúmbala, rúmbala", mas desisti. Preferi ser agradável e mentir com quantos dentes tenho, e eram todos menos os sisos inferiores. Disse:
- ... Pois, evidentemente a menina é nova demais para conhecer o Patxi, o Pepe e o Montalbán. A menina é de uma geração tipo mais... tipo.
- Ai não se deixe enganar pela aparência. Estou é muito bem conservada... - devolveu-me a amável funcionária, enfim sorrindo, e corando de satisfação e vaidade.
O novo administrador
O fim do papel
quarta-feira, 29 de outubro de 2025
O aeroporto é nosso!
Do monólogo ao solilóquio
Tomou a palavra logo a seguir a si próprio, desvanecido com tamanha facúndia. Falou, falou, falou, até que a voz lhe doeu. Então sentou-se e aplaudiu-se entusiasticamente.
E o que é que Fafe tem? Pois, para além da igreja e do palacete levados ao engano, Fafe tem a Casa do Penedo e a Casa do Santo Velho, na minha rua, e "um enorme parque aquático ao ar livre", embora os indígenas prefiram refrescar-se "no reservatório local chamado Barragem de Queimadela". Para além disso, garante o indesmentível The Sun, Fafe tem "comida e bebida baratas", "restaurantes baratos e hotéis económicos". É pouquinho? Mas é de boa vontade.
Isto aqui vai ser outra vez o fim do mundo, vamos ficar a nadar de camones. E convém que parem imediatamente os estudos uns atrás dos outros que só dão despesa e não vão a lado nenhum. Nem Portela, nem Portela + 1, nem Portela + 2, nem Montijo, nem Alcochete, nem Santarém, nem Pegões, nem Rio Frio, nem Poceirão, nem Beja, nem Monte Real, nem Alverca. Nada disso. O novo aeroporto de Lisboa só pode ser em Fafe! Em Fafe, mais exactamente na freguesia de Golães, cumprindo-se enfim a viperina profecia da maledicência de outros tempos - assunto que metia emigração, maridos fora, mulheres sozinhas, desejo, amantes, adultério, "cornos", portanto "aviões", portanto "campo de aviação", falatório desmoderado, boatos, calúnias pela calada, onzenices, muito veneno e ruindade por parte de quem falava só por falar, e talvez também inveja.
terça-feira, 28 de outubro de 2025
Ben-u-ron, uma questão de fé
Viciado em pastilhas
Tomava pastilhas atrás de pastilhas, mas não havia maneira de melhorar. Eram pastilhas de travão e ainda por cima davam-lhe gases.
segunda-feira, 27 de outubro de 2025
Nem tanto ao mar nem tanto à terra
À batatada
Há muito que andavam esquinudos. Um dia sentaram-se à mesa, barafustaram-se, cresceram-se, amansaram-se, tomaram-se de palavras espertas e resolveram tudo à batatada. Com bacalhau.
O meu sogro tinha uma máxima a respeito de bacalhau que talvez não seja de deitar fora. O Sr. Carvalho, que foi um garfo de primeira enquanto pôde, declarava, na sua infinita simplicidade: - Se me derem bacalhau todos os dias, para mim está muito bem e até agradeço.
Já a minha sogra, que vai a caminho dos 94 anos e continua sem razões de queixa do apetite, tem uma visão mais ampla do universo, outra sabedoria. E defende que a vida é composta por três qualidades. Costuma filosofar, aliás, a esse propósito: - Nem sempre carne e nem sempre peixe. De vez em quando também é preciso comer um bocadinho de bacalhau.
Exactamente. Carne, peixe e bacalhau, as três espécies sobreviventes após a liquidação dos dinossauros. A minha sogra, que nunca na vida deixou o meu sogro ter razão, é que está certa. Este mundo não é só bacalhau. Ainda por cima ao preço a que ele está.
Biblioteca pública (propriamente dita)
| Foto Hernâni Von Doellinger | 
domingo, 26 de outubro de 2025
São Balsemão
Não me lembro de alguma vez ter falado com Francisco Pinto Balsemão (1937-2025). Nada tenho a contar a meu respeito, a propósito da sua morte. Sei que sou o único, mas é assim. Conheci-o, evidentemente. Sempre me pareceu um político sério e, como pessoa, um tipo porreiro. Sobretudo, eu gostava de o ouvir dizer "tamém" em vez de também, porque berço é berço, que se lixe a gramática. Dizem que era um bom patrão, quem me dera tê-lo tido. Agora, se bem conheço o Francisco Pinto Balsemão com quem parece que nunca falei, não creio que ele aprecie particularmente a canonização bacoca que se lhe sucedeu.
No tempo dos jornais
sábado, 25 de outubro de 2025
Os 160 mil benfiquistas
Que seis milhões de portugueses são benfiquistas, isso toda a gente sabe. Fomos assim ensinados desde os bancos da escola de cartilha fascista e, hoje em dia, temos aí as televisões democráticas, de manhã à noite, a baterem no ceguinho, para que não nos esqueçamos de quem realmente manda. Desses inquestionáveis seis milhões de benfiquistas, 400 mil são mesmo benfiquistas, isto é, sócios. Desses exactamente mais de 400 mil benfiquistas, mesmo benfiquistas, 160 mil são mesmo mesmo benfiquistas, isto é, pagam quotas. Destes 160 mil benfiquistas com os papéis em ordem, 7.572 de carne e osso votaram hoje "nas primeiras duas horas", de acordo com a SIC Notícias, e mais de 21 mil "votaram até ao meio-dia", segundo a TVI, provavelmente à boca das urnas, logo à noite então é que vai ser. Há recorde na costa! Um sucesso para o País e, verdade seja dita, isto é melhor do que ver autocarrões de clubes de futebol a irem de um lado para o outro na auto-estrada com os alegados jornalista atrás, a fazerem o relato da viagem, geralmente em nome dos seis milhões de portugueses que são benfiquistas.
Testes em massa
Massa ao quartilho
As extraordinárias descobertas da ciência
A casa dos horrores
| Foto Hernâni Von Doellinger | 
Mais uma vez. Esta casa e este telhado na Vilarinha, Porto, devem ser muito famosos nas redes sociais, virais, desconfio que é assim que se diz, e fotografias em semelhantes preparos devem andar por aí em todo o lado, mas disso não sei. Porque lá passo todos os dias da semana, sei é que os donos desta casa e deste telhado gostam de assinalar com grandes encenações mais ou menos horrorosas as principais datas comerciais do ano, do Natal ao Dia das Bruxas, do Carnaval à Páscoa, do Dia dos Namorados ao Dia de Comer Caracóis pelo Nariz. Eles, os de dentro, chamam-lhe "Casa das Maravilhas". A mim não me parece. Este ano, para o Halloween, a coisa apresenta-se nestes preparos...
sexta-feira, 24 de outubro de 2025
Os cinemas também se abatem
Fitas...Não vá em fitas! Máscara de ferro é uma coisa, testa-de-ferro é outra.
Comecei cedo, ainda de calças curtas e a dar uso nas legendas às primeiras letras que trazia aprendidas da escola. Era o tempo do cinema ao ar livre na parada das traseiras dos velhos Bombeiros, na Rua José Cardoso Vieira de Castro, entre os dois palacetes. Debaixo da escadaria do quartel foi montada uma espaçosa e saudabilíssima cabina de projecção toda ela construída em lusalite, e o terreiro enchia-se de cadeiras e bancos corridos com costas. O operador era o Porinhos, se não me engano, eu via os filmes da janela do quarto do meu padrinho e tio Américo, derivado à falta de idade, depois o cinema acabou sem mais nem menos, sem me avisarem ou explicarem, a parada lá ficou, como o próprio nome indica, e o barraco, de tão jeitoso, aproveitou-se para arrecadação das tralhas do meu avô.
Ainda em Fafe, mais tarde, tornei-me ferrinho do Teatro-Cinema, andei pelas aldeias com o Pimenta, de catrel e altifalantes, a anunciar os "ma-gní-fi-cos" filmes que, pelo Verão, passavam no campo de futebol e eram tão fraquinhos, frequentei bissextamente o salão inacabado do Martinho da Granja, se a memória não me atraiçoa, e fui uma ou duas vezes ao Estúdio Fénix. Entretanto, levado pela vida, tinha-me virado para Braga - São Geraldo e Teatro-Circo -, e para Guimarães - São Mamede e Jordão. Vi cinema, de forma avulsa e por exemplo, em Vila Real, Figueira da Foz, Amadora, Lisboa, Dublin, Roma, Manchester ou Bordéus, onde de momento estivesse e pudesse.
Instalei-me no Porto e não me escapou um: Águia D'Ouro, Batalha, Carlos Alberto, Charlot, Coliseu, Estúdio, Estúdio Foco, Estúdio 400, Júlio Dinis, Lumière, Nun'Álvares, Passos Manuel, Olímpia, Pedro Cem, Rivoli, Sá da Bandeira, Terço, Trindade, Vale Formoso, Chaplin, em Leça da Palmeira, e até o Vitória, na Circunvalação, mas tecnicamente do lado de Rio Tinto, Gondomar.
E agora, que é deles? Onde estão os velhos cinemas do Porto? Fecharam todos? A cadeado? Foram todos ao shopping e perderam-se? Eu sei que também não vou ao cinema há mais de um quarto de século, mas a culpa não é minha: é do meu filho, que cresceu, e isso realmente faz-me diferença.
Compras na net
quinta-feira, 23 de outubro de 2025
Corino de Andrade, o génio imperfeito
O princípio da sabedoria
O princípio da sabedoria é a letra esse. Essa é que é essa.
Contou-me: aliciaram-no para que escrevesse as suas memórias - recusou, era "uma chatice". A lisonja, a ele, batia-lhe com o nariz na porta. Pretenderam homenageá-lo. Disse-me: "Não quero homenagem nenhuma, Deus me livre! Eu tenho horror, uma espécie de alergia urticária contra as homenagens. É uma chatice. O excesso de homenagens em Portugal é um mau sintoma".
Entusiasmado pelo singularidade daquele encontro, não segurei em mim que não fizesse uma das perguntas mais estúpidas de toda a minha vida profissional: - Mas o senhor doutor deve estar orgulhoso por ter descoberto uma doença, por ver o seu nome ligado a essa doença, não é?...
"Não, meu caro senhor, não é", atalhou mansamente o Dr. Corino de Andrade, com a paciência dos sábios e a astúcia dos malandros, para imediatamente me martelar pelo chão abaixo, com toda a veemência: "Seria um orgulho muito grande ter o meu nome ligado a uma cura, isso é que era genial, mas tê-lo ligado a uma doença, essa é a maior das chatices"...
O Dr. Corino morreu seis dias depois de ter completado 99 anos. E era diferente, não era?
Não coma, fotografe! (e verá que emagrece)
As melhores intençõesDe boas intenções está o frigorífico cheio. Depois, evidentemente, é preciso saber cozinhar.
O jornal Público ensinou-nos o que se deve fazer quando "um prato absolutamente fenomenal (ou não tão fenomenal assim) chega à mesa". Foi aqui atrasado, mas vale a pena relembrar. E então como é que é dado fazer? O que fica bem, hoje em dia? "Come-se? Não, primeiro fotografa-se". E coloca-se no Instagram. Isso. Foi o que o jornal mandou. Depois, suponho, mas isto já sou eu a dizer, pede-se a continha, paga-se sem comer, porque a comida entretanto ficou fria, sai-se de casa ou do restaurante chique, enfia-se o boné até às orelhas e vai-se à Esquiça enfardar duas ou três doses de tripas, bem quentinhas, tão em conta, tão comidinha simples, de confiança, previsível, maravilhosamente monótona e humilde, dispensando, por isso, retratos, emojis e outras peneirices. Eu não sei o que é o Instagram (aliás cuidava que se chamava Instragam e só mudei de ideias ainda agora, depois do computador me corrigir cinco vezes), e nem me aquece nem me arrefece que pensem que estou a mangar. Sei é de cozinha, de comida, e de jornalismo também dou uns toques, modéstia à parte.
Vamos supor: um prato realmente "absolutamente fenomenal" como, para não irmos mais longe, um arrozinho de grelos com fanequinhas fritas, à moda do que se fazia em Fafe e eu faço cá em casa. Chega à mesa e tira-se-lhe fotografias - deste e daquele lado, do direito e do avesso, de ângulo aberto ou fechado, visto de cima ou de baixo, de luz acesa ou com flache, esperando que o vapor se evapore, que só embacia - em vez de se lhe garfar com toda a galhardia? Então vou explicar o que se passa neste ínterim: o malandro do arroz coalha, fica arroz de hospital, como lhe chamávamos, argamassa de atirar às paredes, e as fanecas, esse peixinho tão honesto e merecedor, esfriam, perdem a graça, afeiam-se, desapetitam-nos. Uma calamidade!
E atenção que as fanequinhas frias ainda vá lá, mas no tasco e no Verão. E verão que tenho razão (esta veia poética que não me larga), quando um dia perderem a cabeça e experimentarem, o Verão e o tasco. Já o arroz segue directamente para o balde do lixo, tamanha dor de alma ainda por cima nestes tempos agrestes de cotão nos bolsos e tanta fome na rua.
Também é verdade: há pratos que são como a vingança, devem ser servidos frios, e por isso até se chamam pratos frios. E estes podem ser fotografados à vontade, à moda das sessões de casamento, quero dizer, entre as oito da manhã e as seis da madrugada do dia seguinte, sempre a dar-lhe. Quanto ao resto, se for possível, ficai quietos! Creio que posso dizer melhor: respeitosamente, comei fotografias à vontade se, tipo, vos souber bem, se vos fizer bem, ele há dietas para todos os gostos e de todos os feitios, mas, e este é o limite, a famosa linha vermelha, não me instagreis a comidinha a sério (à séria, se por azar lido em Lisboa).
Já agora, para os mesmos: um tasco é um tasco. Uma tasca ou uma tasquinha são outra coisa...
Dobrada à moda do Porto
Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo...
(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.
quarta-feira, 22 de outubro de 2025
O Céu pode esperar
Para falar com Deus
Tomou horas, foi para a fila, tirou senha, esperou vez, chamaram-lhe o número, acostou finalmente ao balcão das informações e perguntou: - Para falar com Deus, falo com quem?...
terça-feira, 21 de outubro de 2025
O autógrafo do Tino
De resto, para mim, o Tino de Rans é praticamente presidente da república. Por isso guardo com tanta vaidade o livro e o autógrafo com que ele me agraciou.
segunda-feira, 20 de outubro de 2025
Fafe era o fim do mundo
Dou abraços em segunda mão
Caro Amigo,
Lembrei-me de te escrever hoje. Há que tempos, não é? Andei a mexer nas gavetas, faço-o uma vez por ano, sei lá eu porquê, e no meio da papelada encontrei meia dúzia de abraços antigos mas ainda em razoável estado de conservação. É o que me resta. Acho que é uma pena deitá-los fora. Vou mandar-te um. Espero que te sirva.
De Fafe, ia-se para a guerra de comboio. A Fafe, chegava-se da França de comboio. Fafe e o comboio eram unha com carne. A Estação, assim com maiúscula, era a nossa praça de despedidas e reencontros, o nosso vale de lágrimas.
Passou-se. Depois, sem mais nem menos, os fafenses foram todos para os carros a duzentos à hora, pelo menos três carros em cada família, e a automotora começou a madrugar só para mim, para me levar ao namoro no Porto e tornar-me a casa à noite, eu sozinho como passageiro, às vezes no Inverno lá à frente na cabina, gentilmente convidado, junto com o maquinista e o revisor, para aproveitar o aquecimento. Fafe desistiu do comboio, mas em grande estilo, coupé, mandou-o dar uma curva e queixou-se muito quando lho "tiraram". Hoje em dia faz-lhe festas.
E que se segue? Actualmente o fim do mundo é em Guimarães. É lá que está o muro. Para além dali, nada. É um fim do mundo indoor, asmático e com luzinhas de discoteca, uma boa merda à beira do nosso fim do mundo antigo, que era outra categoria, tomaram eles - ao ar livre, com couves, tomates, cheiro a alfádega e só saúde, nem tem comparação, espraiando-se pelos quintais e campos de Sá. Ainda por cima, o nosso fim do mundo era feminino: dizia-se em Fafe, não sei explicar porquê, "a" fim do mundo - muito à frente em termos de sexo, género ou lá o que é.
O mundo está, portanto, mais pequeno. Isto é científico. Mingou 14 quilómetros. Este aperto mundial, de mais a mais num tempo em que os bons vão caindo como tordos, daria jeito para que nos aconchegássemos um bocadinho, para que partilhássemos olás de boca, para que nos abraçássemos com abraços de carne o osso, para que vivêssemos ao vivo, e no entanto apartamo-nos cada vez mais uns dos outros, cada um por si e todos digitais em parte incerta, de cabeças enfiadas em caixinhas de cores com teclas ou figurinhas de arrastar com os dedos. E depois levamos com pandemias que nos transformam em ilhas, e quase morremos com um simples "apagão", sós e abandonados. Assustados. Até parece que estamos definitivamente condenados, proibidos uns dos outros.
Ia-me esquecendo: a outra conclusão a tirar, e igualmente científica, é que Fafe já não é deste mundo.
Em português diz-se bullying
| Foto Hernâni Von Doellinger | 
domingo, 19 de outubro de 2025
De bucho cheio
Pela família, tudo!
Convidou a parentela considerada mais próxima, vinte pessoas e treze crianças. Marcou restaurante para as duas em ponto. Encomendou azeitonas, bacalhau assado no forno e tripas à moda do Porto, bebidas e sobremesa à escolha de cada qual. Pediu pratos de plástico, copos de plástico, talheres de plástico, correntes de ar, moscas e se possível formigas. Era a sua vez de organizar o tradicional piquenique de família e ele queria tudo como deve ser.
sábado, 18 de outubro de 2025
Às vezes mando passear o telemóvel
P.S. - Hoje é Dia Internacional da Preguiça.
sexta-feira, 17 de outubro de 2025
Ser pobre é uma chatice
A gula é pecado. Mas a fome não. O catecismo só pode estar errado.
Havia o clero, havia a nobreza e havia o povo. E isto estava muito bem percebido. Depois apareceu a burguesia, que meteu um bocado de nojo, amantizando-se com o clero, com a nobreza e com o povo, consoante, porque a burguesia é deveras dada a promiscuidades. E a seguir, mas isto já foi um a seguir que demorou muito tempo e ainda está a doer, veio o proletariado, lá do fundo do fundo do clero, da nobreza, do povo e da burguesia que estava distraída a chá e torradas. E do sarro dos pés do proletariado, tipo cogumelos, renasceram os pobres, que aqui atrasado eram uns desgraçados que em dias certos batiam à porta da nossa casa, em Fafe, a pedirem "uma esmolinha por alma de quem lá tem". Pediam-nos a nós, porque nós éramos pobres, mas menos pobres do que eles.
Sei muito bem como tudo isto já funcionou em Portugal. Antes do 25 de Abril de 1974. E era desde os bancos da escola - da Escola Primária - que se aprendia, na carne, e com a crueldade própria daquela idade, a diferença entre ricos e pobres. A diferença entre os que tinham tudo e os que não tinham nada. A diferença entre a pasta de cabedal e a sacola de pano. A diferença entre os que escreviam em cadernos e os que ainda usavam a lousa. A diferença entre os meninos ricos que nunca apanhavam do professor e os miúdos pobres que levavam pancada de criar bicho. A diferença entre o sapatinho de verniz e as chancas ou o pé descalço. A diferença entre os que traziam lanchinho com pãezinhos com manteiga e marmelada e os que pediam a senha para ir comer uma sopinha. Pediam.
Exactamente: a sopa e a senha. Naquele tempo - no tempo em que os rapazes não se misturavam com as raparigas e os ricos também não se misturavam com os pobres -, as escolas não tinham cantina e havia muita fome. Havia uma espécie de cozinha, às vezes num edifício anexo ou próximo, e ali servia-se uma sopa. Assim acontecia na minha Escola Conde Ferreira. Era só atravessar a estrada, mesmo em frente.
Para terem direito à sopa, os miúdos pobres pediam todos os dias uma senha, que era um pequeno quadrado de papel com um carimbo e um sarrabisco feito pelo professor armado em médico. Pôr um carimbo vitalício na testa de todos os pobres, dos pobres pobres, para que o aparelho do Estado pudesse saber imediata e inequivocamente quem podia ou não comer a sopa, teria sido talvez uma melhor ideia, mas a verdade é que a coisa não foi por aí.
Claro que já então - no antes do 25 de Abril de 1974, repito, que de verdade existiu - havia quem tivesse vergonha de ser pobre, quem tivesse vergonha de ser apontado publicamente como pobre, e preferia passar fome. Eu sei que não falta por aí quem sustente que fome é um conceito muito relativo, mas eu acho que é cada vez mais uma realidade copulativa, não sei se me faço entender.
Para quem não sabe ou não se lembra. No casarão onde era servida a sopa às crianças pobres da escola de Fafe, em condições sem condições nenhumas, funcionaram também, que me lembre e não sei se coincidindo, a Câmara Municipal, o centro de saúde e os serviços municipalizados de água e electricidade. Fui lá uma vez, à sopa, para ver como era. E não gostei.
quinta-feira, 16 de outubro de 2025
Comer com os olhos
Miss Universo
Miss Universo desejou paz mundial, amor e pão para todas as crianças. Aniceto desejou Miss Universo.
Um ou dois minutos depois, o homem sai. Olha para o amigo que o espera, não falam, e desandam dali no mesmo passo descomprometido com que tinham chegado. Deixo de os ver. Fico a imaginar que vão a outro restaurante, fazem a mesma cena mas trocam de papéis. Assim, à vez, vão comendo com os olhos e já ficam almoçados. Melhor do que ir mastigar o papo seco de nariz amarrotado contra a montra do talho, como vi uma vez em Fafe.
É. Comer com a boca, qualquer dia, vai ser só uma força de expressão.
quarta-feira, 15 de outubro de 2025
Chancas à porta
| Foto Hernâni Von Doellinger | 
Gato-sapato
Faziam dele gato-sapato. Quarenta e dois, biqueira larga.
As chancas eram de pobres. De gente do campo, rota e remendada. Suja. E de choro e ranho em casa, ó mãe eu tenho vergonha de ir assim para a escola, quero uns sapatos como os outros meninos. Efectivamente, os meninos ricos tinham sapatos, botas e sandálias, consoante a estação do ano no tempo em que havia estações do ano, e os paizinhos dos meninos ricos, depois de razoavelmente gastos os sapatos, as botas e as sandálias dos filhos, vendiam o calçado aos pais dos meninos pobres. Vendiam. Na minha terra, os paizinhos dos meninos ricos eram muito ricos e muito da religião e da santamissinha e das procissões e vicentinos, mas vendiam aos pobres - não davam. Vendiam. Se calhar por isso é que eram ricos. Quem dá aos pobres empresta a Deus, quem vende aos pobres é que se safa. Alguns safaram-se, amém.
Chancas é calçado de pau, valha-me Deus! E, no entanto, chancas era bom. Porque abaixo de chancas eram socos, ainda mais miseráveis e lavradorescos, e abaixo de socos era descalço. Sim, descalço. Andava-se descalço no Portugal pré-25 de Abril. Andava-se descalço por necessidade, e quem andasse descalço era multado pela polícia, ia para o posto e até podia acabar na Pide e na cadeia.
Ora, as chancas. As chancas, exactamente como as galochas, estão agora na moda e caras. Suponho que os netos, as netas, os bisnetos e as bisnetas dos ricos da minha terra correm todos a comprar chancas, envergonhando os antepassados que faziam pouco dos pobres chancudos e antigos. Anacrónicos por maldição, os pobres da minha terra calçarão modernamente sapatinho dirópito - e choram por andarem toda a vida ao contrário. Choram. E eu só me dá para rir.
À conclusão: ao andar, as chancas e os socos, batendo em cheio no chão, faziam um basqueiro desgraçado. Dentro de casa, naqueles velhos soalhos gastos, carunchosos e periclitantes, então era um autêntico terramoto, aliás muito bem aproveitado como fundo musical pelos ranchos folclóricos. Mas no dia-a-dia antigo, doméstico, as chancas e os socos ficavam à porta, do lado de fora. Por causa do banzé, da lama e da terra que traziam agarradas dos campos e do quintal, e evidentemente derivado ao insuportável chulé. Insuportável mas honrado.
A reinvenção das galochas
terça-feira, 14 de outubro de 2025
Eleições, futebol, tropa e alguma batota
Dão-se alvíssaras
Perdeu a cabeça e pôs anúncio no jornal. Faz-lhe muita falta.
segunda-feira, 13 de outubro de 2025
As rosas do coveiro Gusto Sardão
O caminho da Felicidade
É fácil, facilíssimo. Sempre em frente até ao largo da igreja, vira à direita pela rua com árvores, passa pelo campo da bola e pela sede, torna à esquerda e logo na esquina, encostada ao café e depois do funileiro, há uma casa pequenina com porta vermelha e vasinhos floridos na janela: é aí que ela mora. Ela e os dois filhos. Cuidado com o cão!
No jardim dos meus sogros havia meia dúzia de roseiras razoavelmente produtivas e formiguentas. As flores vinham sempre cá para casa, as formigas às vezes também. Cinco das seis roseiras do jardim dos meus sogros davam rosas vermelhas, mas daquele vermelho sanguíneo, belíssimo, rosas de livro, de cartaz e de filme, e cheiravam a nada, coisa nenhuma, como se fossem de supermercado, de plástico. A outra roseira, exemplar único, logo à entrada, dava umas rosas cor-das-mesmas, numa corzinha envergonhada e pálida, quase pedindo desculpa, e porém manda-me cá para fora um perfume que inebriava a léguas.
Abençoado cemitério que semelhantes rosas deu. Abençoado. Um cemitério assim é uma provocação, um desafio lançado a quem não acredita em nada para além do óbito. Um cemitério como o do coveiro Gusto Sardão dá sentido e utilidade ao serviço pós-morte, mesmo ao pós-vida dos incréus. Deve ser um conforto morrer sabendo que ao menos seremos estrume. E de rosas. Rosas subtis e perfumadas, rosas extraordinárias.
domingo, 12 de outubro de 2025
Até os mortos se salvaram
Os fiéis defuntosA vantagem dos fiéis defuntos, com o devido respeito, é que não se armam em mortos-vivos. E isso, hoje em dia, já é um descanso.
Passou-se um, passaram-se dois, três, quatro, cinco dias, e o galo ali, possivelmente já com o serviço feito e portanto sem mais poderes para gastar, mas nem assim alguém ousou sequer tocar-lhe. O pessoal da Junta de Freguesia, executivo e funcionários, reuniu extraordinariamente e foi unânime, cada um passou a encomenda para o que vinha atrás, ou abaixo, "Eu não, bruxedos comigo não", até que a vizinhança viva reclamou que já não aguentava com semelhante fedor, ciciando padres-nossos e ave-marias, de terço na mão e muitos sinais da cruz mas feitos ao contrário, não fosse o diabo tecê-las...
Ora, o fedor, como toda a gente sabe, é problemática que sobe a instância superior, à alçada camarária. Em conformidade, foram requisitados os serviços de limpeza da cidade, que chegaram ao local do sinistro tarde e a más horas e resolveram o assunto em três penadas. Isto é: não fizeram nada. "Eu também não, bruxedos comigo não", disseram os almeidas, que no Brasil são garis.
Perante o impasse, alguém tirou a mola de roupa do nariz e alvitrou que o Governo mobilizasse os Comandos da Amadora ou enviasse para o terreno o Grupo de Intervenção de Operações Especiais da GNR, outro pediu a presença da Brigada de Minas e Armadilhas da PSP, o espertalhão do costume recomendou o Putin ou o Netanyahu, se era para rebentar com aquilo tudo, um dos dois chegava e sobrava, e a Ermelindinha, catequista e sacristã derivado à escassez de mão-de-obra qualificada, ainda sugeriu que se mandasse chamar o Bruxo de Fafe para fazer a competente marcha-atrás à coisa, tornando seguro o seu manuseamento. Mas a Junta não dispunha de verba orçamentada para pagar a especialistas.
Foi quando um dos da Câmara se lembrou que o Canil Municipal tem um camião com um gancho hidráulico muito jeitoso, uma espécie de braço mandado que podia solucionar mecanicamente aquele problema bicudo, com os homens ao largo e, portanto, sem risco de contraírem agoiros, porque os agoiros, como é do conhecimento geral, têm um certo e determinado raio de acção, potente mas limitado. E assim foi. Ao sexto dia, o todo-poderoso veículo veio e levou a coisa, para sossego enfim de todos os moradores da zona, vivos e mortos, amém.

