quarta-feira, 18 de junho de 2025

Comer da boca para fora

Hoje é Dia Internacional do Sushi, Dia Internacional do Piquenique e Dia da Gastronomia Sustentável. Com tanta fartura num dia só, não me venham dizer que há fome em Portugal.

Sushi à moda de Fafe

Fazei o obséquio de tomar nota! Sob o generoso fio corrente de água fria da torneira, desfiar meticulosamente uma boa posta de bacalhau da peça, sem pele e sem espinhas. Passar os fiapos do bacalhau por mais uma, duas ou três águas, sempre frias, agitando-o, ao bacalhau, e espremendo-o, até que fique no ponto de sal. Regar com azeite do melhor e três ou quatro pingas de vinagre, cobrir e misturar com cebola cortada às rodelas bem fininhas, picar um quase nada de alho, salpicar ao de leve com pimenta branca e enfeitar com azeitonas pretas. Está pronto! Sushi de bacalhau à moda de Fafe - inesperado, inovador e chique. Os antigos chamam-lhe punheta.

P.S. - Publicado originalmente no meu blogue Mistérios de Fafe. Hoje é Dia Internacional do Sushi.

Também faço isto muito bem!

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Mijar de mãos-livres

Nunca tinha visto. Um indivíduo, jovem, bem apessoado, tipo actor de telenovela, no urinol da impecável casa de banho do restaurante, mesmo ao meu lado, a mijar sem mãos. Ou, por outra, a mijar de mãos-livres, porém ocupadas. Palavra de honra. Eu fiquei varado! Porque o rapaz não era maneta, pelo contrário. As mãos estavam entretidas com o telemóvel, a mandar mensagens, não sei se também fotografias, o moço deveras compenetrado na operação, e enquanto isso, lá em baixo, mijava-se satisfatoriamente, era o que se ouvia, é o que suponho, porque, a verdade também é só uma, eu não fui lá espreitar...

Pela medida grande

Uma infusa de satisfatórias dimensões. Vinho, branco ou tinto, e açúcar, de preferência amarelo, à moda de Fafe. Mexe-se com uma colher, se houver, ou com os dedos. Da mão. Junta-se-lhe cerveja ou, para coninhas, seven up. O equilíbrio das quantidades fica ao gosto do fabricante. Chama-se a isto "receita" ou "remessa" e deve beber-se bem fresco, mas sem gelo, porra! Os coninhas podem chamar-lhe cocktail...

Ora bem. Hoje é Dia Internacional das Remessas Familiares, e neste caso as quantidades devem ser calculadas, ajustadas e acrescentados em função do número de parentes presentes. Se, em famílias mais numerosas e capazmente apreciadoras, uma infusa não for suficiente, então a remessa pode muito bem ser elaborada e servida num cântaro, num balde, num alguidar, numa bacia, no depósito da água, no tanque ou na banheira, se estiver de vago.

P.S. - Hoje é Dia Internacional das Remessas Familiares.

domingo, 15 de junho de 2025

Fafe já tem época balnear

Foto Hernâni Von Doellinger

Leio no Facebook do Município de Fafe que a "época balnear abriu oficialmente hoje e a Albufeira da Queimadela está pronta para receber a visita de todos", e dou por mim a sorrir. Fafe tem a sua própria época balnear sem precisar de ir para a Póvoa, quem havia de dizer, que coisa tão estranha para um tipo antigo como eu! Sobral de Monte Agraço teve, à altura, o seu parque infantil, que saiu no Tide, e Fafe agora também tem época balnear, como os outros brasis e algarves. Que extraordinário!
O meu irmão Nelo bem dizia, em pequeno, que, quando fosse grande, ia mandar construir uma praia em Fafe, com mar e tudo. Não foi ele, por acaso, mas alguém a construiu, e em boa hora, ela aí está, a nossa praia, ele aí está, o nosso mar, o sexto oceano, como já aqui expliquei, e já aberta ao expediente, a praia, afinadíssima "para receber a visita de todos", tal e qual como, por exemplo, a congénere ali do retrato supra, a Praia de Matosinhos, mesmo debaixo do meu nariz e eu nem lá ponho os pés, tenho medo de me afogar no areal. Quem dera que "todos", na nossa Barragem, nunca sejam assim tantos...
Para mim, no meu tempo, antes da construção do nosso mar, Fafe tinha três esplêndidas estâncias balneares: o Poço da Moçarada, o Comporte e Calvelos. Eu sou, aliás, especialista em balneários. Conheci muito bem os balneários do Campo da Granja e ainda cheguei a entrar nos balneários do Campo de São Jorge, então já oficialmente desactivado, mas funcional para jogos escolares ou de solteiros contra casados. Eu seria miúdo de escola primária, se tanto, e era a minha época balnear. Quando o Estádio começou a ser construído, os balneários da AD Fafe foram atamancados na cave do quartel dos Bombeiros e passei a ser freguês diário das instalações, numa amizade sem fim com o Senhor Zé Manquinho. Nas férias do seminário, não tinha água quente em casa, e era ali que eu tomava banho duas ou três vezes por semana, antes dos jogadores chegarem para os treinos e sem estorvar o despacho. Mas isto já são histórias para contar um destes dias no meu blogue Mistérios de Fafe...

(Publicado ontem no meu blogue Fafismos)

Cuidado com as correntes de ar!

Evite sair de casa. Feche bem, reforce e proteja janelas e portas. Fixe todos os objectos exteriores que possam ser arrastados, recolha cadeiras, mesas, toldos e guarda-sóis. Vá para dentro! Se tiver mesmo de ir à rua, mantenha a calma e abrigue-se em lugares seguros, não toque em cabos ou fios eléctricos, afaste-se de árvores, materiais suspensos com risco de queda e superfícies envidraçadas. Na estrada, limite a velocidade e redobre cuidados especialmente se conduz veículos longos ou com reboque. Não saia da viatura, feche vidros e ligue as luzes de sinalização, mantendo-se longe dos edifícios. Isso mesmo. Pode não parecer, mas hoje é Dia Mundial do Vento. E, num dia assim, tudo pode acontecer...

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Vento.

sábado, 14 de junho de 2025

Esta mania das grandezas

Para o Guinness
E finalmente colocou a melancia em cima do bolo. Era um bolo para o Guinness, é preciso que se note...

Portugal tem a Maior Renda de Bilros do Mundo, o Maior Arroz de Lapas do Mundo, a Maior Aula de Judo do Mundo, a Maior Aula de Surf do Mundo, a Livraria Mais Antiga do Mundo, o Maior Sobreiro do Mundo, a Maior Sardinhada do Mundo, o Maior Assador de Castanhas do Mundo, a Maior Concentração de Motas Antigas do Mundo, o Maior Pão com Chouriço do Mundo, o Maior Número de Não-Mágicos a Fazer Um Truque de Magia Num Único Local, a Maior Largada de Bolas do Mundo, o Maior Castelo Insuflável do Mundo e um Megaprato de Bacalhau Dourado que é o maior do mundo, tudo devidamente homologado pelo Livro dos Recordes do Guinness. Tem igualmente o Jornal Mais Pequeno do Mundo, a Maior Distância Percorrida em Cadeira de Rodas por 24 Horas, a Maior Omeleta do Mundo, a Maior Colecção de Garrafas de Uísque do Mundo, o Maior Número de Aviões de Papel Lançados Simultaneamente, o Maior Logótipo Humano do Mundo, o Maior Número de Horas Seguidas a Tocar Bateria, a Maior Onda Surfada, o Maior Número de Toques Numa Tecla de Piano Num Minuto e o Aplauso Mais Ruidoso do Mundo. Para além disso, tem ainda o inesgotável Cristiano Ronaldo, que, só à sua conta, dá ao país mais de trinta recordes, sem exagero. Com exagero, serão mais de cem...
E apenas falando em cometimentos nacionais que não metem polícia nem dão cadeia, como são os casos, por outro lado, do tráfico humano, da corrupção generalizada, da incompetência política e do desbarato dos dinheiros públicos, que isso então, upa upa, ninguém nos agarra. Pois é. Somos um país pela medida grande.
É também nosso, e oficialmente certificado, o Maior Andor do Mundo: costuma sair à rua na Aparecida, em Torno, Lousada, a meio de Agosto. O famoso andor mede de alto quase 23 metros, pesa tonelada e meia e é transportado, diz-se, por mais de cem homens do sexo masculino. Aqui há uns anos, durante a procissão, o maior andor do mundo virou, caiu e feriu sete pessoas, número que infelizmente ficou muito longe de constituir recorde. E seria mais um para a conta. O desastre estava, no entanto, previsto: Deus, que gosta pouco de abusos de confiança, já se sentira incomodado com a Torre de Babel, e armou a confusão que se sabe...
Eu se fosse aparecidense - aparecidense e festeiro - e também tivesse a vaidade de pôr o nome da terra no índice do Livro dos Recordes, seria porém mais modesto, terreno e prático do que os construtores em altura. E não ia muito longe. Ficava-me ali pelas redondezas da capela e chamaria os do Guinness para provarem o cabrito assado no forno da Pitarisca. Evidentemente o melhor cabrito assado do mundo, estou farto de dizer, e não é preciso usar capacete.

(Na Aparecida, por alturas da romaria, compram-se nas tendas de feira sapatos muito jeitosos e vitalícios para se ir a casamentos de sobrinhos. As Festas da Senhora da Aparecida são, este ano, de 11 a 15 de Agosto. A "Majestosa Procissão", com o "Tradicional Andor Grande", sai a 14, uma quinta-feira.)

P.S. - Extra! Extra! Extra! Mais um recorde para Portugal. De acordo com notícia do jornal digital O Minho"Vila Verde acaba de conseguir a maior concentração do mundo de pessoas a dançar o vira minhoto, anunciou a Câmara de Vila Verde". Muitos parabéns a Vila Verde, que "entrou para a história" derivado ao "momento inesquecível de tradição, união e orgulho minhoto", pelo menos é o que acha a Câmara. Espero que os nazis não saiam por aí a bater nas pessoas, só para festejar...

As pancadas de Jean-Baptiste Poquelin

Quando elas morriam de pé
"Morta por dentro, mas de pé, de pé, como as árvores", dizia a Senhora Dona Palmira Bastos, batendo altaneira com a bengala no tablado, na beleza insubstituível do preto e branco da televisão antiga. A queridíssima Senhora Dona Palmira Bastos tinha quase noventa anos e ainda não sabia das motosserras, do urbanismo autárquico em Portugal e da Amazónia no Brasil.

O francês Jean-Baptiste Poquelin inventou as famosas pancadas de Jean-Baptiste Poquelin, as quais, secas e consecutivas, batidas no piso do palco, anunciavam ao público o início de um espectáculo teatral. Alguém alvitrou, no entanto, que chamar pancadas de Jean-Baptiste Poquelin às pancadas de Jean-Baptiste Poquelin não tinha jeito nenhum, até soava mal ao ouvido, e que chamar-lhes, por exemplo, pancadas de Molière seria muito mais engraçado. Tinha razão. As pancadas mudaram então o nome para Molière e Jean-Baptiste Poquelin também. Assim se passaram as coisas.
A primeira vez que eu as ouvi, às pancadas, foi em Fafe, no nosso Teatro-Cinema, há bem mais de meio século. Teatro amador, mas pancadas profissionais, competentes. Era a récita de "Selo de Chumbo", um dramalhão em três actos de Armando Tavares, levado à cena pela prata da casa, com, entre outros e outras que infelizmente me fugiram da memória, Nélson Fafe e o Sr. Moreira, enormes actores e ensaiadores, o Tónio da Legião, estou em crer, e até o meu padrinho Américo terá tido um pequeno papel, coisa de uma deixa, duas palavras, mais não, entrada por saída, numa interpretação que ficou para a posteridade. O final da peça, se bem me lembro, era de fazer chorar as pedras da calçada...
As pancadas de Molière foram entretanto substituídas por apitos ou campainhas e por uma voz de altifalante que manda desligar os telemóveis.

P.S. - Versão optimizada, publicada no meu blogue Mistérios de Fafe.

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Monumentos ao Emigrante, em livro


O livro "Monumentos ao Emigrante - Uma Homenagem à História da Emigração Portuguesa", do historiador Daniel Bastos e do fotógrafo Luís Carvalhido, vai ser apresentado amanhã no Porto, pelas 16 horas, na Livraria Unicepe. A obra, bilingue, com tradução de Paulo Teixeira, é prefaciada por Onésimo Teotónio Almeida e conta com o posfácio de Maria Beatriz Rocha-Trindade. A apresentação estará a cargo do jornalista Mário Augusto.
"Monumentos ao Emigrante - Uma Homenagem à História da Emigração Portuguesa" assenta no levantamento dos monumentos de homenagem ao emigrante, ou intrinsecamente ligados ao fenómeno emigratório, existentes em todos os 18 distritos de Portugal continental e regiões autónomas da Madeira e dos Açores.

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Os santos impopulares...

Hoje é dia de Santo Onofre, considerado, por exclusão de partes, um dos mais de vinte mil santos impopulares da Igreja Católica. Por tradição, na noite de Santo Onofre desfilam as marchas em Lisboa e comem-se sardinhas assadas, mas isso é já derivado ao santo do dia de amanhã, o nosso Santo António, um dos três únicos santos da corda - Santo António, São João e São Pedro, os santos populares, virais, com milhões de seguidores e, há quem acredite, algumas visualizações.

P.S. - Hoje é Dia de Santo Onofre.

E ao morrer renasci

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Chester, para todo o serviço

Lembrais-vos do futebol de salão? O que é que me vinha à cabeça quando se falava de futebol de salão? O salão. Uns cavalheiros vestidos de fraque e com um número nas costas e umas cavalheiras despidas nas costas e no resto, agarrados um ao outro e rodopiando pelo salão nobre do Teatro-Cinema como Fred Astaire e Ginger Rogers e uma bola pequenina no meio, um árbitro e o apito, um júri e tabuletas com pontuações. Para evitar ambiguidades, o futebol de salão passou a chamar-se futsal, joga-se em polidesportivos, como, por exemplo, no pavilhão do Grupo Nun'Álvares, e é o sucesso que se sabe...

Matt Dillon era o xerife de Dodge City, e Chester o seu leal escudeiro. Naquele tempo todos queriam ser Tarzan ou Mandrake, Buck Jones ou Fantasma, Mascarilha ou Cisco Kid. Os "artistas". Mas o Álvaro escolheu modestamente ser Chester, actor secundário, e assim se rebaptizou num involuntário equívoco cheio de ironia: na verdade, Álvaro Moreira Mendes nasceu para ser primeira figura, protagonista. E foi. No seu ofício de indústria, no movimento associativo, na intervenção cívica, na amizade fraterna e íntegra, foi sempre dos melhores, um fafense excelentíssimo, um homem maior do que o próprio nome, maior do que a alcunha sacada dos livrinhos de cobóis, maior do que o lugar que lhe queiram dar os menestréis da história recente de Fafe, tão desperdiçada em umbiguismos, capelinhas e bagatelas, maior do que melhor ou pior pensem dele. Acerca da opinião dos outros a seu respeito, creio, aliás, que o Chester, ajudante do xerife, não se coibiria de dizer, alto e bom som: caguei!!! E diria alto e bom som e assim com três pontos de exclamação porque ele não sabia falar de outra maneira.
Onde o Álvaro chegasse, constava. Ele encarregava-se de avisar logo à entrada, por entre raios e coriscos, avançando como um tornado de grau cinco, a enorme mão calejada e aberta desbravando caminho, oferecendo-se para um abraço, para uma palmada nas costas à moda antiga. Ser imperfeito como todos nós, mas menos imperfeito do que a maioria de nós, e muito menos imperfeito do que eu, por exemplo, o Chester tinha um coração enorme, desmesurado, e uma boca do tamanho do coração. Tinha o raio de um feitio, o homem, fazia inimigos com o dobro da facilidade com que fazia amigos. E também deu alguns pontapés na vida.
O Chester era generoso, impulsivo, excessivo e puro. E amiúde foi a primeira e principal vítima da sua generosidade sem peso nem medida. Era um bom selvagem, uma força da natureza, pau para toda a obra.
Era meu amigo. Forjámos a nossa cumplicidade no tasco, evidentemente. Nas tardadas de Inverno passadas à volta da braseira na cozinha da Dona Isabel, no Toninho Nacor, onde eu, com os bolsos cheios de cotão, ia levado pelo tio Américo. Em 1976, Barcelos acolheu o Campeonato da Europa de Hóquei Patins Sub-21 (juniores, chamavam-se então). O Chester falou do assunto. Comprámos duas assinaturas para o torneiro inteiro, e todas as noites lá íamos de Vauxhall até Barcelos por estrada nacional, que era o que havia, víamos os dois ou três jogos do programa, regressávamos a Fafe e eu chegava a casa já de madrugada. Fomos campeões.
Mais ou menos por essa altura, o Grupo Nun'Álvares estava instalado no edifício que fora posto da GNR, em frente à Igreja Matriz, e que hoje é, creio não estar enganado, casa paroquial. Ali foi construído um rinque em cimento e organizado, em 1977, o primeiro torneiro de futebol de salão em Fafe. Salão ao ar livre, é preciso que se note. Nunca falhei um jogo. Um dia vou à bilheteira comprar o bilhete do costume, está lá o Chester (o Chester tinha o seu quê de Deus, também estava em toda a parte) e entregou-me um livre-trânsito passado em meu nome e que dizia "Convidado da Organização - Prémio Assiduidade". Coisa inventada por ele, que era a alma daquilo tudo. Resultado: deixei de pagar para entrar e guardo religiosamente aquele cartão, como se fosse um santinho, uma relíquia da Terra Santa.
Quando terminei a minha felizmente efémera passagem pela tropa, o Álvaro foi a primeira pessoa a oferecer-me um emprego a sério e até já tinha tratado de tudo para eu tirar a carta de condução. Apareceu-me melhor, o Álvaro incentivou-me a aceitar a outra proposta, e ainda hoje não tenho carta nem sei conduzir.
O Chester alegrava-se quando me via em Fafe. Fazia questão que se soubesse que gostava muito de mim. E a verdade é que eu também gostava muito dele. E no entanto falhei-lhe miseravelmente na altura da vida em que por certo ele mais precisou dos amigos...
O Álvaro era, regra geral, do contra. Era um inquieto espírito de contradição. Tanto que, só para chatear, resolveu deixar-me a falar sozinho, quando tínhamos ainda tanto para conversar.

Felizes os ignorantes: quem não conheceu o Chester, não sabe o que perdeu. Trabalhador incansável, empreendedor contumaz, homem dos sete instrumentos e de mil causas, o Chester é uma história extraordinária e isto aqui é apenas um humilde lembrete, um quase nada. Grande, grande era ele. Álvaro Moreira Mendes. Chester, para todos os efeitos e para todo o serviço. Uma vida que dava um livro, um nome que merece rua. Em Dodge City já teria.

P.S. - Versão optimizada, publicada no meu blogue Mistérios de Fafe.

Que é que tinha o Barnabé?

Foto Hernâni Von Doellinger

Que é que tinha o Barnabé, que era diferente do outro? Para começar, este Barnabé era baixinho, abreviado como estampa. Por isso o Senhor Barnabé, ele próprio, resumia-se numa sílaba, humilde, e dizia que o povo todo o conhecia por Bé, e era assim que gostava de ser chamado, contou-me ele. Bé. Estais a ver aquele homenzinho gentil, doce, dez-réis de gente num ar pândego de pinto-calçudo, sacola de merenda a tiracolo, sempre mortinho por concordar com tudo e com todos, estaca aqui para falar com um, estaciona ali para conversar com outro, e na cara, em vez de cara, um sorriso maroto, cândido, inextinguível? Estais a ver? Era o meu Senhor Bé. Eu e Senhor Bé partilhávamos todas as manhãs o Passeio Atlântico de Matosinhos e suponho que fomos amigos. Havia também quem o conhecesse por "São Pedro da Cova", porque era de lá que ele vinha diariamente de autocarro para passear vagaroso a borda do mar. Nos seus oitenta e picos bem medidos, eram quase duas horas de viagem para cada lado, com transbordo, todos os dias ou quase, mas sem lamúrias. O Senhor Bé - que também se lembrava, como eu, de quando Fafe e São Pedro da Cova andaram à pancada por causa da bola - faltou-me ao convívio no tempo de estado de emergência, da merda da pandemia, mas logo que pôde tirou outra vez o passe dos transportes e voltou. Procurou-me e disse-me que estava cheio de saudades.
Eu contei-lhe do outro Barnabé, que dava dois dele, ou três. O Senhor Barnabé de Fafe, funileiro de alto gabarito, morador e estabelecido naquele escondidinho do Santo Velho e músico vitalício da Banda de Revelhe. O Senhor Barnabé fafense devia ser uma enorme despesa em farda e tocava tuba porque não havia instrumento maior, tirando talvez o bombo, e a tuba vinha-lhe realmente por medida. Quanto ao Senhor Bé, que certamente não gastaria metro e meio para um fato, eu às vezes até me ria imaginando-o, pequenino e gaiato, a tocar pífaro nos intervalos.
Que se segue? De repente, aqui há coisa de três anos, o Senhor Bé tornou a faltar-me e eu, confesso, escarmentado com o desaparecimento da minha abençoadora das 7h30, fiquei com medo de perguntar por ele. Para más notícias, já basta o Correio da Manhã. Mas passados alguns meses, estávamos a chegar ao Natal, ganhei finalmente coragem, fui tirar nabos do púcaro junto de outro dos habitués do Passeio, e ouvi o que não queria. O Senhor Bé não vem mais. Morreu. De vez. Foi mudar uma válvula ao coração "e ficou na máquina", disse-me o amigo. Quer-se dizer. Ficou na máquina, assim, isso é lá alguma maneira?
Resultado. O Senhor Bé morreu e eu, palavra de honra, zanguei-me um bocado com o acontecimento. Às vezes, Deus me perdoe, acho isto da vida muito mal organizado.

P.S. - Versão optimizada, publicada no meu blogue Mistérios de Fafe. Hoje é Dia de São Barnabé.

terça-feira, 10 de junho de 2025

Matemos o lince e a serra da Malcata

Mandaram-nos proteger o garrano. E nós protegemos. Depois disseram-nos que era preciso abater o garrano. Mandaram-nos proteger o lobo. E nós protegemos. Agora dizem-nos que o lobo pode ser abatido. Mandaram-nos salvar o lince. Salvou-se o lince e, consta, o lince nunca esteve tão bem. O lince que se ponha a pau...

O textinho de cima, escrevi-o e publiquei-o no passado dia 24 de Maio, a propósito do Dia Europeu dos Parques Naturais, sob o título "O garrano, o lobo e, a seguir, o lince". Leio hoje, novamente no jornal Público: "Ataques a galinhas: "já há vozes contra os linces", dizem caçadores". Passaram-se quinze dias, e pronto: meu dito, meu feito. Os "caçadores" estão mortinhos...

Uma questão de chá

O milagre do vinho
Os médicos disseram-lhe que nunca mais poderia beber. E no entanto ele conseguiu beber até ao fim, apanhando carraspanas de caixão à cova. Foi considerado um milagre.

Contava-se. Havia umas irmãs em Fafe que saíam ao café para tomar chá - gente fina, conhecida e provavelmente falida. Era um chá para as duas, ambas as manas de mindinho espetado, requintadas, naftalínicas, vagarentas, excêntricas, assoprando cerimoniosamente, lábios em biquinho, uma beberricando pela chávena e a outra pelo pires, combinação lá entre elas e o velho empregado do café. As boas senhoras estavam na minha lista de presumíveis Miss Marple. O chá, constava, era vinho branco.

O Sr. Fala-Barato, pai, era um homem imponente e tomava chá. Tomava chá no Café Chinês, porque isto anda tudo ligado. O Sr. Fala-Barato, que também era um homem antigo e sábio, chegava lentamente, sentava-se com todos os vagares e uma das filhas, via de regra a mais nova, e pedia, muito simplesmente: - Chá prò velhote!
Às vezes, em dias talvez de melhor disposição e superavit de autoestima, o Sr. Fala-Barato, que também tinha a sua piada, investia um pouco mais nas palavras e dizia: - Chá prò velhote, que o velhote merece!...
Eu era pequeno, mocico de escola, ouvia tudo e aprendia muito bem. Tomei conta da frase e ainda hoje lhe dou uso, sem nunca esquecer a fonte. Os poucos que partilham a mesa comigo e já tantas vezes me ouviram dizer, quando reabasteço, "Um copinho prò velhote, que o velhote merece", ficam agora a saber de onde é que me saiu a ideia.

Quanto a mim, realmente, nunca fui dado a chás, tirante o chá de parreira e hoje em dia, derivado à idade, infusões de barbas de milho e pés de cereja, para o estupor da bexiga. As voltas que a vida dá: barbas de milho, já as fumei bem fumadas, em devido tempo, na infância fafense, misturadas com folhas secas de vide, para aromatizar, e agora levo com o chá. Quer-se dizer. Falo de chás e os vapores da memória puxam-me para os curandeiros, talhadores e endireitas de Fafe e arredores, mulheres e homens honrados e competentes, abençoados por saberes antigos, e generosos aliviadores de corpos e espíritos. Safaram-me algumas vezes. Este povo sabia muito de chás, mais do que o habilitado propagandista da santa Alexandrina, nos nossos dias de feira, e quase tanto como o Quinzinho da Farmácia, nos outros dias todos. Tínhamos um rico sistema de saúde. E depois ainda veio o bruxo, não nos falta mesmo nada...

P.S. - Versão optimizada, publicada originalmente no meu blogue Mistérios de Fafe. Hoje é Dia do Chá Gelado.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Era uma vez em Fafe

Marcos históricos
Marco Polo, Marco Aurélio, Marco António, Marco de Canaveses, Marco do Big Brother, Marco dos Apeninos aos Andes, Marco Caneira, Marco Chagas, Marco Pantani, marco miliário, marco quilométrico, marco geodésico, marco temporal, Marco do Correio, Marco ni, Marco Bellini e João Simão da Silva, aliás, Marco Paulo.

Se me dão licença, eu creio que não está devidamente estudado o papel de Fafe e dos fafenses ou protofafenses na fundação da nacionalidade. E esta é uma lacuna particularmente repreensível numa terra que exabunda de historiadores e simpatizantes, amiúde galardoados.
Entendamo-nos. A mim nem me passa pela cabeça que Portugal tenha nascido em Guimarães, aqui a menos de três léguas ou, vá lá, digamos a quatrocentos tiros de besta, em qualquer caso perto e bom caminho, e quase sempre a descer depois de Paçô Vieira, nem me passa pela cabeça, dizia, que Portugal tenha nascido em Guimarães, que é do que eles se gabam, e que em Fafe, ao mesmo tempo, não tenha acontecido nada, eles lá em baixo à batatada, à grandessíssima trolha, um vasqueiro desgraçado, e nós aqui como se nada fosse, a vermos a Gabriela na televisão a preto e branco. É impossível. Portugal de certeza que nasceu também em Fafe, nem que tenha sido só um bocadinho, mas os historiadores - são, infelizmente, os historiadores que temos - ainda não deram fé. Esta é a minha ideia.
Eu lembro-me muito bem, e posso testemunhar, em tribunal se for preciso, que, enquanto jovens e antes do futebol e outras vidairadas, os manos Pimenta Machado, ilustres fidalgos vimaranenses, passavam a vida em Fafe. Ora, se os Pimenta Machado, que eram quem eram, uma ínclita geração praticamente, e, para além de outros cabedais, possuíam um considerável estabelecimento em frente às camionetas do João Carlos Soares, cujo escritório ficava praticamente ao lado do Café do Franklin que é o Café Vitória, na parte de fora do mercado de Guimarães, se os Pimenta Machado, enfatizo, não nos desamparavam a loja, o mais certo é que, antes deles, o próprio Afonso Henriques desse também as suas voltas pelos nossos lados, nem que fosse só para desenfastiar ou beber um copo no Nacor, nada mais natural.

Afonso Henriques, esse gabiru de estilo motoqueiro que gostava de vestir saias e há quem diga que batia na mãe, tinha uma espada que pesava toneladas e não cabia no guarda-vestidos e, em rigor, nem sequer existiu. O espadalhão, quero eu dizer. Já o jovem Afonso ficou na história da moda por ter sido o criador da maxissaia. Morava geralmente no austero Castelo de Guimarães e tinha um anexo charmoso chamado Paço dos Duques onde dava as suas festas que eram sobremaneira constadas. No dia 24 de Junho de 1128, tomai nota, depois de uma dessas iglantónicas farras, noitada de São João ainda por cima, Afonsinho do Condado acordou digamos maldisposto, bebeu um copo de água da mina com bicarbonato, mandou chamar o pessoal e os cavalos e derrotou a progenitora, Dona Teresa de Leão, mailo seu amante galego, Fernão Peres de Trava, na Batalha de São Mamede, levada a efeito ali mesmo nos arredores, para evitar deslocações e despesas, que o País ainda estava a começar.

Acontece que a Batalha de São Mamede, aviso já, nunca me convenceu. Custa-me a aceitar que sítios como Creixomil ou Cano (Cáno, como dizem os locais) possam ser mais importantes no que nos é contado como sendo a História de Portugal do que, por exemplo, e não vamos mais longe, Arões ou Cepães, ali mesmo ao pé, mas do lado de Fafe, do nosso lado. Duvido, de resto, que Guimarães tivesse naquele tempo equipamentos, nomeadamente hoteleiros, para acomodar aquela espanholada toda e ainda por cima recinto preparado e certificado para a pancadaria. É que, parecendo que não, um evento desta natureza, uma batalha com cavalos e tudo, implica muita logística. Olhem só a confusão que são hoje em dia as chamadas feiras medievais! Por outro lado, o Multiusos vimaranense funciona apenas desde 2001 e o Estádio, embora chamado D. Afonso Henriques, só ficou uma coisa em condições para o Euro 2004.

Eu cuido que Fafe teria recebido muito mais condignamente a Batalha de São Mamede. Não é por acaso que chamamos a nós próprios, embora sem razão que se perceba, Sala de Visitas do Minho. Olho para a zona de Rilhadas, vamos um supor, e vejo a batalha ali. Vejo claramente vista. Uma zona devidamente infra-estruturada e onde sobejam as condições e comodidades para a organização de uma batalha com todos os matadores e que certamente não envergonharia ninguém.
As pistas estão aí. Há que repor a verdade dos factos. Fafe não pode continuar à porta, nas bordas da História. De uma vez por todas, Fafe deve ocupar o lugar a que tem direito. Se São Mamede foi em Rilhadas, isto é, se a Batalha de São Mamede foi de facto levada a efeito em Rilhadas? Não sei. Esse é o desafio que eu deixo de borla aos historiadores encartados, particularmente aos intrépidos historiadores fafenses, se a tanto os ajudar o engenho e arte. E não me venham dizer que, a esse respeito, a História é omissa. Omissa? Homessa!

P.S. - Versão optimizada, publicada originalmente no meu blogue Mistérios de Fafe. Em nome do rigor histórico, refira-se que, regra geral, os vimaranenses de bom beber e satisfatório comer vinham muito a Fafe e, lá com aquelas manias deles, chamavam Toninho dos Canários ao tasco do Nacor. Por outro lado, leio no Facebook do Município que "Fafe participou nas comemorações dos 900 anos da investidura de Afonso Henriques como cavaleiro". Pronto, já é um princípio, um reconhecimento...

domingo, 8 de junho de 2025

O nosso mar

Ou por outra. Os oceanos são na verdade seis: Atlântico, Pacífico, Índico, Glacial Árctico, Glacial Antárctico ou Austral e Barragem de Queimadela. O oceano Atlântico separa a Ásia e a Oceania da América. O oceano Pacífico separa a América da Europa, da Ásia e de África. O oceano Índico banha o sul da Ásia e separa África da Oceania. O oceano Glacial Árctico banha os arredores do Pólo Norte, entre limites da América, Europa e Ásia. O oceano Glacial Antárctico ou Austral circunda a Antárctida. A Barragem de Queimadela diz respeito às freguesias de Monte, Queimadela e Revelhe, evidentemente em Fafe.

P.S. - Publicado no meu blogue Mistérios de Fafe. Hoje é Dia Mundial dos Oceanos.

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Missais terra-ar

O Exército português acaba de equipar-se com missais vindos directamente da Rússia. Pequenos missais bizantinos. As ordens eram para comprar mísseis, mas alguém da intendência fez asneira na nota de encomenda. 

P.S. - Hoje é Dia da Língua Russa.

Mexendo os cordelinhos

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 5 de junho de 2025

O ambiente tem dias

No Parque da Cidade do Porto há cisnes-mudos, guarda-rios, gansos-bravos, gansos-do-egipto, patos-reais, galinhas-d'água, galeirões-comuns, guinchos-comuns, piscos-de-peito-ruivo, gaivotas-argênteas, gaivotas-d'asa-escura, melros-pretos, marçaricos-das-rochas, rolas-do-mar, chapins-reais, garças-brancas-boieiras, garças-reais, corvos-marinhos, mergulhões-pequenos, pardais-comuns e pegas, enguias-europeias, gambúsias, peixes-gatos, percas-sol e pimpões. Esta é a população oficialmente recenseada. Mas também há coelhos e toupeiras, tartarugas, gatos e cães vadios, pombas e pombos, galinhas que eu bem as vejo, papagaios e outros benfiquistas, corredores, andadores e passeadores afins, rãs, sapos e salamandras, lesmas e caracóis, grilos e gafanhotos, borboletas a certa hora, sardaniscas e lambisgóias, sardões com e sem rabo, espreitas e bicicletas, cavalos-republicanos às vezes, burros de um modo geral. E mais de cem espécies vegetais, nomeadamente muito erva e muitas flores, que apreciam particularmente, tanto quanto se sabe, a quietude e o devaneio que lhes são de natureza.
No tempo do Primavera Sound, que, nem de propósito, é agora e rebenta com toda a potência já de hoje a oito dias, no Parque da Cidade do Porto há também camiões, guindastes e contentores, dezenas de geradores, quilómetros de fios e cablagens, megapalcos, supertendas, barracas, tonéis de cerveja cheios e esvaziados vezes sem conta nem medida, toneladas de lixo e pés, decibéis à solta, ameaços de terramotos, aluimentos, quem dera que não chova, Deus queira que não caia. Há vedações e avisos, pedimos desculpa pela interrupção, o parque segue dentro de dias, prometemos deixar tudo como estava. E quem estiver mal, que se mude...

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Ambiente.

Meio ambiente

Pergunto: o ambiente não seria melhor se fosse inteiro?

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Ambiente.

As árvores

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 4 de junho de 2025

O dorsal

O dorsal chama-se dorsal porque é para usar ao peito - ou, vá lá, na barriga. Se fosse para usar nas costas, isto é, no dorso, chamar-se-ia peitoral.

P.S. - Hoje é Dia Mundial ou Dia Internacional da Corrida.

Levantadores de dorsais

Logo que nos aposentámos, a Mi e eu, resolvemos enfim dar um pouco mais de atenção à actividade física. Desde o princípio do ano que nos inscrevemos em todas as maratonas, meias-maratonas e outras corridas temáticas ou genéricas aqui da região, às vezes mais do que uma no mesmo dia, consoante a variedade dos horários. Vamos lá, cumprimentamos o pessoal, levantamos os dorsais e voltamos para casa. De carro.

P.S. - Hoje é Dia Mundial ou Dia Internacional da Corrida.

Da frente para trás

Ao contrário de todos os outros atletas, ele gostava de correr da frente para trás. Tácticas. Provocava muita confusão e inúmeros acidentes, realmente, mas cada um é como cada qual. É a liberdade individual...

P.S. - Hoje é Dia Mundial ou Dia Internacional da Corrida.

As despesas da corrida

Fez todas as despesas da corrida. Quando no fim lhe apresentaram a conta, ia morrendo do coração...

P.S. - Hoje é Dia Mundial ou Dia Internacional da Corrida.

O último a chegar...

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 3 de junho de 2025

Mulheres nuas no Vaticano

As notícias
Mas que grande desgraça! Que tragédia! O dia mais negro daquela terra! O ambiente só aliviou um bocadinho quando os jornalistas encontraram o cadáver do sobrevivente...

Madeleine McCann desapareceu. E o desaparecimento da "pequena Maddie" foi o melhor que aconteceu ao meu jornal naquele ano de 2007. As notícias saíam que nem pãezinhos quentes, para delícia de um público ávido de drama, coscuvilhice e sangue cor-de-rosa. E se não havia notícias, "inventavam-se" notícias. O monstro precisava de ser alimentado e as vendas iam de vento em popa.
Uma vez o chefe mandou-me ligar ao Presidente da República, a todos os antigos presidentes da República vivos, ao primeiro-ministro, a todos os ex-primeiros-ministros vivos, ao presidente da Federação Portuguesa de Futebol, ao seleccionador nacional, que era o Scolari, aos presidentes e treinadores de FC Porto, Benfica e Sporting, ao Freitas do Amaral (já não me lembro como é que este apareceu na lista, mas ele aparecia sempre), ao cardeal-patriarca de Lisboa e... ao Papa. "Ao Papa?", perguntei eu, só para ter a certeza. "Sim, pá! Liga ao Papa! Queremos um depoimento do Papa sobre o desaparecimento da Maddie". Foi assim, palavra de honra, que o chefe me respondeu.
Portanto tinha de ligar ao Papa, que era Bento XVI. O resto era fácil, era como se já estivesse feito. Pelo prestígio, pelo rigor e seriedade, pela sua inatacável ética editorial, pelo respeito e admiração que impunha na sociedade portuguesa, o jornal onde eu trabalhava, e que só fazia merda, tinha praticamente linha directa com aquela gente toda. Agora, falar com Sua Santidade, isso, sim, seria um desafio, e ainda por cima eu estava muito mal visto no Vaticano, pelo menos desde 1987, quando lá fui com Cavaco Silva, no seu tempo de primeiro-ministro. É claro que eu podia enfiar-me no bar o dia inteiro a "tentar ligar ao Papa" e à hora do fecho da edição avisava o chefe, em Lisboa, de que "Não consegui, pá, desculpa, o gajo armou-se em difícil, não fala, eu ainda disse que ia da tua parte, mas nem assim o tipo se descoseu, sabes como são os alemães, teimosos do caralho". Porém, apesar da fama que faço render, eu não frequentava o bar.
Pensei então: o que é que há de mais parecido com o Papa e a que eu possa realmente chegar? E lembrei-me: o cardeal português D. José Saraiva Martins, que também estava em Roma como o outro, o Ratzinger, e creio que ainda era prefeito da Congregação para as Causas dos Santos. Meti as mãos ao caminho, fiz chamada atrás de chamada e ao fim da tarde consegui enfim falar com ele. Atendeu-me cheio de bondade e essessss nassss palavrassss. Conhecia o caso, sim, e deu-me a sua opinião numa conversa de quase um quarto de hora. Falou-me da menina desaparecida, disse-me que rezava por ela, mas lembrou, com lucidez e sabedoria, que é fundamental que os pais não se ponham a jeito (a expressão é minha) para que semelhantes tragédias aconteçam. Vocês também percebem, tal como eu percebi, para quem é que o nosso cardeal enviava este recado. Sim, para os estranhíssimos paizinhos da "pequena Maddie". E estranhíssimos também sou eu que digo.
No fim, D. José Saraiva Martins fez-me um pedido: "Olhe, depois mande-me o jornal, se faz favor". E eu mandei. O meu jornal era o 24horas. Exactamente. O jornal com fotografias de raparigas todas boas e as mamas ao léu. Deve ter sido um sucesso no Vaticano.

O jornal 24horas nasceu em 1998, com dinheiro suíço, muito, e morreu oficialmente em 2010, um ano depois de os seus alegados responsáveis terem liquidado a redacção do Porto, a sangue frio e pelas costas. Podem limpar as mãos à parede. Mas tinha piada o pasquim, que até chegou a ser bem feito e é a bíblia do jornalismo que hoje se faz em Portugal. No meu tempo, em 2004, o 24horas atingiu uma circulação de 60 mil exemplares por dia.
Há vinte anos, quando por lá suava as estopinhas esgravatando lixo, e os jornalistas de referência, gravata e fato às riscas faziam pouco de nós, eu dizia-lhes que se rissem baixinho, porque um dia todos os jornais portugueses seriam como o 24horas. E são. Todos. E as televisões também. Embora feitos e feitas evidentemente por jornalistas de referência, gravata e fato às riscas que trabalham pouco e agora já não têm vergonha nenhuma, nem do prejuízo que dão. O bom jornal 24horas de Alexandre Pais, que uma certa e determinada rapaziada depois estragou e descarregou sanita abaixo, está hoje em dia muito bem representado na imprensa nacional. "Je suis 24horas", dizem eles todos os dias, sem saberem que dizem, porque eles também não sabem o que fazem. Mas o 24horas, o genuíno, faz falta, e então nesta época tão asinina seria um mimo. Não fazem ideia do que eu me rio ao ler os momentosos assuntos que saem agora nos jornais e a pensar no que nós teríamos feito com eles. Seria um sucesso, diariamente a malhar e a chusma e pedir bis, coisa para anos. A desgraça que nos caiu em cima foi ter-se-nos acabado o folhetim da "pequena Maddie", que era o nosso abono de família.
A mirabolante CMTV e respectivo jornal andam agora a desenterrar o assunto e devem estar a facturar que se fartam. Recensões disparatadas, notícias a martelo, falsas maddies ou novas buscas, velhos novos suspeitos ou nem por isso, vale tudo, é sempre a bombar, e depois ainda há a "grávida da Murtosa". Porque o público merece...

P.S. - Versão optimizada, publicada no meu blogue Mistérios de Fafe, no passado dia 12 de Janeiro. Notícia de hoje: 18 anos depois do desaparecimento de Madeleine McCann, a PJ volta a fazer buscas no Algarve, a pedido da polícia alemã.

Um hotel no parque da cidade

Fafe vai ter um hotel no Parque da Cidade. Mas que ideia brilhante! E espero que a Câmara não se fique por aqui: quem diz um hotel, diz dois ou três, mais restaurantes, cafés, discotecas, oficinas de reparação automóvel, interface rodoviário e diversos parques de estacionamento, tudo "unidades modernas e perfeitamente integradas na paisagem natural envolvente". Afinal, como diz o senhor presidente, "a imensidão de verde que caracteriza o espaço" já lá está, até era uma peninha não se aproveitar. Estamos todos de parabéns! À prima.

O passeio do jovem ciclista em cuecas

Foto Hernâni Von Doellinger

Palavra de honra, em cuecas. Os famosos slipes ou trusses. Em cuecas, portanto. O jovem ciclista atravessou com a maior das descontracções a praça principal da vila de Caminha, em frente à Câmara e à igreja, perante o espanto e a reprovação compungida da distintíssima esplanada do Café Central que rebentava pelas costuras de senhorecas e senhorecos, sobretudo portuenses da Foz chique em gozo de segunda casa. Ou terceira. Ou. Primeiro para cima, depois para baixo, pedalando em preparos tão resumidos, o ciclista em cima da bicicleta, parece impossível num centro histórico! A indignação foi praticamente geral, até as arcas dos gelados coraram. E perceba-se o escândalo: era domingo e hora da missa para os indígenas, valha-me Deus...

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Bicicleta.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

O Musk de Gouveia e Melo

Foto Manuel Fernando Araújo / Lusa / Público

Diz-se agora que Mário Ferreira, dono da Douro Azul, patrão da TVI/CNN e de mais umas boas dúzias de empresas, turista espacial e um dos homens mais ricos de Portugal, é o "padrinho" da candidatura presidencial de Gouveia e Melo e "está sempre ao lado" do almirante. É a vida. Cada um tem o Elon Musk que merece.

A invasão das pegas

Lembro-me muito bem. Pegas, se as queria ver, tinha de ir à aldeia, ao campo. Via-as às vezes, uma ou duas, três, sem abusos, nas minhas férias de Verão com a Bó de Basto, em Passos, Cabeceiras, e mais raramente ainda nas bouças de São Gemil e Cavadas, em Fafe, durante o resto do ano. As pegas antigamente eram uma raridade para a vista.
Não sei o que é que aconteceu entretanto, mas hoje em dia as pegas estão em todo o lado, às centenas, e se calhar aos milhares, não estou é para as contar. Decerto derivado ao Parque da Cidade do Porto, o bendito Parque da Cidade do Porto, as pegas instalaram-se de armas e bagagens em todas as redondezas da Invicta e particularmente aqui nesta zona de Matosinhos, que lhe fica mesmo ao lado. A minha rua está agora constantemente cheia de pegas, e eu por acaso gosto de vê-las e até, em dias mais bem dispostos, de ouvi-las, mas não as procuro, nem é preciso.
É realmente uma invasão. A invasão das pegas. Mas também de melros, há que dizê-lo em abono da verdade, e ultimamente de papagaios, que andam por aí aos bandos, desorientados e barulhentos, num falatório que só visto. Pegas, melros e papagaios. Não sei o que é que se passa com o mundo.

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Prostituta.

Não venhas cedo

Atenção! Hoje, 2 de Junho, é Dia de Sair Mais Cedo do Trabalho. O que, sendo hoje segunda-feira, está mal, aliás bastante mal, como toda a gente sabe. Hoje devia ser Dia de Entrar Mais Tarde no Trabalho.

P.S. - Hoje é Dia de Sair Mais Cedo do Trabalho.

Uma cidade com arrumos

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 1 de junho de 2025

O leitmotiv

O leitmotiv, por exemplo. Tenho dúvidas. É gordo, magro, meio-gordo, achocolatado, integral, dourado, desnatado, em pó, condensado, vegetal, enriquecido, de soja, de burra, de barata, de camelo, de tigre, de aveia, de amêndoa, de coco, desmaquilhante, adelgaçante, reafirmante, derramado, leite-creme, leite-de-cal, leite-de-galinha, leite-de-pato ou de colónia? E quanto a calorias?...  

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Leite.

Hoje é para as crianças, mas só hoje!

Hoje é Dia Mundial da Criança. Mas, atenção, é só hoje! Até à meia-noite. Depois podemos voltar aos cães e aos gatos, e temos o ano inteiro.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Criança.

sábado, 31 de maio de 2025

Também não era preciso tanto

Foto Hernâni Von Doellinger

Ele e os cigarros

Ele não fumava os cigarros. Ele comi-os, três a quatro maços por dia, um desastre para a saúde! Eram de chocolate e vinham embrulhados em pratinhas de cores variadas e apetitosas.

P.S. - Hoje é Dia Mundial sem Tabaco e Dia Mundial do Combate ao Fumo.

Livre-se do fumo, porra!

Hoje é Dia Mundial de Combate ao Fumo. E, ande lá, deixe-se de adiamentos, aproveite a sinergia da efeméride e, de uma vez por todas, seja homem, decida-se: compre um extractor em condições, potente, tipo industrial, ou, pelo menos, mude o exaustor da cozinha, que já não funciona desde 2009...

P.S. - Hoje é Dia Mundial de Combate ao Fumo e Dia Mundial sem Tabaco.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Gourmet da boca para fora

Do outro lado da minha rua havia uma daquelas pequenas lojas tipo "regional gourmet". Azeitonas em frasco, cogumelos em frasco, meles em frasco, geleias em frasco, licores em frasco, frascos em frasco, dois presuntos em fraco, azeites e vinhos em caro, prateleiras um fiasco. Num benévolo gesto de boas-vindas, mal abriu o estabelecimento fui lá cheirar e avisar que o conceito é uma treta e que gourmet a sério é em minha casa, mesmo em frente, porque aqui a comida é muito boa, e gourmet deveria ser isso, mas não estamos abertos ao público. O gourmet - a ver se eu me sei explicar - quer-se da boca para dentro e não da boca para fora.
Estas lojinhas abrem mas não vendem nada. Abrem por abrir. E sobretudo fecham. Fecham muito bem. São "regionais" porém franchising, very tipical e very vazias, de produtos e clientes. O toque de "qualidade" é dado em palavras "estrangeiras", o que só abona a favor do produto made in Portugal. A loja da minha rua tinha primeiro uma menina, que passava a vida na ombreira da porta a fumar, a fumar, a fumar. E de repente hibernou. A loja. Mês e meio depois reabriu, já sem a menina mas com um rapaz. Que passava a vida na ombreira da porta a fumar, a fumar, a fumar. Nas costas, os dois presuntos pendurados no cabide tisicavam e agradeciam - e assim se produz o genuíno fumeiro nacional.
Passou-se uma semana e a lojinha encerrou de vez: veio uma carrinha limpar as escanzeladas prateleiras, três sacos de plástico bastaram e lá se foi mais um posto de trabalho, por assim dizer, que é o que a mim me importa. Fico infeliz por ter razão: o conceito era realmente uma treta. Esta gente não sabe o que é massa com bacalhau e o prato a esbordar...

Entretanto. Antes e depois da sua lastimável fase "regional gourmet", a lojinha do outro lado da minha rua foi quase tudo, por breves temporadas e com fracasso garantido. Butique de média costura, sapataria fina, loja de animais, bijuteria e outras inutilidades, escritório, despensa, garrafeira e outros souvenirs, recepção de alojamento local e até agência de viagens que nunca abriu, mas a mim cheirou-me sempre ao mesmo: lavandaria de dinheiro.

Nem de propósito, a lojinha foi depois um posto de lavagem self-service para cães. E na porta ao lado abriu um estabelecimento para venda de "cannabis legal" e outros "produtos derivados de cânhamo", como, por exemplo, "creme de avelãs para barrar". Reconheci a mudança de paradigma: eram dois negócios com irreprimíveis potencialidades. Via-lhes futuro. Principalmente ao dos cães, porque nasceu no tempo e no país certos. Um tempo e um país em que os animais são de estimação, mas as pessoas não. Já quanto à canábis, vamos lá ver: não sei se o pessoal aqui da zona não andará de momento mais interessado em algo, como é que se diz, mais pesado e ilegal, vá lá.
Mas o posto de lavagem self-service para cães também já fechou, enfim. Foi remodelado, escondido, e não há maneira de reabrir não sei com quê.

E sabem que mais? Sou de Fafe e sou da terra. Mas moro em Matosinhos, na famosa zona dos restaurantes e marisqueiras, que se acotovelam porta a porta. Pensava portanto que não lembraria ao diabo o próprio diabo estabelecer-se aqui no meu território com uma dessas autoproclamadas hamburguerias gourmet, mas a alguém lembrou. Quando, ainda de vidros tapados, vi cá fora os letreiros, pensei: isto nem sequer vai abrir. Mas abriu, e tornei a pensar: daqui a quantos dias é que isto vai fechar? Porque a verdade é esta: não sei o que tenho, mas o gourmet não se dá à minha beira, e juro que a culpa não é minha. Evidentemente não o frequento, mas, tirando isso, mais nada.
Fui espreitando o estabelecimento. As única vezes que vi "clientela" lá dentro, os "clientes" eram o pessoal da casa, à mesa, comendo a sopinha. Até que um dia, talvez nem um mês decorrido, fatal como o destino e com ponto de exclamação e tudo, lá estava afixado o aviso na porta fechada: "Trespasse!"
E foi o fim.

Moral da história. Contava-se que havia um padre, famoso pregador, que fazia sempre o mesmo sermão. As mesmas inflamadas palavras, da primeira à última, fosse em que circunstância fosse, só mudava o nome do santo. E eu estou como ele, só mudo o título. Quer-se dizer: hoje é Dia Mundial do Hambúrguer. E Fafe, a terra da vitela assada que já aderiu ao workshopping, ao showcasing, ao showcooking, à street fooding e certamente também ao brunching e ao gourmeting, também já recebeu o seu primeiro McDonald's, ainda por cima num terreno que, no tempo da Dona Maria Margarida, dava umas couves que eram uma categoria. É só prejuízo...
 
P.S. - Hoje é Dia Mundial do Hambúrguer.

E o mar enrola na areia...

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 27 de maio de 2025

O quinto dos infernos

Moro num terceiro andar. Direito. E dou-me muito bem com todos os vizinhos do prédio, isto é, não me dou de todo com vizinho nenhum, que é a melhor maneira de nos darmos todos bem. O meu vizinho do quinto entrou em obras, ou por outra, resolveu deitar a casa abaixo da porta para dentro e fazer lá dentro uma casa nova, isso é lá com ele. Paredes, soalhos, tectos, canalizações, instalações eléctricas, louças e móveis de casa de banho e cozinha, tudo destruído sem dó nem piedade, deitado abaixo à força de camartelos pneumáticos, sonoras rebarbadoras, explosões de dinamite, buldózeres, bolas de aço e outra maquinaria pesada de demolição, que eu bem a ouço lá em cima em manobras, um chinfrim medonho, um basqueiro insuportável, incessante, eu e a minha mulher já só falamos um com o outro por SMS para nos ouvirmos, é pó por todos os lados, sufocante e cego, a porta da rua sempre escancarada, de manhã à noite, os elevadores impraticáveis, o chão um nojo, é o inferno, o fim do mundo mesmo em cima das nossas cabeças em água, ouradas, doridas, cansadas, apenas com os vizinhos do quarto-direito de permeio, esses, coitados, completamente à beira da loucura, com a casa a tremer-lhes como varas verdes e episódios bidiários de histeria conjugal.
Será coisa para durar três ou quatro meses, a fazer fé no aviso gentilmente afixado no placar de cortiça do condomínio. E não me posso queixar. Ainda de acordo com a missiva do vizinho do quinto, a empreitada "decorre tal como permite o quadro legal em vigor", dando "cumprimento ao estipulado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 16.º do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo decreto-lei n.º 9/2007 de 17 de Janeiro". Ainda bem. Assim, estou muito mais descansado...

P.S. - Hoje é Dia Mundial dos Vizinhos.

segunda-feira, 26 de maio de 2025

Quando a "puta" tocava

O bombeiro profissional
Ele era um bombeiro verdadeiramente profissional. Só aceitava incêndios das 9h às 13h e das 14h às 17h, de segunda a sexta-feira. Fora do horário de expediente, que ligassem aos voluntários!

A "puta" tocava e Fafe desatava a correr em direcção aos Bombeiros. A "puta" era a sirene. E os homens largavam tudo: trabalho, mesa, cama, mulher e até os socos ou as botas pelo caminho. Havia os que iam de bicicleta e os que apanhavam boleia de motorizada. Carros paravam para levar desgraçados vindos das lonjuras da Cumieira ou dos campos do Sabugal e já com os bofes de fora. Depois, havia o Casimiro das Caixas, que começava o dia a fazer as palavras cruzadas no jornal do Café Chinês e chegava na sua velha furgoneta. Mas quando "ela" tocava, era para todos. Tocava também para os curiosos, para os que iam apenas ver, saber onde era o fogo. E, em vez de estorvar, faziam-se úteis. Apanhavam e arrumavam as bicicletas e as motorizadas que os bombeiros atiravam em pleno andamento ao chegarem ao quartel, e um mirone encartado ainda tinha de estacionar em condições a carrinha do Casimirinho, deixada sempre à frente dos portões a empancar a saída dos carros de incêndio. O Casimiro da Caixas era um fafense que tinha vindo de Guimarães, onde decerto nascera, como talvez Portugal, e nunca se descolou daquela pronúncia carregada que nos fazia rir a todos.
"Ela" tocava e eu, miúdo, lá estava. O fogo era uma aflição. Olhava para aqueles homens, esbaforidos, trementes, brancos como a cal, a entrarem na "primeira viatura" apenas meio vestidos, a enrodilharem-se nas calças que não enfiavam ou nas galochas que levavam ainda nas mãos, cheios de urgência para enfrentarem as labaredas, e via heróis. Exactamente: heróis, muito melhores do que os dos livrinhos de cobóis e dos filmes, nem que fosse o Steven McQueen anos mais tarde na "Torre do Inferno", que os bombeiros de Fafe foram ver a Guimarães, em viagem oficial. Eu também fui. Os meios eram escassos, a formação era elementar, Fafe era uma terra pequena, mas aqueles homens tinham um coração bombeiro do tamanho do mundo. E o seu maior medo, que eles nunca confessavam, era chegar lá e o fogo já estar apagado...
Tão grande era o coração, grande demais para um homem só, que depois tinha de ser repartido. Ser bombeiro era coisa sanguínea, "doença" de família. Irmãos, pais e filhos, netos, tios e sobrinhos, primos, todos sofriam do mesmo bem. Creio que hoje ainda é um bocado assim.
Naquele tempo, eram os do Santo, os do Tónio Quim Calçada os Moleiros, os Costas do Assento, os Feira Velha, os Funileiros, os Quintos. Eram também o Agostinho Cachada, o Augusto Susana, o Frescaragem, que tinha lábia de leiloeiro, o Nogueira da Ponte do Ranha, que "fardava muito bem", o Zé dos Alhos, o Zé Sacristão, o Nelo Chapeleiro, o Chaparrinho, o Ferreira "Puta Velha", o Armando "Salazar", que era o viagra em pessoa, o enorme Sr. Humbertino, que trabalhava para os Summavielles e já só se apresentava no dia da Festa dos Bombeiros, tal como o Sr. Matias e como o Joãozinho motorista, que conhecia como ninguém as manhas do Opel descapotável e apanhava todos os anos uma carraspana de tal ordem que era preciso levá-lo a casa.

(E havia os espontâneos, que afinal não eram tão espontâneos assim. Moravam ali à porta e estavam sempre de prevenção para uma emergência que o fosse realmente. Faltava um motorista, a saída estava a atrasar-se? - era só chamar por eles e eles avançavam: lembro-me do Fredinho Bastos e do irmão Quinzinho, do Varinho Dantas ou do Toninho da Luísa, que tinha piada fina e eu gostava de imaginar DaLuísa derivado ao comediante americano Dom DeLuise, mas isso já é outro filme. Se calhasse, enfiavam um blusão e um bivaque, só para despaisanar, e avançavam a todo o gás, bombeiros como os de exame feito e papel passado e ainda mais voluntários, mas qual seguro qual carapuça! Ser-se bombeiro era efectivamente um estado de alma. E estes eram bombeiríssimos de primeira.)

Mas a pinga. Naquele tempo, ser bombeiro dava muita sede e a água era toda precisa para apagar incêndios. De modo que, conscienciosos, os voluntários fafenses, regra geral, decilitravam no verde tinto com apreciável pertinácia. O meu avô da Bomba, que era quarteleiro e videirinho, até montou um pequeno tasco que foi um sucesso. O meu vizinho Agostinho Cachada era um dos principais clientes, mas tinha um porém: pelava-se por bagaço e quando ia para casa nunca mais lá chegava, porque, mesmo depois de o meu avô fechar o tasco, o bom do Sr. Agostinho voltava sempre para trás para beber mais um. Era certinho. Uma noite, para lhe evitar a canseira e apressar o sono, o meu avô foi atrás dele até ao Paredes, já a meio caminho, com a garrafa da aguardente escondida debaixo do capote...

Quando o monte ardia, os bombeiros iam e pronto. Atulhados em viaturas desconfortáveis, vagarosas, barulhentas, fumegantes, inseguras e, não raro, caindo aos pedaços. Iam e pronto. Os bombeiros voluntários. Naquele tempo ninguém sequer sonhava ganhar dinheiro por apagar incêndios - eram uns tolos. Tolos, porém despachados e íntegros. Devotados. E espertos, desenrascados. Não havia rede, satélites, parabólicas ou fibra óptica, ainda não havia radiotelefones ao serviço, os telemóveis ainda não tinham sido inventados e nem sequer havia cabinas telefónicas nos montes. Parece impossível, mas lá em cima, no meio da penedia e das giestas, no Portugal das cabras e dos cabrões, não havia telefone de espécie nenhuma. E não havia SIRESP, graças a Deus. Que se segue: se eram precisos reforços, alguém vinha de motorizada dar o recado ao quartel.
Pelo menos em Fafe era assim, e não havia razão de queixa.

Quando a sirene tocava, também as mulheres de Fafe se sobressaltavam. Era a "puta" que lhes tirava os maridos de casa, da cama. E eles iam para os braços da "outra". Os Bombeiros eram uma tremenda paixão, a "amante" perigosa que levava tudo o que queria. E elas tinham medo que um dia os seus homens não voltassem. Tolices de mulheres. Então os heróis não voltam sempre?
Às vezes, não. Às vezes o herói faz o que tem de fazer, isto é, faz o que fazem os heróis, e depois desaparece em direcção ao sol poente. Desaparece e nunca mais.

P.S. - Nova versão, publicado no meu blogue Mistérios de Fafe. Hoje é Dia Nacional do Bombeiro.

domingo, 25 de maio de 2025

Jardins perdidos

Traz uma árvore também
Era uma localidade um bocadinho estranha, naturalmente austera porém exuberantemente moderna e cosmopolita. Nas suas principais entradas, a autarquia colocara frondosas tabuletas que avisavam os forasteiros: "Se quiser sombra, traga a sua própria árvore".

Os jardins era uma coisa que existia antigamente. Como os castelos, as pinturas rupestres, as pirâmides e assim. Era uma coisa muito antiga, do tempo dos romanos, basta ver que Deus, quando criou o mundo, o mundo era um jardim, mais ou menos como a Madeira, mas chamava-se Éden, como o velho cinema de Lisboa, ou Jardim do Éden ou Jardim das Delícias ou Paraíso Terreal ou simplesmente Paraíso, como o novo cinema de Palazzo Adriano. O plural de Éden é édenes, convém não esquecer.
E corria tudo bem no Paraíso. Quer-se dizer: corria tudo na paz do Senhor. Poder-se-ia até afirmar, creio que sem forçar demasiado a nota, que o Paraíso era, naquele tempo, um autêntico paraíso. Estava escrito, porém, que Adão e Eva tinham de asnear. Podiam ter cometido um pecado qualquer, um pecadinho de nada, um pecado repetido, copiado, um que estivesse na moda. Mas não! - quiseram ser originais. E foram. Adão e Eva cometeram o pecado original e deu na merda que deu. Até hoje.
Eu sou desse tempo. Do tempo em que ainda havia jardins. Não se sabe bem se foi por causa dos traques dos dinossauros ou derivado ao impacto de um asteróide gigante, eventualmente do tamanho de uma cidade, a verdade é que coisas antigas como os castelos, as pinturas rupestres, as pirâmides, os jardins e assim foram regra geral varridas da face da Terra, restando hoje em dia apenas algumas amostras assumidamente raras e razoavelmente arqueológicas.
Para que a Humanidade tenha pelo menos uma vaga ideia de como era o mundo em Portugal antes do apocalipse é que Portugal descobriu Vila Nova de Foz Côa, por exemplo, e Fafe mantém às vezes de porta aberta o vetusto Jardim do Calvário, que nos seus tempos mais pré-históricos até teve crocodilos, e bem barulhentos, isso toda a gente sabe.
Os jardins antigos, os jardins entretanto desaparecidos, foram substituídos por urbanismo, é assim que se chama a nova coisa. E como é que isso se fez? Como é que isso se faz?

Desta maneira simples. Pegue-se num bom pedaço de terreno relvado, com árvores e com sombras, e arrase-se tudo. O terreno, a relva, as árvores e as sombras. O urbanismo não quer sombras. Encha-se o espaço de alcatrão, cimento, placas de granito e mármore, pedregulhos aparelhados fazendo de conta de bancos e estacas de alumínio a imitarem árvores ou, quem sabe, a imitarem esculturas muito inteligentes e indecifráveis, de preferência com esguichos mas sem água derivado à seca e à poupança. Isto é urbanismo! Pegue-se no jardim da cidade, arranquem-se as flores e os arbustos, envenene-se o verde, construam-se desertos em forma de praça e mandem-se as pessoas para casa. Isto é urbanismo! Pegue-se num monte, sítio de memórias, de brincadeiras da infância, santuário de locais secretos e míticos, reserva de saúde e natureza, e corte-se-lhe a crista, cape-se, desarborize-se, desfaune-se, terraplene-se, enxote-se a bicharada, cale-se o incómodo do chilreio dos pássaros, ergam-se moradias de preferência com feitio de caixote, altas, pegadas e muitas, fechadas, e muros e portões e alarmes e estradas e carros e escapes e buzinas e estampanços e atropelamentos e antenas parabólicas e fios e postes de alta ou remediada tensão. Isto é urbanismo!

Resumindo e concluindo: roubam-nos os jardins e dão-nos esplanadas desamparadas e escaldantes, arrancam-nos as árvores e impingem-nos guarda-sóis publicitários. E, se nos queixamos, dizem-nos que não percebemos nada do assunto. Mas qual assunto? Viver?...

P.S. - Publicado no meu blogue Mistérios de Fafe. Hoje é Dia Nacional dos Jardins.

A mulher de vermelho (e as outras)

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 24 de maio de 2025

O garrano, o lobo e, a seguir, o lince

Mandaram-nos proteger o garrano. E nós protegemos. Depois disseram-nos que era preciso abater o garrano. Mandaram-nos proteger o lobo. E nós protegemos. Agora dizem-nos que o lobo pode ser abatido. Mandaram-nos salvar o lince. Salvou-se o lince e, consta, o lince nunca esteve tão bem. O lince que se ponha a pau...

P.S. - Hoje é Dia Europeu dos Parques Naturais.

Parque natural

Era um parque natural. Um excelente parque natural, diga-se em abono da verdade. Descampado, chão de terra, pedra e erva, e nem precisou de obras. Cabiam ali, bem à vontade, para cima de cem carros...

P.S. - Hoje é Dia Europeu dos Parques Naturais.

Frescuras

- E o que vai ser?
- Um parque.
- Fresco? 
- Natural, se faz favor.

P.S. - Hoje é Dia Europeu dos Parques Naturais.

Ao contrário

Conheço uma senhora que todas as manhãs faz exercício ali em baixo no Passeio Atlântico, à beira do mar. Entre outras habilidades atléticas, a senhora sobretudo caminha de costas, arrecua, ou seja, anda ao contrário. E isto há anos. Resultado: em vez de emagrecer, a senhora está cada vez mais gorda...

P.S. - Hoje é Dia Nacional de Luta Contra a Obesidade.

Cai neve no jardim

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Éramos pelos touros

Referendo tauromáquico
Fez-se um referendo sobre as touradas - sim ou não? Os touros votaram não.

Sim, creio que se poderá afirmar, sem demasiado escândalo, que havia uma certa afición em Fafe. Uma espécie de penha taurina intermitente e inorgânica, espontânea, funcionava, digamos assim, no Peludo, café do povo, sempre que houvesse corrida na televisão, o que acontecia muito raramente e ainda a preto e branco. Gostávamos, portanto, de touradas. Éramos conhecedores, exigentes, e só nos interessavam as pegas.
As touradas eram entretém de Verão, geralmente à noite, e as nossas noites de Verão decorriam naquele bocadinho de passeio que servia de esplanada ao Peludo, na rua do Cinema e quase em frente, dois bancos corridos, de jardim, encostados à parede, e três ou quatro mesas com cadeiras a atravancarem a passagem. Estava-se bem! A tourada era lá dentro, no televisor pendurado num dos cantos da pequena sala, logo após a porta. O espectáculo começava, cortesias, cavaleiros, toureiros, matadores, bandarilheiros ou simples peões de brega, e o pessoal cá fora como se nada fosse, aquilo não interessava para nada. Porém. Tocava o cornetim a anunciar a pega, e entrávamos todos a correr para ganhar lugar e pedir mais um fino. As pegas é que nos diziam respeito. E éramos, obviamente, pelo touro. Para o nosso grupo de aficionados, uma boa pega, uma pega realmente de encher o olho, era quando o animal, sozinho, conseguia dizimar a formação de forcados inteira, um a um ou todos aos mesmo tempo, o valentão da cara, os ajudas e até o rabejador, tudo levado à frente, tudo pelos ares e, se possível, que não era, a coisa repetida depois duas ou três vezes, em câmara lenta.
Rematada a função, amiúde de cernelha, que tristeza, após três, quatro ou cinco tentativas de pega natural falhadas, tornávamos ao exterior, talvez para mais uma sessão de anedotas com o Tónio Augusto Ferreira ou para ouvirmos as mirabolâncias do Zé Manel Carriço, que aparecia de repente, parecia impossível, só tinha de atravessar a rua. E ali ficávamos no comentário e na galhofa, até à próxima gaitada.

Que Fafe também teve a sua tourada, isso já é outra história. Foi no Campo da Granja, em 1963, provavelmente por ocasião das Festas da Senhora de Antime, que é o mais certo, mas também poderá ter sido por alturas das Feiras Francas, lembro-me é que era um belo dia de sol e, agora que penso nisso com mais vagar, não faço a mínima ideia de como é possível lembrar-me. Uma tourada que terá sido a primeira organizada em terras de Fafe e que, se não me engano, foi igualmente a única, e portanto última, até hoje.O redondel não era assim tão redondo como o nome poderia indicar à partida: digamos que foi construída, com robustos troncos de madeira, uma espécie de lua cheia fanada, cortada em linha recta na zona da bancada, que era para o excelentíssimo público poder estar em cima do acontecimento. As digníssimas autoridades locais e a nossa mais distinta burguesia, orgulhosamente alapadas na bancada de cimento com tecto de chapas de zinco, quero crer que com umas discretas almofadinhas aliviando os respectivos traseiros, e o povo a pé, no meio do campo da bola, encostado às tábuas, mas seria muito pouco, meio dúzia de gatos-pingados, se tanto, e eventualmente já razoavelmente decilitrados, porque os bilhetes, mesmo os bilhetes mais baratos, eram bastante caros. Foram certamente ao engano e, diga-se em sua defesa, o calor era realmente muito e a situação deveras incómoda e eventualmente perigosa. Se naquele tempo já havia praças de toiros desmontáveis e alugáveis, não foi daquela vez que uma delas chegou a Fafe.
A tourada, segundo me lembro, e confesso que continuo sem perceber como é que me lembro, foi uma merda. Os do Peludo, especialistas encartados, nem lá pusemos os pés. Oficialmente. Quer-se dizer: mandaram-me a mim, que era puto, dar uma espreitadela, dei, e por isso é que sei do que estou a falar. Acho eu.

No tempo das feiras de gado, havia uma, valente, na Lameira, acontecimento constado ali à volta. Realizava-se todos os anos "pelos 21", isto é, no dia 21 de Agosto, ponto alto das Festas em Honra de Nossa Senhora da Saúde. Ora bem. Uma ocasião, uma vaca espantou-se não sei com quê, soltou-se do sítio onde estava a guardar e correu o arraial inteiro de uma ponta a outra a espalhar o pânico e o caos em direcção à Pica, escornando e escoiceando a torto e a direito, desfazendo tendas, barracas e ornamentações, tudo em pantanas, invadindo tascos e casas sérias, saltando para cima de carros e outros veículos mais ou menos motorizados e levando a eito aquele povo todo, aflito e tolo que não sabia aonde se havia de meter, anjinhos e mordomos incluídos. Eu, muito bem entrincheirado e de barriga cheia após merenda na Albertininha, ri-me como um perdido. Quer-se dizer: a coisa não constava do programa, mas também foi uma bonita tourada.

(Publicado no meu blogue Mistérios de Fafe)

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Que puta de vida!

Foto Hernâni Von Doellinger

O Lopes ofereceu-me pelo aniversário os "Mistérios de Fafe", de Camilo Castelo Branco. Uma "edição popular" de 1969 da Parceria A. M. Pereira Ld.ª, "8.ª edição, conforme a 2.ª, última revista pelo autor", Camilo, que avisa desde logo: "Esta novela contém adultérios, homicídios, missionários e outros cirros sociais", portanto Fafe no seu melhor. Prendinha bem catita, que nisto de livros o Lopes nunca dá ponto sem nó, e foi apenas a cereja em cima do bolo, um mimo, porque a prenda principal foi outra - outro livro, evidentemente. Os meus melhores livros, aliás, são-me regularmente dados pelo Lopes e pelo meu irmão Orlando, honra lhes seja.
Mas o Lopes. O Lopes é um bom caralho! Aqui atrasado ofereceu-me "O Seminarista", de Rubem Fonseca. "O Seminarista", para mim, estais a ver a malandrice? Porque o Lopes parece que está sempre no gozo. O Lopes chama-se Luís Lopes, é jornalista, escritor, argumentista e fafense amador, tantas as vezes que me acompanhou nos meus periódicos e mais ou menos nocturnos regressos à terra. O seu primeiro livro, publicado pela Vega em 1997, tem por título "Que Puta de Vida!", e quem ainda não leu, não sabe o que anda a perder. É coisa que se lê num lampo ou, melhor dizendo, no tempo de uma gargalhada. Ou de um espirro. Alguns raros exemplares poderão ainda ser encontrados, creio, nas melhores casas da especialidade.

Já agora, o seguinte. À medida que nos formos conhecendo melhor, ides perceber que eu levo os telemóveis muito a sério (à séria, se lido em Lisboa). Se o meu telemóvel toca, e é raro, eu atendo. Sempre. Ainda ontem: eu estava aqui nas traseiras, a escrevinhar qualquer coisa, por acaso sem o telemóvel à mão, e ouvi-o tocar na cozinha, virada para a rua. Fui lá a correr: não era o telemóvel, era a máquina de lavar roupa, que as máquinas de lavar roupa agora também tocam. O que é que eu fiz? Atendi a máquina de lavar roupa, evidentemente. E era o Lopes...

(Publicado originalmente no meu blogue Mistérios de Fafe. Hoje é Dia do Autor Português)

terça-feira, 20 de maio de 2025

O que precisa de saber

"Cancro da próstata agressivo: o que precisa de saber sobre a doença de Joe Biden", propõe o título do jornal Público. E a verdade é só uma: no assunto em questão, "a doença de Joe Biden", eu não "preciso" de saber mais nada, "cancro da próstata agressivo", eu percebi. Mas quê? Com todos os partidos a quererem ser iguais ao Chega, incluindo o PSD, parece que também todos os jornais querem ser iguais ao Correio da Manhã, incluindo o Público. Depois, queixem-se!

Abelhas e vespas, a diferença

A diferença entre as abelhas e as vespas. As abelhas são insectos himenópteros, da família dos Apídeos, que vivem em enxames e produzem mel e cera. As vespas são lambretas ou, vá lá, motorizadas para senhoras, desculpem-me a expressão...

E depois há as vespas asiáticas. As vespas asiáticas, diga-se em abono da verdade, são principalmente Honda, Yamaha e Suzuki. Mas também Zongshen, Lml, Lifan, Generic, Kinroad, Jincheng, Znen, Masaï, Keeway, Baotian, Sym, Pgo, Kymco e TNT. Isto apenas por exemplo. E são realmente uma praga.

P.S. - A Vespa fez 79 anos há coisa de um mês. Foi no dia 23 de Abril de 1946 que Enrico Piaggio registou a patente de sua criação mais famosa e verdadeiro ex-líbris da marca Piaggio. Hoje é Dia Mundial das Abelhas.

domingo, 18 de maio de 2025

Eu não lhe admito, senhor deputado!

- Eu não admito que o senhor deputado diga que eu disse isso, senhor deputado!
- Então o que é que o senhor deputado disse, senhor deputado?
- Eu disse aquilo, senhor deputado.
- Aquilo, senhor deputado? E só agora é que o senhor deputado diz isso, senhor deputado?
- Eu não admito que o senhor deputado diga que eu disse isso, senhor deputado!

Relativamente a essa matéria

- Relativamente a essa matéria, senhor deputado, devo esclarecer que não tenho nada a acrescentar relativamente a essa matéria.
- E relativamente à outra matéria, senhor primeiro-ministro?
- Relativamente à outra matéria, senhor deputado, devo esclarecer que não tenho nada a acrescentar relativamente à outra matéria.
- Bem me parecia, senhor primeiro-ministro!
- Ainda bem que nos entendemos, senhor deputado!

Ó Portugal, se fosses só três

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 17 de maio de 2025

Quando o futebol não era para cátias vanessas

Deu-se um importante acontecimento desportivo este fim de tarde. No Estádio do Dragão, antes do irrelevante FC Porto-Nacional, despediu-se um grande jogador de futebol, um jogador à moda antiga - Castro. Homem de trabalho, despretensioso, honesto em campo, carregador de piano e bombo, terminou a carreira ao serviço da equipa B do seu clube do coração. À saída, quase pedindo desculpa se por acaso incomodou, informou simplesmente que "não é preciso muito estilo para ser jogador de futebol". Isso. E também que "fazer o bem compensa, ser correcto compensa". Disse Castro.

Não é novidade: os nomes interessam-me muito. "Diz-me o teu nome, dir-te-ei quem és" - acredito neste ancestral provérbio chinês que acabo agora mesmo de inventar, e não no outro, bem intencionado e de autor incerto, "Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és". Millôr Fernandes explicava melhor do que eu o meu ponto de vista: "Judas andava com Cristo. E Cristo andava com Judas". Estamos percebidos?
Portanto, dou-me ao trabalho dos nomes. Quando eu era miúdo marcava no jornal os nomes dos jogadores de futebol que me pareciam esquisitos. Ainda não tínhamos chegado à babel que agora é, mas o Marreca, o Camelo, o Cansado, o Repolho, o Chouriça, o Torto, o Maneta, o Sacristão, o Mouco e o Aguardente enchiam-me de alegria as segundas-feiras. Também gostava muito do Araponga, do Alhinho e do Manaca. O Penteado e o Careca já me apareceram fora de tempo, mas isto é tudo nomes só por exemplo.
Com os nomes sublinhados eu fazia equipas que jogavam umas contra as outras, num campeonato de partir a moca, porque eu imaginava os jogadores exactamente conforme o nome, não sei se estão a ver o Marreca a driblar o Sacristão e o Repolho a entrar de pé em riste ao Camelo.
(Não é preciso ir mais longe: sou de Fafe, uma terra que deu ao futebol e ao mundo nomes tão extraordinários como Ricoca, Riga, Piré, Rates, Estafete, Mulato, Preto, Zebras, Caganito, Trolas, Feira Velha, Machica, Esparrinhento, Pescoça, Ferradeira, Mocho ou Mofo. Nomes que são uma primeirinha, do tempo em que o futebol era desporto e jogado por gente como nós. Uns antes, outros depois, estes e mais, foram e ainda são os meus ídolos.)
Sempre apreciei particularmente os jogadores de um nome só. Mas nome de barba rija, se me faço entender. O Freitas, o Gomes, o Antunes, o Meneses, o Martins, o Ferreira, o Oliveira, o Marques, o Almeida, o Lopes, o Carvalho - eram nomes que me punham em sentido. E se os nomes tivessem bigode farfalhudo, inclusive nas sobrancelhas, então ainda melhor. Nomes assim davam-me segurança, transpiravam autoridade, infundiam Respect. Pareciam da polícia. O agente Freitas, o chefe Gomes, o comissário Antunes, o nosso cabo Martins, o sargento Almeida, o capitão Carvalho... - estais a acompanhar-me? -, e isto só para falar da linha média para a frente.
Mas já não há nomes assim da boa e velha casca-grossa, e os bigodes de antanho foram de momento substituídos por falsas barbas jihadistas em caras de sobrancelhas depiladas. Temos agora em campo o Paulo Vítor, o João Mário, o Paulo Bernardo, o André Paulo, o Mário Rui, o Rui Miguel, o João Paulo, o Paulo Jorge, o João Afonso, o Rúben Tiago, o Cristiano Ronaldo. Enfim, cátias vanessas.