quinta-feira, 31 de maio de 2018
Carteira profissional
Chamado à pedra, protestou: - Eu sou carpinteiro, e vou fazer queixa ao sindicato...
Sílvio Duncan 2
A viagem maravilhosa
o peixe atravessou o aquário
e foi passear seu corpo de turmalina
nas pupilas encantadas da criança
"Profetas do Cimento", Sílvio Duncan
(Sílvio Duncan nasceu no dia 1 de Junho de 1922. Morreu em 1999.)
o peixe atravessou o aquário
e foi passear seu corpo de turmalina
nas pupilas encantadas da criança
"Profetas do Cimento", Sílvio Duncan
(Sílvio Duncan nasceu no dia 1 de Junho de 1922. Morreu em 1999.)
Murilo Rubião 6
Numa dessas vezes, irritado, disposto a nunca mais fazer mágicas, mutilei as mãos. Não adiantou. Ao primeiro movimento que fiz, elas reapareceram novas e perfeitas nas pontas dos tocos de braço. Acontecimento de desesperar qualquer pessoa, principalmante um mágico enfastiado do ofício.
"O Ex-Mágico da Taberna Minhota", Murilo Rubião
(Murilo Rubião nasceu no dia 1 de Junho de 1916. Morreu em 1991.)
"O Ex-Mágico da Taberna Minhota", Murilo Rubião
(Murilo Rubião nasceu no dia 1 de Junho de 1916. Morreu em 1991.)
Manuel Cuña Novás 2
Mariñeiro, mariñeiriño
déixame pasar a ría
que perdín o meu vestido.
déixame pasar a ría
que perdín o meu vestido.
Rosa e xazmín,
non levarei agora
o que eu perdín.
non levarei agora
o que eu perdín.
Mariñeiro que tés amores
déixame ir na falúa
que estou vestida de frores.
déixame ir na falúa
que estou vestida de frores.
Rosa e xazmín,
non levarei agora
o que eu perdín.
non levarei agora
o que eu perdín.
Mariñeiro que amores tés
déixame ir na falúa
que estou por amores núa.
déixame ir na falúa
que estou por amores núa.
Rosa e xazmín,
non levarei agora
o que eu perdín.
non levarei agora
o que eu perdín.
(Manuel Cuña Novás nasceu no dia 1 de Junho de 1924. Morreu em 1992.)
Luis Seoane 2
Testemuños
Como fai dous mil catrocentos anos
ou menos.
Cicais dous mil anos
(pode testemuñalo o arqueólogo)
a noite, a lúa e o sangue
dominan a pedra dos sacrificios
e depositan, Galicia, sabor dos teus dolmens,
a semente da virxen,
o sangue da virxen,
e a do heroi matador da serpe
(poden testemuñalo os cronicós).
Mais
ollase lus nesta noite
na escuridade de sangue callado,
e a vida, sí, na carrexa luar de tantos mortos.
Poderán testemuñalo pasando este tempo
outros arqueólogos e novos cronicós.
"As Cicatrices", Luis Seoane
(Luis Seoane nasceu no dia 1 de Junho de 1910. Morreu em 1979.)
Como fai dous mil catrocentos anos
ou menos.
Cicais dous mil anos
(pode testemuñalo o arqueólogo)
a noite, a lúa e o sangue
dominan a pedra dos sacrificios
e depositan, Galicia, sabor dos teus dolmens,
a semente da virxen,
o sangue da virxen,
e a do heroi matador da serpe
(poden testemuñalo os cronicós).
Mais
ollase lus nesta noite
na escuridade de sangue callado,
e a vida, sí, na carrexa luar de tantos mortos.
Poderán testemuñalo pasando este tempo
outros arqueólogos e novos cronicós.
"As Cicatrices", Luis Seoane
(Luis Seoane nasceu no dia 1 de Junho de 1910. Morreu em 1979.)
O velho contador de anedotas
Foto Hernâni Von Doellinger |
Levava um banquinho e sentava-se em Cima da Arcada, de guarda-sol, se fosse o caso, e um caderninho de folhas quadriculadas, sempre. Espertava os olhos cansados, via sair, e tomava nota. Saíam do Mário da Louça, do Damião Monteiro, do Café Império, do Talho, da Caixa, do Martins da Avenida, do Rabeca, da Câmara, do Casinhas, da Senhora Eufémia, do Américo das Bicicletas, do Alfredo Sapateiro, das Lobas, da Loja Nova, da Casa da Cera, dos Armazéns Cunha, do Banco. Saíam, e ele registava, mão trémula porém infalível. Analfabeto de nascença, utilizava a técnica do Miguel Cantoneiro, ecumenicamente adaptada: uma cruzinha para os como ele, uma cruz para os menos mal e um cruzeiro para os cagões locais. À noite, em casa, depois da sopa e antes do terço, fazia a soma, por escalões, comparava com os dias anteriores, as contas todas certinhas, noves fora nada, e arquivava no saco de serapilheira debaixo da cama. Era um excelente contador de anedotas.
quarta-feira, 30 de maio de 2018
O melhor ainda está para vir
O melhor ainda estava para vir. Era o Antunes. Chegava sempre atrasado...
Walflan de Queiroz 2
Hart Crane
Construamos uma ponte definitiva
Que sirva de ligação eterna entre Ocidente e o Oriente.
Uma ponte universal, maior do que a de Brooklyn
Irmanando pretos e brancos, ricos e proletários,
No grande dia inesquecível
Da paz e do amor entre os povos.
Então o mar devolverá teu corpo eo mundo em alegria.
"O Tempo da Solidão", Walflan de Queiroz
(Walflan de Queiroz nasceu no dia 31 de Maio de 1930. Morreu em 1995.)
Construamos uma ponte definitiva
Que sirva de ligação eterna entre Ocidente e o Oriente.
Uma ponte universal, maior do que a de Brooklyn
Irmanando pretos e brancos, ricos e proletários,
No grande dia inesquecível
Da paz e do amor entre os povos.
Então o mar devolverá teu corpo eo mundo em alegria.
"O Tempo da Solidão", Walflan de Queiroz
(Walflan de Queiroz nasceu no dia 31 de Maio de 1930. Morreu em 1995.)
Ramón Piñeiro 3
Deica entón - deica os 6 anos - a miña lingua única fora o galego, así que o choque máis importante que me produciu a escola foi o cambio de lingua. O escolante, que era de Lugo, falaba en castelán dentro e fóra da escola e falábao con todo o mundo, mesmo que fosen nenos ou vellos, homes ou mulleres, labregos ou cregos. Non facía a menor concesión. Falaba en castelán coa intransixente firmeza de quen cumpre un alto e sagrado deber. [...]
"Da Miña Acordanza", Ramón Piñeiro
(Ramón Piñeiro nasceu no dia 31 de Maio de 1915. Morreu em 1990.)
"Da Miña Acordanza", Ramón Piñeiro
(Ramón Piñeiro nasceu no dia 31 de Maio de 1915. Morreu em 1990.)
terça-feira, 29 de maio de 2018
O borra-botas e o cagão
Cuidado, estamos em terreno escorregadio. Elaboramos aqui sobre dois conceitos aparentemente correlativos - quero dizer, o borra-botas, antes de o ser, é cagão, e o cagão, após sê-lo, é borra-botas, há quem pense -, mas não é necessariamente assim. Vejamos:
Borra-botas, posto que começou por significar engraxador, ou, sejamos compreensivos, engraxador desastrado, espécie de expressionista abstracto do rez-de-chaussée, é nome que hoje em dia define indivíduo sem valor, safardana, bisbórria, biltre, patife, salafrário, bigorrilha, pulha, bandalho, trapalhão, troca-tintas, joão-ninguém, zé-ninguém, zero-à-esquerda.
Debrucemo-nos agora sobre o cagão: é originalmente o indivíduo que defeca (ou que se peida, se for em Fafe) com entusiástica frequência e notoriedade, mas o termo passou também a servir para identificar o homem medroso, caguinchas, medricas, cagarola, ou, por outro lado, o vaidoso, o presunçoso, o arrogante, o snobe, o pedante, o gabarola, o armante, o enfatuado, o figurão, o tem-a-mania. E este é que é o ponto...
Borra-botas, posto que começou por significar engraxador, ou, sejamos compreensivos, engraxador desastrado, espécie de expressionista abstracto do rez-de-chaussée, é nome que hoje em dia define indivíduo sem valor, safardana, bisbórria, biltre, patife, salafrário, bigorrilha, pulha, bandalho, trapalhão, troca-tintas, joão-ninguém, zé-ninguém, zero-à-esquerda.
Debrucemo-nos agora sobre o cagão: é originalmente o indivíduo que defeca (ou que se peida, se for em Fafe) com entusiástica frequência e notoriedade, mas o termo passou também a servir para identificar o homem medroso, caguinchas, medricas, cagarola, ou, por outro lado, o vaidoso, o presunçoso, o arrogante, o snobe, o pedante, o gabarola, o armante, o enfatuado, o figurão, o tem-a-mania. E este é que é o ponto...
Xavier Costa Clavell 3
O verán seguinte a ter aprobado en xuño o exame de ingreso no Instituto de Santiago, o meu pai, que se sentiu moi ledo, fíxome un regalo que moito estimei: deume unha importante cantidade de diñeiro e díxome:
- Vai este verán a dar unhas voltas pola Costa da Morte, que é moi interesante e belida.
Tiña daquela once anos e unha liberdade que para sí quixeran moitos mozos de máis idade ca que min.
- Vai este verán a dar unhas voltas pola Costa da Morte, que é moi interesante e belida.
Tiña daquela once anos e unha liberdade que para sí quixeran moitos mozos de máis idade ca que min.
"Fillo do Vento", Xavier Costa Clavell
(Xavier Costa Clavell nasceu no dia 30 de Maio de 1923. Morreu em 2006.)
(Xavier Costa Clavell nasceu no dia 30 de Maio de 1923. Morreu em 2006.)
Caminho 492
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Anne Marie Morris 2
Ensoños fora dos ensoños
Soños,
ensoños fora dos ensoños...
hastra que ti me apañache
nos teus brazos
e todol-os meus ensoños
foron espallándose
polos camiños
"Voz Fuxitiva", Anne Marie Morris
(Anne Marie Morris nasceu no dia 30 de Maio de 1916. Morreu em 1999.)
Soños,
ensoños fora dos ensoños...
hastra que ti me apañache
nos teus brazos
e todol-os meus ensoños
foron espallándose
polos camiños
"Voz Fuxitiva", Anne Marie Morris
(Anne Marie Morris nasceu no dia 30 de Maio de 1916. Morreu em 1999.)
segunda-feira, 28 de maio de 2018
Microcontos & outras miudezas 87
Homem de família
A família, para ele, era tudo. Aliás, tinha duas.
Casamento real
Hoje, algures em Portugal, o José Silva casou com a Maria Pereira, aliás Silva. Este, sim, é um casamento real.
Para os dois lados
"Duro à frente e macio atrás". Fala-se evidentemente da escolha de pneus numa corrida de motos, mas... quer-se dizer...
Cinco minutos de doze em doze horas
Foi à farmácia e comprou três quartos de hora. Afinal, o tempo é o melhor remédio...
Nunca se sabe o dia de amanhã
Pegou em seis horas e meia e meteu-as cuidadosamente no cofre. Afinal, tempo é dinheiro...
In vino veritas, in aqua sanitas
Compareceram todos. Ab Initio, Modus Operandi, Lapsus Linguae, Curriculum Vitae, Honoris Causa, In Dubio Pro Reo, E Pluribus Unum, Habeas Corpus, Ex Aequo, Ipso Facto, Mea Culpa, Per Capita, o casal Dura Lex, Sed Lex, Post Scriptum, Sine Die e Sine Qua Non, Ad Hoc, Statu Quo e Procol Harum, Sui Generis, Totus Tuus e Deo Gracias, Data Venia, Ipsis Verbis e Ipsis Litteris, A Priori e A Posteriori, Apud, Carpe Diem, Grosso Modo, In Loco, In Memoriam e In Vitro, RIP, Dux Veteranorum, Alter Ego, Fac Simile, Verbi Gratia, Ibidem e os irmãos A Contrario Sensu, Lato Sensu e Stricto Sensu.
Honoris Causa abriu os trabalhos e foi directo ao assunto. Disse: - E se nos deixássemos de merdas?...
Mal passado
A questão é muito simples: será insulto chamar bife ao camone?...
A família, para ele, era tudo. Aliás, tinha duas.
Casamento real
Hoje, algures em Portugal, o José Silva casou com a Maria Pereira, aliás Silva. Este, sim, é um casamento real.
Para os dois lados
"Duro à frente e macio atrás". Fala-se evidentemente da escolha de pneus numa corrida de motos, mas... quer-se dizer...
Cinco minutos de doze em doze horas
Foi à farmácia e comprou três quartos de hora. Afinal, o tempo é o melhor remédio...
Nunca se sabe o dia de amanhã
Pegou em seis horas e meia e meteu-as cuidadosamente no cofre. Afinal, tempo é dinheiro...
In vino veritas, in aqua sanitas
Compareceram todos. Ab Initio, Modus Operandi, Lapsus Linguae, Curriculum Vitae, Honoris Causa, In Dubio Pro Reo, E Pluribus Unum, Habeas Corpus, Ex Aequo, Ipso Facto, Mea Culpa, Per Capita, o casal Dura Lex, Sed Lex, Post Scriptum, Sine Die e Sine Qua Non, Ad Hoc, Statu Quo e Procol Harum, Sui Generis, Totus Tuus e Deo Gracias, Data Venia, Ipsis Verbis e Ipsis Litteris, A Priori e A Posteriori, Apud, Carpe Diem, Grosso Modo, In Loco, In Memoriam e In Vitro, RIP, Dux Veteranorum, Alter Ego, Fac Simile, Verbi Gratia, Ibidem e os irmãos A Contrario Sensu, Lato Sensu e Stricto Sensu.
Honoris Causa abriu os trabalhos e foi directo ao assunto. Disse: - E se nos deixássemos de merdas?...
Mal passado
A questão é muito simples: será insulto chamar bife ao camone?...
Adolfo Caminha 2
Zé Pacato
Ora bolas!... Ora balas!...
Eis-me aqui as cabriolas,
Posso agora, sem virá-las,
minhas balas, minhas bolas.
Deu-me agora nas violas
Inventar esta secção,
Para balas... para bolas...
Carambolas... que me dão!
O meu programa
É este sem mais:
Fazer versos
Que deem-me fama.
E sendo, leitor assim
Quero que a elas leitora
Rimando a canção sonora,
Bondosa, goste de mim.
E eu fugindo agora dela
Mais ligeiro do que um gato
Humilde, sem mais, aquela,
Me assino de
Zé Pacato
Adolfo Caminha
(Adolfo Caminha nasceu no dia 29 de Maio de 1867. Morreu em 1897.)
Ora bolas!... Ora balas!...
Eis-me aqui as cabriolas,
Posso agora, sem virá-las,
minhas balas, minhas bolas.
Deu-me agora nas violas
Inventar esta secção,
Para balas... para bolas...
Carambolas... que me dão!
O meu programa
É este sem mais:
Fazer versos
Que deem-me fama.
E sendo, leitor assim
Quero que a elas leitora
Rimando a canção sonora,
Bondosa, goste de mim.
E eu fugindo agora dela
Mais ligeiro do que um gato
Humilde, sem mais, aquela,
Me assino de
Zé Pacato
Adolfo Caminha
(Adolfo Caminha nasceu no dia 29 de Maio de 1867. Morreu em 1897.)
Agustín Fernández Paz 2
O enigma do menhir
Hai ensinanzas que só a vida che pode aprender, pois é o paso dos anos quen nos vai facendo aceptar o que outrora xulgariamos insoportable. Cando se chega á miña idade, afeita a convivir de xeito permanente coa traxedia que tanto me marcou, a angustia perde os seus peores matices e acaba por integrarse na memoria coma se fose un vello membro do clan familiar. [...]
Agustín Fernández Paz
(Agustín Fernández Paz nasceu no dia 29 de Maio de 1947. Morreu em 2016.)
Hai ensinanzas que só a vida che pode aprender, pois é o paso dos anos quen nos vai facendo aceptar o que outrora xulgariamos insoportable. Cando se chega á miña idade, afeita a convivir de xeito permanente coa traxedia que tanto me marcou, a angustia perde os seus peores matices e acaba por integrarse na memoria coma se fose un vello membro do clan familiar. [...]
Agustín Fernández Paz
(Agustín Fernández Paz nasceu no dia 29 de Maio de 1947. Morreu em 2016.)
Histórias do 28 de Maio
Generoso, mais rápido do que uma linha recta
A menor distância entre dois pontos é uma recta? Nem sempre. Às vezes a menor distância entre dois pontos pode ser uma curva. Aqui não se trata de ciência, é mero exercício de memória. Por exemplo: lembram-se do Generoso? Claro que não se lembram do Generoso. Mas eu explico: o Generoso era um extremo brasileiro que jogou no SC Braga bem no início da década de setenta do século passado, por alturas da segunda divisão, se não me engano. O Generoso (e decerto um nome assim nunca foi tão bem empregue), o Generoso, dizia eu, era tão rápido, corria tanto, que, quando atacava e levava um adversário à ilharga, despossuído de outros e melhores argumentos técnicos, chutava a bola para a frente, saía do relvado, contornava o defesa pela pista de cinza, e - espantem-se! - ainda chegava lá primeiro.
Para que nos entendamos, o relvado e a pista de cinza eram no Estádio 28 de Maio, em Braga. Sim, antes do 25 de Abril de 1974, o Estádio 1.º de Maio chamava-se Estádio 28 de Maio. O que só demonstra (raciocínio palerma e suinamente fascistóide) que a Outra Senhora levava 27 dias de avanço em relação a Esta Senhora e que as revoluções cometem-se para mudar os nomes das ruas, praças, pontes, estádios e outro imobiliário. Mas eu também vi o Generoso executar a sua supersónica façanha no então pelado do meu Fafe, onde o resvés com os pilares de cimento e com os tubos metálicos da vedação conferia um toque extra de emoção e perigo ao espectáculo. O Generoso, sempre na mecha e a passar calafriantes tanjas ao excelentíssimo público e ao desastre, trazia-me à cabeça o encantatório e fanhoso reclame altifalante do poço-da-morte, nos dias dos 16 de Maio e da Senhora de Antime: também ali havia "arrojo, coragem, audácia, cooommm-ple-to desprezo pela vida". E eu sempre achei que o Generoso devia jogar de capacete.
Quando o 1.º de Maio era no dia 28
Antigamente o 1.º Maio era no dia 28 do mesmo. Quando digo antigamente quero dizer antes do 25 de Abril de 1974, que já é antigamente que chegue. Um por exemplo: o estádio do SC Braga na Ponte, antes da extraordinária Pedreira do arquitecto Souto Moura, chamava-se, como já contei, Estádio 28 de Maio, glorificando o golpe militar que naquela data, em 1926, derrubou a Primeira República e abriu caminho à ditadura do Estado Novo. De corte fascista, o 28 de Maio tentava aparentar-se e rivalizar com o Estádio Nacional, no Jamor, ou em Oeiras, consoante a dor de cotovelo de cada qual, e foi inaugurado, em 1950, por Salazar e Carmona, que assim dito até parecem uma alegre sociedade de costureiros. Veio a revolução e o estádio mudou de nome, passou a chamar-se Estádio 1.º de Maio, viva o Dia dos Trabalhadores, viva a classe operária!, mais ajuizado seria que se tivesse chamado sempre Campo da Quinta da Mitra.
Querem outro por exemplo? O Estádio 25 de Abril, em Penafiel. Antes da "política", aquele terreiro chamava-se Campo das Leiras. E que mal é que tinha o nome?...
A menor distância entre dois pontos é uma recta? Nem sempre. Às vezes a menor distância entre dois pontos pode ser uma curva. Aqui não se trata de ciência, é mero exercício de memória. Por exemplo: lembram-se do Generoso? Claro que não se lembram do Generoso. Mas eu explico: o Generoso era um extremo brasileiro que jogou no SC Braga bem no início da década de setenta do século passado, por alturas da segunda divisão, se não me engano. O Generoso (e decerto um nome assim nunca foi tão bem empregue), o Generoso, dizia eu, era tão rápido, corria tanto, que, quando atacava e levava um adversário à ilharga, despossuído de outros e melhores argumentos técnicos, chutava a bola para a frente, saía do relvado, contornava o defesa pela pista de cinza, e - espantem-se! - ainda chegava lá primeiro.
Para que nos entendamos, o relvado e a pista de cinza eram no Estádio 28 de Maio, em Braga. Sim, antes do 25 de Abril de 1974, o Estádio 1.º de Maio chamava-se Estádio 28 de Maio. O que só demonstra (raciocínio palerma e suinamente fascistóide) que a Outra Senhora levava 27 dias de avanço em relação a Esta Senhora e que as revoluções cometem-se para mudar os nomes das ruas, praças, pontes, estádios e outro imobiliário. Mas eu também vi o Generoso executar a sua supersónica façanha no então pelado do meu Fafe, onde o resvés com os pilares de cimento e com os tubos metálicos da vedação conferia um toque extra de emoção e perigo ao espectáculo. O Generoso, sempre na mecha e a passar calafriantes tanjas ao excelentíssimo público e ao desastre, trazia-me à cabeça o encantatório e fanhoso reclame altifalante do poço-da-morte, nos dias dos 16 de Maio e da Senhora de Antime: também ali havia "arrojo, coragem, audácia, cooommm-ple-to desprezo pela vida". E eu sempre achei que o Generoso devia jogar de capacete.
Quando o 1.º de Maio era no dia 28
Antigamente o 1.º Maio era no dia 28 do mesmo. Quando digo antigamente quero dizer antes do 25 de Abril de 1974, que já é antigamente que chegue. Um por exemplo: o estádio do SC Braga na Ponte, antes da extraordinária Pedreira do arquitecto Souto Moura, chamava-se, como já contei, Estádio 28 de Maio, glorificando o golpe militar que naquela data, em 1926, derrubou a Primeira República e abriu caminho à ditadura do Estado Novo. De corte fascista, o 28 de Maio tentava aparentar-se e rivalizar com o Estádio Nacional, no Jamor, ou em Oeiras, consoante a dor de cotovelo de cada qual, e foi inaugurado, em 1950, por Salazar e Carmona, que assim dito até parecem uma alegre sociedade de costureiros. Veio a revolução e o estádio mudou de nome, passou a chamar-se Estádio 1.º de Maio, viva o Dia dos Trabalhadores, viva a classe operária!, mais ajuizado seria que se tivesse chamado sempre Campo da Quinta da Mitra.
Querem outro por exemplo? O Estádio 25 de Abril, em Penafiel. Antes da "política", aquele terreiro chamava-se Campo das Leiras. E que mal é que tinha o nome?...
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domingo, 27 de maio de 2018
José Craveirinha 5
Pena
Zangado
acreditas no insulto
e chamas-me negro.
Mas não me chames negro.
Assim não te odeio.
Porque se me chamas negro
encolho os meus elásticos ombros
e com pena de ti sorrio.
"Babalaze das Hienas", José Craveirinha
(José Craveirinha nasceu no dia 28 de Maio de 1922. Morreu em 2003.)
Zangado
acreditas no insulto
e chamas-me negro.
Mas não me chames negro.
Assim não te odeio.
Porque se me chamas negro
encolho os meus elásticos ombros
e com pena de ti sorrio.
"Babalaze das Hienas", José Craveirinha
(José Craveirinha nasceu no dia 28 de Maio de 1922. Morreu em 2003.)
À capela
Cantava muito bem à capela. Pediram-lhe que cantasse à igreja. Disse que ainda não estava preparado...
sábado, 26 de maio de 2018
Luís Veiga Leitão 2
Manhã
- Bom dia. Diz-me um guarda.
Eu não ouço... apenas olho
das chaves o grande molho
parindo um riso na farda.
Vómito insuportável de ironia
Bom dia, porquê bom dia?
Olhe, senhor guarda
(no fundo a minha boca rugia)
aqui é noite, ninguém mora,
deite esse bom dia lá fora
porque lá fora é que é dia!
"Noite de Pedra", Luís Veiga Leitão
(Luís Veiga Leitão nasceu no dia 27 de Maio de 1912. Morreu em 1987.)
- Bom dia. Diz-me um guarda.
Eu não ouço... apenas olho
das chaves o grande molho
parindo um riso na farda.
Vómito insuportável de ironia
Bom dia, porquê bom dia?
Olhe, senhor guarda
(no fundo a minha boca rugia)
aqui é noite, ninguém mora,
deite esse bom dia lá fora
porque lá fora é que é dia!
"Noite de Pedra", Luís Veiga Leitão
(Luís Veiga Leitão nasceu no dia 27 de Maio de 1912. Morreu em 1987.)
Manuel Teixeira Gomes 4
O meu quarto na hospedaria Fra Giaccomo, em Smirna, era uma gaiola de vidro suspensa sobre o mar, e isso concorreu muito para que eu aí me demorasse mais do que projectara. Não que o panorama fosse risonho; bem pelo contrário. A desarmónica imensidade do golfo, a disposição das esmagadoras montanhas vizinhas, a cidade que não brilha, com o seu casario escuro apinhado nas encostas, nas alturas recortadas de ameias, restos de arruinadas fortificações antigas, todo este conjunto formava um quadro melancólico. [...]
"Novelas Eróticas", Manuel Teixeira Gomes
(Manuel Teixeira Gomes nasceu no dia 27 de Maio de 1860. Morreu em 1941.)
"Novelas Eróticas", Manuel Teixeira Gomes
(Manuel Teixeira Gomes nasceu no dia 27 de Maio de 1860. Morreu em 1941.)
Fafe, por exemplíssimo
Foto Hernâni Von Doellinger |
Felicidade é coisa pouca e tudo.
Por exemplo. Vou a Oliveira de Azeméis e levo uma data de "Ó jovem!", geralmente debitada por gentis indivíduos de bandeja na mão e com idade para serem, vá lá, meus netos. Afino. Afino solenemente. Por exemplo. Aqui em Matosinhos, vou ao peixinho ao fim da minha rua, porque na minha rua passa o mar, e o povo do mar, velhos pescadores ou a minha querida peixeira, tratam-me por "Amiguinho!", e não vou dizer que desgosto. Gosto um bocadinho. Porém: torno a Fafe, por exemplo, e as pessoas, algumas com idade para serem, vá lá, meus filhos, chamam-me "Meu rico menino!", e eu comovo-me, gosto, gosto, gosto. Fico feliz da vida. Por mim e por Fafe ser tão entranhadamente de afectos. Quer-se dizer: todas as terras são por exemplo, mas algumas são mais por exemplo do que outras. E, puxando a brasa à minha sardinha, deixem-me que vos diga: Fafe é, apesar dos pesares e modéstia à parte, uma terra por exemplíssimo...
sexta-feira, 25 de maio de 2018
Próxima paragem, Timor
A menina dos altifalantes avisa-me, numa voz metálica e sincopada, de andróide: "Próxima paragem, Timor." Sobressalto-me, de repente o coração enche-se-me de egrégios avós, de coragem que nunca tive, às armas às armas, digo, maubere people, canto, emociono-me de mim, Ai Timor, os olhos afogados em lágrimas, olho pela vigia, o mar calmo e eu agoniado, faço as últimas orações, seja o que Deus quiser, dou o peito às balas... e dou também fé que estou no 500, o autocarro da STCP que faz a ligação entre o Mercado de Matosinhos e a portuense Praça da Liberdade, viceversando. Para quem vai, Timor fica entre as paragens do Castelo do Queijo e do Homem do Leme, Avenida Montevideu, Foz, e antes assim.
Foto Hernâni Von Doellinger |
Glória de Sant'Anna 2
Recado
Se eu morreu longe
sepulta-me no mar
dentro das algas ignorantes
e lúcidas.
Cobre o meu rosto de palavras
antigas
e de música.
Deixa em meus dedos
a memória mais recente
de outras coisas inúmeras
e nos meus cabelos
o incerto movimento
do vento e da chuva.
Eu vogarei sob as estrelas
com pálidas luzes entre os cílios
e pequenos caramujos
entrarão nos meus ouvidos.
Estarei assim idêntica
a todos os motivos.
"Música Ausente", Glória de Sant'Anna
(Glória de Sant'Anna nasceu no dia 26 de Maio de 1925. Morreu em 2009.)
Se eu morreu longe
sepulta-me no mar
dentro das algas ignorantes
e lúcidas.
Cobre o meu rosto de palavras
antigas
e de música.
Deixa em meus dedos
a memória mais recente
de outras coisas inúmeras
e nos meus cabelos
o incerto movimento
do vento e da chuva.
Eu vogarei sob as estrelas
com pálidas luzes entre os cílios
e pequenos caramujos
entrarão nos meus ouvidos.
Estarei assim idêntica
a todos os motivos.
"Música Ausente", Glória de Sant'Anna
(Glória de Sant'Anna nasceu no dia 26 de Maio de 1925. Morreu em 2009.)
Ruben A. 5
A cidade de noite está acordada, como os gatos nas vielas, procura recolher-se a uma luminosidade íntima. Manipula seus hábitos, conta histórias, passeia, combina com a verdade o que vai acontecer quando daí a pouco a luz inunda os olhos dos bichos e os telhados das casas.
"O Outro Que Era Eu", Ruben A.
(Ruben A. nasceu no dia 26 de Maio de 1920. Morreu em 1975.)
"O Outro Que Era Eu", Ruben A.
(Ruben A. nasceu no dia 26 de Maio de 1920. Morreu em 1975.)
quinta-feira, 24 de maio de 2018
O calor dilata os copos
Praticante de fino durante três quartos do ano, chegava ao Verão e dedicava-se à caneca. Dizia: - O calor dilata os copos...
Barros Pinho 2
Ode ao amor do mar
Gosto do mar
pelo absurdo
sensual
de suas sereias
pelo encrespar
do vento
no ventre
de peixes
abomináveis
pelo lésbico
despudor
das ondas
violentando
as águas
gosto do mar
absorvendo
sol
na máscara
de bronze
dos pescadores
gosto do mar
mistério azul
das mulheres-marinhas
visivelmente estranguladas
gosto do mar
concupiscente
e paradoxal
em seus horrores
Barros Pinho
(Barros Pinho nasceu no dia 25 de Maio de 1939. Morreu em 2012.)
Gosto do mar
pelo absurdo
sensual
de suas sereias
pelo encrespar
do vento
no ventre
de peixes
abomináveis
pelo lésbico
despudor
das ondas
violentando
as águas
gosto do mar
absorvendo
sol
na máscara
de bronze
dos pescadores
gosto do mar
mistério azul
das mulheres-marinhas
visivelmente estranguladas
gosto do mar
concupiscente
e paradoxal
em seus horrores
Barros Pinho
(Barros Pinho nasceu no dia 25 de Maio de 1939. Morreu em 2012.)
Max de Vasconcelos 2
Agonias
Cai o sol no delírio do poente,
em plena floração brilha o luar...
das ruínas da igreja secular
bimbalha o bronze doloridamente...
Max de Vasconcelos
(Max de Vasconcelos nasceu no dia 25 de Maio de 1891. Morreu em 1919.)
Cai o sol no delírio do poente,
em plena floração brilha o luar...
das ruínas da igreja secular
bimbalha o bronze doloridamente...
Max de Vasconcelos
(Max de Vasconcelos nasceu no dia 25 de Maio de 1891. Morreu em 1919.)
Lois Pereiro 5
Cartografía
Cal morto xa
ou vencido
falo sen min
e durmo
no desastre
Debera ser posible
facer mapas de odio
e os húmidos monólogros
das cisternas
de noite
descifrar
"Poemas 1981-1991", Lois Pereiro
(Lois Pereiro nasceu no dia 16 de Fevereiro de 1958. Morreu no dia 24 de Maio de 1996.)
Cal morto xa
ou vencido
falo sen min
e durmo
no desastre
Debera ser posible
facer mapas de odio
e os húmidos monólogros
das cisternas
de noite
descifrar
"Poemas 1981-1991", Lois Pereiro
(Lois Pereiro nasceu no dia 16 de Fevereiro de 1958. Morreu no dia 24 de Maio de 1996.)
Delícias do mar (vamos lá definir!...)
Foto Hernâni Von Doellinger |
Areia macia e morna, água, o sal da terra, cheiro a argaço, sol quando Deus quer, a brisa nas ventas, o falar das ondas, o silêncio do horizonte a ganhar de vista, madrugadas de pés molhados, ocasos de fogo, Apúlia, um fino bem tirado, pescadores, peixeiras, surfistas, parassurfistas, ciclistas e todos os tipos de nudistas, a Foz, Matosinhos, a ver navios, os números do Porto de Leixões, camarão da costa, gambas no Peixoto de Fafe, cracas em São Mateus, alcatra de peixe no Boca Negra, lapas em casa do Victor e da Ana, ilha Terceira, ilha Terceira, ilha Terceira, ecos de Nemésio, mexilhões de vinagreta, masoquistas esturricando agosto e areando os entrefolhos, amêijoas à Bulhão Pato no portinho de Âncora, o bacalhau assado na brasa do Senhor Álvaro em Valença, o bacalhau assado no forno pela minha mãe, o bacalhau de quarto da minha avó de Basto, os bolinhos de bacalhau da minha avó da Bomba, a punheta de bacalhau do meu cunhado Álvaro, as trutas "do Coura" do querido amigo Vilaça Pinto, que, palavra de honra, era como se fossem marítimas, polvo de molho-verde, as lulas recheadas da minha sogra, as sardinhas da Dona Dina, navalhas na chapa, arroz de tomate com petinga, ou com jaquinzinhos, ou arroz de grelos com, ou arroz de feijão com, mas malando, malandro, malandro, ou, supra-sumo dos supra-sumos, o arroz de feijão vermelho com grelos e bacalhau frito da minha cunhada Isabel, fanecas, biqueirão, marmotinha de rabo na boca, filetes de peixe-galo, a raia frita do Salta o Muro aqui à porta, a lagosta da ilha de São Jorge comida à ganância e à moina, as percebes da ilha do Sal, as bandejas das rias galegas, carapaus grelhados no quintal do meu sogro, ostras de Setúbal degustadas em Bordéus, a mastodôntica cabeça de pescada que vou cozer para o jantar, os tremoços da Marrequinha da Recta. Isto são delícias do mar. Outra coisa não:
Fitas de nastro tingidas de cor-de-rosa gomitado, cortadas em palitos empacotados em vácuo e refrigerados não são, por mais que lhes chamem, delícias do mar! Não, não e não!
quarta-feira, 23 de maio de 2018
Ferreira de Castro 6
[...] Era uma rua estreitíssima, que cheirava a burros, a porcos e a fumo de ramos verdes. Dela partiam outras tortuosas vielas, que terminavam em pátios ou dobravam em cotovelos, cruzando-se, avançando para sombrios recantos, numa sugestão de labirinto. [...]
"A Lã e a Neve", Ferreira de Castro
(Ferreira de Castro nasceu no dia 24 de Maio de 1898. Morreu em 1974.)
"A Lã e a Neve", Ferreira de Castro
(Ferreira de Castro nasceu no dia 24 de Maio de 1898. Morreu em 1974.)
José Terra 2
Insegurança
Tenho medo de ti, ó meu irmão,
Dessas palavras mansas tenho medo,
Se até as pedras ouvem o segredo
Guardado nos confins do coração...
Tenho receio, amor, dessa canção
Que tu me cantas, desse teu enredo,
Será teu corpo a nau para o degredo,
Teus braços nus as grades da prisão?
Minha mãe! minha mãe! não te confio
O meu destino e é vão esse teu pranto!
Não trairás acaso o filho amado?
Não me conheço nesta voz que rio,
Espreitam-me assassinos, e, no entanto,
É um criminoso o que ficar calado!
"Canto da Ave Prisioneira", José Terra
(José Terra nasceu no dia 24 de Maio de 1928. Morreu em 2014.)
Tenho medo de ti, ó meu irmão,
Dessas palavras mansas tenho medo,
Se até as pedras ouvem o segredo
Guardado nos confins do coração...
Tenho receio, amor, dessa canção
Que tu me cantas, desse teu enredo,
Será teu corpo a nau para o degredo,
Teus braços nus as grades da prisão?
Minha mãe! minha mãe! não te confio
O meu destino e é vão esse teu pranto!
Não trairás acaso o filho amado?
Não me conheço nesta voz que rio,
Espreitam-me assassinos, e, no entanto,
É um criminoso o que ficar calado!
"Canto da Ave Prisioneira", José Terra
(José Terra nasceu no dia 24 de Maio de 1928. Morreu em 2014.)
Philip Roth (1933-2018)
Ou deixas de foder outras ou está tudo acabado.
Foi este o ultimato, o exasperante, inacreditável e absolutamente imprevisto ultimato que a amante de cinquenta e dois anos fez lavada em lágrimas ao seu amante de sessenta e quatro, no aniversário de uma ligação que persistira com espantosa licenciosidade - e que não menos espantosamente se mantivera secreta - durante treze anos. Mas agora, com as secreções hormonais a refluir, a próstata a dilatar-se e um horizonte verosímil de não mais do que poucos anos de potência semiconfiável da parte dele - e talvez nem isso de vida restante -, agora, na proximidade do fim de tudo, estava intimado a virar-se do avesso sob pena de a perder.
"Teatro de Sabbath", Philip Roth
Foi este o ultimato, o exasperante, inacreditável e absolutamente imprevisto ultimato que a amante de cinquenta e dois anos fez lavada em lágrimas ao seu amante de sessenta e quatro, no aniversário de uma ligação que persistira com espantosa licenciosidade - e que não menos espantosamente se mantivera secreta - durante treze anos. Mas agora, com as secreções hormonais a refluir, a próstata a dilatar-se e um horizonte verosímil de não mais do que poucos anos de potência semiconfiável da parte dele - e talvez nem isso de vida restante -, agora, na proximidade do fim de tudo, estava intimado a virar-se do avesso sob pena de a perder.
"Teatro de Sabbath", Philip Roth
terça-feira, 22 de maio de 2018
Quando o Texas era em Fafe
Foto Hernâni Von Doellinger |
O Texas era um tasco em Fafe. Chamava-se também Quiterinha, derivado ao nome da dona, senhora respeitável, ou Pensão Império, e eu nunca soube derivado a quê. Estão a ver a Rua Monsenhor Vieira de Castro, quem vai para o Picotalho, do lado do Cinema, depois da padaria e encostado ao Noré, mesmo em frente à cabine, antes de chegar às Grilas e ainda mais às Turicas? O Texas era exacta e geograficamente aí, previamente a ter-se instalado de armas e bagagens no sul dos Estados Unidos da América, resvés com o México, segundo vi depois nos filmes a cores.
O Texas, o nosso Texas, o verdadeiro Texas, era a preto e branco e tinha, após o balcão, um reservado com vista para a cozinha e para os campos do Santo, onde hoje se ergue o cimento do Pavilhão Municipal. Foi no nosso Texas, na sala da frente, que eu vi na televisão os jogos de Portugal no Mundial de 1966. Eu e a RTP éramos miúdos da mesma idade. Ao Texas fui com o meu pai, no Texas confraternizei com os músicos antigos da Banda de Revelhe, que tinha casa de ensaio ali a dois (com)passos, coisa tão a calhar, com o querido Senhor Ferreira do Hospital ou com o Queirós, meu camarada bissexto na fábrica e provavelmente o melhor tintureiro do mundo, desse-se o caso extraordinário de ele aparecer ao trabalho...
Vamos dizer, então, que o Texas, o nosso, era uma casa de pasto - sem ofensa para todos os verdadeiros americanos do faroeste, incluindo gado cavalar e vacum. As portas do Texas eram verdes, mas não eram de saloon. Cobóis, apareciam alguns, sobretudo às quartas-feiras, porém não me lembro de tiros. Naquele tempo em Fafe, terra de paz e amor, matava-se mais à sacholada e a Justiça de Fafe era um postal com quadras bairristas do Zé de Castro, poeta-cauteleiro, o nosso Aleixo. Borracheiras havia-as, e eram acontecimento de alta patente, é preciso que se note. Não tínhamos xerife, mas tínhamos o Chester, tínhamos o regedor de pistolete à cinta e tínhamos o Miguel Cantoneiro, que tinha uma questão com os erres e, para todos os efeitos, também era autoridade. Às vezes, quando não era precisa, também tínhamos polícia...
Em todo o caso: no Texas, no nosso Texas, um pascácio do calibre de Donald Trump nunca seria eleito sequer para fazer a escrita da sueca...
Pedro Dantas 2
Auto-crítica
Quando romântico
inconformado
era o meu cântico
descabelado.
Sereno esteta
grego-romano
depois fui poeta
parnasiano.
E modernista:
meu verso lírico
mais que realista
já foi homérico.
Hoje, entretanto, meu verso quero
do sentimento de toda gente
fácil, sem arte, rude, fatal,
de frases feitas, como os de Homero,
e com a força secreta e ardente
dos grandes sambas de carnaval.
Pedro Dantas
(Pedro Dantas nasceu no dia 23 de Maio de 1904. Morreu em 1977.)
Quando romântico
inconformado
era o meu cântico
descabelado.
Sereno esteta
grego-romano
depois fui poeta
parnasiano.
E modernista:
meu verso lírico
mais que realista
já foi homérico.
Hoje, entretanto, meu verso quero
do sentimento de toda gente
fácil, sem arte, rude, fatal,
de frases feitas, como os de Homero,
e com a força secreta e ardente
dos grandes sambas de carnaval.
Pedro Dantas
(Pedro Dantas nasceu no dia 23 de Maio de 1904. Morreu em 1977.)
Carlos de Assumpção 2
Linhagem
Eu sou descendente de Zumbi
Sou bravo valente sou nobre
Os gritos aflitos do negro
Os gritos aflitos do pobre
Os gritos aflitos de todos
Os povos sofridos do mundo
No meu peito desabrocham
Em força em revolta
Me empurram pra luta me comovem
Eu sou descendente de Zumbi
Zumbi é meu pai e meu guia
Eu trago quilombos e vozes bravias dentro de mim
Eu trago os duros punhos cerrados
Cerrados como rochas
Floridos como jardins
Carlos de Assumpção
(Carlos de Assumpção nasceu no dia 23 de Maio de 1927)
Eu sou descendente de Zumbi
Sou bravo valente sou nobre
Os gritos aflitos do negro
Os gritos aflitos do pobre
Os gritos aflitos de todos
Os povos sofridos do mundo
No meu peito desabrocham
Em força em revolta
Me empurram pra luta me comovem
Eu sou descendente de Zumbi
Zumbi é meu pai e meu guia
Eu trago quilombos e vozes bravias dentro de mim
Eu trago os duros punhos cerrados
Cerrados como rochas
Floridos como jardins
Carlos de Assumpção
(Carlos de Assumpção nasceu no dia 23 de Maio de 1927)
segunda-feira, 21 de maio de 2018
In vino veritas, in aqua sanitas
Compareceram todos. Ab Initio, Modus Operandi, Lapsus Linguae,
Curriculum Vitae, Honoris Causa, In Dubio Pro Reo, E Pluribus Unum,
Habeas Corpus, Ex Aequo, Ipso Facto, Mea Culpa, Per Capita, o casal Dura
Lex, Sed Lex, Post Scriptum, Sine Die e Sine Qua Non, Ad Hoc, Statu Quo
e Procol Harum, Sui Generis, Vade Retro, Totus Tuus e Deo Gracias, Data Venia,
Ipsis Verbis e Ipsis Litteris, A Priori e A Posteriori, Apud, Carpe Diem, Grosso Modo, In Loco, In Memoriam e In Vitro,
RIP, Dux Veteranorum, Alter Ego, Fac Simile, Verbi Gratia, Ibidem e os irmãos A Contrario
Sensu, Lato Sensu e Stricto Sensu.
Honoris Causa abriu os trabalhos e foi directo ao assunto. Disse: - E se nos deixássemos de merdas?...
Honoris Causa abriu os trabalhos e foi directo ao assunto. Disse: - E se nos deixássemos de merdas?...
Nunca se sabe o dia de amanhã
Pegou em seis horas e meia e meteu-as cuidadosamente no cofre. Afinal, tempo é dinheiro...
Germano Almeida, Prémio Camões 2018
A leitura do testamento cerrado do Sr. Napumoceno da Silva Araújo consumiu uma tarde inteira. Ao chegar à 150.ª página o notário confessava-se já cansado e interrompeu mesmo para pedir que lhe levassem um copo de água. E enquanto bebia pequenos golinhos, desabafou que de facto o falecido, pensando que fazia um testamento, escrevera antes um livro de memórias. [...]
"O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo", Germano Almeida
"O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo", Germano Almeida
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O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo,
Prémio Camões,
série Escritores
António Arnaut (1936-2018)
Portucale
As montanhas abrem alas. Vai passar
o rio d'ouro da lusa madrugada.
Ânsia em socalcos sobre o vale
a saudar
o começo da vida:
Portucale
não é porto de chegada,
é o sal
e a fome aventurosa da partida.
"Recolha Poética (1954-2017)", António Arnaut
(António Arnaut nasceu no dia 28 de Janeiro de 1936. Morreu hoje.)
As montanhas abrem alas. Vai passar
o rio d'ouro da lusa madrugada.
Ânsia em socalcos sobre o vale
a saudar
o começo da vida:
Portucale
não é porto de chegada,
é o sal
e a fome aventurosa da partida.
"Recolha Poética (1954-2017)", António Arnaut
(António Arnaut nasceu no dia 28 de Janeiro de 1936. Morreu hoje.)
Olga Savary
Acomodação do desejo III
Deito-me com quem é livre à beira dos abismos
e estou perto do meu desejo.
Depois do silêncio úmido dos lugares de pedra,
dos lugares de água, dos regatos perdidos,
lá onde morremos de um vago êxtase,
de uma requintada barbárie estávamos morrendo,
lá onde meus pés estavam na água
e meu coração sob meus pés,
se seguisses minhas pegadas e ao êxtase me seguisses
até morrermos, uma tal morte seria digna de ser morrida.
Então morramos dessa breve morte lenta,
cadenciada, rude, dessa morte lúdica.
"Magma", Olga Savary
(Olga Savary nasceu no dia 21 de Maio de 1933)
Deito-me com quem é livre à beira dos abismos
e estou perto do meu desejo.
Depois do silêncio úmido dos lugares de pedra,
dos lugares de água, dos regatos perdidos,
lá onde morremos de um vago êxtase,
de uma requintada barbárie estávamos morrendo,
lá onde meus pés estavam na água
e meu coração sob meus pés,
se seguisses minhas pegadas e ao êxtase me seguisses
até morrermos, uma tal morte seria digna de ser morrida.
Então morramos dessa breve morte lenta,
cadenciada, rude, dessa morte lúdica.
"Magma", Olga Savary
(Olga Savary nasceu no dia 21 de Maio de 1933)
Cinco minutos de doze em doze horas
Foi à farmácia e comprou três quartos de hora. Afinal, o tempo é o melhor remédio...
domingo, 20 de maio de 2018
Microcontos & outras miudezas 86
Regos do cu, havia necessidade?
A gente chama a casa um técnico da tv cabo, um electricista, um picheleiro, um trolha, e o que é que nos aparece? Um homem que se aninha, que se estica, que se dobra, que se deita e que nos mostra o rego do cu. Insistentemente o rego do cu. Havia necessidade? Porque é que as respectivas entidades patronais não lhes dão fardas recatadas, por medida, com calças de cinta alta e camisas de fralda comprida? Ou então mandem-me gajas, valha-me Deus...
O calor dilata os corpos
Estava a fazer dieta. Andava sempre pela sombra...
Raisparta!...
"Raisparta isto!", disse Zeus, meio distraído. E foi o fim do mundo...
Verticalidade
Era um aspirador vertical. De uma rectidão a toda a prova.
Traga uma árvore também
Era uma localidade um bocadinho estranha. Nas suas principais entradas, a autarquia colocara frondosas tabuletas que avisavam os forasteiros: "Se quiser sombra, traga a sua própria árvore".
O moncoso e o ranhoso (e o piolhoso...)
Moncoso e ranhoso. Conceitos sinónimos, porém idiossincráticos. O moncoso é o tipo dos moncos ao dependuro, sujo, imundo, badalhoco, ranhoso - cá está -, asqueroso, desprezível, desprezável, baixo, sórdido, vil. Um bandalho, um pulha, um bardamerda.
Por outro lado, o ranhoso é o tipo que tem ranho, ranhento, ranhenta, moncoso - cá está -, teimoso, astuto, foleiro, reles. O verdadeiro filhodaputa.
Moncoso e ranhoso são nomes que se chamavam antigamente. Nomes do piorio, ao nível, por exemplo, de... piolhoso.
Pérolas
Dos "agentes da PJ à paisana" aos "carros da PJ descaracterizados", passando pelos suspeitos que "tapam a cara com o rosto", tem sido um fartote!..
A gente chama a casa um técnico da tv cabo, um electricista, um picheleiro, um trolha, e o que é que nos aparece? Um homem que se aninha, que se estica, que se dobra, que se deita e que nos mostra o rego do cu. Insistentemente o rego do cu. Havia necessidade? Porque é que as respectivas entidades patronais não lhes dão fardas recatadas, por medida, com calças de cinta alta e camisas de fralda comprida? Ou então mandem-me gajas, valha-me Deus...
O calor dilata os corpos
Estava a fazer dieta. Andava sempre pela sombra...
Raisparta!...
"Raisparta isto!", disse Zeus, meio distraído. E foi o fim do mundo...
Verticalidade
Era um aspirador vertical. De uma rectidão a toda a prova.
Traga uma árvore também
Era uma localidade um bocadinho estranha. Nas suas principais entradas, a autarquia colocara frondosas tabuletas que avisavam os forasteiros: "Se quiser sombra, traga a sua própria árvore".
O moncoso e o ranhoso (e o piolhoso...)
Moncoso e ranhoso. Conceitos sinónimos, porém idiossincráticos. O moncoso é o tipo dos moncos ao dependuro, sujo, imundo, badalhoco, ranhoso - cá está -, asqueroso, desprezível, desprezável, baixo, sórdido, vil. Um bandalho, um pulha, um bardamerda.
Por outro lado, o ranhoso é o tipo que tem ranho, ranhento, ranhenta, moncoso - cá está -, teimoso, astuto, foleiro, reles. O verdadeiro filhodaputa.
Moncoso e ranhoso são nomes que se chamavam antigamente. Nomes do piorio, ao nível, por exemplo, de... piolhoso.
Pérolas
Dos "agentes da PJ à paisana" aos "carros da PJ descaracterizados", passando pelos suspeitos que "tapam a cara com o rosto", tem sido um fartote!..
Para os dois lados
"Duro à frente e macio atrás". Fala-se evidentemente da escolha de pneus numa corrida de motos, mas... quer-se dizer...
sábado, 19 de maio de 2018
Casamento real
Hoje, algures em Portugal, o José Silva casou com a Maria Pereira, aliás Silva. Este, sim, é um casamento real.
Pérolas
Dos "agentes da PJ à paisana" aos "carros da PJ descaracterizados", passando pelos suspeitos que "tapam a cara com o rosto", tem sido um fartote!...
sexta-feira, 18 de maio de 2018
Mário de Sá-Carneiro 6
Álcool
Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.
Batem asas de auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Descem-me a alma, sangram-me os sentidos.
Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo -
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo pra além...
Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de oiro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...
Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eternizo?
Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante -
Manhã tão forte que me anoiteceu.
"Dispersão", Mário de Sá-Carneiro
(Mário de Sá-Carneiro nasceu no dia 19 de Maio de 1890. Morreu em 1916.)
Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.
Batem asas de auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Descem-me a alma, sangram-me os sentidos.
Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo -
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo pra além...
Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de oiro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...
Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eternizo?
Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante -
Manhã tão forte que me anoiteceu.
"Dispersão", Mário de Sá-Carneiro
(Mário de Sá-Carneiro nasceu no dia 19 de Maio de 1890. Morreu em 1916.)
Heliodoro Baptista 2
Thandi
escrevemos na pele:
a morte não existe
porque já dormimos sobre ela;
se se passa alguma coisa? não, meu amor;
ou seja, passa-se absolutamente tudo!
e o tudo é o pão
que nunca houve neste nada;
(mas o nada será o princípio de tudo,
estas já longas servidões humanas);
esquino, te reescrevo, Thandi; e se tenho palavras
é porque imito o canto
de uma ave fecundada adulta;
(claro que o lirismo não se prende ou rotula:
aceita-se tarde ou se nega e muito cedo);
mas o poeta tem boca:
as metáforas o seu ardil,
para que outros leiam
o que ele nunca disse.
"Nos Joelhos do Silêncio", Heliodoro Baptista
(Heliodoro Baptista nasceu no dia 19 de Maio de 1944. Morreu em 2009.)
escrevemos na pele:
a morte não existe
porque já dormimos sobre ela;
se se passa alguma coisa? não, meu amor;
ou seja, passa-se absolutamente tudo!
e o tudo é o pão
que nunca houve neste nada;
(mas o nada será o princípio de tudo,
estas já longas servidões humanas);
esquino, te reescrevo, Thandi; e se tenho palavras
é porque imito o canto
de uma ave fecundada adulta;
(claro que o lirismo não se prende ou rotula:
aceita-se tarde ou se nega e muito cedo);
mas o poeta tem boca:
as metáforas o seu ardil,
para que outros leiam
o que ele nunca disse.
"Nos Joelhos do Silêncio", Heliodoro Baptista
(Heliodoro Baptista nasceu no dia 19 de Maio de 1944. Morreu em 2009.)
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