sábado, 31 de março de 2018
Jesus Cristo, procura-se
A polícia anda à procura de Jesus. O Ministério Público pretende
acusá-l'O de incentivo à violência em Jo 8, 7 e subtracção e ocultação de
cadáver em Lc 24, 1-3.
Microcontos & outras miudezas 76
Amor à camisola
Marcou golo. Golaço! Correu aos pulos pelo relvado, bateu no peito como tarzan, abraçou-se à camisola suada, beijou-a com acrisolada paixão, puxou-a mais para si, no limite do amarelo, e... assoou-se-lhe abundantemente.
A planta
Disse o arquitecto-chefe ao arquitecto estagiário: "Chegue-me aí essa planta". E ele chegou. Era uma Dypsis lutescens, vulgo areca-bambu ou palmeira areca.
Morrer só custa da primeira vez 5
Ninguém morria tão bem como ele. E vai fazer muita falta...
Um dia um grande homem
Escreveu um dia um grande homem. Leu em voz alta. Gostou do que ouviu: "um dia um grande homem".
O erro de Casting
O principal erro de Casting foi não ter mudado de nome quando chegou à idade adulta.
Morrer só custa da primeira vez 6
Era um defunto que dava gosto: parecia que estava a dormir. E estava. Quando acordou, morreu do susto.
Há bar e bar...
Bar Aço
Bar Afunda
Bar Afusta
Bar Alho
Bar Ão
Bar Atinado
Bar Ato
Bar Ba
Bar Bacã
Bar Bante
Bar Bárie
Bar Batana
Bar Bearia (ou cervejaria, em estrangeiro)
Bar Beita
Bar Bicacho
Bar Bichas (e outras idiossincrasias)
Bar Bitúrico
Bar Carola
Bar Cu
Bar Damerda
Bar Ítono
Bar Lavento
Bar Baquim
Bar Celos
Bar Bosa
Bar Dino
Bar Inho
Bar Isto
Bar Queiros
Bar Tinho (o constipado)
Bar Tolo
Bar Rabás
Bar Reiro
Bar Roso
Bar Aneante
Bar Boto
Bar Celete
Bar Demar
Bar Keley (recomendado pelo Prufeçor Dotôr Arkitéto Inginheiro Méstre vírgula Feliciano Bar Reiras Duarte).
Marcou golo. Golaço! Correu aos pulos pelo relvado, bateu no peito como tarzan, abraçou-se à camisola suada, beijou-a com acrisolada paixão, puxou-a mais para si, no limite do amarelo, e... assoou-se-lhe abundantemente.
A planta
Disse o arquitecto-chefe ao arquitecto estagiário: "Chegue-me aí essa planta". E ele chegou. Era uma Dypsis lutescens, vulgo areca-bambu ou palmeira areca.
Morrer só custa da primeira vez 5
Ninguém morria tão bem como ele. E vai fazer muita falta...
Um dia um grande homem
Escreveu um dia um grande homem. Leu em voz alta. Gostou do que ouviu: "um dia um grande homem".
O erro de Casting
O principal erro de Casting foi não ter mudado de nome quando chegou à idade adulta.
Morrer só custa da primeira vez 6
Era um defunto que dava gosto: parecia que estava a dormir. E estava. Quando acordou, morreu do susto.
Há bar e bar...
Bar Aço
Bar Afunda
Bar Afusta
Bar Alho
Bar Ão
Bar Atinado
Bar Ato
Bar Ba
Bar Bacã
Bar Bante
Bar Bárie
Bar Batana
Bar Bearia (ou cervejaria, em estrangeiro)
Bar Beita
Bar Bicacho
Bar Bichas (e outras idiossincrasias)
Bar Bitúrico
Bar Carola
Bar Cu
Bar Damerda
Bar Ítono
Bar Lavento
Bar Baquim
Bar Celos
Bar Bosa
Bar Dino
Bar Inho
Bar Isto
Bar Queiros
Bar Tinho (o constipado)
Bar Tolo
Bar Rabás
Bar Reiro
Bar Roso
Bar Aneante
Bar Boto
Bar Celete
Bar Demar
Bar Keley (recomendado pelo Prufeçor Dotôr Arkitéto Inginheiro Méstre vírgula Feliciano Bar Reiras Duarte).
O fim do Inferno é mau para o negócio
Evidentemente o Inferno não existe. O Papa tem razão, e se calhar ouviu-me ou leu-me não sei quando nem onde. Mas a Igreja não pode admitir semelhante franqueza: porque o Inferno é a bomba atómica do catolicismo. Sem Inferno, o que é que a Igreja em sotaina tem para ameaçar ou dissuadir os seus fiéis? "Olhai, amai-vos uns aos outros"? Seria de rir, se não fosse obsceno. Para além disso, o fim do Inferno é mau para o negócio...
sexta-feira, 30 de março de 2018
Mal comparando 11
Os chineses têm razão: entre tratos de polé e tratos de puré não vai assim tanta diferença...
Pura Vázquez 3
Gaivota gris e branca pisa o mar.
Ave ceibe en remota luz voando
conxugada co azul e as caracolas.
Paxaro que en bandadas te proiectas
avizor fermosísimo dos mares.
Xogas coas cristas de escumantes ondas,
corpos lixeiros. Vóos verticais.
Choutas pola amorosa liberdade
das soedades abertas cara os ceos.
[Aves ditosas fronte e un mar grisallo
de sámagos abríndose en magnolias].
Raíña dos rochedos e das praias.
Pescadoira nas calas que o mar bate.
Crávaste nos espellos que te cegan,
onde enredan os peixes descoidados...
Ave ceibe en remota luz voando
conxugada co azul e as caracolas.
Paxaro que en bandadas te proiectas
avizor fermosísimo dos mares.
Xogas coas cristas de escumantes ondas,
corpos lixeiros. Vóos verticais.
Choutas pola amorosa liberdade
das soedades abertas cara os ceos.
[Aves ditosas fronte e un mar grisallo
de sámagos abríndose en magnolias].
Raíña dos rochedos e das praias.
Pescadoira nas calas que o mar bate.
Crávaste nos espellos que te cegan,
onde enredan os peixes descoidados...
"Man que Escribiu no Mar", Pura Vázquez
(Pura Vázquez nasceu no dia 31 de Março de 1918. Morreu em 2006.)
Fermín Bouza Brey 4
Candêa eterna
A longura das somas afumadas de dúbidas cingue-me neste mar de sonos e silenços. Meus sensos agrilhoados por astraes cadêas não sabem derrubar os ídolos do medo.
Falhan vermes de luz pra os caminhos inhotos, sobram escuros veus pra os carreiros sem perda. Ja não atino - Deus! - c'os alcesos degaros no facho das espranças que pressentim eternas.
Porque eissi me fiseche de humana melodia, vibrátil como gládio por Arcanjo brandido, é que, a pouco, derramo, no fito de outros longes, meu fato de amarelhe nas pugas dos azibros.
Ai, quem dera atopar aquilo de que fujo à toa, toupinhando como ua estrela cega; apanhar os espantos, a perfídia e as dôres, ter de mão as angúrias e acarinhar as trévoas!
Alcende em min, Senhor, aquil candor de neno, ingel, virgem candêa que não se queime nunca!... Pervagar, sim lixar-me, por tam immensas covas!
Esculcar, sim caír, em tam douradas furnas!
"Seitura", Fermín Bouza Brey
(Fermín Bouza Brey nasceu no dia 31 de Março de 1901. Morreu em 1973.)
A longura das somas afumadas de dúbidas cingue-me neste mar de sonos e silenços. Meus sensos agrilhoados por astraes cadêas não sabem derrubar os ídolos do medo.
Falhan vermes de luz pra os caminhos inhotos, sobram escuros veus pra os carreiros sem perda. Ja não atino - Deus! - c'os alcesos degaros no facho das espranças que pressentim eternas.
Porque eissi me fiseche de humana melodia, vibrátil como gládio por Arcanjo brandido, é que, a pouco, derramo, no fito de outros longes, meu fato de amarelhe nas pugas dos azibros.
Ai, quem dera atopar aquilo de que fujo à toa, toupinhando como ua estrela cega; apanhar os espantos, a perfídia e as dôres, ter de mão as angúrias e acarinhar as trévoas!
Alcende em min, Senhor, aquil candor de neno, ingel, virgem candêa que não se queime nunca!... Pervagar, sim lixar-me, por tam immensas covas!
Esculcar, sim caír, em tam douradas furnas!
"Seitura", Fermín Bouza Brey
(Fermín Bouza Brey nasceu no dia 31 de Março de 1901. Morreu em 1973.)
Afonso Celso 4
Porto celeste
Andei em longas excursões distantes:
Vi palácios, sacrários, monumentos,
Fócos da indústria, artísticos portentos...
Praças soberbas, capitais gigantes.
Mas lia, em toda a parte, nos semblantes,
Dores... lutas... idênticos tormentos...
- Onde a pátria dos risos?!... Desalentos
Colhi apenas, mais cruéis que dantes.
Achei, enfim, num pequenino porto,
Crenças, consolações, calma, conforto,
Tudo que anima, enleva e maravilha:
Ninho de encantos que a inocência habita
Promontório do céu, plaga bendita.
É junto ao berço teu, ó minha filha.
"Poesias Escolhidas", Afonso Celso
(Afonso Celso nasceu no dia 31 de Março de 1860. Morreu em 1938.)
Andei em longas excursões distantes:
Vi palácios, sacrários, monumentos,
Fócos da indústria, artísticos portentos...
Praças soberbas, capitais gigantes.
Mas lia, em toda a parte, nos semblantes,
Dores... lutas... idênticos tormentos...
- Onde a pátria dos risos?!... Desalentos
Colhi apenas, mais cruéis que dantes.
Achei, enfim, num pequenino porto,
Crenças, consolações, calma, conforto,
Tudo que anima, enleva e maravilha:
Ninho de encantos que a inocência habita
Promontório do céu, plaga bendita.
É junto ao berço teu, ó minha filha.
"Poesias Escolhidas", Afonso Celso
(Afonso Celso nasceu no dia 31 de Março de 1860. Morreu em 1938.)
Ernani Rosas 2
Lá!
Lá é onde toda alma se acentua
E se difundem espirituais quimeras,
E se transmudam as almas de panteras
Em estrelas de amor por branca lua!
Lá, tem alguém! Que assim nos insinua
Para amar e viver nessas esferas...
Onde temos visões de primaveras
E galeras de amor para a alma sua.
Lá viverás feliz, tranquilamente
Amanhece a existência num poente
De sombras e emoções a vida estranha!
Viverás nesta luz calma e erradia,
Onde nada se sente e o próprio dia
Faz-se sentir nas sombras da montanha!
Ernani Rosas
(Ernani Rosas nasceu no dia 31 de Março de 1886. Morreu em 1955.)
Lá é onde toda alma se acentua
E se difundem espirituais quimeras,
E se transmudam as almas de panteras
Em estrelas de amor por branca lua!
Lá, tem alguém! Que assim nos insinua
Para amar e viver nessas esferas...
Onde temos visões de primaveras
E galeras de amor para a alma sua.
Lá viverás feliz, tranquilamente
Amanhece a existência num poente
De sombras e emoções a vida estranha!
Viverás nesta luz calma e erradia,
Onde nada se sente e o próprio dia
Faz-se sentir nas sombras da montanha!
Ernani Rosas
(Ernani Rosas nasceu no dia 31 de Março de 1886. Morreu em 1955.)
quinta-feira, 29 de março de 2018
Lapsus linguae
Entrou e gritou: mãos ao ar, isto é um assalto. Ficou admirado. O que ele queria dizer era: alto e pára o baile - desesperado com aquele forrobodó todas as noites no andar de cima. Mas estava dito, estava dito: desceu com um LCD de 100 polegadas, uma mesa de DJ, seis colunas de som surround, um globo espelhado, oito CD do Quim Barreiros, dois tablets, quatro telemóveis, sete relógios - um de sala -, seis pulseiras, cinco colares, doze pares de brincos, dois pacotes de batatas fritas, meia piza familiar de cogumelos e fiambre, um pacote de Sugus morango e framboesa, nove gramas de haxixe, garrafa e meia de vodka, duas canecas de sangria, vazias, três garrafas de Casal Garcia, treze cartões de crédito, um vale de reforma e 837 euros em numerário.
Lucila Nogueira 2
Estou mais para Elis e Janis Joplin
Florbela Espanca, eu sou Virginia Woolf
amante de Essenine e Sá-Carneiro
sobre os campos; de trigo de Van Gogh
Compreendo mais Holderlin e Nietzsche
que a loucura de Kant ou de Descartes:
tudo que em mim pareça comedido
não passa de uma máscara de vidro
Florbela Espanca, eu sou Virginia Woolf
amante de Essenine e Sá-Carneiro
sobre os campos; de trigo de Van Gogh
Compreendo mais Holderlin e Nietzsche
que a loucura de Kant ou de Descartes:
tudo que em mim pareça comedido
não passa de uma máscara de vidro
"Livro do Desencanto", Lucila Nogueira
(Lucila Nogueira nasceu no dia 30 de Março de 1950. Morreu em 2016.)
Adelino Fontoura 4
Atração e repulsa
Eu nada mais sonhava nem queria
Que de ti não viesse, ou não falasse;
E como a ti te amei, que alguém te amasse,
Coisa incrível até me parecia.
Uma estrela mais lúcida eu não via
Que nesta vida os passos me guiasse,
E tinha fé, cuidando que encontrasse,
Após tanta amargura, uma alegria.
Mas tão cedo extinguiste este risonho,
Este encantado e deleitoso engano,
Que o bem que achar supus, já não suponho.
Vejo, enfim, que és um peito desumano;
Se fui ter junto a ti de sonho em sonho,
Voltei de desengano em desengano.
Adelino Fontoura
(Adelino Fontoura nasceu no dia 30 de Março de 1859. Morreu em 1884.)
Eu nada mais sonhava nem queria
Que de ti não viesse, ou não falasse;
E como a ti te amei, que alguém te amasse,
Coisa incrível até me parecia.
Uma estrela mais lúcida eu não via
Que nesta vida os passos me guiasse,
E tinha fé, cuidando que encontrasse,
Após tanta amargura, uma alegria.
Mas tão cedo extinguiste este risonho,
Este encantado e deleitoso engano,
Que o bem que achar supus, já não suponho.
Vejo, enfim, que és um peito desumano;
Se fui ter junto a ti de sonho em sonho,
Voltei de desengano em desengano.
Adelino Fontoura
(Adelino Fontoura nasceu no dia 30 de Março de 1859. Morreu em 1884.)
Silvestre Péricles de Góis Monteiro 3
A que não veio
Setembro. Nesta noite perfumada
espero-te. E não sei se vens, ao certo.
Pode ser que te percas pela estrada,
temerosa da chama que te oferto.
Neste leito - sozinho, inquieto. E cada
rumor que ouço, me torna mais desperto.
Ilusão... Não chegaste, minha amada,
nem me troxeste o níveo seio aberto.
Já se adelgaça a névoa dos caminhos.
Ante a luz matinal, que se anuncia,
há bulícios e músicas nos ninhos.
E eu, taciturno, mas, em ti pensando,
fecho os olhos cansados para o dia
como quem fica ainda te esperando.
Silvestre Péricles de Góis Monteiro
(Silvestre Péricles de Góis Monteiro nasceu no dia 30 de Março 1896. Morreu em 1972.)
Setembro. Nesta noite perfumada
espero-te. E não sei se vens, ao certo.
Pode ser que te percas pela estrada,
temerosa da chama que te oferto.
Neste leito - sozinho, inquieto. E cada
rumor que ouço, me torna mais desperto.
Ilusão... Não chegaste, minha amada,
nem me troxeste o níveo seio aberto.
Já se adelgaça a névoa dos caminhos.
Ante a luz matinal, que se anuncia,
há bulícios e músicas nos ninhos.
E eu, taciturno, mas, em ti pensando,
fecho os olhos cansados para o dia
como quem fica ainda te esperando.
Silvestre Péricles de Góis Monteiro
(Silvestre Péricles de Góis Monteiro nasceu no dia 30 de Março 1896. Morreu em 1972.)
Terra Justa 2018, em Abril, em Fafe
De 18 a 21 de Abril, quarta edição do Terra Justa - Encontro Internacional de Causas e Valores da Humanidade, em Fafe. Mais informação, aqui.
quarta-feira, 28 de março de 2018
Alegado dislálico e manifesto apalpador
Trocava sistematicamente tensão por tesão, copla por cópula e ónus por ânus. Desculpava-se: que sofria de dislalia. Só não sabia explicar os insistentes apalpões às colegas de trabalho...
Luís Antônio Pimentel 2
Completa a ternura:
tira os espinhos da rosa
antes de ofertá-la.
tira os espinhos da rosa
antes de ofertá-la.
Luís Antônio Pimentel
(Luís Antônio Pimentel nasceu no dia 29 de Março de 1912. Morreu em 2015.)
Xoán Vidal Martínez 2
Noites brancas de pálida lúa
prefumadas c-o aroma d´as froles:
noites compañeiras;
compañeiras noites,
que sabedes das miñas tristuras
e sabedes d´os fondos doores
"Mágoas", Xoán Vidal Martínez
(Xoán Vidal Martínez nasceu no dia 29 de Março de 1904. Morreu em 1994.)
prefumadas c-o aroma d´as froles:
noites compañeiras;
compañeiras noites,
que sabedes das miñas tristuras
e sabedes d´os fondos doores
"Mágoas", Xoán Vidal Martínez
(Xoán Vidal Martínez nasceu no dia 29 de Março de 1904. Morreu em 1994.)
terça-feira, 27 de março de 2018
Mal comparando 10
Cientificamente provado: o álcool afecta de forma diferente o homem e a mulher. O mercurocromo não.
Armando Silva Carvalho 2
Entre dentes
Deitado sobre ti
ensinas-me a sair
da treva.
Com a boca dorida
por tanta palavra
ensanguentada
devoro o teu cabelo
ouro que se desfaz
por entre os dentes.
E o teu sorriso
quando te penetro
ilumina súbito
a noite do meu corpo.
"Armas Brancas e Outros Poemas", Armando Silva Carvalho
(Armando Silva Carvalho nasceu no dia 28 de Março de 1938. Morreu em 2017.)
Deitado sobre ti
ensinas-me a sair
da treva.
Com a boca dorida
por tanta palavra
ensanguentada
devoro o teu cabelo
ouro que se desfaz
por entre os dentes.
E o teu sorriso
quando te penetro
ilumina súbito
a noite do meu corpo.
"Armas Brancas e Outros Poemas", Armando Silva Carvalho
(Armando Silva Carvalho nasceu no dia 28 de Março de 1938. Morreu em 2017.)
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Daniel Piza 2
Poema do outro lado do mesmo mundo
Quando estou aqui sonhando com você
Você está aí, 11 horas antes de mim,
Em tarde de trabalho, sem saber
Que ocupa a minha noite em Pequim.
Talvez esteja ao telefone, talvez
Sorrindo, e de mim tão esquecida
Que me faz sentir um outro chinês.
Você é o fim da noite da minha vida.
Se então é você quem dorme, sonhando
Quiçá, no Oriente eu navego tonto;
Olho tudo, porém sempre pensando
Na ocidental estrela que já não conto.
Jornadas inversas, amor com jet lag,
Rotina em negativo, tempo-açoite:
Até de dia meu sonho a persegue.
Você é a minha vida ao fim da noite.
Se você se deita, já estou em pé,
Quando estou cansado, você desperta;
Se toma chá, eu tomo mau café,
Quando se veste, meu coração aperta.
Compro pérolas, lacas, sedas, jades,
Tento cobrir fuso horário a nanquim,
Mas não há pechincha para as saudades.
Você é a minha noite com a vida ao fim.
Quando estou aqui sonhando com você
Você está aí, 11 horas antes de mim,
Em tarde de trabalho, sem saber
Que ocupa a minha noite em Pequim.
Talvez esteja ao telefone, talvez
Sorrindo, e de mim tão esquecida
Que me faz sentir um outro chinês.
Você é o fim da noite da minha vida.
Se então é você quem dorme, sonhando
Quiçá, no Oriente eu navego tonto;
Olho tudo, porém sempre pensando
Na ocidental estrela que já não conto.
Jornadas inversas, amor com jet lag,
Rotina em negativo, tempo-açoite:
Até de dia meu sonho a persegue.
Você é a minha vida ao fim da noite.
Se você se deita, já estou em pé,
Quando estou cansado, você desperta;
Se toma chá, eu tomo mau café,
Quando se veste, meu coração aperta.
Compro pérolas, lacas, sedas, jades,
Tento cobrir fuso horário a nanquim,
Mas não há pechincha para as saudades.
Você é a minha noite com a vida ao fim.
Daniel Piza
(Daniel Piza nasceu no dia 28 de Março de 1970. Morreu em 2011.)
Alexandre Herculano 6
A voz
É tão suave essa hora
Em que nos foge o dia,
E em que suscita a Lua
Das ondas a ardentia,
Se em alcantis marinhos,
Nas rochas assentado,
O trovador medita
Em sonhos enleado!
O mar azul se encrespa
Com a vespertina brisa,
E no casal da serra
A luz já se divisa.
E tudo em roda cala
Na praia sinuosa,
Salvo o som do remanso
Quebrando em furna algosa.
Ali folga o poeta
Nos desvarios seus,
E nessa paz que o cerca
Bendiz a mão de Deus.
[...]
Em que nos foge o dia,
E em que suscita a Lua
Das ondas a ardentia,
Se em alcantis marinhos,
Nas rochas assentado,
O trovador medita
Em sonhos enleado!
O mar azul se encrespa
Com a vespertina brisa,
E no casal da serra
A luz já se divisa.
E tudo em roda cala
Na praia sinuosa,
Salvo o som do remanso
Quebrando em furna algosa.
Ali folga o poeta
Nos desvarios seus,
E nessa paz que o cerca
Bendiz a mão de Deus.
[...]
"A Harpa do Crente", Alexandre Herculano
(Alexandre Herculano nasceu no dia 28 de Março de 1810. Morreu em 1877.)
Estou preparado para a Páscoa
Estou preparadíssimo para a Páscoa: "Quo Vadis", "As Sandálias do Pescador", "A
Bíblia", "Barrabás", "Ben-Hur", "Os Dez Mandamentos", "A Túnica", "A
Última Tentação de Cristo", "Jesus de Nazaré", "Jesus Cristo Superstar",
"A Paixão de Cristo", "Spartacus", "Demétrio, o Gladiador", "Sansão e Dalila", "O Sinal da Cruz", "O Evangelho Segundo São Mateus" - venham, que eu estou à espera.
E, se quiserem, mandem também "Sete Noivas para Sete Irmãos", "A Máscara do Ranger", "E Tudo o Vento Levou", "Um Violino no Telhado", "Música no Coração", "O Feiticeiro de Oz", "Citizen Kane", "O Prisioneiro de Alcatraz", "Cinema Paraíso", "As Pontes de Madison County", "A Ponte do Rio Kwai", "O Expresso de Von Ryan", "Mamma Mia!", "Os Canhões de Navarone", "Rambo", "Doze Indomáveis Patifes", "O Bom, o Mau e o Vilão" ou "A Vida de Brian". Nosso Senhor morreu e eu estou por tudo...
E, se quiserem, mandem também "Sete Noivas para Sete Irmãos", "A Máscara do Ranger", "E Tudo o Vento Levou", "Um Violino no Telhado", "Música no Coração", "O Feiticeiro de Oz", "Citizen Kane", "O Prisioneiro de Alcatraz", "Cinema Paraíso", "As Pontes de Madison County", "A Ponte do Rio Kwai", "O Expresso de Von Ryan", "Mamma Mia!", "Os Canhões de Navarone", "Rambo", "Doze Indomáveis Patifes", "O Bom, o Mau e o Vilão" ou "A Vida de Brian". Nosso Senhor morreu e eu estou por tudo...
segunda-feira, 26 de março de 2018
Saúde e segurança no trabalho
"Em que ramo é que trabalhas?", perguntaram-lhe. E o macaco respondeu: "No de baixo, por causa das vertigens..."
Ernesto Penafort 2
Mar acústico
Há mistérios no mar,
As algas nos transmitem seus lamentos.
Há segredos no mar, as praias os recolhem feito conchas.
Há mistérios no mar,
As velas os publicam pelos portos.
Há mistérios no mar,
O vento que os recolhe os revela.
Há segredos no mar,
As gaivotas não sabem, sobressentem.
Há mistérios no mar,
Os búzios nos convidam desvendá-los.
"Azul Geral", Ernesto Penafort
(Ernesto Penafort nasceu no dia 27 de Março de 1936. Morreu em 1992.)
Há mistérios no mar,
As algas nos transmitem seus lamentos.
Há segredos no mar, as praias os recolhem feito conchas.
Há mistérios no mar,
As velas os publicam pelos portos.
Há mistérios no mar,
O vento que os recolhe os revela.
Há segredos no mar,
As gaivotas não sabem, sobressentem.
Há mistérios no mar,
Os búzios nos convidam desvendá-los.
"Azul Geral", Ernesto Penafort
(Ernesto Penafort nasceu no dia 27 de Março de 1936. Morreu em 1992.)
Pelópidas Soares 2
Cristina viera do Quartier Latim, com bolsas de estudos e outras virações para se manter, de família legendária no Estado, de estróinas, poetas, escritores e um tio pintor famoso, itinerante entre Recife-Rio-Paris, para quem Cristina também, dizia-se, serviu de modelo, nuinha, na sua temporada francesa. Ao casamento levou-a a atração do nome Mesquita, símbolo de terras, canaviais, bois, moendas e gente. Esguia e loura, verdes olhos brilhantes, o Dr. Adroaldo Mesquita seguia-lhe os passos, submisso, contrariando os seus próprios princípios.
"Alaursa - Contos", Pelópidas Soares
(Pelópidas Soares nasceu no dia 27 de Março de 1922. Morreu em 2007.)
Quando Ben-Hur foi impedido de entrar no Presépio
Ben-Hur queria entrar no Presépio. Chamou o grupinho do costume -
Spartacus, Maximus, Maciste, Hércules, Sansão, Demétrio, Ursus e Nuno
Salvação Barreto -, não fosse a coisa dar para o torto. E lá foram. O
Pescador do Laguinho, que sabia kung fu e era segurança em part-time,
impediu-lhes terminantemente o acesso: - Noite temática, meus senhores,
hoje é só anjos, pastores e reis magos. Ordens de cima. Apareçam na
Páscoa...
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domingo, 25 de março de 2018
Henrique Lopes Guerra
Uma noite, sentindo a alma revolta como a superfície de um lago onde lutam jacarés, o homem apartou-se dos que se divertiam na dança. Cheio de desprezo e de ódio, o lunda abandonou a sanzala, ganhou as sombras da noite e o vazio da distância.
Resolvera seguir a pista dos seus irmãos, que haviam partido num dia de sol e de revolta, e àquela hora conquistavam o terror e o espanto de povos estranhos e o amor de lindas mulheres.
Mas ai dele, muitos anos haviam decorrido.
Os que tinham agido no momento preciso de há muito estavam de alongada e ninguém sabia dizer em que sítio preciso se encontravam naquele momento.
Haviam chegado ao mar, à famosa cidade de Luanda, atraídos pela fama do grande soba dos brancos, ao serviço do qual combateram. Anexaram os Bangalas, atravessaram o país dos Jingas, derramaram-se mais para o Sul, inquietando os Bienos e dividindo os agricultores Ganguelas, pacífico povo de poetas e cantares. E por toda a parte o cordão quioco ia engrossando como se engrossa um grande rio, anexando povos vários de costumes estranhos, graças ao seu extraordinário poder de assimilação.
O lunda errou luas e luas à procura de seus irmãos. Mas os guerreiros de Quingúri eram tão irrequietos como valentes, ninguém sabia indicar o término do seu rasto, as mulheres riam-se à passagem do lunda desgraçado e os homens sentiam um prazer maldoso em mandar os cães e as crianças enxotarem aquele representante da raça maldita.
"O Regresso do Lunda", Henrique Lopes Guerra
(Henrique Lopes Guerra nasceu em 1937)
Resolvera seguir a pista dos seus irmãos, que haviam partido num dia de sol e de revolta, e àquela hora conquistavam o terror e o espanto de povos estranhos e o amor de lindas mulheres.
Mas ai dele, muitos anos haviam decorrido.
Os que tinham agido no momento preciso de há muito estavam de alongada e ninguém sabia dizer em que sítio preciso se encontravam naquele momento.
Haviam chegado ao mar, à famosa cidade de Luanda, atraídos pela fama do grande soba dos brancos, ao serviço do qual combateram. Anexaram os Bangalas, atravessaram o país dos Jingas, derramaram-se mais para o Sul, inquietando os Bienos e dividindo os agricultores Ganguelas, pacífico povo de poetas e cantares. E por toda a parte o cordão quioco ia engrossando como se engrossa um grande rio, anexando povos vários de costumes estranhos, graças ao seu extraordinário poder de assimilação.
O lunda errou luas e luas à procura de seus irmãos. Mas os guerreiros de Quingúri eram tão irrequietos como valentes, ninguém sabia indicar o término do seu rasto, as mulheres riam-se à passagem do lunda desgraçado e os homens sentiam um prazer maldoso em mandar os cães e as crianças enxotarem aquele representante da raça maldita.
"O Regresso do Lunda", Henrique Lopes Guerra
(Henrique Lopes Guerra nasceu em 1937)
Domingo do Ramos
Um domingo por ano, o Ramos dizia: - Hoje não mexo uma palha...
Mário Peixoto 3
Presa à trapezista, Lia deixou escapar, como prolongando meu eco:
- E a gente não conseguir um pingo do outro, nem quando o possui!!!
Sacudiu a mão cerrada com a razão dentro:
- Isso é que desespera! - explicou exaltada - procura-se como quem cava, chega-se sempre quase!… mas qual! Com você não é assim?
"O Inútil de Cada Um", Mário Peixoto
(Mário Peixoto nasceu no dia 25 de Março de 1908. Morreu em 1992.)
- E a gente não conseguir um pingo do outro, nem quando o possui!!!
Sacudiu a mão cerrada com a razão dentro:
- Isso é que desespera! - explicou exaltada - procura-se como quem cava, chega-se sempre quase!… mas qual! Com você não é assim?
"O Inútil de Cada Um", Mário Peixoto
(Mário Peixoto nasceu no dia 25 de Março de 1908. Morreu em 1992.)
sábado, 24 de março de 2018
Morrer só custa da primeira vez 6
Era um defunto que dava gosto: parecia que estava a dormir. E estava. Quando acordou, assustou-se e morreu.
Gonzalo López Abente 4
Centileos nas ondas
Lostregueante choviscar de estrelas
no escuro seo dunha noite en calma;
labarada de anceios e da arelas
a arder na seca gándara da ialma.
Anceios meus de lles roubare aos mares
rondas de escuma, pérolas nacradas,
rebrilos de ronseles estelares
nos albos colos das mariñas fadas.
Ladrón, a vixiar nas penedías,
nas pardas lombas dos adustos cabos,
no fervente balbor das ardentías,
nas mouras furnas, nos rochedos bravos.
No brancore dos seixos dos coídos,
no morno abrigo das arnelas fondas...
só puiden apañar estes louridos
centileos nas ondas.
Lostregueante choviscar de estrelas
no escuro seo dunha noite en calma;
labarada de anceios e da arelas
a arder na seca gándara da ialma.
Anceios meus de lles roubare aos mares
rondas de escuma, pérolas nacradas,
rebrilos de ronseles estelares
nos albos colos das mariñas fadas.
Ladrón, a vixiar nas penedías,
nas pardas lombas dos adustos cabos,
no fervente balbor das ardentías,
nas mouras furnas, nos rochedos bravos.
No brancore dos seixos dos coídos,
no morno abrigo das arnelas fondas...
só puiden apañar estes louridos
centileos nas ondas.
"Centileos nas Ondas", Gonzalo López Abente
(Gonzalo López Abente nasceu no dia 24 de Março de 1878. Morreu em 1963.)
Olegário Mariano 3
O meu retrato
Sou magro, sou comprido, sou bizarro,
Tendo muito de orgulho e de altivez.
Trago a pender dos lábios um cigarro,
Misto de fumo turco e fumo inglês.
Tenho a cara raspada e cor de barro.
Sou talvez meio excêntrico, talvez.
De quando em quando da memória varro
A saudade de alguém que assim me fez.
Amo os cães, amo os pássaros e as flores.
Cultivo a tradição da minha raça
Golpeada de aventuras e de amores.
E assim vivo, desatinado e a esmo.
As poucas sensações da vida escassa
São sensações que nascem de mim mesmo.
"Evangelho da Sombra e do Silêncio", Olegário Mariano
(Olegário Mariano nasceu no dia 24 de Março de 1889. Morreu em 1958.)
Sou magro, sou comprido, sou bizarro,
Tendo muito de orgulho e de altivez.
Trago a pender dos lábios um cigarro,
Misto de fumo turco e fumo inglês.
Tenho a cara raspada e cor de barro.
Sou talvez meio excêntrico, talvez.
De quando em quando da memória varro
A saudade de alguém que assim me fez.
Amo os cães, amo os pássaros e as flores.
Cultivo a tradição da minha raça
Golpeada de aventuras e de amores.
E assim vivo, desatinado e a esmo.
As poucas sensações da vida escassa
São sensações que nascem de mim mesmo.
"Evangelho da Sombra e do Silêncio", Olegário Mariano
(Olegário Mariano nasceu no dia 24 de Março de 1889. Morreu em 1958.)
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sexta-feira, 23 de março de 2018
O erro de Casting
O principal erro de Casting foi não ter mudado de nome quando chegou à idade adulta.
Microcontos & outras miudezas 75
Ora batatas...
Antigamente as batatas eram batatas, e chegava. Eram batatas para todo o serviço. Batatas unidas, iguais perante a lei, batatas universais. Agora as batatas são apartadas, rotuladas, discriminadas, apontadas a dedo - nos minis, nos supers, nos hipers, nos macros e nos falsos pomares de esquina: batatas para fritar, batatas para cozer, batatas para assar. E até faz jeito: olho para o saco, vejo "para cozer" e sei logo que são óptimas para fritar...
O ambientador
Criava bom ambiente onde quer que estivesse ou chegasse. Cheirava a alfazema...
Morrer só custa de primeira vez 4
Morreu feliz. A vida é que tinha sido uma chatice.
Dia da mulher
Um: - Hoje é dia da mulher.
O outro: - E a que horas é que ela vem?...
Algo de tangível
Havia algo de tangível no que ele dizia. Ele dizia: - Neque-neque-neque, neque-neque, neque-pum. Ou dizia: - Rana-catrapana-catrapana-pana-pum.
Mal comparando 7
A diferença entre o Grosso da Coluna e o Maciço Central pode resumir-se-se assim: o primeiro é corredor de bicicletas e o segundo joga no eixo da defesa, como agora se diz. E o que têm em comum? Fisicamente falando, pertencem ambos à família dos Armários.
Branco é
Branco é
galinha o põe
-te em guarda
nacional republicana
socialista e laica
dela
Antigamente as batatas eram batatas, e chegava. Eram batatas para todo o serviço. Batatas unidas, iguais perante a lei, batatas universais. Agora as batatas são apartadas, rotuladas, discriminadas, apontadas a dedo - nos minis, nos supers, nos hipers, nos macros e nos falsos pomares de esquina: batatas para fritar, batatas para cozer, batatas para assar. E até faz jeito: olho para o saco, vejo "para cozer" e sei logo que são óptimas para fritar...
O ambientador
Criava bom ambiente onde quer que estivesse ou chegasse. Cheirava a alfazema...
Morrer só custa de primeira vez 4
Morreu feliz. A vida é que tinha sido uma chatice.
Dia da mulher
Um: - Hoje é dia da mulher.
O outro: - E a que horas é que ela vem?...
Algo de tangível
Havia algo de tangível no que ele dizia. Ele dizia: - Neque-neque-neque, neque-neque, neque-pum. Ou dizia: - Rana-catrapana-catrapana-pana-pum.
Mal comparando 7
A diferença entre o Grosso da Coluna e o Maciço Central pode resumir-se-se assim: o primeiro é corredor de bicicletas e o segundo joga no eixo da defesa, como agora se diz. E o que têm em comum? Fisicamente falando, pertencem ambos à família dos Armários.
Branco é
Branco é
galinha o põe
-te em guarda
nacional republicana
socialista e laica
dela
Moacyr Scliar 5
Viva, mas quieta. Muda. Seu silêncio acusa o marido: é culpa tua, Leão. Me trouxeste para este fim de mundo, para este lugar onde não há gente, só animais. De tanto eu olhar para cavalos, meu filho nasceu assim. (Poderia citar exemplos: mulheres que riram de macacos e cujos filhos nasceram peludos; mulheres que olharam para gatos - seus bebês miaram meses.) Ou quem sabe é sobre a estirpe dele que levanta dúvidas: na tua família são todos defeituosos e doentes, tens um tio que nasceu com o beiço rachado, uma prima com seis dedos em cada mão, uma irmã diabética. Enfim: a culpa é tua - poderia bradar, mas não o faz. Não tem forças para tanto.
Além do mais, é seu marido, seu homem. Nunca gostou de nenhum outro; nunca pensou em nenhum outro. O pai lhe dissera: vais casar com o filho do Tartakovsky, é um bom rapaz. Pronto: seu destino fora traçado. Quem era ela para discutir? E mesmo, não lhe desagradava o jovem Leão, era um dos rapazes mais bonitos da aldeia. Forte, alegre, até que ela tivera sorte.
Além do mais, é seu marido, seu homem. Nunca gostou de nenhum outro; nunca pensou em nenhum outro. O pai lhe dissera: vais casar com o filho do Tartakovsky, é um bom rapaz. Pronto: seu destino fora traçado. Quem era ela para discutir? E mesmo, não lhe desagradava o jovem Leão, era um dos rapazes mais bonitos da aldeia. Forte, alegre, até que ela tivera sorte.
"O Centauro no Jardim", Moacyr Scliar
(Moacyr Scliar nasceu no dia 23 de Março de 1937. Morreu em 2011.)
(Moacyr Scliar nasceu no dia 23 de Março de 1937. Morreu em 2011.)
quinta-feira, 22 de março de 2018
Um dia um grande homem
Escreveu um dia um grande homem. Leu em voz alta. Gostou do que ouviu: "um dia um grande homem".
Guimarães Passos 4
Prisioneiro
Que era um pássaro apenas, me disseste,
Porém o nome dele tu ignoras,
Ouviste e ainda ouves vibrações sonoras,
Mas o doce cantor não conheceste.
Pensas em mim, e do tenor celeste
Escutas enlevada as sedutoras
Canções saudosas e comovedoras...
Que ave, perguntas, misteriosa é esta?
Que encantada harmonia, que doçura,
Que magoado cantar!... A todo o instante
Ouves esta garganta ardente e obscura.
Nunca a verás; não queiras vê-la, não!
Deixa que o meu amor oculto cante
N’áurea gaiola do teu coração.
Que era um pássaro apenas, me disseste,
Porém o nome dele tu ignoras,
Ouviste e ainda ouves vibrações sonoras,
Mas o doce cantor não conheceste.
Pensas em mim, e do tenor celeste
Escutas enlevada as sedutoras
Canções saudosas e comovedoras...
Que ave, perguntas, misteriosa é esta?
Que encantada harmonia, que doçura,
Que magoado cantar!... A todo o instante
Ouves esta garganta ardente e obscura.
Nunca a verás; não queiras vê-la, não!
Deixa que o meu amor oculto cante
N’áurea gaiola do teu coração.
"Versos de Um Simples", Guimarães Passos
(Guimarães Passos nasceu no dia 22 de Março de 1867. Morreu em 1909.)
Cabral do Nascimento 2
Natal africano
Não há pinheiros nem há neve,
Nada do que é convencional,
Nada daquilo que se escreve
Ou que se diz... Mas é Natal.
Que ar abafado! A chuva banha
A terra, morna e vertical.
Plantas da flora mais estranha,
Aves da fauna tropical.
Nem luz, nem cores, nem lembranças
Da hora única e imortal.
Somente o riso das crianças
Que em toda a parte é sempre igual.
Não há pastores nem ovelhas,
Nada do que é tradicional.
As orações, porém, são velhas
E a noite é Noite de Natal.
"Cancioneiro", Cabral do Nascimento
(Cabral do Nascimento nasceu no dia 22 de Março de 1897. Morreu em 1978.)
Não há pinheiros nem há neve,
Nada do que é convencional,
Nada daquilo que se escreve
Ou que se diz... Mas é Natal.
Que ar abafado! A chuva banha
A terra, morna e vertical.
Plantas da flora mais estranha,
Aves da fauna tropical.
Nem luz, nem cores, nem lembranças
Da hora única e imortal.
Somente o riso das crianças
Que em toda a parte é sempre igual.
Não há pastores nem ovelhas,
Nada do que é tradicional.
As orações, porém, são velhas
E a noite é Noite de Natal.
"Cancioneiro", Cabral do Nascimento
(Cabral do Nascimento nasceu no dia 22 de Março de 1897. Morreu em 1978.)
quarta-feira, 21 de março de 2018
Quando, de Sophia
Quando
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
"Dia do Mar", Sophia de Mello Breyner Andresen
(Embora não pareça, hoje, 21 de Março, é Dia Mundial da Poesia)
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.
"Dia do Mar", Sophia de Mello Breyner Andresen
(Embora não pareça, hoje, 21 de Março, é Dia Mundial da Poesia)
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Sophia de Mello Breyner Andresen
A planta
Disse o arquitecto-chefe ao arquitecto estagiário: "Chegue-me aí essa planta". E ele chegou. Era uma Dypsis lutescens, vulgo areca-bambu ou palmeira areca.
Valêncio Xavier 2
Excelente fêmea - e, geralmente, as loiras não são boas de cama -, essa polacona que eu peguei. Não era mulher para aquele ambiente, nem sei o que ela viu em mim. Também, quando nos cruzamos na noite, estávamos meio bêbados... Geralmente as loiras são largas, aguadas, ela não, apertadinha, pentelheira loira. Foi tocar na pele e ela se arrepiou toda, foi logo beijando meu corpo: como era quente aquela boca com meu sexo dentro. Quando enfiei nela, a mesma coisa: quentura de um pote de mel. Três vezes seguidas e eu e ela queríamos mais, mas o sono não deixou... quando acordei, dormindo ela era coisa morta, nada da potranca que eu cavalgara três vezes.
"O Minotauro", Valêncio Xavier
(Valêncio Xavier nasceu no dia 21 de Março de 1933. Morreu em 2008.)
"O Minotauro", Valêncio Xavier
(Valêncio Xavier nasceu no dia 21 de Março de 1933. Morreu em 2008.)
Bruno de Menezes 2
Pai João
Pai João sonolento bambo na pachorra da idade
cisma tempo de ontem.
De olhos vendo o passado recorda o veterano
a vida brasileira que ele viu e gozou e viveu!
Mãe Maria contou que o pai dele era escravo...
Moleque sagica e teso, destro e afoito num rolo,
Pai João teve fama da capoeira e navalhista.
- Eita!... era o pé comendo,
quando a banda marcial saía à rua,
com tanto soldado de calça encarnada.
E rabo-de-arraia, cabeçada na polícia,
xadrez, desordens, furdunço no cortiço
e o ronco e o retumbo do zonzo som molengo do carimbó.
"Juvená
Juvená!
Arrebate
esta faca
Juvená!
Arrebate
esta faca
Juvená!"
De amores... uma anágua de renda engomada,
um cabeção pulando nos bicos duns peitos,
umas sandálias brancas bem na pontinha dum pé.
E o rebolo bolinante dos quartos roliços da Chica Cheirosa...
E a guerra do Paraguai! Recrutamento!
Gurjão! Osório! Duque de Caxias!
Itororó! Tuiutí! Laguna!
E não sabia nem o que era monarquia!
... Agora, sonolento o bambo,
tendo em capuchos a trunfa,
Pai João ao recordar a vida brasileira,
que ele viu e gostou e viveu,
diz do Brasil de ontem:
Ah! Meu tempo!...
Pai João sonolento bambo na pachorra da idade
cisma tempo de ontem.
De olhos vendo o passado recorda o veterano
a vida brasileira que ele viu e gozou e viveu!
Mãe Maria contou que o pai dele era escravo...
Moleque sagica e teso, destro e afoito num rolo,
Pai João teve fama da capoeira e navalhista.
- Eita!... era o pé comendo,
quando a banda marcial saía à rua,
com tanto soldado de calça encarnada.
E rabo-de-arraia, cabeçada na polícia,
xadrez, desordens, furdunço no cortiço
e o ronco e o retumbo do zonzo som molengo do carimbó.
"Juvená
Juvená!
Arrebate
esta faca
Juvená!
Arrebate
esta faca
Juvená!"
De amores... uma anágua de renda engomada,
um cabeção pulando nos bicos duns peitos,
umas sandálias brancas bem na pontinha dum pé.
E o rebolo bolinante dos quartos roliços da Chica Cheirosa...
E a guerra do Paraguai! Recrutamento!
Gurjão! Osório! Duque de Caxias!
Itororó! Tuiutí! Laguna!
E não sabia nem o que era monarquia!
... Agora, sonolento o bambo,
tendo em capuchos a trunfa,
Pai João ao recordar a vida brasileira,
que ele viu e gostou e viveu,
diz do Brasil de ontem:
Ah! Meu tempo!...
"Batuque", Bruno de Menezes
(Bruno de Menezes nasceu no dia 21 de Março de 1893. Morreu em 1963.)
Dinis Machado 6
"Teve uma infância estranha", disse Austin. "Em última análise, todas as infâncias o são", disse Mister DeLuxe. "Molero diz", disse Austin, "que a infância do rapaz foi particularmente estranha, condicionada por questões de ambiente que fizeram dele, simultaneamente, actor e espectador do seu próprio crescimento, lá dentro e um pouco solto, preso ao que o rodeava e desviado, como se um elástico o afastasse do corpo que transportava e, muitas vezes, o projectasse brutalmente contra a realidade desse mesmo corpo, e havia então esse cachoar violento do que era e a espuma do que poderia ser, a asa tenra batendo à chuva." "O quê?", perguntou Mister DeLuxe. "É curioso pensar", disse Austin, passando por cima da pergunta directa, "que o rapaz tirava burriés do nariz quando era pequeno, mas não os comia logo." "Hã?", fez Mister Deluxe. "Não os comia logo", acentuou Austin, "colava-os à parede para os comer no dia seguinte." Houve uma pausa. "Gostava deles secos", explicou. "É óbvio", disse Mister DeLuxe, "não estou a falar dos burriés, estou a falar das idiossincrasias de Molero." Debruçou-se sobre a secretária e virou uma folha do calendário de mesa.
"O Que Diz Molero", Dinis Machado
(Dinis Machado nasceu no dia 21 de Março de 1930. Morreu em 2008.)
"O Que Diz Molero", Dinis Machado
(Dinis Machado nasceu no dia 21 de Março de 1930. Morreu em 2008.)
terça-feira, 20 de março de 2018
Amor à camisola
Marcou golo. Golaço! Correu ao pulos pelo relvado, bateu no peito como tarzan, abraçou-se à camisola suada, beijou-a com acrisolada paixão, puxou-a mais para si, no limite do amarelo, e... assoou-se-lhe abundantemente.
Reinaldo Ferreira 2
O essencial é ter o vento
O essencial é ter o vento.
Compra-o; compra-o depressa,
A qualquer preço.
Dá por ele um princípio, uma ideia,
Uma dúzia ou mesmo dúzia e meia
Dos teus melhores amigos, mas compra-o.
Outros, menos sagazes
E mais convencionais,
Te dirão que o preciso, o urgente,
É ser o jogador mais influente
Dum trust de petróleo ou de carvão.
Eu não:
O essencial é ter o vento.
E agora que o Outono se insinua
No cadáver das folhas
Que atapeta a rua
E o grande vento afina a voz
Para requiem do Verão,
A baixa é certa.
Compra-o; mas compra-o todo,
De modo
Que não fique sopro ou brisa
Nas mãos de um concorrente
Incompetente.
Compra-o; compra-o depressa,
A qualquer preço.
Dá por ele um princípio, uma ideia,
Uma dúzia ou mesmo dúzia e meia
Dos teus melhores amigos, mas compra-o.
Outros, menos sagazes
E mais convencionais,
Te dirão que o preciso, o urgente,
É ser o jogador mais influente
Dum trust de petróleo ou de carvão.
Eu não:
O essencial é ter o vento.
E agora que o Outono se insinua
No cadáver das folhas
Que atapeta a rua
E o grande vento afina a voz
Para requiem do Verão,
A baixa é certa.
Compra-o; mas compra-o todo,
De modo
Que não fique sopro ou brisa
Nas mãos de um concorrente
Incompetente.
"Um Voo Cego a Nada", Reinaldo Ferreira
(Reinaldo Ferreira nasceu no dia 20 de Março de 1922. Morreu em 1959.)
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Um Voo Cego a Nada
Ilse Losa 5
Vivíamos os três numa pequena casa com uma varanda deitada sobre a rua, coberta com vinha. Ali minha avó passava as tardes de Verão a fazer meia ou a costurar. Ao certo não me recordo se costurava, mas suponho que sim, pois não me lembro de costureira alguma que a tivesse substituído nesse serviço. Mas seja como for: que fazia meia nunca o poderei esquecer. Vejo-a sentada na cadeira de espaldar, as agulhas a bater desembaraçadamente, enquanto observava o que se ia passando na rua. Tão acostumada estava a fazer meia que nem precisava de olhar. Aliás, as meias eram sempre pretas, infalivelmente pretas, fossem para ela própria, para o avô ou para mim. Por isso eu, apesar de tão pequena ainda, tinha de andar sempre de meias pretas. Isso arreliava-me, porque as crianças com quem convivia não usavam meias pretas e queria ser igual a elas. Cheguei a falar à avó nessa minha mágoa, mas respondeu-me:
- Não digas tolices, Rose. Se as outras crianças não usam meias pretas é porque as mães não sabem ser práticas e económicas. Duas palavras que, cedo, aprendi a detestar: prático e económico.
"O Mundo em que Vivi", Ilse Losa
(Ilse Losa nasceu no dia 20 de Março de 1913. Morreu em 2006.)
- Não digas tolices, Rose. Se as outras crianças não usam meias pretas é porque as mães não sabem ser práticas e económicas. Duas palavras que, cedo, aprendi a detestar: prático e económico.
"O Mundo em que Vivi", Ilse Losa
(Ilse Losa nasceu no dia 20 de Março de 1913. Morreu em 2006.)
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