quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Não há nada que se beba?...

Juntaram-se um alemão multinacional, um americano, um inglês, um francês, um italiano, um espanhol e um português, todos gente de rebimba o malho. E diz o Albert Einstein: "A imaginação é mais importante do que o conhecimento". E diz o Mark Twain: "O homem que não lê bons livros não tem nenhuma vantagem sobre o homem que não sabe ler". E diz o Charles Dickens: "Nunca nos devemos envergonhar das nossas próprias lágrimas". E diz o Antoine Lavoisier: "Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". E diz o Leonardo da Vinci: "Do mesmo modo que o metal enferruja com a ociosidade e a água parada perde a sua pureza, assim a inércia esgota a energia da mente". E diz o Miguel de Unamuno: "Viaja-se não para encontrar o destino, mas para fugir de onde se parte". E diz o nosso Anacleto Silveira: "Não há nada que se beba?"...

P.S. - Samuel Langhorne Clemens, mais conhecido como Mark Twain, escritor, humorista e dizem que crítico do racismo, autor de "As Aventuras de Tom Sawyer" e de "As Aventuras de Huckleberry Finn", nasceu no dia 30 de novembro de 1835.

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Presuntos implicados

Foto Tarrenego!

O amigo da onça

O defeito dele não era ser amigo da onça. Era amigo da onça, da leoa, da pantera, da gazela, da girafa, da égua, da vaca, da macaca, da galinha, da pata, da avestruz, da gata, da cadela e das ratas em geral. Havia quem o incensasse como paradigma da amizade aos animais. A mulher chamava-lhe porco!

P.S. - O Brasil celebra hoje o Dia Nacional da Onça-pintada.

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

"Eu e a UNITA", de Orlando Castro


O novo livro do jornalista Orlando Castro, "Eu e a UNITA", é lançado no próximo dia 7 de Dezembro, pelas 17h30, na Casa de Angola, em Lisboa, Travessa da Fábrica das Sedas, 7. A apresentação da obra estará a cargo de William Tonet, que também prefacia, e Sedrick de Carvalho.

sábado, 25 de novembro de 2023

Temos Montenegro, graças a Deus

Felizmente Portugal tem Luís Montenegro. A vida não é obrigatório ser só tristezas e às vezes o povo também precisa de rir. Foi um fartote esta manhã. Agora à tarde, depois de um copito, ainda pode ser melhor...

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

O anticomunismo à mesa

Foto Hernâni Von Doellinger

Portugal ardia no ano de 1975. Em Fafe, o ambiente político e social também se extremava, de uma forma particularmente artificial e burgessa, manobrada à distância, os artífices sem darem a cara e os burgessos na linha da frente, e com consequências tão trágicas, tão localmente desestruturantes, deixando feridas tão a céu aberto, que a nossa terra nunca mais foi a mesma - mas isso, a história dessa irreparável tristeza, fica para outro dia.
O País a ferro e fogo, e Fafe também. Havia ameaças, tiros, atentados, punham-se bombas, assaltavam-se e incendiavam-se sedes partidárias. Sobretudo a Norte. Sobretudo do PCP. Dava na televisão, saía nos jornais, que tomavam posições. No Comércio do Porto, dois jornalistas experientes e com agenda, Ercílio de Azevedo e Fernando Barradas, assinavam uma coluna que viria a dar brado, "Os Cravos na Ferradura", um espaço militante com o seu quê de reaccionário, como então se dizia à esquerda. Essas crónicas, geralmente bem esgalhadas, escritas às vezes com graça, foram o consolo e o farol doutrinário de muito boa e santa gente durante o PREC (Período Revolucionário em Curso) e o Verão Quente, do 11 de Março ao 25 de Novembro, e com tal sucesso entre os leitores mais conservadores ou fascistas recentemente desmamados que as tiragens do Comércio terão subido aos cem mil exemplares, contando-se até que houve jornais, em certos dias, a serem vendidos na candonga a 100 escudos cada um.
O êxito foi tal que alguns daqueles artigos transformaram-se rapidamente em livro, com prefácio de Paradela de Abreu. A obra, com o mesmo título da rubrica original, "Os Cravos na Ferradura", ainda hoje pode ser encontrada por aí, na internet, em diversos sítios de alfarrabistas e simpatizantes, mais ou menos recomendados.
O Comércio do Porto era objecto de culto. No país beato e de direita revanchista, guerrilheira, e em Fafe também. Um dia, 11 de Outubro de 1975, estava eu no tasco do Nacor com o meu tio Américo, eu e os meus 18 anos, na cozinha da Dona Isabel, que era um brinco e um mundo, e o Landinho Bacalhau, o antigo, anunciou que um grupo de ilustres fafenses iria homenagear naquela noite os jornalistas do Comércio. Seria com uma ceia, altas horas, no restaurante do Café Académico, e os homenageados fariam o favor de comparecer.
Eu quis logo saber se admitiam penetras, eu. Eu queria conhecer jornalistas a sério, precisava de ver como é que eles eram. Se eram praticamente como nós, as pessoas normais. O Landinho explicou-me que "a condição sine qua non" para participar na coisa era ser leitor do Comércio do Porto, e isso eu era, porque o Comércio do Porto era o meu jornal, isto é, o jornal do café, do Peludo, mas que tinha de perguntar ao organizador do evento, que era o Senhor Francisco Oliveira, que disse que sim. Por outro lado, aquela foi a primeira vez na minha vida em que eu ouvi a expressão cagona sine qua non e gostei bastante, embora esta seja também a primeira vez em que a uso motu proprio, e logo duas vezes.

Portanto lá fui. O grupo de ilustres fafenses era composto, se não me engano, pelo vimaranense Fernando Roriz, que foi deputado, presidente do Vitória e vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol, entre outras encomendas, pelo Dr. Marques Mendes, Dr. Antunes Guimarães, Chiquinho Gonçalves, Manel da Pinta, o Landinho, o Francisco Oliveira, eu a um canto a tirar apontamentos de cabeça, decerto mais alguém ou alguéns de que não me lembro e, não sei porquê, gosto de pensar que o Dalmo Pinto também por lá passou ou esteve, antes, durante ou depois.
Um curioso painel, aparentemente heterogéneo, unido talvez, pelo menos naquela altura, por um certo anticomunismo, mais semântico do que primário, num ou noutro caso, se é possível dizê-lo, gente de alguma forma ligada ao PSD e ao PS locais, e eu, que não era de um nem de outro, antes pelo contrário, lá estava destoando como sempre e ainda hoje me sinto muito bem com isso.
Da parte do Comércio do Porto, o Fernando Barradas primou pela ausência, mas apresentou-se o Ercílio de Azevedo, acompanhado por dois futuros directores do jornal, o Silva Tavares e o Manuel Teixeira, que era então um rapazinho e que viria a ser também administrador da Lusomundo e chefe de gabinete de Rui Rio na Câmara do Porto, sendo mesmo considerado, ainda hoje, o principal conselheiro do ex-líder do PSD. Não eram os únicos, que nisto, quando é para comer e beber, os jornalistas aparecem sempre, mas varreram-se-me os outros.
A ceia foi a madrugada inteira e os pormenores mais delicados ficam, para já, comigo. Mal eu sabia como é que viria a ser a minha vida alguns anos mais tarde. Comeu-se e bebeu-se bem, isso posso desde já dizer. Falou-se muito. Eu não. O Dr. Guimarães meteu os jornalistas na ordem quando um deles, entusiasmado, se pôs em bicos de pés. Percebemos porque é que Ercílio de Azevedo, autor das famosas "Tripas à moda do Porto", escrevia melhor, segundo nos contaram, quando decilitrava. No centro da mesa havia um bolo que o Senhor Francisco Oliveira mandara fazer na Pastelaria Monumental. O bolo exibia uma ostensiva pena alegórica e decerto alguns dizeres alusivos aos plumitivos convidados. Não sei quem é que pagou a conta, bolo incluído, que deve ter tido uma saída do caraças, não faço sequer ideia se havia preço de inscrição ou multa de presença. Se havia, eu fiquei isento.

Agora. O Senhor Francisco Oliveira (1928-2021) era um querido amigo. Não naquela altura, mas nos últimos anos. Ligava-me de vez em quando, avisava-me que vinha ao Porto, a tratamento, mas só nos pudemos encontrar uma vez. Passámos um pedaço de tarde à conversa na Rua Sampaio Bruno, falou-me do livro que queria escrever, tirei-lhe o retrato que pus lá em cima, visitámos a Feira do Livro, que era ali ao lado, na Avenida dos Aliados. Ele comprou e eu não. Também ia sabendo dele pelo Bertinho Dantas.
O Senhor Oliveira, Francisco Oliveira Alves, era um homem bom, generoso, às vezes de uma desarmante pureza, e esforçava-se por fazer parte da História. Fez. Houve quem o usasse, e ele queixava-se. É um fafense excelentíssimo, certamente um dos melhores da sua geração. Para além disso, era pai do Chico, meu colega de escola e amigo de infância, mas isso já seriam outros quinhentos.
Só hoje, entre parágrafos deste texto, é que apaguei do meu telemóvel o número do Senhor Francisco Oliveira. Era assim que lá estava: Senhor Francisco Oliveira. Apaguei e, caramba, agora parece-me que perdi alguma coisa e não sei o que hei-de fazer ao velho cartão-de-visita corrigido à mão...

(Texto publicado originalmente no meu blogue Fafismos)

terça-feira, 21 de novembro de 2023

De vento em popa

Foto Hernâni Von Doellinger

Eu saía à rua para a minha voltinha e via-os praticamente de braço dado, uma e outra vez, como se também fosse coisa de todos os dias, o ministro José Luís Carneiro e a presidenta Luísa Salgueiro. Creio que, nos dois ou três últimos meses, não houve governante que desse mais colo à autarca matosinhense, rodeados ambos por muitas fardas e armas, muitas motas, muitos carros potentes com luzinhas azuis, muitos guarda-costas, muitas fatiotas novas, muitos chegamissos e lambe-botas, como convém num recatado encontro entre dois despojados servidores públicos socialistas. Só assim de cabeça, lembro-me: o ministro da Administração Interna esteve cá em Matosinhos, recentemente, para apresentar a Operação Verão Seguro 2023, para apresentar os resultados da Operação Verão Seguro 2023 e, pelo meio, para inaugurar a Academia do Alertinha, isto pelo menos, porque eu não ando atrás deles a tomar conta.
Por isso fiquei com poucas dúvidas quando José Luís Carneiro anunciou a sua candidatura a secretário-geral do PS, contra Pedro Nuno Santos. Com quem ficaria Luísa Salgueiro, notável militante socialista, presidente da Câmara de Matosinhos e da Associação Nacional dos Municípios Portugueses? A questão, a bem dizer, nem deveria colocar-se - pelo atrás exposto. Luísa só poderia ser Carneiro, embora nativa de Capricórnio. E, sempre atenta às pitonisas e pitonisos que assinalam para que lado sopram os ventos, lá apareceu ela, no Largo do Rato, na apresentação de... Pedro Nunos Santos.
Quer-se dizer: é a vida.

Quando a rádio era a preto e branco

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

O Correio da Manhã aquece

O Correio da Manhã escreve, em título: 'Buraco' de 191 milhões aquece Assembleia-Geral do FC Porto. É falso! Prematuro e falso. O Correio da Manhã é que aquece a assembleia geral do FC Porto.

domingo, 19 de novembro de 2023

Novo aeroporto de Lisboa é em Fafe

Foto Hernâni Von Doellinger

A notícia saiu no insuspeito tablóide britânico The Sun e portanto só pode ser verdade: Fafe é "a cidade mais barata de Portugal". Pelo menos, para inglês ver. De acordo com o bem informado artigo, que confunde o Palacete dos Dantas com a Igreja Românica de Arões, Fafe, "uma cidade pouco conhecida em Portugal", ficou em primeiro lugar num ranking de barateza turística elaborado por uma entidade alegadamente chamada Porto Travel Guide. Mais de cem cidades portuguesas terão sido "analisadas por especialistas", e Fafe ganhou, à frente de Oliveira de Azeméis, Famalicão, Ovar e Amarante, só para se ter uma ideia.
E o que é que Fafe tem? Pois, para além da igreja e do palacete levados ao engano, Fafe tem a Casa do Penedo e a Casa do Santo Velho, na minha rua, e "um enorme parque aquático ao ar livre", embora os indígenas prefiram refrescar-se "no reservatório local chamado Barragem de Queimadela". Para além disso, garante o indesmentível The Sun, Fafe tem "comida e bebida baratas", "restaurantes baratos e hotéis económicos". É pouquinho? Mas é de boa vontade.
Isto aqui vai ser outra vez o fim do mundo. E convém que parem por aí os estudos uns atrás dos outros que só dão despesa e não vão a lado nenhum. Nem Portela, nem Portela + 1, nem Portela + 2, nem Montijo, nem Alcochete, nem Santarém, nem Pegões, nem Rio Frio, nem Poceirão, nem Beja, nem Monte Real, nem Alverca. Nada disso. O novo aeroporto de Lisboa só pode ser em Fafe! Em Fafe, mais exactamente na freguesia de Golães, cumprindo-se enfim a viperina profecia da má-língua de outros tempos.
Ó gente da minha terra, abaixaide-vos! Vai vir charters...

O banheiro e a banheira

Havia o banheiro. Que era um senhor geralmente concessionário de um pedaço de praia camarária e que, pelo Verão, na chamada época balnear, alugava barracas e cadeiras, e disso fazia modo de vida para o ano inteiro. É só ir à Póvoa, à nossa Póvoa. Havia o banheiro. Que era um senhor robusto de calças arregaçadas que se embrulhava numa vestimenta de oleado de cor mais ou menos berrante, velho salva-vidas que levava ao banho de mar, a bem ou a mal, adultos enfermos e sem poder de locomoção ou crianças renitentes e ganintes, como no meu tempo de miúdo, na Colónia Balnear Doutor Oliveira Salazar, na Gala, Figueira da Foz, para pobres registados, após vistoria relâmpago no Posto Médico de Fafe, ou ainda hoje em dia no ritual do banho santo de São Bartolomeu do Mar, Esposende. Havia o banheiro. Que era a retrete, a sentina, a latrina, a privada, o WC, a casa de banho, a casinha, o lavatório, a tina, o lavabo, o sanitário, a sanita, o toalete, sobretudo no Brasil. Portanto havia o banheiro. E havia a banheira. A banheira era a mulher do banheiro.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Casa de Banho.

Esteja à vontade...

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 18 de novembro de 2023

A próxima assembleia é que é ordinária!

O Dr. Lourenço Pinto, que está vivo, marcou para o próximo dia 29 uma assembleia geral ordinária do FC Porto. Ordinária. Lembram-se da merda que foi o simulacro de assembleia geral extraordinária da passada segunda-feira? E, mais, era para ser extraordinária, isto é, admirável, maravilhosa, fabulosa, grandiosa, sensacional, excelente, esplêndida, brilhante, insigne, magnífica, notável, óptima, elevada, como a própria palavra indica. Agora imaginem a merda que vai ser a próxima, convocada, logo à partida, como ordinária...

A morte da bezerra

Foto Hernâni Von Doellinger

Antigamente as tragédias aconteciam com mais assiduidade, ao contrário do que se apregoa agora por aí, e nem é preciso recuarmos ao terramoto de 1755 ou ao lamentável dia, no ano de 1128, em que o jovem Afonso Henriques bateu na mãe, Dona Teresa. Não. Basta centrarmo-nos na segunda metade do século passado, anos sessenta, setenta e pelo menos oitenta. Morria uma vaca e era uma tragédia. Ora as vacas, naquele tempo, morriam bastante, e nem estou a falar de matadouro e de talhos, de abates e de choupas. Morriam sem querer, as vacas, isto é, por exemplo esturricadinhas num palheiro que se incendiou sem mais nem menos, afogadinhas ou irremediavelmente escangalhadas no fundo de um poço sem guarda ou, até arrepia, abertas ao meio por um raio. E era uma tragédia.
Era uma tragédia porque a vaca, o boi ou o bezerro eram a riqueza única do pobre lavrador de microfúndio e Portugal era sobretudo isso. As vacas, permito-me generalizar assim, davam leite, faziam estrume, lavravam e aravam o campo, puxavam a água, transportavam as colheitas, ajudavam nas obras domésticas, acartavam pedra, erguiam muros, tinham a força de trabalho de um rancho de homens e mulheres, procriavam e, como se ainda fosse pouco, emprestavam o seu próprio calor ao jugo que as dominava, para, a seguir, talhar trasorelhos, eventualmente acabando vendidas na feira ou feitas em bifes, em todo o caso transformadas em indispensáveis notas de conto, e aí tudo começava outra vez.
Era desta maneira em Fafe, o meu berço, terra de pequenos e remediados agricultores, nas aldeias à volta, principalmente, mas também no centro da vila mesmo, como outro dia aqui contei. A única diferença era que em Fafe a vaca era baca e o boi, em raros momentos de preciosismo linguístico, era voi. Tirante essa irrefutável idiossincrasia, Fafe era como o resto do Norte rural: em cada casa, uma, duas vacas, quer-se dizer, uma junta, quando muito, para fazer parelha no carro, turinas às vezes, leiteiras em alguns casos. As vacas eram a fartura, o dinheiro em caixa, a garantia de vida dos nossos persistentes lavradores. As vacas eram-lhes tudo.
Agora imagine-se que lhes morria um animal, tantas vezes o único, num desastre daqueles ou por doença fulminante e desconhecida. O gado não estava no seguro, é claro, o dinheiro da CEE ainda não tinha sido inventado e era o que faltava que alguém se lembrasse de pedir uma indemnização ao Governo. Dá para imaginar, então, o rombo? Era um prejuízo que só visto, a ruína de repente, a miséria, a fome à espreita, a vida parada, como se fosse ali o fim do mundo.
Mas não era. Podia muito bem não ser. A salvação do nosso desgraçado lavrador estava agora no peditório. Isso, no peditório, que era uma instituição. O peditório que ele fazia de aldeia em aldeia, nas ruas da vila antiga, de porta em porta, apresentando o seu triste caso, a sua tragédia, suscitando simpatias, solicitando ajuda, o que pudesse ser. Não era estender a mão à caridade, não, aquilo era um mecanismo de solidariedade, automaticamente accionado. Fazia parte, em Fafe.
Notáveis lá da terra, cidadãos de honra reconhecida, dois ou três, incluindo geralmente o presidente da junta ou o regedor da freguesia, acompanhavam o lavrador nesta sua via-sacra, atestando com documentos e tudo a veracidade do infausto acontecimento e as dramáticas condições em que ficaram o azarado homem e respectiva família.
E as pessoas davam. O que podiam. E é curioso porque as pessoas de dentro de casa eram, regra geral, ainda mais pobres do que o homem desesperado que lhes batia à porta a pedir. Davam, e não se fala mais nisso. Os modestos donativos ficavam assentes numa folha azul de 25 linhas, registados, consultáveis, até chegarem, conta certa, para comprar uma nova cabeça de gado, nem mais um tostão, mas nunca mais ninguém queria saber do assunto.
Terão acontecido umas quantas burlas, trampolinices das antigas, isso certamente, vacas que afinal eram virtuosas senhoras, lavradores que nunca puseram os pés na terra e presidentes da junta da colaça. Mas também terão sido assim criadas verdadeiras segundas oportunidades de vida para pessoas honestas, trabalhadoras, merecedoras, de repente atingidas pela tragédia a sério, e que sem a ajuda dos outros, sobretudo dos seus generosos camaradas de pobreza, nunca mais se levantariam. E Fafe era também isto.

(Texto publicado originalmente no meu blogue Fafismos)

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

É prematuro

Hoje, tomai nota do que eles inventam, é Dia Mundial da Prematuridade. Mas, sendo assim, falamos disso amanhã...

terça-feira, 14 de novembro de 2023

E não morreu ninguém...

Acabou por correr bem o simulacro de assembleia geral do FC Porto, esta madrugada. Afinal, que se saiba para já, parece que não há mortes a registar. Talvez para a próxima.

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Sete minutos e quatro centímetros

Eu não vi. Àquela hora tenho habitualmente mais que fazer, como por exemplo dormir, coisas de velho. Mas ouvi dizer, esta manhã, enquanto fazia a minha caminhada pelo Passeio Atlântico, ali em baixo, à beira do mar. Que passavam sete minutos e faltavam quatro centímetros, disseram, e eu fiquei deslumbrado com a descrição da "jogada", tão precisa, tão matemática, tão literária, tão fácil de imaginar, tão bela! Ó, a beleza do futebol moderno! Mas qual dominou a bola com o peito e rematou sem deixar cair, de trivela, mas qual fintou um, fintou dois, três, quatro e passou a bola por cima do guarda-redes! Isso já não interessa. Não. Passavam sete minutos e faltavam quatro centímetros, isso sim, era disso que falavam, foi isso que aconteceu, minutos e centímetros, tempo e espaço, VAR. Tácticas não são assunto, discute-se o relógio e o tamanho da chuteira, quarenta e três biqueira larga. Sete minutos e quatro centímetros. O futebol hoje em dia está realmente muito mais bonito...

domingo, 12 de novembro de 2023

Miguel Oliveira e eu

Eu não sei andar de mota. E também não sei andar de carro. Aliás, nem sequer tenho carta de condução, vou aonde me levam, geralmente sem razão de queixa. Se eu quisesse andar de mota, decerto caía muito, provavelmente estaria sempre no chão, como no tempo em que me despencava aos rebolões da mota de pau do meu tio Al Pacino. Portanto, se alguma equipa de Moto GP estiver interessada na minha pessoa, aqui me tem preparado para o que der e vier...

"Eu e a UNITA", já à venda


O novo livro do jornalista Orlando Castro, "Eu e a UNITA", já está à venda. Sobre si próprio, diz o autor, lapidarmente: "Ao longo dos anos defendo aquilo que considero o mais correcto para a minha terra, Angola. Consigo não agradar nem a gregos (MPLA) nem a troianos (UNITA)". A obra conta com prefácio de William Tonet.

Eles andem aí...

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 11 de novembro de 2023

Era uma besta

Ele era realmente uma besta, fazia questão, mas não uma besta qualquer. Costumava aliás dizer, a seu próprio respeito, que, ao contrário de certos e determinados, ele era uma besta triangular. Isso, triangular. O que, convenhamos, faz toda a diferença.

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Tirones, camones e outros tarzões

Um homem saía de casa com fato novo, sapato engraxado, talvez flor na lapela e até chapéu, que eu ainda sou desse tempo, e na rua diziam-lhe - Eh pá, estás todo tirone! E quereis saber? Era um elogio, melhor cumprimento era impossível para começar bem o dia. Falava-se assim em Fafe, mas este aqui não era um falar exclusivo nosso, fafês autêntico, seria, antes, de uso particularmente nortenho, isso estou em crer que digo bem.
O termo, tirone, remonta certamente a meados do século passado e virá do cinema, do famoso e elegantérrimo actor americano Tyrone Power, que fazia então um enorme sucesso sobretudo entre o público feminino. A estrela apagou-se, o galã acabou por desaparecer, mas ficou o nome, a alcunha, esta espécie de adjectivo a calhar tão bem aos vaidosos sessentões fafenses, tirone, sinónimo de elegante, bem-posto, aprumado, chique, catita, peralta, peralvilho, casquilho, janota, pimpão, boneco, emperiquitado, dândi, indivíduo bem vestido com o seu quê de preciosismo, bem ajambrado, que veste à moda, nos trinques, como se diz agora no português das telenovelas brasileiras.
Em Fafe, naquele tempo, as pessoas ricas vestiam muito bem. Ou então as pessoas ricas vestiam bem em todo o lado, mas eu não sabia, porque eu só conhecia Fafe e, como mundo, Fafe bastava-me. A minha mulher ri-se quando repetidamente lhe conto, com todos os pormenores e mais um, como as pessoas ricas de Fafe vestiam bem, os casacos assertoados ou em tweed ou em linho, os blazers azuis, as calças em lã, com pinças e dobra em baixo, muito vincadinhas, ou em terilene cinzento, que era uma novidade, as camisas triple marfel, os sapatos italianos clássicos, com sola alta de Inverno e com sola baixa de Verão, os sobretudos impecáveis, esculturais, colados ao corpo, as gabardinas double-face, o guarda-chuva irrepreensivelmente enrolado, londrino até dar com um pau, porém comprado na selecta Chapelaria Antunes, e os lenços e as gravatas e os perfumes e a cigarreira e o isqueiro pelo menos de prata e às vezes a boquilha, eles realmente todos tirones, como mandava o figurino, e nós de calças de cotim remendadas no cu e nos joelhos, os pés arrastando chancas e uma vergonha enorme de sermos pobres.
É preciso que se diga que Fafe tinha uma colecção de alfaiates de altíssimo coturno, e espero falar deles com mais vagar um destes dias. Os nossos tirones iam ao alfaiate, tinham alfaiate privativo, escolhiam modelo, cor e tecido, e vestiam-se por medida. Mas não iam à Riopele comprar o corte, atenção, isso era para os remediados. Por outro lado, os fatos prontos a vestir chegaram às excelentíssimas Lobas já em plena década de setenta, eram Corte Inglés, eu bem lhes namorava a montra, como boi olhando para palácio, mas aquilo também ainda não era para nós. Nem para os tirones fafenses, que, classe acima de tudo, continuaram a preferir a exclusividade, o serviço personalizado e impecável da nobre alfaiataria local, honra lhes seja. Só depois é que vieram as calças vermelhas, os pulôveres amarelos ou cor-de-rosa e os sapatos com berloques...

Em todo o caso, Tirone também foi um nome regularmente usado em Fafe para cães. Mas, quanto a isso, não sei que diga.

(Texto publicado originalmente no meu blogue Fafismos)

De volta à dança das cadeiras

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Chove merda em Portugal

Já percebi tudo. O PS quer sair do Governo. O PS pretende perder as próximas eleições, e está a dar o seu melhor para que, se possível, sejam eleições antecipadas. O afã com que os socialistas exibem diariamente as suas mais íntimas imoralidades, umas atrás das outras, alardeando a impunidade e a arrogância das ditaduras, só pode ser isso. O PS não dá ponto sem nó. O PS está a fazer de propósito. Deseja passar a pasta. Este PS de António Costa faz trinta por uma linha para ser visto e julgado pelos portugueses como um bando de malfeitores, uma organização criminosa, uma família mafiosa. O PS exige ser despedido por indecente e má figura. E está no seu direito.

Escrevi o pensamento supra no passado dia 8 de Outubro de 2022, sob o título "O PS está farto do Governo". Mas a coisa não parou, nem pelo meu aviso. Tem sido pior, e ainda nem sei do escândalo de logo à noite. No Governo, levanta-se um pedra e sai de lá um corrupto, um videirinho, um trafulha, um omisso. Chove merda em Portugal, a cântaros, merda diluviana, mas o primeiro-ministro diz que é apenas um aguaceiro, passa já. Quando estiver com ela pelos queixos, sempre quero ver o que é que ele vai dizer...

P.S. - Publiquei este texto aqui no Tarrenego! no dia 9 de Janeiro de 2023. Hoje é o lítio e o hidrogénio verde, mas podia ser outra coisa qualquer...

Às vezes mando passear o telemóvel

Contra tudo o que mais prezo, o meu lamentável telemóvel também está equipado com aquela extraordinária e inutilíssima aplicação a que chamam "pedómetro", embora fosse melhor chamar-lhe "podómetro", mas a que eu chamo "contador de passos". Para ficar satisfeito como um tamagotchi, o contador precisa de dez mil passos diários - e então arrota. E o que é que eu faço? Em dias assim de maior preguiça, peço ao meu filho que me leve o telemóvel a dar uma volta...

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Preguiça.

domingo, 5 de novembro de 2023

Era um homem muito antigo

Era um homem muito antigo. Do tempo em que os jornais escreviam notícias. E ele percebia. Depois os jornais começaram a publicar vídeos. E ele deixou de perceber.

sábado, 4 de novembro de 2023

Guterres acusado de "duplo standard"

O Diário de Notícias, de Lisboa, acaba de anunciar em título garrafal: "Guterres acusado de duplo standard por criticar ataque a ambulância". A notícia, se não acreditam, vão vê-la ao jornal. Isso mesmo, "acusado de duplo standard". "Duplo standard", viram? Mas que caralho é isso, "duplo standard", hotelaria à parte? Quero dizer, para quem é que os jornais agora escrevem? Ó Ricardo, tu e as tuas americanices, valha-te Deus, rapaz!...

Aqui há cão... e chamava-se Bobi

Morreu o Bobi. Era o cão mais velho do mundo e era evidentemente português. O Bobi estava no Guinness como o Cristiano Ronaldo e quase tudo o que é feito em Portugal e dá no Correio da Manhã. O Bobi também deu no Público. Só para terem uma ideia, o Bobi era tão antigo que até se chamava Bobi, que era o nome que antigamente se dava aos cães, no tempo dos romanos, ou pelo menos Tejo. O Bobi morreu e Portugal está mais pobre. Mas é o país que temos...

O textinho aí de cima, escrevi-o eu aqui, sob o título "Morreu o Bobi", no passado dia 23 de Outubro, a quente, isto é, a frio, quase em cima do infausto acontecimento. Acontece porém que. Eu gosto muito desta extraordinária introdução: acontece porém que. E portanto, acontece porém que a idoneidade da idade do nosso saudoso Bobi está a ser posta em causa, e logo por veterinários, e ainda por cima veterinários ingleses, que são os veterinários com melhor pedigree, até porque foram eles que inventaram a palavra. 
Ora bem. Os veterinários dizem que o velho Bobi não podia ter 31 anos, como estava assente, porque 31 anos num cão correspondem a 200 anos num ser humano, e desde a Bíblia que não há registo de fenómenos desta dimensão. "Não é plausível", afirmam os ingleses invejosos, colocando a pulga atrás de orelha do próprio Guinness, que, Maria vai com as outras, promete agora investigar o caso...
A este respeito, eu só digo: investigação por investigação, espero que o Correio da Manhã não se fique!

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Quem disse que no las hay?

Foto Hernâni Von Doellinger

Anthony Bourdain não passou por Fafe

Numa das suas visitas oficiais ao Porto e Norte de Portugal, o saudoso Anthony Bourdain (1956-2018) andou pela Invicta, deu um salto aos vales do Douro e do Tâmega, comeu umas especialidades de carregar pela boca e teve o duvidoso privilégio e manifesto incómodo de assistir a uma matança de porco e às litúrgicas operações de desmancho e salga, acabando o dia a jogar à bola com a bexiga do bicho, como mandava a tradição.
E depois foi-se embora. Atenção: foi-se embora sem antes ir à Conga comer uma bifana. Mas, desta ou doutra vez, comeu bifanas em Lisboa. Isto cabe na cabeça de alguém? As bifanas da capital sempre me mereceram as maiores reservas e, francamente, a equipa do No Reservations deveria estar na posse desta importante informação.
Bourdain, mestre de culinária e estrela de televisão, disse que gostou muito das lisboetas "sanduíches gordurosas de porco", com carne "imunda e cortada em fatias finas". É uma definição elegante e que se aceita. Mas havia de ter provado as do Porto, na Rua do Bonjardim! E não me venham dizer que as bifanas são iguais em todo o lado. Porque não são. E não me venham dizer que é tudo uma questão de picante - mais ou menos. Porque não é. E não me venham dizer que é só temperar com vinho branco e mais não sei quê (o resto fica cá comigo, que também as faço uma categoria). Porque não é. É com o vinho (e com o resto), mas também com cerveja, ou para onde é que vocês cuidam que vão as sobras dos barris e a espuma que esborda dos finos (ou imperiais) mal tirados? Vai tudo lá para dentro, para o caldeirão da molhanga, e aqui é que bate o ponto. Aqui é que a porca torce o rabo. É que as bifanas do Porto chafurdam em Super Bock. E isso faz toda a diferença.

Por outro lado, Anthony Bourdain não passou por Fafe. O que é absolutamente lamentável. E indesculpável, por maioria de razão. Se o famoso chef americano queria falar de sandes com conhecimento de causa, primeiro haveria de informar-se acerca da posta de bacalhau frito dentro de biju, no Paredes, a acompanhar um sino de verde branco só para abrir apetite para o almoço. Haveria de perguntar pela sandes de pescada frita e fria no Lameiras da Rua de Baixo. Haveria de pedir que lhe contassem das sandes de vitela assada no Zé da Menina ou no Nacor, aqui também com batata para fazer fartura. Não poderia deixar Portugal sem antes provar a francesinha e o prego do Peixoto, e as moelas de coelho e os ovos de galo. Em pão. Haveria de tomar conhecimento da incontornável sandes de pastelão e da sandes de chicharro de cebolada retrasado. Haveria de querer saber das pataniscas do Miranda. Haveria de exigir que lhe apresentassem a minha côdea de broa com açúcar amarelo, que, sendo dobrada ao meio, sobe também à categoria das sandes certamente, apesar da sonsa oposição dos puristas e outros alegados diabéticos, e talvez até lhe ensinassem a sandes de bolacha maria com marmelada. Mas Bourdain não passou por Fafe. E portanto nunca soube nada disto. Foi o que perdeu. Foi o que se perdeu.

P.S. - Hoje é Dia da Sanduíche, quer-se dizer, da sandes. E em Fafe chicharro dizia-se chucharro e até havia uma família, gente boa, com esse nome posto. Sim, os Chucharros, do Lombo.

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Miguel Sousa Tavares, a miss e os palhaços

Foto Tarrenego!

Maio de 2013. Grande título do jornal Público: "PGR abre inquérito a Miguel Sousa Tavares por chamar "palhaço" a Cavaco". Isso, o então escritor chamou "palhaço" ao então Presidente da República, Cavaco Silva, façanha a valer para aí três anos de cadeia, não sei qual foi finalmente a sentença, se a houve. Não sei se a coisa foi sequer a tribunal. Desconheço se os palhaços sem aspas apresentaram queixa. O com aspas apresentou.
Naquele tempo, Miguel estava a lançar a sua talvez 13.ª obra. Escrevi, na altura, aqui no Tarrenego!, sob o título "Palhaços": "Bem sacada esta campanha de promoção do novo livro do comentador Miguel Sousa Tavares. Excelente golpe publicitário, e com alto patrocínio. Bem sacado. Já agora: o livro chama-se "Madrugada Suja" e - entre os acasos da vida, que são "o grande tema", segundo o autor - fala da corrupção na política. Em Portugal, nos últimos 30 anos."
Dez anos depois, Miguel Sousa Tavares deita a mão à Miss Portugal. O ex-jornalista e ex-comentador, agora outra vez comentador, volta ao pequeno ecrã, abre um novo espaço de opinião, na TVI, e, para animar a festa, lança mais meia dúzia das suas bojardas, ajudado à missa pelo compère José Alberto Carvalho, e caiu o Carmo e a Trindade, que por acaso até são dois nomes bem jeitosos para o género indefinido. 
Chauvinista, transfóbico, matarruano, ignorante, prepotente, javardo, estúpido, grunho, troglodita, comentador de taberna, macho e até portista, chamaram-lhe de tudo e estão todos enganados. O Miguel Sousa Tavares, aquilo, era a mangar, quero dizer, ele não acredita nada nas baboseiras que disse, estava era a promover o programa praticamente a estrear, a arranjar um caldinho que lhe garanta audiências futuras, como fez com o livro e com o palhaço, da outra vez. Isto é, o Miguel fez-nos também de palhaços. E o José Alberto Carvalho serviu à pinta. O bom Zé Alberto, que, jornalisticamente falando, sempre teve uma excelente voz. Desde pequenino.
Está ali uma dupla de sucesso. A coisa foi bem trabalhada na semana passada, surtiu efeito, e logo à noite eles vão rebentar! Aos telespectadores, digo: nem que não vejam o programa, que eu também não, espreitem depois as audiências...