A lampreia é, para mim, o supra-sumo da gastronomia alto-minhota. Uma gastronomia apurada, robusta, variada, generosa, com personalidade, como eu gosto e como é, no geral, toda a honesta
cozinha tradicional portuguesa. Há o arroz de lampreia, há a lampreia à bordalesa. E até admito mais duas ou três bem intencionadas variantes (como a lampreia fumada, a lampreia recheada ou a lampreia assada), mas que, não desmerecendo, já não são a mesma coisa. Eu fico-me pela arrozada a fugir do prato a todo o vapor e pela bordalesa intensa e substancial - embora, como a maioria dos portugueses, já só coma lampreia de memória.
No Alto Minho, a lampreia é "um prato de excelência" e de tradição. Sim, de tradição. "Para confeccionar um produto de qualidade com paixão e arte, nada melhor que as mãos de afamadas cozinheiras que receberam os testemunhos e segredos de gerações passadas, com raízes na ancestral tradição culinária do Vale do Minho", lê-se num opúsculo acabado de editar pela Adriminho para chamar visitantes e promover o consumo do apreciado ciclóstomo, durante os meses de Fevereiro e Março, nos restaurantes dos concelhos de Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira.
Não percebi com que segunda intenção, a Adriminho resolveu amaricar a apresentação da sua lampreia, bem à moda de Lisboashire ou Cascais County, colocando na capa do dito prospecto a fotografia de um empratamento aguado e triste, obra certamente de um daqueles famosos jovens
chefs da televisão que não cozinham nada mas têm muito jeito para as artes plásticas. Resultou assim uma coisa de
snack-bar cantineiro, algures entre Nova Iorque e Bogotá, espécie de
nouvelle cuisine pretensiosa e escusada que envergonha a velha lampreia e a tradição gastronómica alto-minhota.
Vejam bem: então isto agora é que é a lampreia do rio Minho? Que mal é que tinha a outra, a verdadeira?