- As horas são do Senhor, o Senhor é quem sabe quando é a hora, ficaremos de horas acertadas quando for a vontade do Senhor - respondia eu, que não me consigo deslargar desta irremediável costela sacrista, ó mulher, ó filho...
domingo, 31 de outubro de 2021
E quem me garante que uma hora tem 60 minutos?
- As horas são do Senhor, o Senhor é quem sabe quando é a hora, ficaremos de horas acertadas quando for a vontade do Senhor - respondia eu, que não me consigo deslargar desta irremediável costela sacrista, ó mulher, ó filho...
O Halloween, essa tão nossa ancestral tradição
Cantávamos:
"Do dia cinco prò seis,
nós vimos cantar os Reis..."
Cantávamos:
"Correi, ó pastores,
que a noite está bela,
vinde ver Jesus
na formosa estrela."
Cantávamos:
"Aqui estão os Reis à porta..."
Cantávamos:
"Olhei para o céu,
estava estrelado,
vi o Deus Menino
nas palhas deitado.
Nas palhas deitado,
nas palhas esquecido,
filho duma rosa,
dum cravo nascido."
Cantávamos:
"Pastorinhos, pumpum,
do deserto, pumpum,
vinde todos a Belém.
Pumpum.
Vinde ver, pumpum,
o Menino, pumpum,
que Nossa Senhora tem.
Pumpum."
Cantávamos:
"Quem diremos nós que viva
nas folhinhas do codesso,
viva o dono desta casa
que eu por nome não conheço."
E também cantávamos:
"Vinho na pipa,
couves na horta,
se não nos der nada,
cagamos na porta."
É. Estão a ver o Halloween? O típico Halloween português? Os nossos Reis eram isso mais ou menos.
sábado, 30 de outubro de 2021
Como o mundo é pequeno (e um bocado idiota)
- Sou, com efeito, um bocado idiota. Mas como é que o caro senhor adivinhou?
- Um pressentimento. É que eu também sou...
- O caro senhor também é um pressentimento?
- Não, não, caro senhor: também sou um bocado idiota.
- Como o mundo é pequeno! Somos então praticamente primos...
- Parentes, pelo menos...
- E, mal que lhe pergunte, o caro amigo é um bocado idiota por parte da senhora sua mãe ou por parte do senhor seu pai?
- Por parte do senhor meu pai.
- Mas isso é extraordinário, caro amigo, porque eu também sou...
- O caro amigo também é um bocado idiota por parte do senhor meu pai?
- Oh, que pena! Quase que éramos irmãos, não é?..
O fim do mundo em cuecas
Gosto destes filmes e destas séries da moda que contam o fim do mundo, os diversos modelos de fim do mundo, e a luta heróica dos sobreviventes. Invasões marcianas, asteróides desgovernados, pandemias assassinas, ataques de mortos-vivos, catástrofes de proporções bíblicas, apocalípticas, deuteronómicas, cenários dantescos, a estrada da morte, a cinza, a escuridão, a asfixia, o nada, o-drama-a-tragédia-o-horror. O planeta desaparece e, no seu regenerador desaparecimento, traz à tona os melhores dos melhores de todos nós, americanos por certo. O pai-herói, a mãe-coragem, o bebé-milagre, o Sepúlveda-Taberneiro, de quem ninguém sabia há mais de quarenta anos, desde que pôs os cornos à mulher no Sabugal e fugiu com a espanhola da casa de alterne. Para a América, Kansas City, Missouri. Dão bons títulos nos jornais.
Estes filmes fazem-me acreditar na redenção da humanidade. Os sobreviventes são a esperança num futuro melhor. Isto por um lado. Por outro: mas qual futuro e quais sobreviventes? Se o mundo acabou, como é que há sobreviventes?
P.S. - No dia 30 de Outubro de 1938, Orson Welles transmitiu a versão radiofónica da "Guerra dos Mundos", de H. G. Welles, simulando uma reportagem em directo sobre a invasão da Terra por marcianos. Os americanos acreditaram que era verdade. O medo paralisou três cidades e houve pânico principalmente em localidades próximas de Nova Jersey, onde o programa era feito e onde tudo alegadamente acontecia.
sexta-feira, 29 de outubro de 2021
O cão de Astérix
O cão de Astérix chamava-se Jolly Jumper. E uma vez foi ao país dos sovietes.
P.S. - Astérix nasceu, por assim dizer, no dia 29 de Outubro de 1959, no primeiro número da revista "Pilote". O primeiro álbum, "Astérix o Gaulês", foi editado em 1961.
Compras na net
quinta-feira, 28 de outubro de 2021
Um país sem tintins
Tintim fez 92 anos em Janeiro. E bem fodido estaria se fosse português. Provavelmente com uma 
reforma de miséria e esmolada ao cêntimo, encaixotado num lar de idosos 
clandestino, proibido de ir estorvar para a hemodiálise ou de sequer bater à porta das urgências.
 Teria certamente fome e vergonha por ver o seu país entregue à banca corrupta e a escritórios de advogados e contabilistas estrangeiros e 
mentecaptos. Choraria com o triste espectáculo dado pelos mal-amanhados títeres que fazem de conta que são governo e oposição em Lisboa e nem um orçamento conseguem parir. Pediria a morte medicamente assistida, se pudesse pagar, mas não pode.
A sorte de Tintim é que ele é belga. Em Portugal não há tintins. 
Desenhos assim-assim
Como o destino
Nisto das idades, a terceira costuma ser de vez.
P.S. - Hoje, 28 de Outubro, é Dia Mundial da Terceira Idade.
quarta-feira, 27 de outubro de 2021
A casa do Silva
Matosinhos tem a Casa da Arquitectura, a Casa do Design, a Casa de Chá, a Casa de Santiago, a Casa do Bosque e a Casa da Juventude. Nomeadamente. Mas não tem a Casa do Silva. O Silva é velho e desempregado. Mora ao relento. Em Matosinhos.
terça-feira, 26 de outubro de 2021
Canábis ao pé da porta
| Foto Hernâni Von Doellinger | 
Passou-se uma semana e a lojinha encerrou de vez: veio uma carrinha limpar as escanzeladas prateleiras, três sacos de plástico bastaram e lá se foi mais um posto de trabalho, por assim dizer, que é o que a mim me importa. Fico infeliz por ter razão: o conceito era realmente uma treta. Esta gente não sabe o que é massa com bacalhau e o prato a esbordar...
Entretanto. Antes e depois da sua lastimável fase "regional gourmet", a lojinha do outro lado da minha rua foi quase tudo, por breves temporadas e com fracasso garantido. Butique de média costura, sapataria fina, loja de animais, bijuteria e outras inutilidades, escritório, despensa, garrafeira e outros souvenirs, recepção de alojamento local e até agência de viagens que nunca abriu, mas a mim cheirou-me sempre ao mesmo: lavandaria.
Nem de propósito, a lojinha é agora um posto de lavagem self-service para cães. E na porta ao lado acaba de abrir um estabelecimento para venda de "cannabis legal" e outros "produtos derivados de cânhamo", como, por exemplo, "creme de avelãs para barrar". Reconheço a mudança de paradigma: são dois negócios com irreprimíveis potencialidades. Vejo-lhes futuro. Principalmente ao dos cães, porque nasceu no tempo e no país certos. Um tempo e um país em que os animais são de estimação, mas as pessoas não. Já quanto à canábis, vamos lá ver: não sei se o pessoal aqui da zona não andará de momento mais interessado em algo, como é que se diz, mais pesado e ilegal, vá lá...
segunda-feira, 25 de outubro de 2021
Massas
As extraordinárias descobertas da ciência
Um conto de Natal
O segredo está na pasta
Testes em massa
domingo, 24 de outubro de 2021
Para todo o serviço
Apresentou-se às inspecções. Puseram-lhe um carimbo: "Apto para todo o serviço". Foi aí que ele começou a desconfiar...
P.S. - Hoje, 24 de Outubro, é Dia do Exército Português.
sábado, 23 de outubro de 2021
Chamam-lhe Protocolo de Manchester
sexta-feira, 22 de outubro de 2021
Levados, levados sim!
Mas vamos ao que interessa: Fafe. Fafe dos anos sessenta do século passado, no vestíbulo da Revolução. Naquele tempo Fafe era uma terra tão fascista como todas as outras terras de Portugal, mas, convém não esquecer, muito mais antifascista do que a maioria. Fafe tinha evidentemente Legião Portuguesa, Mocidade, Concordata, União Nacional, grémios, casas do povo, chapéu na mão, fascistas desde pequeninos, salazaristas mais que o próprio, bufos da Pide, falsos bufos da Pide, simples filhos da puta e regedores de pistola à cinta, mas tinha também a Fábrica do Ferro, o Bugio, operários informados, comunistas, associações culturais, grupos de teatro, jornais, o Senhor Teixeira e Castro, gente a querer saber, o Senhor Maciel, o Teatro-Cinema, a Dona Laura Summavielle, o Major Miguel Ferreira, dezenas de presos políticos, o Café Avenida, o Senhor Saldanha, o Senhor Ferreira do Hospital, outros senhores saldanhas e ferreiras do hospital de quem não sei ou não me lembro agora. Fafe teve mártires do fascismo. Procurem-nos na antiga Feira Velha: estão lá dois nomes importantes - Joaquim Lemos de Oliveira, o Repas, e Gervásio da Costa, fafenses que deram a vida pela Liberdade. Foram levados, torturados e assassinados pela Pide.
O nomes continuam lá, não continuam? A praça foi baptizada por causa deles, dos nossos, fafenses, Mártires do Fascismo. O Repas e o Gervásio. Não era uma homenagem urbi et orbi a todos os mártires de todos os fascismos, de todos os sítios e de todos os tempos. Os nomes dos nossos continuam lá na nossa praça, não continuam? Digam-me que sim, por favor, nem que seja mentira.
A Mocidade Portuguesa (Organização Nacional Mocidade Portuguesa) tinha bandeiras dos Heróis do Mar e as bandeiras chamavam-se pendões ou estandartes, tinha fardas catitas, toques de clarim e toque de caixa, cintos com S de Salazar na fivela, comandantes-de-castelo, saudação nazi-fascista e hino privativo, Lá vamos, cantando e rindo, levados, levados, sim. Tinha também umas mochilas de lona verde-acastanhada muito jeitosas e tinha tendas, pás, picaretas, cantis e acampamentos, e eu invejava o mundo de aventuras daquela moçarada. E tinha a Chama, assim com capitular.
A Chama era um sarau realizado ao ar livre e à volta de uma fogueira com as achas obsessivocompulsivamente organizadas num círculo mais que perfeito: diziam-se poemas, cantava-se, representava-se teatrinho, ensinavam-se urbanidades, exaltava-se o amor à Pátria. Uma vez houve uma Chama nas traseiras da Escola Industrial, aquele pequeno terreiro hoje esmagado pelo anfiteatro da Biblioteca Municipal de Fafe, o que demonstra mais uma vez que, como dizia o saudoso Eduardo Guerra Carneiro, "isto anda tudo ligado". Era do lado da frente da escola, actualmente jardim da Casa da Cultura, que a Mocidade montava formatura ao fim-de-semana, para depois arruar vila adiante, e eu atrás, de passo certo, levado, levado sim...
Mas a tal Chama. Eu fui ver. Do meu Santo Velho ao Santo Novo, onde ficava a Escola Industrial, eram campos de milho e quintais com árvores de fruta, para além de uma ou duas ramadas de uvas de onde, na época, gaipelávamos a bom gaipelar até nos desfazermos em tremendas caganeiras, com licença de vosselências. Por aí ia. A meio do caminho havia uma nora desactivada, mais à frente uma mina já com motor, creio que do Sr. Mijão, e o que eu gostava de carregar no botão verde e pôr a geringonça a aguar, sufocando-a logo a seguir com o botão vermelho, para fugir dali a cem à hora, antes que quem de direito desse pelo basqueiro e corresse a esticar-me o orelhame.
Queria também confessar o que se segue, porque esta memória não me larga: o casarão de lavrador anexo ao velho edifício onde funcionava a Escola Industrial tinha uma espécie de túnel, obra em arco, baixinho, esconso, escuro, por onde se passava de um lado para o outro, das traseiras para a frente ou vice-versa, e ali se faziam umas belas emboscadas para apalpar moças, infelizmente com mais vontade do que jeito. Hoje chamam àquilo tudo Avenida das Forças Armadas e é muito bem feito.
A Chama foi uma merda. Os miúdos (mais velhos do que eu, é preciso que se note) representavam muito mal, os poeminhas eram lengalengas, as cantigas desafinadas, e pela primeira vez na minha vida a começar assisti a uma branca: uma menina ou um menino tinha decorado qualquer coisa para dizer mas não se lembrava de quê - e, depois de várias tentativas a seco, encharcou definitivamente e desatou a chorar. Fiquei triste com ele (ou ela), mas não fiquei freguês.
(Especialistas em fivelas de cintos garantem que o S nas fivelas dos cintos da Mocidade Portuguesa não tinha nada a ver com Salazar, posto que quereria dizer, isso sim, "Servir no Sacrifício" ou somente "Servir". Ou Sabrina. Pois. E as SS eram a Segurança Social do Terceiro Reich, Hitler chamava-se assim para não se confundir com Hernâni e o Z não é de Zorro mas de Zeferino. A mim faz-me uma certa diferença: o Zorro sou eu, desde os livrinhos do Marreca, e Zeferino realmente não me dá jeito nenhum.)
P.S. - Publicado originalmente no dia 17 de Setembro de 2017.
No tempo em que as pessoas falavam
Tínhamos pontos de vista, prismas, ópticas, enfoques, perspectivas e até ângulos. Amontoávamo-nos em duas ou três mesas, perdíamo-nos noite dentro naquela conversa transversal, ecuménica, polifónica, finamente regada, em que toda a gente metia o bedelho, até os filhos da puta dos bufos da Pide, que aproveitavam para incendiar o assunto a ver o que aquilo dava. De uma forma geral, os bufos da Pide não eram nada bufos da Pide: autoproclamavam-se, faziam-se passar por bufos da Pide, salazares dos pequeninos, só para meterem medo, que era a coisa mais parecida com sexo que conheciam, ou para pavonearem um poder que nunca tiveram, nem em casa. Eram filhos da puta, isso é certo, e em Fafe havia.
O 25 de Abril de 1974 veio realmente liberalizar o paleio à roda do cimbalino, mas nós nem precisávamos. Já há muito que falávamos pelos cotovelos e comíamos tremoços. Ou cascas, à falta de conteúdo e de dinheiro no bolso. Mas não interessava - a conversa, para nós, era tudo.
Portanto agora dá-me pena: de conversa, que é livre, estamos conversados - acabou-se, até no café, parece-me impossível. Eu, que actualmente não frequento, passo pelas montras e vejo: uma pessoa em cada mesa, cabeça enfiada no computador portátil, telemóvel colado ao ouvido, dedo saltitante a gatafunhar mensagens analfabetas e com carinhas redondas e amarelas, ninguém conhece ninguém, ninguém fala com ninguém, parece que estão todos proibidos uns dos outros.
Nos restaurantes, o mesmo desconsolo. A família senta-se à mesa e ninguém pia. Vai-se ao bolso, rapa-se do telemóvel (permitam-me que continue com a generalização, para mim aqueles aparelhos que não distingo são todos telemóveis) e ignora-se com assinalável obstinação o irmão do lado direito, o padrinho do lado esquerdo, o pai e a mãe em frente, a avó na cabeceira para pagar a conta, ainda por cima. E não são só os miúdos. Também os graúdos, nomeadamente graúdas, cinquentonas, casadas assim assim ou tias praticamente por estrear, esfregando, esfregando o ecrã da lamparina mágica, vai ser desta que vão ser felizes...
É. As pessoas julgam que falam umas com as outras, mas não falam. Aquela ideia romântica de conversa morreu e foi enterrada. As pessoas hoje em dia são perfis, esgotam-se na "conversa" com os "amigos" do Facebook que não conhecem de lado nenhum, talvez valha uma pinadela. As pessoas esbanjam todas as suas doutas opiniões, todos os seus espertíssimos achismos, na Antena Aberta da rádio Antena 1 e no Fórum Sport TV. (Desculpem-me o parêntese: para mim nem é dia nem é nada se não ouço o que têm a dizer o senhor José Fonseca, 45 anos, informático, da Amadora, sobre a problemática do 4-1-3-2 de Jorge Jesus, ou o senhor Afonso Palheta, 53 anos, aposentado, do Marco de Canaveses, a propósito da política de reflorestação do País.). Depois, as pessoas chegam ao café, chegam à mesa do restaurante, ou chegam a casa, sítios da conversa antiga, cara a cara com outras pessoas de carne e osso, e ficam caladas e sós. Sós umas das outras. São criaturas sem assunto, estão vazias: já disseram tudo e não era nada.
(Atenção! As cascas de tremoços eram roubadas da mesa do lado e são, é preciso que se note, o melhor que há logo a seguir aos tremoços propriamente ditos, sobretudo em caso (e era o caso) de cotão nos bolsos. Melhor, só mesmo lamber e raspar com os dentes o papel do pão-de-ló, que era a segunda coisa melhor logo a seguir ao pão-de-ló propriamente dito, que eu via ao longe uma ou duas vezes ao ano...)
P.S. - Texto publicado originalmente no dia 17 de Agosto de 2016. A chamada Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE) foi criada no dia 22 de Outubro de 1945.
quinta-feira, 21 de outubro de 2021
Low cost e sem bicho
Parei. Perguntei:
- Esta fruta é mesmo low cost?
- Low costíssima, meu caro senhor. Se encontrar fruta mais low cost, devolvemos-lhe o dinheiro. É o lema da casa...
- Qual casa?
- A carrinha, o toldo...
- E a como é o quilo?
- Da carrinha ou do toldo?
- Da fruta low cost...
- Cinco euros a caixa.
- Com fruta?
- Com fruta.
- Com bicho?
- Sem bicho.
- Francamente, não acho lá muito low cost...
- Olhe que mais low cost do que isto não há...
- Por acaso, ali atrás, coisa de quinhentos metros, era mais low cost...
- Mas com bicho...
- Sem bicho.
- Dou isso de low cost, quer-se dizer, mas é preciso ver a qualidade do produto. Como diz o nosso povo: às vezes o low cost sai high cost...
- Que interessante conversa! Agora que já nos entendemos, diga-me lá sinceramente: cinco euros a caixa, com fruta, sem bicho, é mesmo o mais low cost que me pode fazer?
- É preço de tabela, indexado à cotação do Brent, meu caro senhor. Amigos amigos, negócios à parte: se eu lhe levasse mais low cost, entraria em deficit, certamente em default, e estaria outra vez com a troika à perna, isto é, à leg...
- Nesse caso, arrivederci!
- Não venhas tarde...
P.S. - Publicado originalmente no dia 26 de Fevereiro de 2017. Hoje, 21 de Outubro, é Dia Internacional da Maçã.
quarta-feira, 20 de outubro de 2021
Como se...
terça-feira, 19 de outubro de 2021
Hoje quero a minha gemada
Fafe era um terra de antonomásias, estoufarto de dizer. No nosso imenso pequeno mundo, tínhamos o Largo, a Avenida, o Monumento, a Recta, o Campo, o Depósito, o Banco, os Serviços, a Bomba, o Jardim, a Quelha, o Santo e o Café, que era o Peludo e que na verdade se chamava Cine-Bar, eventualmente dada a sua proximidade e até uma certa ligação ao Teatro-Cinema e à família Summavielle. Mas cafés, tascos e afins havia muitos. Uma mão-cheia de cafés, e tascos até dar com um pau, para ser mais preciso. Pastelarias, salões de chá ou snack-bares é que nada, até aparecer o Dom Fafe, mesmo no centro da vila, coisa fina e para clientela sem gases. O Dom Fafe, respeitando a tradição, passou a ser "o" Snack-Bar.
Eu era calisto. Calisto televisivo. A preto e branco e com muitos pedimos desculpa por esta interrupção. Para me fazer pagar a moina, o Sr. Avelino do Café, que era o Hoss do "Bonanza" em pessoa menos o chapéu alto, entregava-me umas moedas e mandava-me à cozinha do Hospital buscar uns enormes tijolos de gelo que ele depois partia e metia no barril de tirar finos (imperiais, se lido em Lisboa). No fim do recado dava-me o troco? É o davas. Oferecia-me um pastel? Fodias-te. Eu tinha para aí sete anos, o meu pai ainda não tinha trazido pastéis para casa e o Sr. Avelino punha-me à frente a merda de um cimbalino. Sete anos, e ele dava-me um café (bica, se lido em Lisboa). Se ainda ao menos fosse um cigarro!...
Não sou de doces. E, dos pastéis que o meu pai trazia para casa, o que eu gostava mais era da festa, do riso. Daquela meia hora extra fora da cama. Da sensação de família e fartura, da felicidade antes do sono. Porque o meu doce preferido era outro: era a côdea de broa, "grande daqui até ao céu", enfiada às escondidas na lata do açúcar amarelo e comida na clandestinidade do fundo do quintal. Subia a um banco para subir à mesa da cozinha para chegar ao armário, abria a lata, passava o pão, fechava a lata e saía dali a cem à hora mas com mil cuidados para não entornar o "recheio". Côdea de broa com açúcar amarelo, isso, sim, era o meu bolo. Havia lá coisa melhor no mundo!? Por acaso até havia: era a gemada. Gemada simples e honesta: gema de ovo batida numa malga com muiiiiiito açúcar. Mas essa só podia ser duas vezes por ano, acho eu, pela passagem de classe e no meu aniversário. Com os ovos, lá em casa, todo o cuidado era pouco. Estavam contados, eram para deitar. E ao açúcar para a broa a minha mãe fechava os olhos. Fazia de conta que não sabia...
O ungido (ou Ele há gajos com sorte)
segunda-feira, 18 de outubro de 2021
Para cãezinhos incontinentes
| Foto Hernâni Von Doellinger | 
Vinte e três dias depois das eleições autárquicas, os partidos políticos e movimentos cívicos - cívicos, é preciso que se note! - começam finalmente a limpar a estrumeira que fizeram durante a campanha eleitoral. Só o PAN - e logo o PAN! - é que não mexe uma palha. Os restos do PAN continuam a rir-se um bocadinho de nós, de braços cruzados, nos mesmos sítios onde foram estrategicamente arriados. Mas só pode ser de propósito. Um destes dias vão fazer-lhes talvez uma portinha e fica ali um WC bem catita e recatado para cãezinhos incontinentes. É. O PAN não dá ponto sem nó.
domingo, 17 de outubro de 2021
A caridade tem dias
Antigamente a caridade tinha dia certo, e era um descanso. Às sextas-feiras, vamos supor, os pobres manquelitavam de porta em porta pedindo "uma esmolinha por alma de quem lá tem". Os pobres da parte de fora da porta eram uns desgraçados muito rotos e muito sujos e eram assim para se distinguirem dos pobres da parte de dentro da porta, que já tinham em cima da "cristaleira" umas moedinhas negras separadas e preparadas para a função. Éramos todos pobres, dum e doutro lado da porta, uns mais, outros menos, e, à falta de quem governasse por nós, em Lisboa ou na Câmara Municipal, nada mais nos restava senão sermos uns para os outros. Às sextas-feiras, vamos supor. O resto da semana, não.
(A "cristaleira" tinha sido comprada em terceira mão e paga em honradas prestações.)
Naquele tempo os ricos tinham os seus próprios pobres, privativos, pessoais porém transmissíveis. Os pobres eram deixados em herança. Ter pobres por conta era, pelo menos em Fafe, inequívoco sinal exterior de riqueza. Os pobres eram exibidos, bastas vezes à porta da igreja, como gado preso à argola do tasco em dia de moscas e feira semanal. Para o senso comum, quantos mais pobres alguém tivesse mais rico era. Os pobres eram, portanto, uma necessidade da Nação para que os ricos prosperassem. Quantos mais pobres Portugal tivesse e quanto mais pobres fossem os pobres portugueses mais ricos seriam os nossos ricos e isso certamente era bom para o Produto Interno Bruto.
Isto é: a pobreza convinha-nos, aos pobres. A pobreza era o progresso da Nação. O regime ensinava-nos desde os bancos da escola que felicidade era sermos pobres mas honrados e termos as unhas das mãos sempre limpas. E isso deixava-me cheio de pena dos ricos, infelizes, principalmente dos ricos muito ricos que ainda por cima tinham as mãos sujas.
(Os ricos, pelo menos os de Fafe, não davam a roupa nem o calçado que já não lhes serviam. Vendiam a roupa e o calçado, a pronto, aos pobres da parte de dentro da porta. Os pobres da parte de dentro da porta, passados alguns meses de uso, davam aos pobres da parte de fora da porta a roupa e o calçado que tinham comprado a pronto aos ricos. Às sextas-feiras, vamos supor. O resto da semana, não.)
Graças a Deus, isto era só antigamente.
P.S. - Hoje, 17 de Outubro, é Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza e Dia Internacional dos Sem-Abrigo. Um Dia em cheio para as almas caridosas.
sábado, 16 de outubro de 2021
A pé, ó vítimas da fome!
Pãozinho do Senhor, ensinava a Bó de Basto
Desconheço que influências culturais trocaram entre si Portugal e o Império Otomano, e se essas influências foram tão longe que chegaram à bucólica freguesia de Passos, Cabeceiras de Basto, propriamente à casa da minha querida avó materna. Sei é que foi neste fim de mundo que eu também aprendi a reverência pelo pão.
Na Casa do Carreiro comia-se na cozinha, à volta da lareira. Os adultos sentavam-se em compridos preguiceiros, apetrechados com uma conveniente tábua-mesa de levantar e baixar, e os moços ajeitávamo-nos em pequenos bancos de três pernas, os mochos, obra de carpintaria simples e doméstica. Os cães também tomavam posição, anorécticos involuntários, à espera dos ossos que não havia. Levavam troços de couves, cascas de batatas, espinhas de bacalhau de quarto e era um pau.
O chão da cozinha era mesmo chão, rupestre, uma terra negra do fumo e da fuligem, dos anos e vidas de uso e das águas entornadas que lhe davam uma consistência de betão. Sim, as águas dos potes ferventes ou da banca de lavar louça (atenção!, uma banca de madeira), quando já desnecessárias, eram ali mesmo esparramadas, voltando a reunir-se, acho que me estou a lembrar bem, numa espécie de rego que as levava finalmente até lá fora, até ao carreiro que dava o nome à casa. Como bilhar viciado, o chão da cozinha descaía para o lado do carreiro, e tudo ajudava à limpeza. Depois era só esperar que secasse um pouco e varrer com uma vassoura de giestas apanhadas no monte. (E já lá iremos, ao monte.)
Era neste chão que eu às vezes deixava cair o meu megalítico naco de pão, quase sempre um bom pedaço de côdea, que era do que eu mais gostava. A minha avó, mansamente, para que o meu avô não se zangasse comigo, dizia apenas:
- Apanha o pão. É pãozinho do Senhor. Dá-lhe um beijinho e já o podes comer...
E eu beijava o pão e comia-o, com todo o respeito, como se estivesse na igreja a comungar.
(O meu avô nunca se zangou comigo. Ele, que tinha um zangar tão fácil com toda a gente...)
Na nossa casa, em Fafe, a minha mãe insistia nestes ensinamentos. Dizia-nos, a mim e aos meus irmãos, que o chão não suja, que o beijo purifica, que não se pode estragar pão, é pecado, porque há muita gente com fome, pessoas mais pobres do que nós. E se o pão ficava intragável e tinha mesmo de ir para a estrumeira, só depois de um beijinho de adeus, porque, exactamente, era pãozinho do Senhor.
Em minha casa também não se estraga pão, não se estraga nada. E, se se estraga, estragado fico eu.
Não sei de onde veio esta ideia antiga, se estará mesmo ligada à fé, à religiosidade popular, ao pão que é o corpo de Cristo. Acredito mais que era sobretudo a pobreza a defender-se, consciente da importância do pão na mesa, o pão que, ontem como hoje, era a única fartura, a última fronteira para a fome. O respeito pelo pão era o respeito pela fome. E ninguém respeita tanto a fome como os pobres.
Agora vou contar o seguinte: fui muitas vezes à merda. E gostava. A Bó mandava-me com uma telha à procura de poios de bosta fresca, que depois servia para calafetar o forno onde se cozia a broa. Eu passava sempre uma temporada das férias grandes na aldeia e ir à merda era o meu modesto contributo para que tivéssemos pão à mesa. Isso e às vezes ir à fonte buscar água, coisa de menina, só para se rirem de mim.
(Para a aldeia ia-se na carreira da "Empresa", que saía de uma grande garagem à beira da Igreja Matriz, mesmo em frente à Rua do Assento. Nessa enorme garagem também se construíram carros para a Marcha Luminosa das Festas da Vila, "um espectáculo de luz, cor e som", mas isso é assunto que não vem ao caso. Era desengonçada e cinzenta a carreira. Cheirava mal, espevitava enjoos. Ia-se com o nariz enfiado em meio biju para não gomitar e mesmo assim gomitava-se - falo por mim. Ia-se na carreira até Várzea Cova, e ali acabava a estrada, acreditem no que eu digo: o mundo acabava mesmo em Fafe. Dali já só faltavam mais cerca de cinco quilómetros a pé, em monte de sobe e desce, fizesse sol ou diluviasse, certa vez até passando a vau o ribeiro que a força de um inverno estoura-vergas desencaminhara e transformara em rio violador de margens. Chegávamos então à aldeia, como nunca na vida lhe chamámos. Era Basto. Freguesia de Passos, concelho de Cabeceiras de Basto, mas simplesmente Basto, para nós.)
A minha avó Emília, que era pequerricha e bondosa com um anjo, e era um anjo, fazia uma broa escura, muito saborosa, que se mantinha fresca durante dias e dias. Naquele tempo, o pão era o principal alimento dos portugueses. O pão e o vinho, como fazia questão de frisar, de forma propositadamente ambígua, a propaganda salazarista. Por ordem expressa de Salazar, beber vinho, naquela altura, era "dar de comer a um milhão de portugueses", e o patriótico e honrado povo de Passos podia não saber o que era bife nem tinha electricidade nem água, mas sempre deu o litro para que o resto do País não passasse fome. E o resto do país já então era Lisboa.
Beber era um honesto modo de vida. Podia faltar tudo na casa da Bó de Basto, e às vezes faltava muito, mas havia sempre broa com fartura e umas imensas malgas de "amaricano" às quais eu gostava de mandar umas pescoçadas até dizer ahhhhhh!...
Em Basto, as visitas eram recebidas com malgas de vinho e aparas de bacalhau salgado e falava-se como se fôssemos galegos, e a querida Tia Margarida felizmente ainda fala. O almoço era o "jentar", e o jantar era a ceia. E bebiam-se a acompanhar umas valentes pingoletas. Também se bebia durante a merenda, que era aquela meia dúzia de horas de sol que vai desde o "jentar" até à ceia. Bebia-se, portanto, apenas às refeições - quer-se dizer, o dia inteiro. E já agora: o almoço, assim dito, era o café da manhã. E a manhã era madrugada, com música de galos tenores e carros de bois deslubrificados. O café era cevada, feita ao borralho, numa velha chocolateira de barro e tampa tamborileira e dançarina. Que saudades tenho dessa vida e dessa idade, dessas ideias que graças a Deus me ficaram, ainda no outro dia o "dixe" outra vez ao meu tio Al Pacino, o meu querido tio "Jé".
Enciclopedista fortuita e inocente, involuntária, alma fora da geografia e do tempo, a querida Bó de Basto alimentava-nos também o espírito. Lendas, contava-as que era uma categoria. Eram lendas mansas, de embalar, metiam mouras encantadas, príncipes, penedos. Penedos de morar, lembro-me bem e eu queria um. Eram contadas à lareira, depois da ceia, com o vermelho do fogo a bailar-nos nas caras espectrais, eu de olhos arregalados e boca aberta, uma e outra vez, como se fosse sempre a primeira. Os efeitos especiais das histórias da avó - esperta, santa sem diploma, anjo sem asas à vista - foram muitos anos mais tarde copiados pelo cinema americano. Até aquele famoso jogo de sombras manipulado pela irrequieta chama da candeia, coisa extraordinária e assustadora - era das histórias da minha avó. E o vinhinho aquecido ao borralho com uma maçã assada lá dentro também, mas isso parece que os filmes não aproveitaram.
Na manhã seguinte, pela fresca, íamos à lenha ao monte. Eu e e minha avó, maravilhosa guardadora de lendas e tudo. E a Bó mostrava-me o penedo, o exacto penedo da moura encantada, a frincha de entrada, não havia dúvidas. Ainda por cima, até as lendas da minha avó eram verdade. Como poderia mentir-se acerca do pão?...
P.S. - Hoje, 16 de Outubro, é Dia Mundial do Pão, Dia Mundial da Alimentação e, já agora, Dia Mundial da Coluna, que não vem ao caso. Resolvi que seja também Dia Mundial da Minha Bó de Basto.
sexta-feira, 15 de outubro de 2021
Agustina, a jornalista
Agustina Bessa-Luís 
ocupou o cargo de directora de O Primeiro de Janeiro entre 1986 e 1987. 
Digo bem: ocupou o cargo. Fazendo o favor a Diogo Freitas do Amaral, a 
quem o jornal da portuense Rua de Santa Catarina tinha sido dado pela 
família Pinto de Azevedo. Agustina entrou e mandou logo mudar de sítio a
 secretária do gabinete da direcção, para poder apanhar solzinho nas 
perninhas. É a grande marca do seu consulado. De resto, era bonito de se
 ver aquela mulherzinha de carrapito e xaile ou lenço pelas costas, 
sentada quase invisível, debruçada sobre o mesão, com os pés a meio 
caminho do soalho, manuscrevendo laboriosamente numa letrinha 
encarreirada que era preciso saber.
Agustina escrevia para o jornal uns "editoriais" extraordinários, que 
eram tudo menos editoriais. Eram pérolas literárias, histórias, contos, 
ensaios, que viam a luz do dia no cantinho superior esquerdo, ou talvez 
direito, da primeira página.
A directora não sabia nada do jornal e o jornal também não queria saber 
dela. Um dia o chefe de redacção entrou-lhe no gabinete perguntando-lhe o
 que fazer com uma notícia eventualmente mais melindrosa e que agitava 
na mão. É, antigamente as notícias viajavam em folhas de papel. "Eu não 
sei nada disso", enxotou a directora, "vá falar com o chefe de 
redacção". E o chefe de redacção disse "Com certeza, senhora directora",
 e foi falar consigo mesmo, modalidade, aliás, em que era e ainda é 
campeão.
Agustina deixou O Primeiro de Janeiro depois dos pascácios da 
administração lhe terem feito a sacanagem de publicar, sem lhe dar 
cavaco, uma edição apócrifa do jornal, a pedido das bolachas Triunfo. A 
escritora exigiu a demissão dos administradores, que se mantiveram nos 
seus lugares, agarrados ao tacho como lapas. Saiu ela.
Sei disto tudo e outro tanto porque conheço muito bem o tipo que revia 
os "editoriais" de Agustina no velho Janeiro e que, vítima do efeito 
dominó provocado pela renúncia da directora, acabaria por ter de tomar 
conta da redacção. Conheço-o tão bem que é como se me visse ao espelho. 
P.S. - Agustina Bessa-Luís faria hoje 99 anos.
quinta-feira, 14 de outubro de 2021
Penteando macacos
Profissão de risco
Um bocado palerma
Os óculos são como as luvas, as calças, as meias, as botas, os patins, as jarras, os estalos, os cornos e outras coisas boas da vida - vêm aos pares. Ocorreu-me este acutilante pensamento porque precisei de mudar de óculos. E então: "Estes óculos fazem-me um bocado palerma", disse eu à menina da loja, mirando-me no espelho. "Não diga um coisa dessas, por acaso até lhe ficam muito bem", disse-me a menina da loja. "Exactamente, é isso que eu quero dizer: estes óculos favorecem-me. Normalmente sou palerma completo", esclareci.
Para cima de sargento
Grande olho!
"Aqui não há qual-quer-ti-po-de-dú-vi-da", garantiu de imediato o locutor da 
televisão. Sou desconfiado quanto às certezas. Portanto resolvi accionar a minha 
lista de verificação de tipos de dúvidas, ou, como dizemos nós, os 
especialistas em língua portuguesa e apugilistas do acordo ortográfico, a
 ultimate checklist.
E então:
- Dúvida metódica? - Não.
- Dúvida caótica? - Não. 
- Dúvida cartesiana? - Não.
- Dúvida sebastiânica? - Não. 
- Dúvida hiperbólica? - Não.
- Dúvida hiperbárica? - Não. 
- Dúvida sensível? - Não.
- Dúvida cruel? - Não. 
- Dúvida do sonho? - Não.
- Dúvida do pesadelo? - Não. 
- Dúvida metafísica? - Não.
- Dúvida metaquímica? - Não. 
- Dúvida razoável? - Não.
- Dúvida insensata? - Não.  
- Sombra de dúvida? - Não.
- Sol de dúvida? - Não.
- Sol na eira e chuva no nabal... da dúvida? - Não. 
- Na dúvida pró réu? - Não.
- E pluribus unum? - Não.
- In vino veritas? - Não.
- Branco ou tinto? - Não.  
Pronto. Tinha razão o locutor da televisão. Grande olho! Excelente visão! Não havia ali realmente 
"qual-quer-ti-po-de-dú-vi-da", dúvida de feitio nenhum: após as 
repetições, era fora-de-jogo como uma casa...
Óculos à carga
Vendo pontos de vista para o mar
Ilusão de óptica
O bom racista
quarta-feira, 13 de outubro de 2021
Época de incêndios, como manda a lei
terça-feira, 12 de outubro de 2021
Ninguém diga que está bem
O médico tinha aquele tique de conversa. "Ninguém diga que está bem!...", atirava, a torto e a direito. Resultado: o hospital rebentava pelas costuras.
A inconveniência diplomática do chulé
Era um encontro previsto para ser diplomático e discutido em três sets:
 quando Mister Cheddar, pela Inglaterra, e Monsieur Camembert, pela  
França, reuniram em Sherwood, sob os auspícios do Robin dos Bosques e a 
 bênção de Frei Tuck, tendo sobre a mesa, já naquele tempo, a delicada  
questão das quotas leiteiras. Estava tudo a correr bem, entre uísques e 
 champanhes bem bebidos, mas era um cheiro a chulé que não se podia. Foi
  então que o inglês, já com um grãozinho na asa e uma mola de roupa no 
 nariz, não aguentou mais e questionou o francês, com a ajuda do Carlos 
 Fino, que fazia as traduções: - Porque é que o caro amigo (old chap, no original) não vai mas é lavar os pés no Sena?
 E foi assim que começou a Guerra dos Cem Anos. Até hoje.
A Guerra dos Cem Anos chama-se Guerra dos Cem Anos porque durou cento e dezasseis anos, mas chamar Guerra dos Cento e Dezasseis Anos à Guerra dos Cem Anos não dava jeito nenhum aos historiadores e contabilistas bancários, e assim começaram os arredondamentos.
É fartar, vilanagem!
P.S. - O escritor britânico Roger Lancelyn Gren, autor de "Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda" e "Robin dos Bosques", morreu em Outubro de 1987, aos 68 anos.
O entendido
segunda-feira, 11 de outubro de 2021
Faltou àjaulas...
Tanta pomba assassinada
- Ei!, tantas pombinhas, tantas pombinhas! Eeeiii! Ó pombinhas, ó pombinhas!...
A menina, pouco convencida porém obediente, correspondeu com um económico e timorato
- Ei.
Tinha razão a pequena. Já suficientemente grande para saber a verdade das coisas: eram gaivotas.
domingo, 10 de outubro de 2021
O complexo
Contos americanos
- Tocava o quê?
- Cadeira eléctrica.
A minha mãe ouviu um too
É este falar antigo, escorreito, musical, tão galego nosso, que me apaixona tanto, e suspeito e lamento que sejam já poucos os que o guardam em Fafe. Atenção: a minha mãe falou bem. A minha mãe fala sempre bem. Toar é sinónimo de trovejar e portanto um trovão é um too. Lê-se e diz-se tôo e não tu, à estrangeira. A minha mãe ouviu um too e deram-me umas saudades desgraçadas. Porque é tão bom ouvir...
sábado, 9 de outubro de 2021
Que nós bem, graças a Deus
Adeus, até ao meu regresso
O aerograma foi um enorme sucesso durante a Guerra Colonial. Era o meio de comunicação preferido entre as famílias cá na então chamada metrópole e os militares enviados lá para o então chamado Ultramar, para o campo de batalha do regime. O aerograma matava saudades entre Portugal e África. Mas também inventava amores, alimentava namoros, alcovitava casamentos. Contava histórias.
Em Fafe, os aerogramas eram vendidos no palacete do Grémio da Lavoura. Entrava-se pela porta das traseiras, e está certo, porque a guerra era uma vergonha. Eu ia comprar aerogramas para a Mila Tripa, que se tornara madrinha de guerra do soldado Valentim que eu não conhecia. Nem ela. A Mila trabalhava na Fábrica Alvorada e era como se morasse connosco, era da família a bem dizer, uma espécie de tia e irmã mais velha, mulher extraordinária que o tempo me obrigou a admirar e respeitar cada vez mais.
Os aerogramas eram oficialmente grátis e já não me lembro quanto é que custavam. Que se segue? Aerograma para lá, aerograma para cá, fotografia para cá, fotografia para lá, e poupando nos pormenores, a Mila e o Valentim passaram naturalmente a namorados e noivaram por correspondência. O soldado Valentim deixou as pernas na guerra, mas voltou homem inteiro e bom. Ele e a Mila casaram. E foi um final feliz.
Noutros casos, não. Às vezes os aerogramas não vinham. Chegava um telegrama e a seguir um caixão. Vi disso em Fafe naqueles anos cinzentos. Apesar da meninice, vivi-o e senti-o profundamente. Vezes demais. Trinta e sete militares fafenses morreram na Guerra do Ultramar. O funeral do Zeca Lopes - que era dos nossos, da nossa rua - marcou-me para toda a vida. Creio que há coisa de trinta anos escrevi para a rádio nacional uma crónica a pretexto deste episódio que me persegue, mas não sei dela. E assim não me resolvo.
Entre o binómio e o perónio
A toda a parte chegam os vampiros
Metido sorrateiramente na caixa de correio da porta de casa, um prospectozinho 21x10 em couchê fatela escrito dum lado só. Pergunta, em letras garrafais, vermelhas, "Precisa de dinheiro?" e, ainda enorme mas a preto, "Tem imóvel?"... E passa a explicar, em caracteres mais recatados: "Mesmo com penhoras, dívidas fiscais ou problemas bancários, temos a solução! Contacte-nos. Resolvemos em 48 horas. Análise gratuita". Seguem-se dois números de telemóvel, e mais nada, nem um nome, uma morada, uma marca, pois, como diz o Evangelho, "Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que fez a direita, a fim de que a tua esmola fique em segredo" (Mateus 6:3-4). Ainda há gente boa, graças a Deus...
P.S. - Para ouvir, Zeca Afonso, sempre.A morte chega pela caixa de correio
Um folheto que me foi metido na caixa do correio convida-me a escolher "um Plano Funerário adequado". Adequado a quê e para quem?, se conto estar morto quando for o meu funeral e quero lá saber de mordomias póstumas. Diz que há um "Plano Magno", praticamente como o gelado, um "Plano Essencial", que não faz bem nem mal, e um "Plano Popular", como o partido do Chicão e de mais quinze. Em qualquer dos casos, são garantidos "serviço personalizado a partir de 995 euros" e uma vasta "experiência", o que também deixa muito mais descansado o defunto mais exigente.
A caixa do correio mete-me medo. Não tanto pelas contas da luz, da água ou do condomínio (embora, rústico que continuo a ser, pagar condomínio ainda me faça uma certa confusão), mas mais pelos avisos das Finanças e do Tribunal. Ainda por cima é uma galdéria, a minha caixa do correio, escarrapacha-se a todos, até aos da pior espécie: aos que perguntam pelo meu ouro e eu não os conheço de lado nenhum, aos que me pedem o meu voto e não me conhecem de lado nenhum, aos que querem comprar a minha casa que eu não quero vender, aos que me querem vender uma casa que eu não quero comprar, aos que querem querem querem que eu troque de Deus, e agora até aos que me querem vender a minha morte como se soubessem alguma coisa da minha vida que eu não sei.
Vamos lá com calma. Eu sei que ninguém fica cá para a semente e que se alguém ficar sou eu (mas não é isto que interessa). Sei que certamente já por cá andei mais tempo do que ainda vou andar. Mas, com franqueza, a vida é tão boa e dá-me tantas consumições que tenho mais que fazer do que pensar na morte, do que organizar a minha morte. Quando eu morrer (se morrer), logo se verá. Eu é que já não. Essa é a herança que deixo de bom grado a quem me sobreviver. Se alguém houver.
O explicador de baixo custo
Sob a eloquente divisa "A alegria e o prazer de aprender", o panfleto introduzido na minha caixa do correio promete apoio ao estudo "em ambiente acolhedor e familiar", para os 1.º, 2.º e 3.º ciclos. Promete também "Preços Low Cost". Vê-se logo que o douto explicador estima particularmente a língua portuguesa.
Do preço do brushing ao Império dos Sentidos
Ao contrário do que os falsos moralistas defendem, o brushing é uma coisa como outra qualquer. Faz parte. Por exemplo: muitas mulheres gostam e têm muita pena de não fazerem brushing por causa do atraso de vida dos seus maridos, que só admitem o brushing na cabeça das outras e gabam-se. São fariseus de carregar pela boca.
O panfleto oferece também "Nuances", por quinze euros e meio, "Extensões" por trinta euros e meio, e "Alisamento (tudo incluído)", por trinta e cinco euros e meio. Colocada assim a questão, não digo que não vá lá, embora precise de pedir um empréstimo ao banco. Trinta e cinco euros e meio são sete contos e quinhentos, mas, valha-me Deus, é "alisamento" e com "tudo incluído".
Oito euros e meio custa o "brushing+corte". Preços comparados, até parece barato, mas nesse é que não me apanham - vi uma vez num filme, chamava-se "O Império dos Sentidos". Dasse!...
A parábola da caixa de correio
O extraordinário é que alguém também lá meteu um exemplar da Voz da Verdade, publicação que até ontem me tinha passado completamente ao lado. E nem admira. Tanto quanto percebi, a Voz da Verdade é a voz do patriarcado de Lisboa e eu moro em Matosinhos. Matosinhos Sul, confesso, mas não creio que seja sul bastante para que já nos tivéssemos encontrado. Mais extraordinário ainda é que as notícias e o jornal têm a data de "domingo-20 de Novembro-2005".
sexta-feira, 8 de outubro de 2021
O mistério dos ovos de coelha
Ovos de galo
O ovo de Colombo
Mal comparando
quinta-feira, 7 de outubro de 2021
Sempre a dar-lhe
O Oliveira
Mais valia
Era o Mais-valia da empresa. Chamavam pelo Mais-valia e o Mais-valia vinha. E ia. E ia e vinha. E vinha e ia. E tornava a ir e tornava a vir. Chamavam-no a toda a hora e momento, por tudo e por nada, era Mais-valia para aqui, Mais-valia para ali, e ele, que acreditava no poder dos hífens, andava vaidoso e feliz. O trabalho do Mais-valia era ir e vir, vir e ir, o que lhe ocupava sobremaneira o dia. Sentia-se tão necessário! Não sabia que a alcunha lhe ficara porque toda a gente dizia que mais valia despedi-lo.
Fundo do desemprego
quarta-feira, 6 de outubro de 2021
A Igreja portuguesa e os abusos sexuais
José Ornelas, bispo de Setúbal, é o novo presidente da Conferência Episcopal Portuguesa. E na sua primeira entrevista nacional vai logo directo ao assunto: a Igreja não pactuará com abusos sexuais. Os abusos sexuais de que a Hierarquia portuguesa nunca soube, não sabe, nunca viu, nunca ouviu, não tomou conhecimento nem desconfiou, mas está contra, pelo menos de quinze em quinze dias, o que não deixa de ser curioso e suspeito. Em Fevereiro do ano passado já o cardeal de Lisboa, Manuel Clemente, encurralado pelo discurso de Natal do Papa Francisco, admitira "reforçar" o que é feito pela Igreja Católica em Portugal para prevenir os abusos sexuais e apoiar as vítimas. Isto é: nada.
Por pensamentos, palavras, actos e omissões
Deus ensinou-nos - porque foi Deus que inventou a religião, católica 
apostólica romana evidentemente, e inventou a liturgia, a cor dos 
paramentos, as mitras e o báculos, o beijo no anel e as isenções 
fiscais, as côngruas e as catequistas, e inventou as orações e a culpa 
-, Deus ensinou-nos a confessar que pecámos "muitas vezes por 
pensamentos e palavras, actos e omissões". Deus, que não dá ponto sem 
nó, deixou as omissões para o fim para que não nos esquecêssemos. Como 
se nos avisasse: - Meu filho, deixa-te de tangas, omitir, sim, é pecado,
 é pecado, e já me tens à perna!...
Quanto à pedofilia e outros abusos sexuais no seio da Igreja portuguesa,
 os nossos bispos são sobretudo omissos, quer-se dizer, pecadores. Não 
fizeram, não viram, não ouviram, não conhecem, não sabem. São omissos 
com quantos dentes têm. O último a meter o pé na argola foi o arcebispo 
de Braga, Jorge Ortiga, numa recente entrevista ao Observador. O Dr. 
Jorge Ortiga, que em tempos segui e admirei pelo seu entusiasmo e contagiante 
militância em favor da actualização e abertura da Igreja pós-Concílio 
Vaticano II (dizia-se aggiornamento, lembram-se?), subiu a bispo, ainda por cima de Braga, e parece que caducou. Também ele não sabe nada sobre
 pedofilia e outros abusos sexuais no seio da Igreja. Embora eu saiba 
que muitas pessoas sabem que o arcebispo sabe muito mais do que diz não 
saber. Omisso? Homessa!
Cardeal-patriarca fala do que não sabe
Manuel
 Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa, não sabe nada de casamento  - o 
que até se compreende, porque é solteiro. Também não sabe nada de  sexo -
 o que se pode aceitar, porque certamente nunca praticou. Ainda  assim, 
ignorante em toda a linha, debita palpite sobre os dois assuntos, 
defendendo que os católicos recasados "em situação irregular" devem ser 
aconselhados a viverem sem relações sexuais.
Manuel Clemente, 
cardeal-patriarca de Lisboa, sabe muito bem da  pedofilia na Igreja 
portuguesa. Falando do que sabe e do que realmente  lhe diz respeito, 
gostaria de o ouvir propor que os padres devem ser  aconselhados a 
deixarem as pilinhas dos meninos em paz.
Bispo pede campanha contra pedofilia na Igreja
O título 
deste texto é mentira, e o que se segue também. O bispo de Viana do 
Castelo, Anacleto Oliveira,  apelou hoje ao Presidente da República para
 "liderar a mobilização de  toda a nação" numa "causa nacional" contra a
 pedofilia na Igreja, por  considerar que o que tem sido feito "não 
chega".
"Nada há de mais poderoso e eficaz [do] que um povo 
inteiro unido pela  mesma causa, no comum modo de viver e pensar, numa 
mesma cultura", fez  notar o prelado, defendendo que "chegou a hora" de o
 País "gritar bem  alto: basta de pedofilia nos colégios católicos, nos 
seminários e nas  sacristias".
A última parte desta última parte 
também é inventada. A versão  verdadeira, que tem a ver com incêndios e é
 um bocado de rir, está no  jornal Público, que copiou da agência Lusa.
Repiro: o título deste texto é mentira. E é pena.
Os gays, ou quando a Igreja não sabe ser mãe
Diz que vai
 por aí uma certa e determinada confusão a propósito de umas  tais 
declarações da "psicóloga católica" Maria José Vilaça. A Psicologia 
Católica é uma especialidade clínica (suponho) que eu ignorava, mas não 
sou dos que negam à partida uma ciência que desconheço. Portanto...
Maria
 José Vilaça diz que disse à revista Família Cristã que ter um filho 
homossexual é como ter um  filho toxicodependente. "Eu aceito o meu 
filho, amo-o se calhar até  mais, porque sei que ele vive de uma forma 
que eu sei que não é natural e que o faz sofrer", diz que disse a 
senhora doutora. Quer-se dizer, ter  um filho homossexual ou 
toxicodepente é o mesmo que ter um filho trolha  que a mãezinha sempre 
soube que nasceu para ser presidente da república. Isto é, ter um filho 
homossexual, toxidependente ou trolha é  praticamente como ter um filho 
propriamente dito...
Também não sabia dos homossexuais 
católicos, que certamente serão completamente diferentes dos 
homossexuais  protestantes, dos homossexuais ortodoxos, dos homossexuais
 judeus, dos  homossexuais budistas, dos homossexuais islâmicos, dos 
homossexuais  agnósticos, dos homossexuais ateus, dos homossexuais 
bissextos e dos  homossexuais apenas. Mas, palavra de honra, não quero 
saber o que é que  objectivamente os diferencia...
Mas 
sei que, por exemplo, a Igreja Católica Apostólica Romana, que impõe o 
celibato aos seus funcionários de topo (de padres ao Papa) e lhes  exige
 a castidade, desculpa-lhes o pinanço com mulheres, ainda que  casadas, e
 varre para debaixo do tapete o abuso sobre rapazinhos, posto que 
inocentes. Os clérigos homossexuais que exigem os seus  direitos também 
me fazem rir, porque não sei qual foi a parte que eles  não perceberam 
quando, no acto da ordenação, perante família e  testemunhas, se 
deitaram no chão aos pés do bispo e aceitaram e juraram  desatarraxar a 
pila para todo o sempre, amém.
A ver se me explico: os padres 
católicos, enquanto a "Lei" for  lamentavelmente assim, não podem 
reclamar direito a sexualidade de marca nenhuma - nem homo, nem hetero, 
nem bi, nem pan, nem tudo ao monte e fé em Deus, nem sequer à punheta, 
escusam de vir com paninhos quentes. Não há sexo para ninguém! Os padres
 não podem ser sexuais.
O lamentável, o triste, o nojo é que a 
Igreja instrumental, especialista circense em malabarismos hipócritas, 
cirrosada em pecado e vício até  aos entrefolhos, continue a oprobrizar 
os seus filhos homossexuais que  afinal nunca juraram a Deus castidade e
 que só querem ser felizes com  quem escolheram e acreditando e vivendo 
em Jesus, tenham ou não cartão  de católico em dia. Uma Igreja assim não
 é boa mãe...  
Igreja reúne-se de emergência
"A Igreja vai 
reunir-se de emergência na segunda-feira, em Fátima", avisa o JN. Não 
sei se é verdade, mas, a ser, é preciso tomar nota: em Fátima  
evidentemente, e de emergência. E por que razão reúne a Igreja  
portuguesa, de emergência, em Fátima? Por causa da pedofilia interna?  
Não. Por causa da fome externa? Não. Por causa da pobreza geral? Não.  
Por causa do desemprego dos outros? Não. Por causa da crise de vocações 
 sacerdotais? Não. Por causa da falta de povo e de fé nas igrejas e nas 
 procissões? Não. Por causa do burquíni? Não. Por causa dos incêndios de
  Verão? Não. Por causa do terramoto em Itália? Não. Por causa dos  
atentados na Turquia? Não. Por causa da guerra na Síria? Não, não e não.
 "A Igreja vai reunir-se de emergência na segunda-feira, em Fátima, para
 decidir a resposta a enviar ao Estado, que recentemente notificou a  
maioria das 4376 paróquias a nível nacional para pagarem imposto  
municipal sobre imóveis dos seus edifícios e terrenos."
O homem que sabia uma coisa terminada em "ia"
José
 Policarpo sabia de uma coisa terminada em "ia". Pedofilia?,  
perguntaram-lhe logo. Não, de pedofilia não sei nada, respondeu. 
Compaixão?, insistiram. Vão-se lixar, isso não interessa  para nada e 
nem sequer termina em "ia", protestou o príncipe da Igreja  na reforma. 
Economia, sei é de economia, acabou por se abrir o emérito,  parece que 
um tudo nada afrontado com a maneira leviana como sindicatos e oposição 
estão a governar Portugal. Ou então seriam gases.
E as provas? E os nomes?
A Conferência Episcopal 
Portuguesa garante ter dado "passos muito  concretos na luta contra a 
pedofilia". Deu? Pois então que apresente  provas, que diga nomes, como 
exige àqueles que denunciam os abusos praticados  no interior da Igreja.
 Porque "não se deve dizer mais do que a verdade".
Os bispos e a pedofilia: mais um pequeno passo
Eurico
 Dias Nogueira, antigo arcebispo de Braga, é da minha opinião: a Igreja 
Católica portuguesa "esteve demasiado calada" sobre os casos  de 
pedofilia que aconteceram no seu seio. Em entrevista à rádio Antena 1, o
 prelado confirma ter informações de casos de abusos sexuais de  menores
 dentro da instituição, que critica por ter tentado "abafar" as  
situações, sem "resolver" o problema. "Fazia-se isso secretamente", diz.
E
 querem saber como é que a Hierarquia "abafava" os casos? Por exemplo,  
mudando os padres pedófilos de paróquia em paróquia e de escola em  
escola, assim multiplicando o número de vítimas.
Os nossos bispos, a pedofilia e a hipocrisia deles
José 
Policarpo, cardeal-patriarca de Lisboa, garantia em Dezembro do ano 
passado, meia dúzia de dias antes do Natal, que não  conhecia casos de 
pedofilia  na Igreja portuguesa. Mas também dizia que o melhor era não 
"deitar  foguetes antes da festa, porque um caso pode sempre aparecer". 
Pois pode e é preciso ter cuidado. Não faltam por aí manetas, por eles, 
os  foguetes, lhes terem rebentado nas mãos - avisei eu.
Ontem, 
José Policarpo anunciou que os bispos portugueses querem que as vítimas 
de abusos sexuais por  parte de membros do clero participem os casos "às
 autoridades civis  competentes".
Não sei se o cardeal arrepiou 
caminho apenas para salvar as mãozinhas ou se teve um rebate de 
consciência. Mas este desafio dos bispos, tal como foi lançado cá para 
fora, enrodilhado em alegadas questões legais (e  não morais, valha-nos 
Deus), é uma indecência e de uma hipocrisia e  crueldade para com as 
vítimas que envergonham o Jesus Cristo que as  excelências 
reverendíssimas deviam pregar e viver.
Quem é esta gente que fala 
em nome da minha Igreja e já não sabe o que é o amor ao próximo e a 
caridade cristã? O que é que acontece a esta  gente quando se veste de 
vermelho, para tão escandalosamente desdenhar  dos mais fracos e 
indefesos, dos estropiados?
E, no entanto, José 
Policarpo e os seus bispos (não sei quem os  empurrou) deram um passo em
 direcção à verdade: há pedófilos e vítimas  de pedofilia na Igreja 
portuguesa. A Hierarquia anda muito devagar e por isso eu só lhe peço 
que tente, para já, mais um passo. Um pequeno passo até ao enorme tapete
 para baixo do qual tem varrido, pelo menos ao  longo dos últimos 
quarenta anos, os diversos casos de abusos sexuais  sobre menores que 
conhece e a que fecha os olhos. E que tenha a  dignidade mínima de 
expor, expurgar e fazer castigar os violadores e não as vítimas.
O cardeal e os foguetes
O cardeal-patriarca de Lisboa garantiu ontem, em entrevista à rádio TSF e
 ao jornal Diário de Notícias, que não conhece casos de pedofilia na 
Igreja portuguesa. Mas, à cautela, acrescentou que "não podemos  estar a
 deitar foguetes antes da festa, porque um caso pode sempre  aparecer". 
Faz muito bem o senhor D. José Policarpo. Foguetes, não!  Ainda lhe 
rebentam nas mãos. 
P.S. - Textos publicados originalmente entre Dezembro de 2011 e 21 de Junho de 2020, do mais recente para o mais antigo. Um relatório independente ontem divulgado estima que, em França, mais de dois mil padres e outros membros do clero abusaram sexualmente de mais de 200 mil menores entre 1950 e 2020. Incluindo leigos que trabalham em instituições da Igreja Católica, o número ascende a mais de três mil abusadores e mais de 300 mil vítimas. E em Portugal?