Hoje é Dia Mundial de Combate ao Fumo. E, ande lá, deixe-se de adiamentos, aproveite a sinergia da efeméride e, de uma vez por todas, seja homem, decida-se: compre um extractor em condições, potente, tipo industrial, ou, pelo menos, mude o exaustor da cozinha, que já não funciona desde 2009...
sexta-feira, 31 de maio de 2024
O problema dos meios-irmãos
Por mais contas que se façam, dois meios-irmãos não dão um irmão inteiro. E isso é um problema.
P.S. - Hoje é Dia dos Irmãos.
quinta-feira, 30 de maio de 2024
O cibo era a medida da vida
Pedia-se, oferecia-se, dava-se, partilhava-se, comia-se um cibo de pão, um cibo de carne, bebia-se uma pinga de vinho. Galegos do sul que somos, adoçávamos a penúria, enchíamo-la de mimos, dizíamos cibito, cibinho, cibico, com mil carinhos, como quem faz festas aos seus e diz pequenito, pequenino, pequeninho, pequerricho, de coração cheio e mãos abertas, talvez enganando mansamente a fome, como se afinal lhe quiséssemos bem.
(Publicado originalmente no meu blogue Fafismos)
quarta-feira, 29 de maio de 2024
Lamparinas bem dadas
Maxismo para principiantes
P.S. - O ilustre funchalense Maximiano de Sousa, mais conhecido como Max, artista sem comparança e certamente o primeiro one-man show das variedades nacionais, morreu no dia 29 de Maio de 1980.
terça-feira, 28 de maio de 2024
Outros mares
segunda-feira, 27 de maio de 2024
Do garibaldismo
domingo, 26 de maio de 2024
Às vezes o Sérgio Conceição
Foto Hernâni Von Doellinger |
Sérgio Conceição, a quem, desde já, agradeço a Taça de Portugal de mais daqui a um bocado, continua a falar demais e a ser indelicado com André Villas-Boas, que faz de conta que é surdo e parvo e tem-no trazido nas palminhas. Esta bronquice do treinador, esta em particular, é extraordinariamente desnecessária. Parece que o Sérgio, que quer sair do FC Porto e não é de agora, tem medo que o André não o deixe ir embora, que pretenda ficar com ele a todo o custo, e então desata a ser inconveniente com o novo presidente do FC Porto e a repetir juramentos de eterna e inconsequente vassalagem a Jorge Nuno Pinto da Costa, a ver se o "libertam".
Tolice. O desconfiado Sérgio Conceição, que atira a tudo o que mexe, mexa-se ou não, não precisa de inventar casos para sair, pode ir à sua vida em paz, sem crises, com sentimento de missão cumprida e de alma limpa, como decerto deseja. André Villas-Boas não o quer, já tem treinador, outro, e se ainda não o disse publicamente foi só para proteger o FC Porto neste atribulado final de época.
sábado, 25 de maio de 2024
Até a chorar era bonito...
"Umas senhoras da Granja que trabalhavam no Posto Médico e passavam pelo nosso Santo Velho diziam que eu "até a chorar era bonito" - contava-me a minha mãe, cheia de vaidade, fazendo-me festinhas nos caracóis, e eu gostava. E eu gosto, mãe. Quando a minha mãe se zangava comigo - e eu enchia-a de razões para isso -, dizia-me que eu tinha sido deixado lá em casa pelos ciganos..."
Aquele bocadinho escrevi-o num texto publicado originalmente no meu blogue Tarrenego!, no dia 25 de Julho de 2014, e repetido aqui, no Fafismos, quase dez anos depois. Aquilo da minha meninice passou-se há quase sessenta anos.
E quereis saber a melhor? O Adelino Teixeira, que faz questão de apresentar-se como "sobrinho do Toninho da Luísa", e só lhe fica bem, voltou a contactar-me um destes dias e, entre outras amabilidades, fez o favor de revelar-me o seguinte:"Suponho que quem dizia que, quando eras pequeno, mesmo a chorar eras bonito, devia ser a minha tia Irene da Costa Novais, que mora no Bairro da Granja e hoje com 102 anos, pois passava pela vossa casa e ia para o Posto Médico, onde trabalhou toda a sua vida."
E é que era mesmo, acabei de confirmá-lo com a minha mãe. Era realmente a Senhora Dona Irene quem me mimava e gabava como menino chorão, aliás em curioso contraciclo com o seu feitio por regra mandão e absolutamente intolerante em relação a miúdos ou até graúdos mais exuberantes ou desalinhados, por assim dizer, que dessa parte também me lembro.
Fiquei tão contente por saber da senhora! Daqui lhe mando um beijinho, Senhora Dona Irene, e muito obrigado por fazer parte das minhas memórias.
E a fotografia, é isso que perguntais? Bom, a fotografia não tem nada a ver com o assunto em questão, mas também me foi mandada pelo Adelino Teixeira e é, mais uma vez, um documento interessantíssimo. Trata-se de uma das últimas linhas, se não mesmo a derradeira, do Futebol Clube de Fafe, nas vésperas da fusão com o Sporting Clube de Fafe e da consequente fundação da Associação Desportiva de Fafe, em 1958.
Devo dizer, não sem uma ponta de orgulho, que identifiquei meia dúzia de nomes logo à primeira, uma vez que tive o privilégio de conhecer este povo todo, se bem que mais tarde, todos mais velhos e à paisana. Para mim, eram senhores. E eis os heróis. Atrás, de pé, da esquerda para a direita de que vê: António Von Doellinger, Toninho da Luísa, Mário Túbal, Miguel, Estafete e Agostinho. À frente, de joelhos, no mesmo sentido: Lemos, Mário Freitas, Mário Costa, Hernâni e Albano.
Os jardins, lembram-se?
Foto Hernâni Von Doellinger |
Os jardins era uma coisa que existia antigamente. Como os castelos, as pinturas rupestres, as pirâmides e assim. Era uma coisa muito antiga, do tempo dos romanos, basta ver que Deus, quando criou o mundo, o mundo era um jardim, mais ou menos como a Madeira, mas chamava-se Éden, como o velho cinema de Lisboa, ou Jardim do Éden ou Jardim das Delícias ou Paraíso Terreal ou simplesmente Paraíso, como o novo cinema de Palazzo Adriano. O plural de Éden é édenes, convém não esquecer.
E corria tudo bem no Paraíso. Quer-se dizer: corria tudo na paz do Senhor. Poder-se-ia até afirmar, creio que sem forçar demasiado a nota, que o Paraíso era, naquele tempo, um autêntico paraíso. Estava escrito, porém, que Adão e Eva tinham de asnear. Podiam ter cometido um pecado qualquer, um pecadinho de nada, um pecado repetido, copiado, um que estivesse na moda. Mas não! - quiseram ser originais. E foram. Adão e Eva cometeram o pecado original e deu na merda que deu. Até hoje.
Eu sou desse tempo. Do tempo em que ainda havia jardins. Não se sabe bem se foi por causa dos traques dos dinossauros ou derivado ao impacto de um asteróide gigante, eventualmente do tamanho de uma cidade, a verdade é que coisas antigas como os castelos, as pinturas rupestres, as pirâmides, os jardins e assim foram regra geral varridas da face da Terra, restando hoje em dia apenas algumas amostras por assim dizer raras e razoavelmente arqueológicas.
Para que a Humanidade tenha pelo menos uma vaga ideia de como era o mundo em Portugal antes do apocalipse é que Portugal descobriu Vila Nova de Foz Côa, por exemplo. Para além das oportuníssimas gravuras rupestres, Vila Nova de Foz Côa tem também o Parque de Santo António, "parque moderno de grandes dimensões, aprazível e verdejante, com uma ampla fonte de repuxo e um parque infantil. Com um ambiente calmo e relaxante, é ideal para um passeio!", leio no folheto da internet, mas não lhe chamam jardim, eles lá sabem porquê.
Os jardins antigos, os jardins entretanto desaparecidos, foram substituídos por urbanismo, é assim que se chama a nova coisa. E como é que isso se fez? Como é que isso se faz?
Assim. Pegue-se num bom pedaço de terreno relvado, com árvores e com sombras, e arrase-se tudo. O terreno, a relva, as árvores e as sombras. Encha-se o espaço de alcatrão, cimento, placas de granito e mármore, pedregulhos aparelhados fazendo de conta de bancos e estacas de alumínio a imitarem árvores ou, quem sabe, a imitarem esculturas muito inteligentes, de preferência com esguichos mas sem água derivado à seca e à poupança. Isto é urbanismo! Pegue-se no jardim da cidade, arranquem-se as flores e os arbustos, envenene-se o verde, construam-se desertos em forma de praça e mandem-se as pessoas para casa. Isto é urbanismo! Pegue-se num monte, sítio de memórias, de brincadeiras da infância, santuário de locais secretos e míticos, reserva de saúde e natureza, e corte-se-lhe a crista, cape-se, desarborize-se, desfaune-se, terraplene-se, enxote-se a bicharada, cale-se o incómodo do chilreio dos pássaros, ergam-se moradias de preferência com feitio de caixote, altas, pegadas e muitas, fechadas, e muros e portões e estradas e carros e escapes e buzinas e estampanços e atropelamentos e antenas parabólicas e fios e postes de alta ou remediada tensão. Isto é urbanismo!
Resumindo e concluindo: roubam-nos os jardins e dão-nos esplanadas desamparadas e escaldantes, arrancam-nos as árvores e impingem-nos guarda-sóis publicitários. Os senhores doutores engenheiros da Câmara chamam-lhe urbanismo. Progresso. Eu digo que é estupidez. Natural.
O novo sermão aos peixes
Hoje é Dia Mundial da Migração dos Peixes. E vem em má altura. Em Portugal grita-se, por estes dias, aos peixes, às aves e a tudo o que mexa, - Ide para a vossa terra!
sexta-feira, 24 de maio de 2024
À sombra
Não escarmentarás!
![]() |
Foto Tarrenego! |
Escarmentar. Isto é, repreender, advertir, censurar, castigar, punir, corrigir, mas também, por outro lado, adquirir experiência, ficar ensinado, tornar-se cauteloso. Em Fafe, no tempo do falar antigo e certo, o povo ligava o termo escarmentar ao conceito de lição ou desengano que faz não ter vontade de tornar a dizer ou a fazer qualquer coisa. Fazia-se asneira, corria mal, levava-se no toutiço, aprendia-se com o erro e ficava-se escarmentado, quer-se dizer, arrependido, escaldado, instantaneamente convertido, e portanto nunca mais.
Parque natural
Frescuras
- Um parque.
- Fresco?
- Natural, se faz favor.
quinta-feira, 23 de maio de 2024
O senhor de gravata à beira do Bergiguinha
![]() |
Foto Ivo Borges / O Minho |
"Jorge, um conhecido fafense, contou: "O Senhor Presidente parou aqui no Café Chinês, onde eu estou várias vezes, e eu disse-lhe que um dos melhores finos de Fafe é no Café Chinês. E o Presidente disse que alinhava no fininho, mas que não podia beber muito, porque ia fazer um discurso. É uma pessoa muito comunicativa e simpática, até fiquei impressionado."
Estiveste bem, Jorge! Marcelo não podia ter encontrado melhor companhia para molhar a palavra. Ele nem sabe a sorte que teve por estar-te ao lado. Para mim, tu é que devias ser presidente da república, porque mereces, mereces tudo, mas é o país que temos. Para além do mais, és "um conhecido fafense", mais conhecido que os tremoços, que também teriam dado jeito com a cervejinha.
quarta-feira, 22 de maio de 2024
Histórias fafenses e teáceas
![]() |
Foto Hernâni Von Doellinger |
Contava-se. Havia umas irmãs em Fafe que saíam ao café para tomar chá - gente fina, conhecida e provavelmente falida. Era um chá para as duas, ambas as manas de mindinho espetado, requintadas, naftalínicas, vagarentas, excêntricas, assoprando cerimoniosamente, lábios em biquinho, uma beberricando pela chávena e a outra pelo pires, combinação lá entre elas e o velho empregado do café. O chá, constava, era vinho branco.
O Sr. Fala-Barato, pai, era um homem imponente e tomava chá. Tomava chá no Café Chinês, porque isto anda tudo ligado. O Sr. Fala-Barato, que também era um homem antigo e sábio, chegava lentamente, sentava-se com todos os vagares e uma das filhas, via de regra a mais nova, e pedia, muito simplesmente: - Chá prò velhote!
Às vezes, em dias talvez de melhor disposição e superavit de autoestima, o Sr. Fala-Barato, que também tinha a sua piada, investia um pouco mais nas palavras e dizia: - Chá prò velhote, que o velhote merece!...
Eu era pequeno, mocico de escola, ouvia tudo e aprendia muito bem. Tomei conta da frase e ainda hoje lhe dou uso, sem nunca esquecer a fonte. Os poucos que partilham a mesa comigo e já tantas vezes me ouviram dizer, quando reabasteço, "Um copinho prò velhote, que o velhote merece", ficam agora a saber de onde é que me saiu a ideia.
Escritor e tudo
P.S. - Hoje é Dia do Autor Português.
Farturas para sua excelência
terça-feira, 21 de maio de 2024
segunda-feira, 20 de maio de 2024
O araújo no olho
Araújo, nome de pessoa e de sítio, está visto, mas também, há quem diga, denominação de uma variante da árvore araúja. Para nós, porém, os fafenses velhos e irredutíveis, araújo é partícula que entra no olho acidentalmente, grão de pó, minúscula maravalha, bíblico argueiro, cisco, arujo. Arujo, exactamente arujo, vocábulo fidedigno e certificado de onde facilmente derivou a nossa arisca porém bem desenrascada corruptela.
Ter um araújo no olho. Outro dia, sem mais nem menos, lembrei-me da expressão antiga, e nem faço ideia de há quantos anos não lhe punha a vista em cima nem lhe dava uso. Perguntei à minha mulher se a conhecia de algum lado, à expressão, se já a teria dito ou pelo menos ouvido. E ela disse-me que não. Fiquei varado! Quer-se dizer: a minha mulher, rapariga da nossa idade, nasceu no Porto, na Foz, mas é filha de pais rústicos, o meu sogro de Baião e a minha sogra de Canelas, Gaia. Isto é, a minha mulher tinha obrigação, e, vai-se a ver, nada...
Nada, também não é bem assim. Sobre araújos, a minha mulher fez questão de explicar-me que sabia era a famosa anedota que mete marinheiros e aviadores. Aquela que pergunta: se quem trabalha no mar é marujo, porque é que quem trabalha no ar não é araújo? Isso.
Ter um araújo no olho. A expressão. Não é anedota, definitivamente não é uma anedota, mas que se põe a jeito, lá isso...
O mar começa em Fafe
Abelhas e vespas, a diferença
A diferença entre as abelhas e as vespas. As abelhas são insectos himenópteros, da família dos Apídeos, que vivem em enxames e produzem mel e cera. As vespas são lambretas ou, vá lá, motorizadas para senhoras, desculpem-me a expressão...
E depois há as vespas asiáticas. As vespas asiáticas, diga-se em abono da verdade, são principalmente Honda, Yamaha e Suzuki. Mas também Zongshen, Lml, Lifan, Generic, Kinroad, Jincheng, Znen, Masaï, Keeway, Baotian, Sym, Pgo, Kymco e TNT. Isto apenas por exemplo. E são realmente uma praga.domingo, 19 de maio de 2024
Quem sai aos seus
Ele era médico, de família. Quer-se dizer, seguiu os passos do pai, do avô também e o bisavô nem tinha sido o primeiro, todos médicos, que remédio, geração atrás de geração. Entre tios, sobrinhos e primos, formavam, com efeito, um considerável corpo clínico. Dizia-se que eram descendentes directos de William Osler, por parte da mãe, e, regra geral, do próprio Hipócrates em pessoa. Mas essa parte não posso jurar...
P.S. - Hoje é Dia Mundial do Médico de Família.
E quem diz turcos...
E quem diz os turcos, diz Deus, que precisou de seis dias para criar o mundo. Seis dias, porra, e era Deus! O Ventura faz isso em dia e meio, e com uma perna às costas.
sábado, 18 de maio de 2024
O problema do bispo era o jogo
sexta-feira, 17 de maio de 2024
Era o Lopes
Eu levo os telemóveis muito a sério (à séria, se lido em Lisboa). Se o meu telemóvel toca, e é raro, eu atendo. Sempre. Ainda ontem: eu estava aqui nas traseiras, por acaso sem o telemóvel à mão, e ouvi-o tocar na cozinha, virada para a rua. Fui lá a correr: não era o telemóvel, era a máquina de lavar roupa, que as máquinas de lavar roupa agora também tocam. O que é que eu fiz? Atendi a máquina de lavar roupa, evidentemente, e era o Lopes...
P.S. - Hoje é Dia Mundial das Telecomunicações e da Sociedade de Informação, entre outras mais ou menos arrevesadas efemérides. O Lopes é todos os dias.
O melhor dos pastéis era o riso
Fafe era um terra de antonomásias, estoufarto de dizer. No nosso imenso pequeno mundo, tínhamos o Largo, a Avenida, o Monumento, a Recta, o Campo, o Depósito, o Banco, os Serviços, a Bomba, o Jardim, a Quelha, o Santo e o Café, que era o Peludo e que na verdade se chamava Cine-Bar, eventualmente dada a sua proximidade e até uma certa ligação ao Teatro-Cinema e à família Summavielle. Mas cafés, tascos e afins havia muitos. Uma mão-cheia de cafés, e tascos até dar com um pau, para ser mais preciso. Pastelarias, salões de chá ou snack-bares é que nada, até aparecer o Dom Fafe, mesmo no centro da vila, coisa fina e para clientela sem gases. O Dom Fafe, respeitando a tradição, passou a ser "o" Snack-Bar.
Eu era calisto. Calisto televisivo. A preto e branco e com muitos pedimos desculpa por esta interrupção. Para me fazer pagar a moina, o Sr. Avelino do Café, que era o Hoss do "Bonanza" em pessoa menos o chapéu alto, entregava-me umas moedas e mandava-me à cozinha do Hospital buscar uns enormes tijolos de gelo que ele depois partia e metia no barril de tirar finos (imperiais, se lido em Lisboa). No fim do recado dava-me o troco? É o davas. Oferecia-me um pastel? Fodias-te. Eu tinha para aí sete anos, o meu pai ainda não tinha trazido pastéis para casa e o Sr. Avelino punha-me à frente a merda de um cimbalino. Sete anos, e ele dava-me um café (bica, se lido em Lisboa). Se ainda ao menos fosse um cigarro!...
Não sou de doces. E, dos pastéis que o meu pai trazia para casa, o que eu gostava mais era da festa, do riso. Daquela meia hora extra fora da cama. Da sensação de família e fartura, da felicidade antes do sono. Porque o meu doce preferido era outro: era a côdea de broa, "grande daqui até ao céu", enfiada às escondidas na lata do açúcar amarelo e comida na clandestinidade do fundo do quintal. Subia a um banco para subir à mesa da cozinha para chegar ao armário, abria a lata, passava o pão, fechava a lata e saía dali a cem à hora mas com mil cuidados para não entornar o "recheio". Côdea de broa com açúcar amarelo, isso, sim, era o meu bolo. Havia lá coisa melhor no mundo!? Por acaso até havia: era a gemada. Gemada simples e honesta: gema de ovo batida numa malga com muiiiiiito açúcar. Mas essa só podia ser duas vezes por ano, acho eu, pela passagem de classe e no meu aniversário. Com os ovos, lá em casa, todo o cuidado era pouco. Estavam contados, eram para deitar. E ao açúcar para a broa a minha mãe fechava os olhos. Fazia de conta que não sabia...
P.S. - Publicado originalmente no dia 7 de Junho de 2012, sob o título "Eu era mais broa com açúcar amarelo". Hoje é Dia Mundial da Pastelaria.
quinta-feira, 16 de maio de 2024
Génios
quarta-feira, 15 de maio de 2024
A honra dos Silvas
Quando assim falo, que é sempre, os meus parentes caem-me em cima, protestam a sua mais entranhada vaidade onomástica e ameaçam banir-me do clã, e eu contra isso nada. Ouço-os, isto é, faço de conta que os ouço, mas penso noutra coisa. Penso nos Silvas. Penso como seria bonito ver alguém sair a terreiro em defesa da honra dos Silvas. Exactamente: alguém de velha têmpera e honra antiga que, armado em Von Doellinger de corrida, ousasse chegar-se à frente para gritar alto e bom som, de estandarte em punho e peito inflado de altivez:
- Eu tenho muito orgulho em ser um Silva, há algum problema?!...
Os Silvas, é preciso que se note, não são uma merda qualquer, e não estou sequer a falar do ilustre casal de ex-inquilinos do Palácio de Belém, que faz aqui tanta falta como o queijo gruyère numa caldeirada de enguias. A primeira linhagem de Silvas é de príncipes e anterior à fundação da nacionalidade portuguesa. Os Silvas de pé-rapado conquistaram Portugal e os Brasis, é só ir ver as listas telefónicas. Os Silvas são uns grandes pinantes, é só ir ver os registos dos motéis, mas aqui são nomes falsos. Os Silvas, se um dia se chateiam, o País pára, porque os Silvas são o País. Chamar ó Silva! num autocarro articulado da Carris é um perigo: os 145 passageiros (48 sentados, 96 de pé e um numa cadeira de rodas) olham todos para trás e o motorista também. O Silva dos Plásticos, toda a gente sabe, era mais conhecido do que o Papa. Silva I seria, aliás, um bom nome para um Papa português, e há logo quem pense no poeta José Tolentino Mendonça.
Embora de nascença ninguém escolha ser Silva, nem ser nome nenhum, está visto que os Silvas só têm motivos de orgulho. E quem diz os Silvas, diz os Santos, os Ferreiras, os Antunes, os Rodrigues, os Costas, os Oliveiras, os Martins, os Sousas, os Gonçalves, os Almeidas, os Carvalhos, os Farias, os Magalhães, os Alves, os Teixeiras, os Lopes, os Ribeiros, os Ramos e até os Brochados. Sim, porque não os Brochados? Há algum problema?
terça-feira, 14 de maio de 2024
A 14 de Maio, na Cova da Iria
segunda-feira, 13 de maio de 2024
O milagre da chuva
Foto Tarrenego! |
"Vai chover em Fátima no dia 13 de maio", li no jornal O Minho, assim tal qual profeticamente anunciado, de chofre, apocalíptico, em título como lança em África, e pensei logo, palavra de honra - olha, mais um milagre na Cova da Iria, em 1917 foi o milagre do sol, agora vai ser o milagre da chuva, que bom, que bom, somos um país que realmente deus nos livre e mais vale ir prevenido. Foi o que eu pensei, digo, e peguei nas galochas antes de sair.
Mas não. Depois do sopapo das letras garrafais, escatológicas, proclamativas, O Minho explica logo no primeiro parágrafo, a seco, que aquilo da chuva é apenas uma previsão. Do Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA). É o que eles dão para hoje...
O preço da fé
domingo, 12 de maio de 2024
A problemática da bilhética
Comecei a ir ao futebol pela mão do meu pai. Íamos ao Campo da Granja ver o Fafe. O Campo da Granja tinha uma bancada pequena apontada ao grande círculo e uma nora atrás da baliza do lado de São Gemil. A nora, neste caso, era um engenho para tirar água de um poço e não funcionava. Mas ficava num altinho muito jeitoso para a assistência. A assistência naquele tempo não era passe para golo, era pessoas. Eu e o meu pai víamos os treinos, os jogos, os juniores em vez da missa (o que arreliava sobremaneira a minha mãe), as reservas e, ao domingo à tarde, o primeiro time. Os domingos à tarde da minha infância eram os melhores dias do mundo. Até tinham altifalantes com marchas do John Philip Sousa. Depois o meu pai deixou de ir à bola, por razão de força maior, e eu continuei.
O Campo da Granja desistiu para dar lugar a uma escola de pré-fabricados. E foi bom para todos. Ganhámos o ciclo preparatório e um estádio que havia de ser, mesmo encostado aos Bombeiros. Apareceu-me o buço e, embora uma coisa não tenha a ver com a outra, passei a acompanhar a Associação para todo o lado, pendurado na generosidade de amigos mais velhos e com emprego. Frequentei todos os campos e estádios do Norte do País e, já praticamente de bigode, até fui ao Barreiro arrancar à CUF um lugar nas meias-finais da Taça de Portugal que nos roubaram.
Quando mudei a minha vida para o Porto ainda se ia ao futebol em família. Quero dizer: famílias inteiras, com pai, mãe, avós e netos, sobrinhos, primos, namoradas e namorados. Podia-se ir, não era perigoso. Eu fui logo morar para o Estádio das Antas, Superior Norte, porta com porta com o meu tio Zé da Bomba, que já lá morava há que anos. Consegui converter a minha mulher ao FC Porto, fi-la também sócia e passámos a ir à bola os dois, eu e ela com a cesta do merendeiro atrás, porque naquele tempo não havia lugares marcados e para jogos grandes era mesmo preciso entrar de véspera. E quando digo merendeiro quero dizer exactamente merendeiro: frango assado, sandes de vitela ou lombo de porco, panados, bolinhos de bacalhau, bacalhau frito, pataniscas, feijoada, salada russa, iscas de fígado, rojões, moelas de coelho, arroz à valenciana, filetes de pescada, salpicão, presunto e rebentos de soja, uma toalha de linho em cima dos joelhos, uma garrafosa de verde tinto bem fresquinho, ou duas, e uma garrafa de litro de cerveja, ou duas, por causa dos descontos. Entrava tudo. E marchava tudo. Para não virmos carregados para casa. Aquilo é que era futebol!
Se o FC Porto não jogava nas Antas, então eu ia ao Mar torcer pelo Leixões ou ao Bessa ver o Boavista. Aos sábados puxava pelo Salgueiros em Vidal Pinheiro que Deus tem ou matava o vício no claustrofóbico campo do Infesta, que me dava falta de ar. Às quartas, dia da minha folga do trabalho, papava campeonatos de reservas, desempates da Taça de Portugal, liguinhas de subida de divisão e torneios de apuramentos de campeões. Em Santo Tirso, em Vila do Conde, na Póvoa de Varzim, em Espinho, em Aveiro, onde calhasse aqui à roda. Havia jogo, eu estava lá. E regalava-me. Mas depois chegaram as sades e as claques "organizadas", como se diz para o crime, para a Máfia, para os ganguesteres, para os bandidos, para as associações de malfeitores - e eu vim-me embora!
Às vezes tenho saudades. Tenho saudades do tempo do futebol ingénuo, em estado quase puro, sem sades, sem ceos e sem administradores e consultores e assessores pornograficamente remunerados e premiados no final do ano ainda que não ganhem nada em campo, ainda que destruam a equipa de futebol e ainda que levem o clube à bancarrota. Do tempo em que os clubes de futebol eram clubes de futebol, associações, colectividades, agremiações. Do tempo em que os presidentes e os directores dos clubes de futebol punham dinheiro do próprio bolso e ainda biscatavam graciosamente ou, como o Fernando da Sede ou o Chester, carregavam botijas de gás às costas até aos balneários para que nada faltasse aos seus "meninos". Do tempo em que dirigentes pagavam bifes a jogadores à rasca da vida. Do tempo dos espectadores, da massa associativa, dos adeptos, dos apaniguados, dos grupos excursionistas, das comissões de auxílio, dos grupos de apoio espontâneos, com bombos e até gigantones e cabeçudos, que não eram poucos. Era o futebol, e o futebol era uma festa! Por outro lado, a partir das claques, que são um verdadeiro negócio dentro do outro tal negócio, ser-se mero espectador transformou-se em actividade de risco elevado. Vai-se à bola como quem vai à guerra. E eu tenho medo. Agora o futebol está de pernas para o ar, chama-se "o jogo" e tem transições e momentos e adn e claques profissionais pagas a peso de ouro (ou ao peso do que o receptador aceitar), sades com contas mal contadas, accionistas de encomenda, histórias de polícia, claques armadas, drogadas e perigosas, talvez assassinas, ninguém é de ninguém, os frequentadores de estádios, pagantes e deslavados, viram as costas ao campo e tiram-se selfies, e eu não percebo nada disto. Confesso: às vezes tenho saudades - mas não torno!
P.S. - Hoje há mais buscas e arguidos no Dragão e, com a derrota de Pinto da Costa, a procissão decerto ainda vai no adro. Escrevo e republico no Tarrenego! sobre a perniciosidade das claques no futebol desde o dia 1 de Setembro de 2012. E nunca é demais!
sábado, 11 de maio de 2024
sexta-feira, 10 de maio de 2024
Quando elas morriam de pé
O grande reclamador
reclamava Pessoa
reclamava Sophia
reclamava Eugénio
reclamava Drummond
reclamava Vinicius
reclamava Baudelaire
reclamava Lorca
e reclamava Neruda.
Reclamava até Eliot
e Shakespeare.
Era
enfim
um grande reclamador.
quinta-feira, 9 de maio de 2024
Dia das Meias Perdidas
Hoje é Dia Mundial das Meias Perdidas. Só para que nos entendamos, as meias perdidas nunca acontecem de baliza aberta. Isso já seriam perdidas inteiras, completas, escandalosas...
quarta-feira, 8 de maio de 2024
A perna extra
De cavalo para burro
segunda-feira, 6 de maio de 2024
Adeus e até ao meu regresso
Foto Hernâni Von Doellinger |
A ponte móvel de Leixões, em Matosinhos, vai fechar para obras. Isto é, vai fechar outra vez para obras. Desde que foi inaugurada, em 2007, fechar para obras é, podemos dizer assim, o estado normal da também chamada ponte móvel de Leça. Foi feita para isto, é a sua vocação. A ponte, que custou 14 milhões de euros, abriu, por assim dizer, para estar fechada, tantas as avarias que vem registando ao longo dos anos, derivado sobretudo a um arreliador problema de rótulas, doença crónica e talvez hereditária, e ninguém a leva ao ortopedista.
Desta vez, segundo anúncio em Diário da República, a ponte vai estar em obras durante pelo menos 14 meses, três dos quais, no mínimo, completamente fechada. Exactamente, 14 meses no estaleiro, se não chover, e este tempo anda deveras incerto. Devo, no entanto, declarar, em abono da verdade: a mim, que moro aqui ao lado e preciso diariamente da ponte, 14 meses nem me parece nada de mais, não me atrevo sequer a criticar. Se fossem, vamos dizer por exemplo, 14 anos, aí então, se calhar, querendo eu ser picuinhas, já poderia ter alguma razão de queixa, mas assim não. O que é que são 14 meses? Assim está tudo bem...
domingo, 5 de maio de 2024
A vida é bela e amiúde nem por isso
![]() |
Foto Hernâni Von Doellinger |
A minha mãe não foi sequer à escola. Mandaram-na para criada de servir aos sete anos de idade. Serviu famílias importantes em Fafe, mas ninguém se lembra ou faz caso, a minha mãe era um criança e os tempos eram outros.
A minha mãe casou aos 18 e ficou viúva aos 33. Viúva e com quatro filhos evidentemente menores. Era tempo do fascismo - sim, do fascismo!, escusam de fazer de conta -, da pobreza sufocante e do opróbrio, da reprovação pública, porque a má-língua sobre vizinhos ou conhecidos era o passatempo que havia antes dos reality shows da TVI e das notícias de faca e alguidar da CMTV. Naquele tempo de cinza, ser-se nova e viúva era uma desgraça, mas também, socialmente, um defeito, uma marca na testa para toda a vida. A minha mãe passou a ser oficialmente a Viúva da Bomba, para que não lhe viessem ideias. E no entanto, sozinha, fez de nós quatro as pessoas que somos, à sua imagem e semelhança, vertebrados e moralmente limpos, gente digna e séria, respeitadora e respeitada, menos eu, que dei no que dei e, com esta idade, já não tenho remédio.
Como é que a minha mãe conseguiu? Com muita muita canseira, com roupa lavada para fora em tanques de ricos, na poça do Santo ou no tanque do Matadouro, com camisolinhas e casaquinhos de lã feitos por encomenda, primeiro à mão e depois à máquina, com lágrimas tantas que eu bem as via por mais escondidas que fossem, com os tostões contados sete vezes ao dia, com os meus irmãos mais velhos - a Nanda e o Nelo - a terem de ir trabalhar ainda crianças para que eu e o Lando, os mais novos, pudéssemos "estudar e ser alguém na vida". E sermos alguém na vida por eles, em nome deles, de todos, porque nós os cinco éramos apenas um, assim é que a nossa mãe nos queria, como os mosqueteiros, ainda nem fazíamos ideia do Intermarché, embora eu já soubesse do Alexandre Dumas e do d'Artagnan.
Resultado: os meus irmãos são umas jóias, foram e são sempre os melhores naquilo que fizeram e fazem na vida, que era o mínimo que a nossa mãe nos exigia, o Nelo e a Nanda afinal também são "alguém" mesmo sem "estudos" e, quer-se dizer, só eu dei para o torto porque nestas coisas de família é realmente imprescindível a excepção que confirme a regra, e portanto resolvi sacrificar-me pelo bem comum.
A minha mãe fazia das tripas coração e da massa com fressura um pitéu. O dinheiro não chegava e então passou a tomar conta de crianças. Isso, a minha mãe tomava conta dos meninos dos outros, era "ama" disputada, havia lista de espera, metiam-se cunhas, empenhos para que ela aceitasse esta ou aquela criança. Lembro-me do Miguel, da Guidinha, do André, da Xaninha, da Susana, do Ginho, do Miguelinho, e esqueço-me indesculpavelmente de outros, e os meninos chamavam à minha mãe, cada qual à sua maneira, "mãe Xandrina", "mãe minha" (haverá forma mais bonita de chamar alguém?) ou simplesmente "bozinha", porque os netos também lhe passaram pelas mãos. A querida Guidinha, agora casada e também mãe de um rapaz já adulto, ainda hoje chama "mãe Xandrina" à minha mãe e a mim chama-me "tio Nane". E eu gosto muito destes chamamentos assim.
Na Rua do Assento, na casinha de pedra, minúscula, imensa e mágica, a minha mãe chegou a olhar por nove meninos ao mesmo tempo. Como se fossem também seus filhos. Olhava por eles para olhar por nós. Era mãe urbi et orbi, atentíssima, severa e amorosa, dava-lhes, de acordo com a exigente cartilha que lhe corria no sangue, o pão e a educação. Tinha ali uma espécie de infantário, restrito e de alta qualidade, muito procurado e com enorme lista de espera. Metiam-lhe empenhos, chegavam-lhe peitas, recomendações, pedidos praticamente desesperados. A minha mãe informava-se sobre os pais que se lhe abeiravam, era picuinhas no exame, rigorosa, mandona nas condições, só uns poucos conseguiram passar pelo seu crivo, e, se fosse hoje, se calhar ia presa. Por falta de licença...
sábado, 4 de maio de 2024
Santos, bombeiros e Star Wars
Portanto, façam o favor de tomar nota: hoje é Dia Internacional do Bombeiro. E também é Dia de Star Wars. E, no Brasil, também é Dia do Calculista Estrutural, ou Dia do Engenheiro de Estruturas. Ou, como eu costumo dizer, estes gajos fazem-me rir...
sexta-feira, 3 de maio de 2024
A invenção da cruz
Liberdade de imprensa, dizem
P.S. - Hoje é Dia Mundial ou Dia Internacional da Liberdade de Imprensa.
O guarda Rios
quinta-feira, 2 de maio de 2024
Treinadores portugueses no Brasil
"O treinador Mano Menezes foi despedido da selecção brasileira. O substituto deverá ser anunciado no início de Janeiro e entre os principais candidatos ao lugar parece que estão Muricy Ramalho (técnico do Santos), Tite (do Corinthians) e Luiz Felipe Scolari (sem clube, depois de ter mandado o Palmeiras para a segunda divisão).
Mas do que é que o Brasil está à espera para contratar um treinador português? Não percebo a hesitação. Os brasileiros são os melhores jogadores do mundo? Também os portugueses são os melhores treinadores do mundo, como Jorge Jesus ainda ontem voltou a dizer.
É certo que, quando assim fala, o míster do Benfica é para o espelho que olha, e nem é bem ele a falar, é apenas o umbigo, are you talking to me?, you talking to me? Mas o umbigo de Jesus não deixa de ter razão. E o Brasil só ganhava se se deixasse descobrir de novo."