quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Um bocadinho bissexto

Num ano considerado normal o mês de Fevereiro teria acabado ontem e hoje seria dia 1 de Março. Mas, que se há-de fazer?, 2024 saiu assim um bocadinho bissexto...

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Cuidado com as carteiras!

Os carteiristas. Para quem não saiba, passo a informar e é de graça: os carteiristas são presença habitual, diria até obrigatória, nas campanhas eleitorais. Fazem parte. Sim, os carteiristas! Sorrateiros como uma corrente de ar, rápidos como um piscar de olhos, trabalham aos pares, às vezes em trio, organizados, distribuindo tarefas, exponenciando sinergias, intercomunicando-se via telemóvel, tomando conta das costas uns dos outros, de bandeira ao ombro e autocolante na lapela, fazendo-se passar por militantes ou simpatizantes, acompanhando as caravanas em todas as paragens e aproveitando-se das arruadas mais frequentadas ou comícios de maior aperto para então, como quem não quer a coisa, dar livre curso à insustentável arte do gesto leve. Sim senhor, os carteiristas! Como se já não bastassem os políticos propriamente ditos...

O Ativista maiúsculo mas sem cê

Entre a inteligência artificial e a estupidez natural, o Ativista não tinha a menor dúvida: estupidez natural, sempre! 

A culpa é do guarda-redes

É goleiro no Brasil e guarda-redes em Portugal, o que em certa medida explica logo à nascença a suprema necessidade e a utilidade sem medida dessa coisa escaganifobética e sonsa a que certos doutores chamam acordo ortográfico. Falando à nossa moda, o guarda-redes é-o, regra geral, porque, no que diz respeito à bola, não serve para mais nada, não joga um caralho, não dá uma para a caixa, é um trambolho, um cepo, um arrocho, e por isso vai para a baliza. Exactamente: o arrocho vai para a baliza. Ali pelo menos não estorva. E grita a torto e a direito "Sainde da frente!, Sainde da frente!", desarrumando imaginárias barreiras no miserável recreio da Escola Conde de Ferreira, no largo da Feira Velha ou entre as aprazíveis tílias do Santo Velho, fazendo todo o cuidado aos vidros da Milinha Modista, isto era em Fafe mas podia ser no Maracanã ou no Prater de Viena, era só pensar e escolher. Sei muito bem do que falo, da maneira de ser arrocho. E falo orgulhosamente por experiência própria, não sendo o único.
Albert Camus, Arthur Conan Doyle, Karol Wojtyla, conhecido como papa João Paulo II, que foi eleito santo, Che Guevara, Julio Iglesias e até Luís Marques Mendes tentaram ser ou foram mesmo guarda-redes. Do Luisinho lembro-me eu muito bem, nas camadas jovens da nossa AD Fafe, que agora tem uma extraordinária SAD que parece que vai para Felgueiras, suponho que na velha carreira, ida e volta todos os dias, como faziam antigamente as pessoas sérias, isto é, as pessoas que têm só uma família e trabalham...
Duas das melhores definições sobre o guarda-redes, digo eu, terão sido elaboradas pelos escritores Eduardo Galeano e Nelson Rodrigues. "Carrega nas costas o número 1. Primeiro a receber, primeiro a pagar. O goleiro sempre tem a culpa. E, se não tem, paga do mesmo jeito", sentenciou o uruguaio. Já o brasileiro Nelson Rodrigues afirmou um dia - "Amigos, eis a verdade eterna do futebol: o único responsável é o goleiro, ao passo que os outros, todos os outros, são uns irresponsáveis natos e hereditários."
Por mim, o que continua a interessar-se particularmente no ofício de guarda-redes é tentar perceber esse mistério do homem que entra em campo como "guardião", sim, chamam-lhe guardião, e sai do campo como "frangueiro", sim, chamam-lhe frangueiro, ao ex-guardião. Frangueiro e filhodaputa. E penso na desgraça que aí vai a respeito de Adán, o intermitente guarda-redes do Sporting.

É preciso que se note, o menosprezo pelo guarda-redes não é de agora, vem desde o tempo da invenção do futebol. O guarda-redes nunca constou de esquemas tácticos, não entra nos fundamentos do jogo. Eram "onze contra onze", ficou estabelecido, mas o guarda-redes, nem que fosse "o melhor do mundo", não contava para o totobola. O guarda-redes era uma espécie de Santa Bárbara (embora esse fosse do andebol), só se lembravam dele quando acontecia penálti. De resto, havia o 1-1-8, o WM, o 4-2-4, o 3-4-3, o 4-3-3 e o 3-5-2. Sobretudo. E é só fazer as contas, somar os algarismos e ver que dá dez, não onze. Até W mais M é igual a dez. O "onze contra onze" é uma fraude - eram dez contra dez e era um pau, e a bola era redonda mas nem sempre. Essa é que é essa. E hoje em dia, por mais losangos, faixas e terços do terreno que inventem, a desconsideração continua. O guarda-redes só é necessário porque é preciso um bode expiatório. E, no entanto, ele houve e há grandes guarda-redes, autênticos salvadores da pátria, valha-me Deus!

David Alves ensinava: o melhor guarda-redes do mundo era Clemence, o inglês. Nem o checo Plánicka, nem o russo Yashin, nem o alemão Sepp Maier, nem o italiano Dino Zoff, nem outros de semelhante calibre - antes, durante e depois. Era Ray Clemence, que nos anos setenta e oitenta do século passado brilhou ao serviço do Liverpool e da selecção inglesa. E o David sabia do que falava: ele próprio tinha atrás de si uma interessante carreira como guarda-redes, posto que de mais recatados recursos. Sendo de Fafe, fizera a sua formação nos juniores do FC Porto, passou algumas temporadas no Paços de Ferreira, se não me engano, e ainda o vi jogar pelo Desportivo das Aves, creio que no tempo em que por lá andava também (ou andou pouco tempo depois) um famoso defesa central chamado Kentucky, que só me lembrava os Definitivos, pecados velhos. Por outro lado, o David Alves foi o primeiro José Mourinho que eu conheci. Isso mesmo. O David era inteligente, culto e visionário, carismático, tinha mundo, era um estudioso e metódico transgressor, promovia a acção psicológica: com um par de décadas de avanço, inventou em Portugal aquilo que hoje em dia é corriqueiro em todo o lado. Pensador por natureza, pedagogo, ele passava o futebol ao papel, e do papel passava o futebol ao campo. E no campo era bonito de se ver. O treino era ciência, os treinos eram aulas - ele levava-me muitas vezes para assistir. E era uma prazer ouvi-lo. Se não me engano, o David começou a carreira de treinador no Maria da Fonte, da Póvoa de Lanhoso, e eu pressentia que ele iria longe, muito longe, primeira divisão, estrangeiro até. A vida, porém, não lhe deu tempo para levantar voo...
Por aquela altura, o meu Fafe padecia de um guarda-redes suplentíssimo que tinha o insuspeito nome de Queimado. E, diga-se em abono da verdade, o rapaz era realmente um frangueiro de créditos firmados. Era um acrobata voador, um contorcionista, um funambulista, um malabarista, um ilusionista até - guarda-redes é que não! O Queimado, que equipava muito bem, adelgaçado, exuberante, calção de licra comprido e justinho, à ciclista, e camisola verde dos pontos, voava de um poste ao outro leve como pluma em bico de pomba branca, pomba branca, inventava cabriolas impossíveis, pinchos sobejamente desnecessários, golpes de rins praticamente incapacitantes, e a bola, ignorada e ressentida, pimba!, sempre no fundo das redes. A baliza, com o Queimado, era um circo sem fundo.
Pois o inglês Clemence era exactamente como o nosso Queimado, mas ao contrário. Era esse o exemplo, era essa a comparação absurda que o David nos apresentava para explicar. Para ensinar. Clemence vestia à antiga. Na baliza, era elegante, fleumático, sóbrio, poupado e sobretudo eficaz. Simples. Tinha a bola sempre debaixo de olho, e nunca ninguém o viu voar para ela se ele podia dar um passo ao lado e agarrá-la definitivamente e sem outros sobressaltos. "Um passo ao lado", esta me ficou. Fácil, não é? E era assim que o David Alves ensinava.
Raymond Neal "Ray" Clemence pertence ao restrito clube dos grandes jogadores que fizeram mais de mil jogos oficiais durante a carreira. Morreu em 2020, tinha 72 anos. Lembrei-me dele e deram-me saudades do David Alves, que morreu estupidamente muito mais cedo na idade, numa idade em que devia ser proibido morrer. O David morreu e ficámos todos a perder. Portei-me mal com o David, e nunca lhe agradeci como devia todo o bem que ele me quis e fez, tudo o que me ensinou da vida, das vidas. É um dos meus maiores arrependimentos, e oh se tenho tantos! Ia escrever quatro linhas sobre o Clemence, e vejam no que isto deu...

Já disse. Qualquer dia, quando eu estiver pronto, espero escrever a sério sobre David Alves, o nosso David Alves, guru natural e sem querer de uma ou duas gerações de jovens fafenses. Fomos uns sortudos!

E, para fechar com chave de ouro, uma extraordinária curiosidade. Dino Zoff e Sepp Maier, dois dos melhores guarda-redes de todos os tempos, nasceram no mesmo dia, com uma diferença de dois anos. E estão hoje de parabéns. O italiano, o mais velho jogador de futebol a ser campeão do mundo, nasceu no dia 28 de Fevereiro de 1942 e disputou 112 jogos pela Squadra Azzura. O alemão nasceu no dia 28 de Fevereiro de 1944, jogou sempre no Bayern Munique e actuou 95 vezes pela selecção de seu país.

Pontapé de ressaca

O pontapé de ressaca, de uma forma geral, sai frouxo e torto. Dê-se-lhe o devido desconto: é de ressaca...

P.S. - Hoje é Dia da Ressaca.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Eu vi Cubillas e ouvi Lucía

Eu vi! Eu vi Cubillas. Eu vi Cubillas jogando futebol. Teófilo Juan Cubillas Arizaga, o prodígio peruano, vi-o com os meus próprios olhos, vi-o da minha cor, uma só, azul e branco, vi-o pequeno, delicado, elegante, inesperado, repentista, amiúde sublime, fulminante, Lionel Messi antes de ser inventado, uma brisa ligeira e redolente deslizando quase invisível sobre o relvado. Cubillas era um sorriso em andamento. Sim, um sorriso - genuíno, dir-se-ia que infantil, maroto. Cubillas e a bola estavam-se prometidos desde o princípio dos tempos, sabiam-se de cor e salteado, eram um em dois perfeito, acto de amor consumado, puro gozo, prova viva da bondade dos deuses.
Eu vi Cubillas. Vi-o aqui à porta de casa, em Guimarães, fomos de Fafe o tio Américo, o tio Zé da Bomba e eu, de propósito para ver Cubillas, com merenda aprazada talvez no Batista da Cruz d'Argola. Podia ser que também víssemos o "nosso" Quim na baliza do FC Porto, mas foi Tibi quem tomou conta, se bem me lembro desse mês de Março de 1974, ainda o cravo estava fresco e nunca mais. Deu empate zero-zero e Cubillas falhou um penálti, mas isso o que é que importa?
É. Eu vi jogar Teófilo "Nene" Cubillas! Percebem a grandeza do que digo? Compreendem a minha incontida emoção? Talvez não, infelizes, e é pena. Aos incréus, aos que não tiveram a sorte que eu tive, aos que não viram nem foram ensinados, aos que não sabem do que falo, admito a ignorância e a dúvida: viste o Cubillas, e quê?, pensarão, coitados, e estão no seu direito. Mas mesmo a esses eu gostaria de tentar explicar. Reparem, por favor. Em toda a minha vida fui, por vontade própria e em meu perfeito juízo, a somente quatro concertos: Andràs Schiff (com as Variações Goldberg de Johann Sebastian Bach), Paco de Lucía, Rolling Stones e Bob Dylan. Quatro e apenas quatro, e uma vida inteira: Schiff com Bach, Lucía, Stones e Dylan. Estão a ver a exigência, o desejo de céu? E portanto Cubillas.

P.S. - Paco de Lucía, um dos melhores guitarristas de flamenco de todos os tempos, morreu no dia 26 de Fevereiro de 2014.

Sensibilidade e bom senso

- É pá, pensava que já tinhas morrido... 

P.S. - O filme "Sensibilidade e Bom Senso", de Ang Lee, conquistou o Urso de Ouro do Festival de Berlim no dia 26 de Fevereiro de 1996.

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Artur Jorge e o jornalista que adivinhava

Conta-se. Naquele tempo, os jogadores e treinadores de futebol eram pessoas livres, cidadãos inteiros, e falavam com os jornalistas sem pedir licença ao dono. Artur Jorge era então treinador do FC Porto, e um famoso jornalista pediu-lhe uma entrevista nas vésperas e a propósito de um grande jogo qualquer. Homem inteligente, culto, reflexivo, avesso ao circo da banalidade e com mais que fazer na vida, Artur Jorge terá dito ao jornalista para escrever o costume, aquilo que os treinadores de futebol costumam dizer nestas circunstâncias, que é sempre a mesma coisa e nada. A entrevista não se fez, mas saiu. E saiu muito bem. Ou por outra. Aproveitando-se do facto de tertuliar bissextamente com Artur Jorge, o jornalista famoso abusou da confiança do então treinador do FC Porto, não lhe pediu a entrevista, não lhe fez a entrevista, não o avisou sequer da entrevista, mas a entrevista saiu. E Artur Jorge não gostou. Conta-se.
Eu conheci Artur Jorge, de vista, do lado do admirador, e conheci muito bem o famoso jornalista, do lado de dentro. A respeito da tal "entrevista", sei, das duas, qual é a versão verdadeira, sei como se passaram realmente as coisas. Mas o que é que isso interessa agora?...

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Os engolidores

Engolidores, há-os. Como por exemplo engolidores de sapos, metaforicamente falando, engolidores de fogo, que na verdade não engolem mas borrifam, e engolidores de espadas. Engolidores de copas e engolidores de ouros não sei, mas engolidores de paus também há-os.

P.S. - Hoje é Dia do Engolidor de Espadas.

Felizmente não é geral

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Contra fatos

Eu tenho um fato. Um. Comprei-o pronto a vestir em 1987, se não me engano, para um casamento, isso é certo. O casamento para o qual eu comprei o meu fato já teve pelo menos dois divórcios, só do lado do noivo. O meu fato, não. Mantém-se fiel. Eu tenho um fato que é um facto à moda antiga. E nem sei se ainda me serve, sequer se estará em condições de ser vestido. Mas é o meu fato. E contra fatos...

Sou esbraguilhado por opção. Ao longo de quase quarenta anos, usei o meu fato mais quatro ou cinco vezes nos casamentos de mais quatro ou cinco amigos, sobrinhos e primos, num par de ocasiões solenes em Fafe, para agradar à minha mãe, numa excursão copofónica a Lisboa para acompanhar a entrega do Prémio Gazeta ao nosso Agostinho Santos e numa ida à televisão por dever de ofício. É, portanto, um fato praticamente novo, mas ando preocupado: quando eu morrer, o casaco de trespasse estará outra vez na moda?...

P.S. - Para quem se interesse por estatísticas: também tenho um par de sapatos. Um. E quatro bonés e três mochilas.

A minha língua é o fafês

Tínhamos a bó e tínhamos o bô. Eu e os meus irmãos tivemos bó e bô vezes dois, pela mãe e pelo pai, sorte a nossa! Bozinha era a bisavó, e tínhamos, em Basto, uma, muito velhinha, que certa vez deu-me uma batata assada no borralho que era muito saborosa, e é essa a extraordinária memória que guardo. Bô queria também dizer bom: binho bô; bô moço; estás bô? Depois, se calhar por soar a parolo não sei a que finaços de carregar pela boca, bô mudou para bu. Bu também mete medo, é susto. Buuu! Mas quem caralho teve a ideia?...

Para mim, e defendo-o de graça há muitos anos, o Minho começa em Fafe e acaba em Santiago de Compostela. E a Galiza também. Isto é: Galiza e Minho são-me o mesmo, chamem-lhe o que quiserem, mas Minho decerto fica-lhe melhor derivado ao rio que nos une. Somos a cara chapada uns dos outros, os minhotos e os galegos destes limites, labregos envernizados, crescemos das mesmas raízes, aprendemos de uma literatura comum, padecemos ainda hoje do mesmo ancestral atraso de vida, desfrutamos do mesmo amor à comida e à bebida, à água benta e à festa, partilhamos a maneira de falar, cheia de "ches", de "inhas" e de "inhos", de "xes" em vez de "ses", de "bes" em vez de "ves", não raro falamos até a mesma língua, consoante os sítios e a idade, repetimos nomes, palavras pândegas, debitamos caralhos atrás de caralhos como não há memória de tanto caralhar noutras latitudes deste mundo e de outros. Nós, os galegos do lado de cá, e eles, os minhotos do lado de lá, assim somos.
Em Fafe e nas terras de Basto chegadas a Fafe falava-se esse conversar comum quando eu era pequeno, aprendi-o naturalmente com os meus avós maternos, em Passos, Cabeceiras, com a minha mãe e com os meus tios. A querida tia Margarida ainda hoje o usa a cotio, com uma graça que me encanta e comove, e eu dou-lhe serventia da língua para fora sempre que posso, e hoje em dia, sem obrigações profissionais, posso quase sempre. Este modo de falar faz parte do nosso fafês.
E o fafês é a minha língua. Nasci no fafês, sou do fafês desde pequeninho, agora tanto ou mais do que então.

Imaginem então a minha alegria com o que se passou aqui atrasado, numa das nossas habituais saltadas ao lado do Minho a que outros chamam Galiza. Foi assim. Como de costume, aproveitámos para atestar o depósito do carro, ali à entrada de Tui, logo depois da velha ponte de Valença. "Ga-só-le-o!", digo eu ao senhor gasolineiro. E o senhor gasolineiro, nunca tal nos tinha acontecido, pergunta-me sem mais nem menos, como se anunciasse pipa nova: - Normal ou do bô?...
Caralho! "Do bô", o senhor gasolineiro perguntou-me se o gasóleo era "do bô", palavra de honra, "do bô", perguntou, como fosse a minha avó, o meu avô, a minha mãe ou a tia Margarida a perguntar-me. E eu fiquei tão contente, tão criança, de repente tão outra vez abraçado ao avental da minha mãe a cheirar tão bem a sabão e felicidade, a casa, a nós, a Fafe antigo, fiquei tão comovido que quase me descompus. Apetecia-me abraçar o homem...
Por outro lado, o gasóleo era normal e fedia. Mas o senhor gasolineiro perguntou se era "do bô", foi o que ele disse, e disse tão bem, e eu gostei tanto. "Do bô", caralho!...

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Língua Materna.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Estimadas pessoas

Três mulheres à mesa na pequena esplanada da confeitaria famosa, gozando uma fresta de sol neste quase final de Inverno amiúde diluviano e um bocado tolo. São jovens, alegres, morenas, as mulheres, e têm um cão. Um cão pequeno, rechonchudo, de focinho amarrotado, caricatura de um velho boxista na reforma. Será talvez um pug. Leio na Wikipédia que o pug tem "personalidade", que é "encantador, brincalhão, astuto, sociável, arteiro, dócil, afectuoso, teimoso, amoroso, atento, tranquilo, calmo". Pois. Será. O estupor do cão, o sortudo do cão, passeia-se irrequieto de colo em colo, de mama em mama, esfregando-se ao comprido na brancura sedosa de seis seios quase ao léu, lambendo, lambendo e mais não sei quê, e as mordomas ali na rua sem pudores, crescentemente excitadas, vermelhas, aos gritinhos, aos saltinhos, num fuzuê que só visto.
Ora bem. Foi na parte do mais não sei quê - e digo mais não sei quê porque realmente não faço ideia, o assunto interessou-me sobremaneira, eu estava ali concentradíssimo como o Futre, invejoso, confesso, mas não consegui perceber o que se passava até às últimas consequências -, portanto, foi na parte do mais não sei quê que a mulher menos jovem, com evidente cara de dona, largou os suspiros, ganhou fôlego, esganiçou ainda mais a voz e disse ao cão, imperativa: - Frederico! Não! Não! Não! Mamãe já falou! Isso não, Frederico!
Fiquei fodido! Não tanto por causa da indivídua chamar Frederico ao cão. Também chamo Frederico ao meu filho Kiko e isso nunca me incomodou, antes pelo contrário, até porque é o nome dele. O que me confundiu foi aquilo de ela ser mãe do cão. Estou velho para estas merdas. Fico baralhado com estas modernices sorrateiramente edipianas mas ao contrário. Não consigo acompanhar estes tempos malucos em que a nova ordem parece ser tratar os animais como pessoas, como filhos, e tratar as pessoas como animais. Como animais que não são tratados como pessoas. Como pessoas que não são de estimação. Não percebo. Estou definitivamente fora de prazo. E fiquei fodido!

P.S. - Hoje é Dia do Animal de Estimação. E também Dia Mundial da Justiça Social.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Aí para as curvas

Foto Tarrenego!

Uma vez, em 1991, Basílio Horta foi candidato à Presidência da República e fazia frio em Portugal, porque era Janeiro e o tempo naquela altura não era ainda tão tolo e incerto como é agora. O tempo. O Doutor Horta, que já vai nos oitenta e, entre outros afazeres, é um filósofo, quero dizer, um filósofo praticamente como eu, acaba de explicar em entrevista ao Expresso que realmente "há quem olhe para a vida como uma linha reta", mas ele não. "Eu não abdiquei das curvas", enfatizou o ex-União Nacional, fundador do CDS e actual militante do PS, ministro em quatro governos, pela direita, conselheiro de Estado, deputado, embaixador na OCDE, presidente da AICEP, pela esquerda, e agora presidente da Câmara de Sintra, dizia eu, enfatizou, como quem não quer a coisa, como quem oferece o título para a prosa e não se fala mais nisso.
Quanto à fotografia, bem, Basílio Horta lá vai, aqui no meio, por entre bandeiras da AD, da AD verdadeira, mas que já não havia nem o apoiava, e o jornalista a tomar conta, bem à direita, o que não deixa de ser paradoxal e embaraçoso, mãos nos bolsos, estantio, olhar enfastiado e bem agasalhado, porque, é o que eu digo, o tempo naquele tempo ainda era de confiança, e fazia frio em Portugal.
A seguir, se bem me lembro, fui ao Restaurante Maia, no Sameiro, consolar-me com o inevitável bacalhau com natas, que era então uma verdadeira especialidade.

domingo, 18 de fevereiro de 2024

Aqui há gato. Quer-se dizer, havia...

Em Fafe as pessoas gostavam muito de animais, como por exemplo gatos. Quase todos os lares tinham o seu gato ou a sua gata de companhia, principalmente derivado aos ratos, que também eram muitos e caseiros, mas recebiam visitas. Evidentemente estou a falar da parte de Fafe que me diz respeito e conheço, Fafe dos pobres. Ora, havendo gatos e gatas, havia também ninhadas, porque as coisas são como são e até os bichinhos gostam. Mas alimentar um ou dois gatos, mesmo com sobras, é uma coisa, outra coisa é sustentar uma família inteira de tarecos, ainda por cima largam pêlo como o caralho e nos primeiros tempos, antes de levarem naquele focinho para aprenderem, coitadinhos, cagam e mijam em todo o lado sem respeito nenhum. Que se segue? As pessoas gostavam muito de animais e pegavam na ninhada, deixavam um gatito de reserva e enfiavam os outros todos numa saca de sarapilheira bem fechada e bem atada a uma pedra bem pesada e pegavam na pedra, na saca e nos gatos e atiravam tudo ao rio, que eram vários e lingrinhas. Estou para fora há muito, não sei se Fafe ainda conserva esta tão bonita tradição...

P.S. - Ontem foi Dia Mundial do Gato, que também é no dia 8 de Agosto. Entre uma data e outra, creio que hoje ainda venho a tempo.

sábado, 17 de fevereiro de 2024

O Pedro e Ação

Foto Hernâni Von Doellinger

O Pedro mais Ação, mas não só Ação (Ação que me desculpe). Também Aju, Azé, Agui e Ami, Alu, Abé, Adi e Adé, Abia, Alena, Alina e Atina, Ananda, Atita, Axana e Abela, Aquina, Alela, Aberta e Aminda, Amila, Alaide, Amira e Amina, Anilde, Adora, Amela e Alice, Abecas, Alisa, Amicas e Aguida, Amilu, Amizé, Amicá e Arora, Agusta, Anela, Anô e Anor, Ané, Alinda, Adina, Azeza, Agina e assim sucessivamente. Malandro! Este Pedro Nuno Santos nunca me enganou...

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

O Secónego

Foto Hernâni Von Doellinger

O Secónego era uma sumidade arqueológica. Um sábio. Sabia das lendas, da História, das pedras, das palavras, dos nomes e dos sítios, dos livros. Sabia das origens todas. Sabia. Estão a ver o José Hermano Saraiva na televisão? Pronto, o Secónego era a mesma coisa, mas sem televisão e a sério, com base científica. Ainda por cima, tinha piada fina. O Secónego comprazia-se em explicar aos seus alunos porque é que a terra de cada um se chamava como se chamava e porque é que uns eram Silva e outros eram Lopes. Explicou-me porque é que Fafe é Fafe e eu expliquei-lhe que não tenho culpa de ser Von Doellinger.
O Secónego tinha uma maneira de falar muito cómica. Falava como quem não abre a boca, às vezes com a mão à frente, com medo talvez de que se lhe evadisse a placa. Chamava-nos a todos "Ó menino!", embora já fôssemos uns respeitáveis gandulos, e ria-se satisfatoriamente.
Quando me chegou às mãos, o Secónego já era um sábio intermitente, com apagões. Era um homem precocemente envelhecido e debilitado. De vez em quando desligava e isso fazia-me uma enorme impressão. Lembro-me que nessas alturas me apetecia chorar. Que injustiça para uma cabeça assim. Filhadaputice que ele não merecia, era o que eu achava e depois ia confessar-me, porque achar filhadaputice, fosse de que espécie fosse, era pecado no seminário.
Por falar em filhadaputice (e vão três), havia umas "brincadeiras" institucionalizadas para as aulas do Secónego. E os coninhas, que, borrados de medo, até respiravam pelas orelhas frente aos outros professores, pintavam a manta com o Secónego, numa coragem cobarde que ainda hoje me mete nojo. Eu também não era nenhum santo - e certamente por isso (e por achar filhadaputices a torto e a direito) é que me mandaram dar uma volta -, mas, para mim, as aulas do Secónego eram sagradas. Eram as únicas em que eu não mijava fora do penico. Por pena. Quem me dera que tivesse sido por respeito.
Um dia o Secónego desligou-se o interruptor em plena aula. De repente ficou ali, sentado à secretária, olhando o nada, obviamente esquecido de nós e dele, e dizia apenas "Leia, menino", apontando para ninguém. E nós lemos, mandei eu, e mandei também chamar quem o tirasse dali. Lemos: três ou quatro de nós, uns atrás dos outros, passando a Selecta de mão em mão, Vaiamos, irmana, vaiamos dormir nas ribas do lago, u eu andar vi a las aves meu amigo. E lemos a cantiga até ao fim e voltámos ao princípio, uma e outra vez, numa lengalenga interminável, e tanto fazia quem lesse, eram as minhas ordens, porque eu sentia que o som das nossas vozes apaziguava a alma cansada e ausente do velho professor. E ele merecia.
Depois levaram-no.

O Secónego tinha uma casa creio que à borda da estrada que sobe da cidade de Braga para o Bom Jesus. Padres mais novos diziam-lhe, no gozo: "Ó Secónego, que pena, uma casa tão bonita e quem por ali passa de carro só lhe vê o cume". E ele: "Pois, mas isso é à ida, menino. À vinda nem o cume vê"...

(Quando acompanhava o seu próprio corpo, o que era cada vez mais raro, o Secónego sabia mesmo muito sobre os antigamentes de Fafe, e eu regalava-me a ouvi-lo. O Secónego, assim chamado, era o cónego Arlindo Ribeiro da Cunha (1906-1976), autor, entre outras obras, de "A Língua e a Literatura Portuguesa" e de uma "Gramática Latina" que chegou à sétima edição, tendo participado como colaborador regular na Grande Enciclopédia Luso-Brasileira e na Enciclopédia Verbo. Vimaranense de São Torcato, é nome de rua em Braga. E já agora: o parágrafo anterior deve ser lido em voz alta, como quem conta uma história, sobretudo o discurso directo da última frase. Fica melhor.)

Aqui chegados, como diria o nosso Luisinho Marques Mendes, que também é um latinista, li ontem no jornal Público que "mais de quatro anos depois de sucessivas queixas, a estrada de acesso ao Bom Jesus de Braga vai ser requalificada pela Infra-estruturas de Portugal (IP) a partir de Abril ou de Março, caso o clima o permita". Lembrei-me, portanto, do Secónego, e Deus queira que não chova!

Já me tinhas dito

E diz o repórter: "As urnas fecharam e a contagem dos votos começou há cerca de dois minutos atrás". Ah!, sim, o rigor na informação! "Há cerca de dois minutos" não chegava. É que a contagem dos votos podia ter começado "há cerca de dois minutos à frente". E não era a mesma coisa.
De resto, dos "agentes da PJ à paisana" aos "carros da PJ descaracterizados", passando pelos suspeitos que "tapam a cara com o rosto" e pelo "corpo do morto que já se encontrava cadáver", tem sido um fartote. E o que sente neste momento?...

P.S. - Hoje é Dia do Repórter. No Brasil.

Tempo e resultado

Na sacramental ronda pelos vários campos, o pivô da emissão pergunta ao repórter de serviço: - Tempo e resultado? O repórter de serviço informa, conciso e preciso: - O tempo está bom e o resultado mantém-se.

Era duas vezes...

Era um velho contador de histórias, agarrado ao código deontológico e inflexível praticante do princípio do contraditório. Começava sempre assim: "Era duas vezes..."

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Eram outros carnavais

Foto Hernâni Von Doellinger

Na minha terra, naquele tempo, festividades assim familiares e praticamente religiosas como por exemplo o Entrudo tinham as suas normas, liturgia própria. Exigiam pompa e circunstância. Em Fafe, pelo Carnaval, a grande tradição eram, se me dão licença, os peidos-engarrafados lançados no Cinema. Uma lixeira de confetes e serpentinas, alguns pares de estalos, encontrões, ameaças e correrias tolas, mas sobretudo peidos-engarrafados, um fedor que não se podia mas uma grande risota, ou se calhar um grande risoto, como hoje em dia será mais fino dizer. Peidos-engarrafados e pimenta. Exactamente, pimenta culinária sacudida dos camarotes para cima da plateia. Enquanto isso, o filme. De preferência uma coboiada, com muitos tiros e estrondosas cavalgadas, mas normalmente não, porque o "programador" tinha uma ideia morcona de divertimento e folia, em nome de Deus, Pátria e Família. Anos sessenta e setenta do século passado - Portugal era assim, regra geral. Um país a bem da Nação. E há por aí uns que tais que querem esta merda de volta.
Durante o resto do ano, no Cinema, só eram permitidos peidos biológicos, caseiros, que, não desfazendo, também eram uma categoria, e para além disso tínhamos o Moisés, que isso então nem se fala! Eram peidos subversivos, contra o governo, que nos alimentava a couves e tínhamos de as comprar, porque nem os ricos as davam - vendiam-nas como se precisassem ou preferiam deitá-las aos porcos, que infelizmente não éramos nós, os pobres, no caso em apreço.

No nosso Carnaval havia corso pelas ruas do centro da vila. E o rei momo era o Tónio da Legião, bonacheirão, afavelmente decilitrado, com coroa, manto e barbas a condizer, e só podia mesmo ser ele, no trono, lá do alto do carro alegórico, palácio ou castelo, olhando de lado para o mundo. Não me lembro se lhe deram rainha. O Tónio da Legião tinha uma queda tremenda para a amizade e para a cozinha, mas isso não vem hoje ao caso. E o Aristides Carteiro, que era um senhor e praticava humorismo nas horas vagas, abria o cortejo mascarado de ciclista, realmente um disfarce à altura do seu insuspeito porte atlético.

Pelo Entrudo, em Fafe, queimava-se o Pai das Orelheiras, velha tradição popular, de afirmação de rua, que andou perdida durante anos e que a Câmara Municipal resgatou em 2017, se não me engano. No nosso Santo Velho nós fazíamos a fogueira e queimávamos o figurão. Era o ponto alto do dia, que por acaso era à noite. As nossas mães diziam-nos para não brincarmos com o fogo, porque senão, quando fôssemos dormir, iríamos mijar na cama. Nós brincávamos na mesma e ao entrarmos em casa para dormir levávamos logo o ensaio do costume, mesmo antes de se saber se mijávamos ou não, e eu achava isso muito injusto e provavelmente ilegal.
Não me vou armar em Freud, mas naquele dia elas vestiam-se deles e eles vestiam-se delas. Era uma ocasião muito esperada. Uma oportunidade. Adultos, casados e afins, saíam para a rua aos pares com as roupas ao contrário e as caras tapadas com caretas de papelão compradas no Rates, que tinha tudo mesmo antes de terem sido inventadas as lojas que têm tudo, farmácias à parte e hoje em dia os talhos. Assim disfarçados e de boca calada, os pares de foliões metiam-se com os vizinhos, e o grande divertimento era tentar descobrir quem seriam os tratantes, desconfiando-se sempre deste ou daquela, tu a mim nunca me enganaste...
A coisa às vezes acabava à pancada, mas quê, era Carnaval e ninguém levava a mal. Além disso, estávamos em Fafe e tínhamos os peidos. Os peidos-engarrafados, quero dizer.

É, bons tempos: pobretes mas alegretes. Fafe tinha belas tradições. Era tudo muito bonito e os peidos eram o nosso escape natural, o epítome do divertimento que se podia.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Eles levam o telemóvel a almoçar

Eu não percebo porque é que ele leva a namorada a almoçar. Ele também leva o telemóvel. Eu não percebo porque é que ela leva o namorado a almoçar. Ela também leva o telemóvel. Ele e ela, à mesa, ignorantes um do outro, calados um contra o outro, passam o almoço de mãos dadas. Mãos dadas ao telemóvel, ele ao dele, ela ao dela. E nem sequer ligam um ao outro.

P.S. - Hoje é Dia dos Namorados. E dos telemóveis, certamente.

On Valentine's day

Foto Tarrenego!

Os meus dias de Valentim eram porreiros. Sempre. Recebesse ele quem recebesse, Presidente da República, primeiro-ministro, ministros disto ou daquilo, fossem quiçá o Papa, Cicciolina ou até a rainha de Inglaterra, ele, Valentim Loureiro, em funções de presidente da Câmara de Gondomar ou da Metro do Porto, ultrapassava tudo e todos, tomava conta do protocolo e das operações, comandava as tropas e... armava barraca. Sempre. Era um regalo para mim e para o meu jornal de então, o 24horas, que me mandava atrás do Major à procura das partes gagas. Eu era o enviado-especial, o especialista em Valentim Loureiro, e o homem nunca me deixou ficar mal. Ele era, como eu então lhe chamava, o meu cromo da sorte. Trabalhávamos a meias. O meu papel consistia em transformar depois a notícia em anedota, e creio que também não me saía nada mal.
Desconfio que isto não me elogia, mas Valentim Loureiro gostava de mim. E ria-se do que eu escrevia. Isto é, ria-se dele próprio, o que só lhe enaltece a inteligência. Não éramos amigos, mas desaguisámo-nos apenas uma vez, se bem me lembro, em privado, e por causa da Fábrica do Ferro...
Quando os putos de Lisboa que rebentaram com o 24horas resolveram primeiro fechar a redacção do Porto, a ver se salvavam as suas próprias pessoas, Valentim Loureiro disse-me que fosse ter com ele, que me arranjava emprego. Agradeci, naturalmente, mas nunca mais lhe apareci. Prezo inegociavelmente a minha liberdade e a minha independência pessoal e profissional, ou vice-versa, mas registei. E continuo grato. Foi um dos poucos.
Valentim Loureiro, o nosso Valentim, não era santo nenhum, antes pelo contrário. Tinha um feitio filho da puta, e espero que ainda tenha, que é bom sinal. Teimoso, virulento, desbocado, vendedor de banha de cobra e de retroescavadoras com luzinhas, de pares de sapatos só direitos ou só esquerdos, oferecedor de varinhas mágicas e outros electrodomésticos, desinformado, voluntarista e amiúde irresponsável e talvez trafulha, o Major trocava sistematicamente as voltas aos seus desgraçados e bem pagos assessores, que não conseguiam ter mão nele e escondiam-se pelos cantos (já que não conseguiam esconder o patrão), chorando baba e ranho e arrepelando os cabelos de incompetência. Estes, sim, é que tinham paciência de santo, mais ordenado chorudo e garantido no fim do mês, fora as mordomias e as abébias, mais reforma de político instantânea e garantida. Coitados. 
Dirigente desportivo carismático e afável trampolineiro, visionário construtor do Boavista moderno, Valentim presidiu aos destinos do clube do Bessa durante 19 anos. Oficialmente. Não oficialmente, foram, são, muitos mais. O treinador Manuel José, que orientou os axadrezados durante a primeira metade da década de noventa do século passado, teve talvez a melhor tirada acerca de Valentim Loureiro. Disse um dia o míster, na televisão, resumindo tudo: - Às vezes, aturar o Major é pior do que ir a pé a Fátima...
E decerto era, mas eu nunca fui a Fátima a pé, e na única vez que tentei ir a São Bentinho, sem promessa ou compromisso, desisti parece-me que por alturas das Cerdeirinhas, para grande desgosto do saudoso Agostinho Cachada, que era o nosso guia. Mas Valentim Loureiro, o cromo, faz falta. Faz-me falta. Que isto Portugal está uma tristeza, um desconsolo. Uma perigosa pasmaceira...

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

A vida sem internet

Os jovens criativos da Rádio Renascença, e devem ser mesmo muito pequeninos, perguntam, num anúncio de promoção a um programa: - Já imaginou a vida sem internet? E quer-se dizer: eu já, isto é, sou desse tempo, lembro-me muito bem, e por acaso até nem se estava mal...

A fama tem um preço

Na rádio, Renascença por acaso, o reclame a uma telenovela da SIC avisa: - A fama tem um preço! Pois tem. E o arroz carolino também. E a massa-cotovelo e as batatas e os alhos e o azeite, que está pela hora de morte. As próprias pessoas, diz-se, também têm um preço. Algumas, melhor colocadas na vida, têm dois ou três...

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Rádio.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

A mãozinha encarnada

Hoje é Dia da Mão Vermelha. E muita gente considera que a efeméride comemora a "mão de Vata" com que o Benfica derrotou o Marselha (1-0), apurando-se para a final da Taça dos Campeões Europeus de 1990. Mas não. O Dia da Mão Vermelha, exigência mundial a todos os líderes políticos e militares para deixarem de recrutar crianças para a guerra, é assinalado a 12 de Fevereiro, foi o que eu disse, enquanto o golo de Vata com a mão, que valeu, festeja-se a 18 de Abril. Uma coisa, porém, é certa: naquele tempo não havia VAR, mas havia respeito. Como ontem em Guimarães, por exemplo.

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Até que a morte

O casamento, para ele, era tudo. Aliás, já ia no sexto...

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Casamento.

Fazendo pela vida

O médico deu-lhe dois anos. Ele pediu seis. O médico contrapôs três e que não podia dar mais. Ele exigiu cinco, senão nada feito. O médico disse quatro e não se fala mais nisso. Ele, negócio fechado.
 
P.S. - Hoje é Dia Mundial do Doente.

Domingo Gordo

Chamavam-lhe Domingo Gordo. E foram acusados de bullying.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Uma questão de potência


Mr. Bean estampou-se contra uma árvore. A cena tem piada, mas não é para rir. O comediante britânico Rowan Atkinson teve mesmo um acidente, em Agosto de 2011, e quase desfez o carro, que por acaso não era o Mini 1976 amarelo com volante removível e aloquete (cadeado, se lido em Lisboa) da famosa série de televisão, mas um McLaren F1 que, segundo leio, é caro que eu sei lá e dá mais de 380 à hora. Tento imaginar que 380 à hora deve ser muito à hora, à hora demais, mas não consigo, não faço ideia. A reparação do automóvel - se é que se pode chamar automóvel a este avião de calças curtas - custou à companhia de seguros mais de um milhão de euros. E eu também não sei quanto é um milhão de euros. Não faço ideia, por mais que tente imaginar.
A história tem muito que se lhe diga e realmente já tem barbas, mas a problemática que lhe subjaz está outra vez na ordem do dia, como adiante se verá.
A inveja é uma cena que não me assiste. Mr. Bean que tenha o carro que quiser e os jogadores de futebol também. Ganham bom e merecido dinheiro, melhor para eles. Que o gastem como quiserem e que gastem muito, que é óptimo para nós todos, até para as oficinas, seguradoras e outros intermediários - que eles espetam-se como tordos. Do fundo do coração, o que lhes estimo é o que lhes desejo. E que, com a graça de Deus, seja sempre só chapa. Mas, tenho de confessar, não percebo a queda desta gente para carros de mil à hora só para ir de casa ao café e do café para casa. Sabem o que se diz, aparentemente comprovado por estudos científicos: grande bomba, pila pequena? Pois se calhar. Não estudei para isso nem fui estudado, não faço a mínima. E mais até estou à vontade para falar sobre o assunto: não tenho carro e nem sequer sei conduzir...

P.S. - O primeiro jornal humorístico português foi lançado, em Lisboa, no dia 9 de Fevereiro de 1856. Chamava-se "Asmodeu" e há quem diga que afinal foi o segundo jornal humorístico português, a seguir ao "Suplemento Burlesco de O Patriota".

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Foi-se embora o melro

Foto Hernâni Von Doellinger

A minha rua adoptiva, em Matosinhos-sur-Mer, é território de gatos e gaivotas. De umas pombas, vá lá, de uns pardejos lingrinhas e de uns cães abundantemente cagões e felizmente sem asas. Mas sobretudo, e historicamente, a minha rua é território de gatos e gaivotas, que vêm ao cheiro da comida que a minha vizinha lhes manda da varanda, besuntando de espinhas, patas de frango, gorduras várias e nojo extremo a estrada e o passeio mesmo por baixo do meu nariz. A minha vizinha foi quem chamou as gaivotas, mas entretanto enxota-as a baldes de água fria, porque, não sei se mudou de religião, agora só quer conversa com os gatos.
Ora bem: há mais de trinta anos que moro na minha rua e foram precisos mais de trinta anos para que me aparecesse na rua um melro. Sim, um melro efectivamente, e apresentava-se todas as manhãs. Melro cantor que dava gosto, e lambão benza-o Deus, também ia à marmita dos gatos da vizinha, até que um dia.
Na minha rua passa bissextamente a procissão do Senhor de Matosinhos e naquela altura, isto é, no tempo do melro, estava aqui estabelecido, mesmo na porta ao lado, o Núcleo do Sporting, assiduamente visitado pelo então presidente Bruno de Carvalho, que também é um senhor, não desfazendo, e teve igualmente a sua cruz, ninguém pode dizer o contrário. Exigia-se portanto outro asseio.
Não sei se era para meter raiva aos sportinguistas locais ou se derivado a outro insondável motivo, a verdade é que o melro da minha rua, o meu melro, cantava sem parar o hino do FC Porto. E juro que não fui eu a ensiná-lo. Os melros, é o que têm, já nascem ensinados. Os melros e os macacos, há quem diga.

E eu, perante isto? Eu, que vim de Fafe habituado a melros com fartura, gostei muito que o estupor do melro tivesse dado com a minha rua adoptiva e com a frente da minha casa. Grande melro! Foi porreiro, porque assim já éramos dois. Mas quê? De repente o melro foi-se embora e Bruno de Carvalho também. Ao Bruno ainda o vejo de vez em quando a fazer figuras na televisão e leio-lhe os amores e os humores na imprensa cor-de-rosa, que é hoje em dia toda a comunicação social portuguesa. Ao outro melro é que nunca mais. Agora sou só eu.

P.S. - Bruno Miguel Azevedo Gaspar de Carvalho, gestor, comentador desportivo, artista de televisão, dizem que DJ e ex-presidente do Sporting, faz hoje anos. Então, parabéns!

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

A vidinha a andar para trás

Eu andava com grandes esperanças, lembram-se? Num dia achei um cêntimo e no dia seguinte dei de caras com dez cêntimos, assim sem mais nem menos. As caminhadas matinais à beira-mar estavam mesmo a fazer-me bem, o velho Dickens que me desculpe o trocadalho, e eu pus-me à tabela, sempre a olhar para o chão mal colocava o pé na rua e com a cabeça a fazer contas de multiplicar. A seguir seria um euro, depois dez euros, cem euros, mil euros, dez mil euros, cem mil euros e assim sucessivamente. Contava ficar rico em menos de uma semana. Mas durante uns dias, nada, nem um tostão para amostra, e eu já estava a desmoralizar, confesso. Até que ontem achei cinco cêntimos e hoje encontrei um cêntimo. Ainda fiquei pior, porque, assim inesperadamente a desmultiplicar, suponho que mais dia menos dia sou eu a perder dinheiro. E portanto deixei de sair de casa. Para além disso, estou farto de me esbarrar nas pessoas...

P.S. - Charles Dickens nasceu no dia 7 de Fevereiro de 1812.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Ai, margarina, se eu te desse a minha vida

Não sei como dizer isto sem ferir susceptibilidades, mas não há como fugir à agenda: hoje é Dia Mundial da Nutella. Também não sei a que é que sabe a nutella e até suponho que não me faz diferença. Na infância, em Fafe, tive decerto a minha pequena dose de tulicreme nalgum fortuito episódio de fartura doméstica de que não guardo grande memória, já me explicaram que nutella e tulicreme não são a mesma coisa, antes pelo contrário, mas não estou apetrechado para milimetrar a comparação nem para o debate que o assunto obviamente impõe. Por outro lado: quando a manteiga entrou em nossa casa chamava-se Planta, era bem boa e nós já achávamos que éramos ricos. Naquela altura, uma rulote muito jeitosa estacionava no nosso Santo Velho e umas senhoras muito simpáticas e de bata branca ou avental chique explicavam muito bem explicada a margarina Vaqueiro, que era outra novidade para o povo, davam a provar a quem passava, iam a casa fazer demonstrações por medida, e eu achava que a nossa Milinha de cima, a Milinha Vaqueiro, é que tinha mandado vir. Não sei se tinha...
Sei é isto: há exactamente dois anos, na Póvoa de Varzim, icónica Rua da Junqueira, uma excelentíssima bola tipo berlim com creme normal custava um euro e a merda de uma bola tipo berlim com nutella custava um euro mais vinte cêntimos. Meto-me no metro e vou lá um destes dias ver em que param as modas, e se as bolas com nutella forem este ano mais baratas, ou até dadas, compro na mesma das de creme normal...

Os carapins não bastam

Ele tinha uma pegada deveras ecológica. Fosse aonde fosse, ia sempre em pezinhos de lã. Foi apanhado apenas por não usar luvas.

P.S. - Hoje é Dia do Dactiloscopista. No Brasil. Portanto será Dia do Datiloscopista.

domingo, 4 de fevereiro de 2024

O nosso dia e o dia deles

Hoje é Dia Internacional da Fraternidade Humana. Evidentemente no próximo dia 8 de Abril será Dia Internacional do Cigano ou Dia Internacional dos Ciganos ou, mais aprazível ainda, Dia Internacional das Pessoas Ciganas. Isto é, um dia para a Fraternidade Humana, quer-se dizer, para nós, e outro dia à parte para os ciganos, só para eles, nada de misturas. E creio que é assim, com gestos mansos e amiúde cheios de boas intenções, que começam a discriminação, o racismo, a xenofobia, a intolerância e outras filhadaputices do género.

Estimo as melhoras

Foto Hernâni Von Doellinger