quinta-feira, 13 de maio de 2021

Sei de gaivotas como se fosse gaivoto

Que sou especialista na matéria, deixei-o bem explicado em "A verdade sobre as gaivotas", ensaio escrito e publicado pela primeira vez na edição do Tarrenego! de 10 de Junho de 2013 e que, em 2014, viria a valer-me o Prémio Príncipe das Astúrias de Investigação Científica e Estampilhas Fiscais relativo ao ano de 1971. Estudo-as há mais de um quarto de século, sei tudo sobre gaivotas. A rotina ou o hábito, consoante o que acontecer primeiro, dão nisto: criou-se-nos uma certa intimidade, e a bem dizer eu e elas já não passamos um sem as outras e vice-versa. Elas ainda não vêm comer-me à mão, isso é verdade, mas vêm cagar-me à varanda. E com a maior das descontracções e acrisolada acutilância. Temo até que uma certa e determinada gaivota esteja a abusar da confiança - e sei que é gaivota e não gaivoto porque a criatura trouxe ontem uma amiga, e as senhoras é que vão aos pares arriar o calhau, isso também está provado. As duas cagonas visitaram-me ontem e borraram-me as cuecas. Entre sessenta e seis peças de roupa na seca do estendal, as badalhocas apontaram às minhas cuecas e ainda por cima à parte da frente, parecia um ovo estrelado muito bem passado, mas com merda em vez de ovo. Pontaria filha da puta. A minha mulher afina com estas coisas e eu... rio-me.
Mas o caso não é para rir. A gaivota anda a escangalhar-me o lar derivado à assiduidade com que ultimamente me caga em cima. A minha mulher começa a desconfiar, lembra-se dos malabarismos do Trump, e agora já são duas gaivotas, mas eu defendo-me e digo: não é nada comigo, elas devem é estar na época de acagamento. Ou, como diz o povo, e com razão: quando caga uma gaivota, logo outra saralhota. O que é que eu posso fazer? Não fui eu que comecei. E por favor não me venham ensinar que eu deveria ter escrito "Não fui eu quem começou"...
Para provar a minha inocência de longa data, trago à colação o naco de prosa aqui exarado no dia 17 de Setembro de 2011, e que contava assim:
 
Em balão previamente aquecido
(Aviso: o que se segue é um texto de merda)
Moro mesmo em frente ao mar, se me puser de lado na varanda. E é na varanda que, depois de um jantar mais coisa e tal como o de ontem, eu gosto de fumar a minha cachimbada e beber um fundinho de CRF em balão previamente aquecido. "Em balão previamente aquecido". Não sei quem foi o génio que inventou a frase e o conceito, mas, já repararam?, sabe quase tão bem dizê-lo como bebê-lo.
E balão, para mim, é mesmo balão. Não um balãozinho ou um balo. É balão, bojudo e de boca larga, tipo Alberto João Jardim. O conteúdo até poderá ser pouco, e é, um dedo apenas e medido pela minha mulher, mas o continente quero-o pela medida grande.
Moro em frente ao mar, dizia eu, e tenho uma vizinha que dá de comer às gaivotas. A sério, dá de comer aos gatos e às gaivotas. E as gaivotas, que vêm ao cheiro, não me largam a varanda. De dia e de noite. Todos os dias e todas as noites. Creio que ainda ninguém explicou a estas gajas que só me deveriam bater à porta em caso de tempestade marítima.
Ora, a gaivota é um bicho que, como a maioria dos portugueses, come qualquer merda e anda quase sempre de soltura. Resultado: quando abre a cloaca, e aquilo é um porto franco, só de saída, chovem cagadas de alto lá com elas. Quem tinha capacete, tinha; quem não tinha, que tivesse. Isto é ciência.
Portanto, moro praticamente em frente ao mar e estava na varanda à conversa com o CRF em balão previamente aquecido, deitando um olho, de quando em vez, ao Gil Vicente-Olhanense, e isto é que eu ainda não tinha dito. Foi num desses momentos, no exacto momento em que eu disponibilizei o meu olho esquerdo para mais um fora-de-jogo mal assinalado, ainda por cima, que a puta da gaivota do costume - já te conheço a fronha, ó cagona - resolveu aliviar lastro, com uma pontaria tamanha que me acertou em cheio no indefeso balão de boca larga.
Antes de ficar realmente fodido, pensei: isto é uma metáfora do pobre país que somos, todos nos cagam em cima, até as gaivotas, e pela boca morre o peixe. Bebi um golo e não era metáfora nenhuma, era merda. Para a próxima vou beber o CRF num balãozinho, de boquinha apertadinha. Com menos merda, e previamente aquecido, não há-de saber tão mal.

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