sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Yabba dabba doo!


Já não bastavam o ciclismo, o atletismo, o halterofilismo, o futebol, o tiro, a natação, o basquetebol, o basebol, o ténis, o futebol americano, o judo, a canoagem, o bilhar, a luta greco-romana, o voleibol, o remo, a vela, o kickboxing, o chinquilho, a bisca lambida e a ginástica. Agora também a Fórmula 1.
O escândalo vai rebentar um destes dias, mas o Tarrenego! está em condições de adiantar o que lamentavelmente se passa com a especialidade rainha do desporto automóvel: estão a ver o ciclismo, aquela coisa do motorzinho escondido dentro da bicicleta a que os entendidos dão o curioso nome de doping mecânico? Pois na Fórmula 1 é exactamente o mesmo, mas completamente diferente.
Tanto quanto conseguimos apurar, os pilotos - os pilotos batoteiros, diga-se - têm disfarçado por debaixo do tapete um pequeno alçapão que abrem sobretudo em recta, quando vão a mais de 340 km/hora mas não estão suficientemente próximos do carro da frente para poderem usar o DRS, doping legal de ultrapassagem. Abrem o alçapão, dizia, e chispam os pés no alcatrão como se estivessem a correr os 100 metros nos Jogos Olímpicos, chegando com este plus aos quase 390 km/hora, não sei se estão a ver como fazia o Fred dos Flintstones...
A Fórmula 1 anda realmente uma chatice, mas especialistas anónimos chamam a isto doping humano e não concordam. E o senhor Ecclestone, que já não risca mas palpita, está fulo. Diz que, com ele, no que respeita a doping, de viagra para cima, tolerância zero...

P.S. - Publicado originalmente no dia 3 de Julho de 2016. E estavam à espera de quê? Desenho do Nestinho (Ernesto Brochado), feito de encomenda para o Tarrenego! A série The Flintstones, de Joseph Barbera e William Hanna, apareceu pela primeira vez na televisão no dia 30 de Setembro de 1960, na americana ABC.

Isaías, profeta e avançado

Isaías era profeta. Filho de Amoz, nasceu por volta de 765 a.C., acompanhou os reinados de Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias, uma linha média de se lhe tirar o chapéu quando disposta em 4-4-2 losango, casou com uma mulher conhecida apenas pelo nome de Profetisa, nome que o marido lhe pôs, e tiveram dois filhos: Sear-Jasube e Maer-Salal-Hás-Baz. Está-se a ver, portanto, aonde é que os brasileiros e a Luciana Abreu vão buscar os nomes para os seus rebentos.
Isaías escreveu um livro para a Bíblia chamado especificamente Livro de Isaías para não ser confundido com o Deuteronómio. A crítica não lhe foi favorável. Diversos especialistas descrêem que a obra tenha um único autor, Isaías ele próprio, vendo-a, antes, como um trabalho a várias mãos e de diferentes épocas, coligido eventualmente no ano 400 a.C, ou até mais tarde. Isaías seria assim uma espécie de escritor dos nossos dias, nome de capa, escritor do que já foi escrito. Por outros.
Amuado com semelhante desmerecimento público, Isaías deixou-se de profecias, abandonou o reino de Judá e veio jogar futebol para Portugal, em 1987. Começou pelo Rio Ave, brilhou no Boavista e foi para o Benfica, onde fez cinco épocas, 178 jogos e 71 golos, ganhou dois campeonatos e uma Taça. Passou pelo Coventry City, de Inglaterra, e tornou cá em 1999, para representar o Campomaiorense. Regressou ao Brasil em 2000 e pendurou as botas em 2003.
Ficaram célebres os seus dizeres numa por acaso flash interview: "Ouvi a palavra do Senhor, príncipes de Sodoma, escutai a lei do nosso Deus, povo de Gomorra."

P.S. - No dia 30 de Setembro de 1452, faz hoje anos, começou a ser impressa a chamada Bíblia de Gutenberg, considerada o primeiro livro do mundo. Hoje é Dia da Bíblia Católica, crê-se que em homenagem a São Jerónimo, doutor da Igreja e conhecido por ser o primeiro tradutor das Escrituras para o latim vulgar, popularizando assim o seu conteúdo. Já agora, e só para que conste: a minha Bíblia é protestante. Curiosamente, hoje é também Dia da Blasfémia ou, melhor dito, Dia Internacional do Direito à Blasfémia.

Mobiliário urbano (propriamente dito) 234

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

As despesas da corrida

Fez todas as despesas da corrida. Quando no fim lhe apresentaram a conta, ia morrendo do coração...

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Coração.

Like an angel

Canta como um anjo. Toca como um anjo. Dança como um anjo. Dorme como um anjo. Dizem. E eu digo: felizes os que já viram um anjo a cantar, a tocar, a dançar ou a dormir.

P.S. - Hoje é Dia dos Arcanjos. Miguel, Rafael e Gabriel.

Voto inútil

Os anjos não têm sexo. Fizeram voto de castidade?

Calmaria

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

A primeira semana do resto da nossa vida

A minha mulher meteu os papéis para a reforma. Isto é, mandou a papelada para baixo, como se dizia antigamente em Fafe. Em Janeiro estará livre. Estaremos livres, ela e eu, para finalmente realizarmos todos os sonhos de duas vidas inteiras que são só uma e vai a meio. A primeira semana já a temos completamente organizada: vamos a Nova Iorque, a Londres e a Paris. Aos Himalaias e aos Apalaches. E vamos à Conga comer uma ou duas bifanas. Se por acaso não der para tudo, vamos à Conga, e vai ser porreiro.

Giroflé flá Fleming...

Alexander Fleming - médico, farmacologista, biólogo e botânico britânico - foi o inventor da penicilina e ganhou o Prémio Nobel da Medicina em 1945. A questão ainda não está devidamente estudada e as razões continuam incógnitas, mas a verdade é que, a dado passo, possivelmente em 1952, Alexander mudou o nome para Ian e desatou a escrever livros sobre o 007.
Entre uma coisa e outra, Fleming, então chamada Rhonda, Rhonda Fleming, nome artístico de Marilyn Louis, foi actriz de filmes de aventuras e cantora em Hollywood e seus arredores. Baptizada pela imprensa especializada da época como a "rainha do Technicolor", era famosa mais pela sua beleza do que pelos seus dotes artísticos.
Para além disso temos o Victor Fleming, um dos três realizadores de "E Tudo o Vento Levou", e John Ambrose Fleming, engenheiro electricista e físico britânico, aluno de Maxwell, consultor de Marconi e colaborador de Edison. De Flemings não estamos mal servidos, não senhor, mas as inscrições continuam abertas...

P.S. - Foi no dia 28 de Setembro de 1928, faz hoje anos. Alexander Fleming, o cientista, apercebe-se de uma espécie de bolor que cresce no seu laboratório e que, sem mais nem menos, começa a matar bactérias. E, como acontece regularmente com os cientistas, o nosso Alexandre pôs-se a pensar: e se eu inventasse a penicilina com um mofo destes? E, pronto, meu dito meu feito, inventou. Assim aconteceram as coisas, mais ou menos.

Se uma gaivota viesse

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 27 de setembro de 2022

No que respeita à canalização

O Brasil celebra hoje o Dia do Encanador, ou Dia do Canalizador, como ainda se diz em Portugal. É um dia muito importante para as donas de casa em geral e nomeadamente para o segmento pornográfico da indústria cinematográfica.

Regos do cu, havia necessidade?

A gente chama a casa um técnico da tv cabo, um electricista, um picheleiro, um trolha, e o que é que nos aparece? Um homem que se aninha, que se estica, que se dobra, que se deita e que nos mostra o rego do cu. Insistentemente o rego do cu. Indecentemente o rego do cu. Havia necessidade? Porque é que as respectivas entidades patronais não lhes dão fardas recatadas, por medida, com calças de cinta alta e camisas de fralda comprida? Ou então mandem-me raparigas do sexo feminino, valha-me Deus!...

Mobiliário urbano (propriamente dito) 233

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O lobisomem

Lobisomem, ou homem dos lóbis, deverá melhor dizer-se e escrever-se lobista - palavra mais lisonjeira e já dicionarizada.

Relações públicas, vícios privados

Uma vez, há muitos anos, começava eu no meu ofício, mandaram-me a uma conferência de imprensa no palacete da secção do Porto da Ordem dos Médicos. A Ordem dos Médicos do Porto tinha então um assessor de imprensa, relações públicas ou director de comunicação, como parece que agora se diz, que era jornalista no activo, certamente com carteira profissional validada, com cargo de chefia em agência noticiosa pública e que, se a memória não me atraiçoa, também era treinador de futebol. Era portanto o verdadeiro enciclopedista do século vinte. Ou o sebastião come tudo, tudo, tudo. O homem sorria à porta da salinha, com uns bilhetinhos na mão e eu logo a pensar "só entro se pagar ou serão rifas? passo-me já ao caralho, e quero lá saber das maiúsculas..."
Os bilhetinhos. Eram perguntinhas dactilografadas como quadras para concurso de São João no Jornal de Notícias. As perguntinhas que os da Ordem dos Médicos do Porto ou pelo menos o meu obtuso camarada queriam que os jornalistas fizessem na tal conferência de imprensa, posto que eles por acaso já tinham a resposta na ponta da língua. Mandei o assessor lamber sabão, vim-me embora e nem sequer quis saber se alguém aceitou a encomenda.
Mas sei.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Relações Públicas.

Profissão, jornalista

Perguntaram-lhe:
- Profissão?
- Jornalista.
- Imprensa, televisão, rádio, agência noticiosa ou multimédia?
- Câmara municipal.

Com a casa atrás

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 25 de setembro de 2022

Um nobel para o Quinzinho da Farmácia

Hoje é Dia Internacional do Farmacêutico. E vem-me à memória, grata, o Quinzinho da Farmácia. O nosso Quinzinho da Farmácia, que, sendo farmacêutico e sobremaneira autodidacta, era o melhor médico do mundo, o médico privativo e gratuito dos pobres de Fafe, o verdadeiro médico de família ainda os médicos de família não tinham sido inventados.
Em caso de fanico arrevesado ou maleita repentina, primeiro ia-se ao Quinzinho, que tratava toda a gente por tu e tinha uma voz arrastada e grossa por baixo de um bigode em forma de bigodinho e lá em cima uns óculos muito cómicos de tirar e pôr que me faziam rir. Era uma espécie de rastreio. O Quinzinho observava cada caso minuciosamente e decidia. Se o assunto fosse da sua competência e não ultrapassasse os seus saberes, a questão ficava ali mesmo remediada sem outras alcavalas senão o preço geralmente módico dos medicamentos logo usados ou aviados para consumo doméstico, e apenas quando tal era necessário. Aos casos mais bicudos, que lhe chegavam frequentemente, às vezes em pressurosos carros de praça que se acotovelavam à porta da Farmácia Moura, impedindo o trânsito, o Quinzinho reencaminhava-os na hora para os médicos encartados ali das redondezas, não raramente sugerindo este ou aquele clínico, consoante as sintomatologias averiguadas, ou então despachava-os com urgência directamente para o hospital. E a engrenagem funcionava. Eu estou em crer que o homem merecia um nobel! Da medicina, da química, da física, da economia, da literatura - o Quinzinho ensinava bulas a analfabetos -, da paz, da compaixão, não sei bem, mas um nobel de certeza, isso é que eu sei!
E sabeis que mais? Gosto de pensar que foi a partir do nosso Quinzinho que os ingleses inventaram, muitos anos mais tarde, em 1994, o Protocolo de Manchester. E essa é que é essa.

Os sonhos são como o algodão, hidrófilos

Ultimamente dá-me para sonhar com pessoas que já morreram. Pessoas de quem gosto - familiares e amigos, sobretudo amigos. Sou um simples, acho que são saudades. Mas dizem-me que não, que o assunto é muito mais complicado, especialistas em correntes de ar e afins garantem-me que os sonhos querem dizer coisas, significam, e que não enganam. Como o algodão do Sonasol. Nos sonhos está lá tudo, e tudo acaba por bater certo. Limpinho.
Sonhar com pessoas amigas que já morreram, falar com elas no sonho, explicam-me que é o melhor que me podia acontecer. É o pré-aviso de que está aí a rebentar-me nas mãos uma fartura de boas notícias, um mar de felicidade e saúde como o aço para mim e para os meus. O que é preciso é estar atento aos recados que os defuntos da corda me querem segredar. Isto é a regra geral, científica, embora possa parecer o horóscopo.
Não sei se esta tão conveniente interpretação dos sonhos com mortos também vale para Portugal e para vivos chamados Hernâni Von Doellinger naturais de Fafe e residentes em Matosinhos-sur-Mer. Pela miséria que me tem saído na rifa nos últimos tempos, suspeito que não, mas cá fico à espera de melhores dias.
Tenho alguma pressa, confesso, porque se uma coisa sei de certeza é que os sonhos padecem de prazo de validade. Um gajo deita-se uma noite moço e convencido de que os sonhos molhados até são um acontecimento, vá lá, engraçaaaaado..., e acorda de manhã ancião e alagado em mijo derivado à incontinência urinária. A vida é tão breve, não foi?
Entretanto, gostaria de aproveitar a oportunidade para comunicar aos meus sonhos que, uma vez que desdenho a Raspadinha, o que me convinha mesmo era o Euromilhões. O jackpot do jackpot, se fazem favor. Agora vou dormir e passo à escuta.

Por falar nisso: sonhar com algodão dizem que é muito bom para a saúde e que traz uma vida cheia de dinheiro e de felicidade. Bem empregue. É preciso ser-se mesmo muito desgraçado para sonhar com algodão. Se ainda fosse com merda...

Tinha um sonho mas já não tem

Tinha um sonho muito antigo. Levou-o à Feira da Vandoma. Deram-lhe euro e meio por ele.

Tinha sonhos mas comeu-os

Tinha muitos sonhos. Comei-os todos de enfiada e ocorreu-lhe uma caganeira das antigas. É para aprender a não ser lambão...

Eles não sabem que o sono

Dormia, por norma, dezasseis ou dezassete horas, consoante fossem dias ímpares ou pares, respectivamente. Ia ao emprego marcar o ponto de saída e era alvo de todas as críticas, atacado por patrões, colegas e até pelo sindicato. Defendia-se, filosoficamente: - Vocês não sabem que o sono é uma constante da vida, tão concreta e definida como outra coisa qualquer?...

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Sonho.

Mobiliário urbano (propriamente dito) 232

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 24 de setembro de 2022

Sobre os coelhos, resolvam-se!

Ainda relativamente a esta problemática, dar-me-ia algum jeito que os especialistas se resolvessem de uma vez por todas: os coelhos são uma praga, como leio e ouço, ou, completamente pelo contrário, estão em risco de extinção, como também leio e ouço?

O grande prestidigitador

Era um mágico extraordinário: em vez de coelhos da cartola, tirava macacos do nariz.

Um coelho extraordinário

Era um coelho realmente incrível. Tirava ilusionistas da cartola.

Massacre no Parque

Meus amigos! Os coelhos do Parque da Cidade do Porto estão a desaparecer a olhos vistos. Alguém ou algo lhes está a acabar com a raça, e logo aos coelhos, que, como se sabe, procriam como coelhos. Há ali massacre em massa. Ou, talvez mais provável, em arrozada. Em todo o caso, creio estarmos inequivocamente perante a nefanda perpetração de um a todos os títulos condenável coelhocídio. Ora bem, para princípio de conversa: eu também sou frequentador, também tenho direito, aprecio o petisco, portanto muito gostaria de saber onde é que são as tainadas e agradeço que me chamem para a próxima.
Os coelhos do Parque da Cidade do Porto, que é deles, realmente? Eles eram às centenas, se calhar milhares, e agora nem um para amostra. Ainda uma destas manhãs passei por lá, chovia, portanto estava um rico dia para a prática, e nada. O que é que aconteceu ali? O que é que nos anda a ser escondido? Uma matança ordenada pela própria autarquia? Os coelhos fugiram todos para o Presépio, distraidamente convencidos de que já estamos na Páscoa? Cresceram e já não são coelhos, serão agora coelhões? O Passos Coelho anda por aí e eles, solidários, também não? Seriam do CDS e agora têm vergonha de aparecer? Serão ciganos ou pretos, e ala que se faz tarde? De uma vez por todas, quem é que os anda a comer?
Procuro, e não encontro. Pergunto, e não me respondem. Bato a portas e janelas, e nada. Ou quase nada. Às vezes mandam-me um balde de água choca pela cabeça abaixo...
Eu parece-me grave que, tirante a minha própria pessoa, mais ninguém queira saber do que aconteceu realmente aos coelhos do Parque da Cidade, que se desvaneceram, como que por artes mágicas e negras, duma noite para o dia. A Câmara do Porto não liga, a de Moimenta da Beira também não, as jotas dos partidos políticos, sempre tão atesoadas para se agarrarem a temáticas fracturantes, têm esta aqui tão jeitosa mas não estão para aí viradas. E até o Bloco de Esquerda e o PAN, em crise e amiguinhos dos animais como não há, só se preocupam com os coelhos se eles tiverem cornos e forem toureados no Campo Pequeno, em Lisboa.
Ninguém me tira a ideia, para mim houve massacre no Parque. O massacre dos coelhos.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Coelho.

Matusiños, e olé!...

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

O mal dos gelados

O mal do gelados é serem normalmente gelados. Tenho dentes de poeta, muito sensíveis, disse-me o dentista, e por isso convinha-me que os gelados fossem pelo menos mornos.

P.S. - Hoje é Dia Nacional do Sorvete. No Brasil, naturalmente.

A zartes

Top mesmo top? Nas artes plásticas, certamente a Tupperware, que uma vez estabeleceu igreja por baixo cá de casa mas já se foi embora. Nas artes metálicas, os Metallica propriamente ditos, ou então o meu sobrinho, que é mestre soldador.

P.S. - Hoje é Dia do Soldador. No Brasil.

Mobiliário urbano (propriamente dito) 231

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Eu gosto muito do SNS

Era só isto que eu tinha para dizer. Gosto muito do nosso Serviço Nacional de Saúde. Para mim, o Serviço Nacional de Saúde é as pessoas. Médicos, enfermeiros, técnicos, administrativos, auxiliares. As pessoas do Serviço Nacional de Saúde. As pessoas que cuidam de nós. De mim. E bem! Com ou sem pandemias, com ou sem problemas, com ou sem "caos". Muitíssimo obrigadíssimo!

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Gratidão.

Adopte uma árvore!

 Hoje é Dia da Árvore. Se não tem, vá ao monte e corte uma. 

Desarmado em parvo

Era tão pacifista, tão pacifista, tão objector de consciência, tão objector de consciência, tão não-violento, tão não-violento, que havia quem dissesse que ele andava constantemente desarmado em parvo.

Miss Universo

Miss Universo desejou paz mundial, amor e pão para todas as crianças. Franquelim desejou Miss Universo.

Às armas, às armas!

"Às armas, às armas! / Sobre a terra, sobre o mar, / Às armas, às armas! / Pela Pátria lutar! / Contra os canhões marchar, marchar!", aprende-se no Hino Nacional.

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Paz.

E a morte entrou na banalidade da vida

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 20 de setembro de 2022

Polícia para todo o serviço

Agora imaginem que iam a entrar no Parque da Cidade do Porto, ali junto ao Sea Life, e viam o buggy da Polícia Municipal parado às portas escarrapachadas das casas de banho públicas e ouviam de lá de dentro duas ou três daquelas potentes descargas de limpeza. O que é que pensavam? Eu ajudo. Pensavam: ao que isto chegou! Os nossos agentes da autoridade a passarem as retretes a pano... Razão têm eles quando vêm para a rua protestar "contra a degradação das condições de trabalho". Foi também o que eu pensei.
E tinha lógica. Porque a Polícia Municipal do Porto, embora seja um destacamento da PSP, actua, "para efeitos de serviço", na dependência directa do presidente da autarquia, que é Rui Moreira, e Rui Moreira tem de vez em quando assim umas saídas que valha-me Deus!...
Mas depois saiu do WC uma senhora toda fardada de verde da Câmara, e que eu sei que não é cívica, e então percebi. Acho que percebi. Se calhar não havia mais nenhum veículo disponível, e o pessoal das limpezas do Parque pegou no carro da Polícia, com os dizeres oficiais, a fitinha axadrezada a toda a volta e o pirilampo azul mas desligado, e lá foi para o servicinho. Uf!, fiquei mais descansado.
Já se sabia que os nossos polícias têm de levar papel higiénico para as esquadras se não quiserem limpar o cu às meias, mas ainda bem que ninguém os obriga a lavar as sentinas. Pelo menos para já. E que se saiba.

Alta Autoridade

Era polícia municipal e media quase dois metros. Chamavam-lhe Alta Autoridade.

Para falar com Deus

Tomou horas, foi para a fila, tirou senha, esperou vez, chamaram-lhe o número, acostou finalmente ao balcão das informações e perguntou: - Para falar com Deus, falo com quem?...

Expediente de horário

- Fechado ou encerrado?
- Volte mais tarde...

Os dias inúteis

Embirro solenemente com a terminologia manga-de-alpaca dos "dias úteis" e das "horas de expediente". A que propósito é que os nanocrânios da burocracia terreiro-paçal determinaram e mandaram publicar que os meus sábados, os meus domingos, os meus feriados e dias santos, as minhas férias, se as tivesse, ou as férias deles são dias, por assim dizer, imprestáveis para a Nação? Quem lhes deu semelhante poder?
Eu, que tenho a mania de ser antes pelo contrário, desobedeço-lhes com quanta força consigo e gozo como um perdido nos fins-de-semana e correlativos. São os meus dias mais úteis.
Depois, chateiam-me as "horas de expediente", expressão tão prestável ao duplo sentido e que sempre me deixou com a pulga atrás da orelha. A minha dúvida é apenas esta, segredada pela pulga: será que, das 9 às 17, nas Finanças, nas autarquias ou nos ministérios, o papel do funcionalismo passa por lançar mão de todos os truques e armadilhas possíveis e inimagináveis para nos infernizar a vida e sacar-nos tudo, até o cotão dos bolsos, a mando do Estado? Então mais vale ir lá bater à porta depois do fecho dos serviços. Pode ser que, sem a obrigação do expediente, sejamos enfim atendidos com honradez.

P.S. - Hoje é Dia do Funcionário Municipal. No Brasil.

Informação municipal

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

O papel de uma vida

O velho actor entrou em palco e disse, perfeito:
- Vou sair.
E saiu.

Quando elas morriam de pé

"Morta por dentro, mas de pé, de pé, como as árvores", dizia a Senhora Dona Palmira Bastos, batendo altaneira com a bengala no tablado, na beleza insubstituível do preto e branco da televisão antiga. A queridíssima Senhora Dona Palmira Bastos tinha quase noventa anos e ainda não sabia das motosserras, do urbanismo autárquico e da Amazónia.

As pancadas de Jean-Baptiste Poquelin

O francês Jean-Baptiste Poquelin inventou as famosas pancadas de Jean-Baptiste Poquelin, as quais, secas e consecutivas, batidas no piso do palco, anunciavam ao público o início de um espectáculo teatral. Alguém alvitrou, no entanto, que chamar pancadas de Jean-Baptiste Poquelin às pancadas de Jean-Baptiste Poquelin não tinha jeito nenhum, até soava mal ao ouvido, e que chamar-lhes, por exemplo, pancadas de Molière seria muito mais engraçado. Tinha razão. As pancadas mudaram então o nome para Molière e Jean-Baptiste Poquelin também. Assim se passaram as coisas.

P.S. - Hoje é Dia Nacional do Teatro. No Brasil.

O Capitão Gancho e o Capitão Iglo

Discutia-se se o Capitão Gancho era pirata ou corsário. Conversa vai, conversa vem, uns que corsário, outros que pirata, alguns até que contrabandista, ladrão, gatuno, filhodaputa, ó corno!, és pouco boi és!, como num normal jogo de futebol, mas não havia maneira de se chegar a uma conclusão ou, vá lá, como remedeio, a um consenso - e era precisa uma maioria qualificada, isto é: dois terços mais pelo menos uma via-sacra. O animado debate mudou bruscamente de rumo quando alguém recém-entrado a bordo alvitrou que o Capitão Gancho se chamava Capitão Gancho para não ser confundido com o Capitão Iglo dos douradinhos mas sobretudo porque comandava o seu navio, o Jolly Roger, com mão de ferro e vencia o Capitão Iglo quantas vezes lhe apetecesse. Aprovado por unanimidade, e ali se fez história.
Bebia-se verde tinto, e era uma rica pinga.

P.S. - Hoje é Dia Internacional de Falar Como Um Pirata. A sério!

É tão bom uma amizade assim

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 18 de setembro de 2022

Quando a água é uma merda

O estuário da ribeira da Riguinha e Carcavelos é a principal atracção turística da Praia de Matosinhos. E tem um valor ecológico incalculável. Mas não está legalmente protegido e essa omissão é um perigo. Vamos admitir que, por absurdo, algum maluco episodicamente com poder se lembrava de subterrar o curso de águas, introduzindo-o directamente no oceano: assim se destruiria um dos mais interessantes e bem frequentados gaivotais da costa portuguesa. Estão a ver o desastre?
Mais uma pergunta, já agora, e esta dirigida a quem manda, mas upa upa: para quando a criação da Reserva Natural do Gaivotal da Praia de Matosinhos? Era uma garantia, ficava o assunto resolvido.
A chamada ribeira da Riguinha desce pelos intestinos da Circunvalação, chega à praia, atravessa a praia e entra no mar, à vista de toda a gente. A este santuário, estrategicamente localizado mesmo aos pés da famosa Anémona, resvés com a portuense Praia Internacional, as gaivotas acorrem aos milhares e ao cheiro. Porque a Riguinha cheira. Quase diariamente vistoriado pelos técnicos cheiradores das câmaras do Porto e Matosinhos, o estuário da Riguinha e Carcavelos parece a desembocadura de um esgoto. A Riguinha tem tudo para ser um bom esgoto, mas é uma ribeira de papel passado. Quando chove, a ribeira alimenta-se das sarjetas das ruas e as gaivotas agradecem. As águas são gordurosas e amiúde recheadas, são ora pretas ora castanhas, sobretudo castanhas. E as gaivotas apreciam. E todo este património não se pode perder.
As gaivotas, que têm merda na barriga mas não na cabeça, não se acreditam que a Riguinha é uma ribeira. Acham que é um esgoto. E eu até as compreendo.

Os influentes

O rio Douro tem muitos e variados influentes em território nacional. Os mais importantes são os rios Côa, Sabor, Tua, Ceira, Varosa, Corgo, Ovil, Paiva, Sardoura, Tâmega, Mau, Arda, Uima e Sousa. São bastante influentes porque eles é que abastecem de água o rio Douro.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Monitorização da Água.

No tempo da fartura

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 17 de setembro de 2022

À escolha

Hoje é Dia do Panda Vermelho. Amanhã poderá ser, quem sabe, Dia do Clio Azul.

Low cost e sem bicho

Na beira da estrada, nacional treze, topo minhoto de Portugal, o letreiro em cartão canelado castanho recortado às três pancadas e infantilmente colorido, porém sem erros, avisava, fluentemente bilingue: "Fruta low cost". Era a primeira vez que eu via semelhante. Interessou-me.
Parei. Perguntei:
- Esta fruta é mesmo low cost?
- Lowcostíssima, meu caro senhor. Se encontrar fruta mais low cost, devolvemos-lhe o dinheiro. É o lema da casa...
- Qual casa?
- A carrinha, o toldo...
- E a como é o quilo?
- Da carrinha ou do toldo?
- Da fruta low cost...
- Cinco euros a caixa.
- A caixa?
- A caixa.
- Com fruta?
- Com fruta.
- Com bicho?
- Sem bicho.
- Francamente, não acho lá muito low cost...
- Olhe que mais low cost do que isto não há...
- Por acaso, ali atrás, coisa de quinhentos metros, era mais low cost...
- Mas com bicho...
- Sem bicho.
- Dou isso de low cost, quer-se dizer, mas é preciso ver a qualidade do produto. Como diz o nosso povo: às vezes o low cost sai high cost...
- Que interessante conversa! Agora que já nos entendemos, diga-me lá sinceramente: cinco euros a caixa, com fruta, sem bicho, é mesmo o mais low cost que me pode fazer?
- É preço de tabela, indexado à cotação do Brent, meu caro senhor. Amigos amigos, negócios à parte: se eu lhe levasse mais low cost, entraria em deficit, certamente em default, e estaria outra vez com a troika à perna, isto é, à leg...
- Nesse caso, arrivederci!
- Não venhas tarde...

Reciprocidade

Serviço de esplanada tem de ser pedido ao balcão. Serviço ao balcão tem de ser pedido na esplanada. Obrigado pela compreensão.

P.S. - Hoje é Dia da Compreensão Mundial, estão a perceber?

Quero a estrela-d'alva, rainha do mar

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Ligeiramente chateada nos pólos

Agora é que a Terra está ligeiramente chateada nos pólos. Derivado ao aquecimento global e respectivos degelos, que são sempre desagradáveis. E isto é científico.

P.S. - Hoje é Dia Mundial para a Preservação da Camada do Ozono.

O mistério dos hemisférios

Já repararam como o hemisfério norte encaixa tão bem no hemisfério sul, e ficam ali os dois hemisférios hermeticamente atarraxados no equador e às voltas ao Sol, sem uma folga, e sem entornarem a respectiva água dos oceanos, ainda que a Terra esteja de momento ligeiramente chateada nos pólos derivado ao aquecimento global? É um mistério. Penso muito nisto, sobretudo por causa dos peixes, coitadinhos...

Pudera eu dar-lhe conserto...

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Os fundamentos do jogo e a solidão do guarda-redes

Os fundamentos do jogo são hoje em dia uma acepção filosófica incontornável e seminal. Havia antigamente um entretimento curioso que eram onze contra onze e a bola era redonda, obviamente para se distinguir de outro entretimento curioso, também chamado râguebi, que, ao contrário do que circula em certos meios, ou mêlées, não foi inventado por Cordeiro do Vale aos sábados à tarde na RTP, e são quinze contra quinze e a bola é um melão.
Há registos antiquíssimos de quem chamasse futebol àquela coisa simples dos onze contra onze, mas era apenas premonição, um por acaso feliz, um long shot que correu bem, porém sem base científica nem atestado da Junta de Freguesia. Falava-se então nuns tais "esquemas tácticos", como se isso quisesse dizer alguma coisa, mas ninguém sabia nada de entre linhas, de entrefolhos, de verticalidade, de horizontalidade, de diagonalidade, de palavras cruzadas, de sopas de letras, de soduku, de transições rápidas como pensos ou lentas como valsas, da ocupação do espaço, do triângulo invertido, do ménage à trois, do losango, do ângulo recto e da circunferência, do poliedro, da táctica do quadrado, de Aljubarrota, das linhas subidas e da Linha da Beira Baixa, do ADN, da tibiotársica, do conceito, do preconceito, do duplo pivô, sim, do duplo pivô e do implante, do último terço do terreno e do quarto segredo de Fátima. Este avanço no tutano da inteligência universal, um pequeno passo para o homem mas um passo de gigante para a humanidade, devemo-lo a uma nova raça de comentadores e paineleiros, e não tem preço.

Por exemplo, o guarda-redes. O guarda-redes nunca teve lugar nos tais "esquemas tácticos" amadoristicamente experimentados na pré-história futebolística. Eram "onze contra onze", mas o guarda-redes, nem que fosse "o melhor do mundo", não contava para o totobola. O guarda-redes, naquele tempo de trevas, era uma espécie de Santa Bárbara (embora esse fosse do andebol), só se lembravam dele quando acontecia penálti. De resto, havia o 1-1-8, o WM, o 4-2-4, o 3-4-3, o 4-3-3 e o 3-5-2. Sobretudo. E é só fazer as contas, somar os algarismos e ver que dá dez, não onze. Até W mais M é igual a dez. O "onze contra onze" é uma fraude - eram dez contra dez e era um pau, e a bola era redonda mas nem sempre. Essa é que é essa. O guarda-redes realmente não era levado a sério (à séria, se lido em Lisboa) naquele curioso entretimento, e nós, os arrochos, os que só servíamos para a baliza nos muda-aos-seis-e-acaba-aos-doze de miúdos, eu no recreio da Feira Velha ou no Largo do Santo, em Fafe, sabemos muito bem do que estou a falar...
Oportunamente tentarei responder à questão magna e que se impõe: o que é que o guarda-redes faz na baliza. E à questão mínima e que nem por isso deixa de se impor: se o guarda-redes souber jogar com os pés, como por exemplo o Fafe teve o Quim, deve ser lançado, no período complementar, a extremo direito, quero dizer, a ala, a ala bem aberto? Na faixa?...

E toco o céu...

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Fafe na História de Portugal

Se me dão licença, eu creio que não está devidamente estudado o papel de Fafe e dos fafenses ou pré-fafenses na fundação da nacionalidade. E esta é uma lacuna particularmente repreensível numa terra que exabunda de historiadores e simpatizantes, amiúde galardoados.
Entendamo-nos. A mim nem me passa pela cabeça que Portugal tenha nascido em Guimarães, ali a menos de três léguas ou, vá lá, digamos a quatrocentos tiros de besta, em qualquer caso perto e bom caminho, e quase sempre a descer depois de Paçô Vieira, nem me passa pela cabeça, dizia, que Portugal tenha nascido em Guimarães, que é do que eles se gabam, e que em Fafe, ao mesmo tempo, não tenha acontecido nada. É impossível. Portugal de certeza que nasceu também em Fafe, nem que tenha sido só um bocadinho, mas os historiadores - são, infelizmente, os historiadores que temos - ainda não deram fé.
Eu lembro-me muito bem, e posso testemunhar, se for preciso, que, enquanto jovens e antes do futebol, os manos Pimenta Machado, ilustres fidalgos vimaranenses, passavam a vida em Fafe. Ora, se os Pimenta Machado, que eram quem eram e possuíam um considerável estabelecimento em frente às camionetas do João Carlos Soares, cujo escritório ficava praticamente ao lado do Café do Franquelim que é o Café Vitória, na parte de fora do mercado de Guimarães, se os Pimenta Machado, enfatizo, não nos desamparavam a loja, o mais certo é que, antes deles, o próprio Afonso Henriques desse também as suas voltas pelos nossos lados, nem que fosse só para desenfastiar, nada mais natural.

A Batalha de São Mamede, por exemplo. A Batalha se São Mamede de que aqui falei ontem e que, aviso já, nunca me convenceu. Custa-me a aceitar que sítios como Creixomil ou Cano (Cáno, como dizem os locais) possam ser mais importantes no que nos é contado como História de Portugal do que, por exemplo, e não vamos mais longe, Arões ou Cepães, ali mesmo ao pé, mas do lado de Fafe. Duvido, de resto, que Guimarães tivesse naquele tempo equipamentos, nomeadamente hoteleiros, para acomodar aquela espanholada toda e ainda por cima recinto preparado e certificado para a pancadaria. É que, parecendo que não, um evento desta natureza, uma batalha com cavalos e tudo, implica muita logística. Olhem só a confusão que são hoje em dia as chamadas feiras medievais...
Eu cuido que Fafe teria recebido muito mais condignamente a Batalha de São Mamede. Olho para a zona de Rilhadas, vamos um supor, e vejo a batalha ali. Vejo claramente vista. Uma zona devidamente infra-estruturada e onde sobejam as condições e comodidades para a organização de uma batalha com todos os matadores e que certamente não envergonharia ninguém.
As pistas estão aí. Há que repor a verdade dos factos. Fafe não pode continuar à porta, nas bordas da História. De uma vez por todas, Fafe deve ocupar o lugar a que tem direito. Se São Mamede foi em Rilhadas, isto é, se a Batalha de São Mamede foi de facto levada a efeito em Rilhadas? É o desafio que eu deixo aos historiadores encartados, particularmente aos intrépidos historiadores fafenses, se a tanto os ajudar o engenho e arte. E não me venham dizer que a História é omissa. Omissa? Homessa!

Ponto Final? Reticências...

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

O distraído

- Está a chover?
- Quem? Eu? Não!

Assim nasceu Portugal

Afonso Henriques, esse gabiru de estilo motoqueiro que gostava de vestir saias e há quem diga que batia na mãe, tinha uma espada que pesava toneladas e não cabia no guarda-vestidos e nem sequer existiu. O espadalhão, entendamo-nos. Já o jovem Afonso ficou na história da moda por ter sido o criador da maxissaia. Morava geralmente no austero Castelo de Guimarães e tinha um anexo charmoso chamado Paço dos Duques onde dava as suas festas que eram sobremaneira constadas. No dia 24 de Junho de 1128, tomai nota, depois de uma dessas iglantónicas farras, noitada de São João ainda por cima, Afonsinho do Condado acordou digamos maldisposto, bebeu um copo de água da mina com bicarbonato, mandou chamar o pessoal e os cavalos e derrotou a progenitora, Dona Teresa de Leão, mailo seu amante galego, Fernão Peres de Trava, na Batalha de São Mamede, levada a efeito ali mesmo nos arredores, para evitar deslocações e despesas, que o País ainda estava a começar.
Isto explica mais ou menos o que ouvi uma vez no Parque da Cidade do Porto. Foi apenas um momento, o tempo de nos cruzarmos, mas deu para perceber que a conversa ia animada. De mão dada com a mãe, o miúdo, de seis ou sete anos se tanto, perguntou, cheio de certeza na resposta a vir: - Ó mãe, a Espanha já deve ter sido de Portugal, porque D. Afonso Henriques ganhou a Espanha, não ganhou?...
Já não escutei o que lhe respondeu a mãe, mas deve-lhe ter dito que não, que não é bem assim. E no entanto...

P.S. - O Tratado de Alcanizes, definindo as fronteiras entre Portugal e Castela, foi assinado no dia 12 de Setembro de 1297

Noventa mil quilómetros quadrados

A geografia

Noventa mil quilómetros quadrados
de ousadia e sofrimento:

A oriente, a Espanha,
A norte, a terra galega.
A sul e ocidente, a dor tamanha
Do mar que já não chega,

Mas onde ainda ficaram,
Talhadas em rocha dura,
As ilhas que semearam
as pegadas da aventura.


"Recolha Poética (1954-2017)", António Arnaut

Mobiliário urbano (propriamente dito) 230

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 11 de setembro de 2022

Vai haver merda!

Um considerável pelotão de cicloturistas domingueiros passa em algazarra e desorganizado, atravancando razoavelmente a Rua Brito Capelo. O líder do grupo olha para a esquerda, para o lado do mar, e vê uma multidão de centenas de sonoros atletistas domingueiros atravancando razoavelmente o Passeio Atlântico em aquecimento aos magotes para a 7.ª Corrida Porto de Leixões. O Passeio Atlântico está já de si razoavelmente atravancado com tralha domingueira despejada pelo Município para inglês ver. Mas então, o líder dos cicloturistas, que é português de Rio Tinto, vê os atletistas e grita para trás, para os seus, provavelmente surdos:
- Vai haver uma merda! Já estamos fodidos!...
E o pelotão, bem mandado e galhofeiro e afinal excelente ouvinte, repete razoavelmente e aos repelões:
- Fodidos!... Fodidos!...
Ah!, mansa vida, as manhãs de domingo na marginal de Matosinhos...

Eu sei que vou levar nas orelhas. O Nestinho - que é cicloturista e ex-ciclista, que é atletista e maratonista bissexto, que é motociclista, mototurista e às vezes motossera, que é provavelmente uma das cinco melhores pessoas do mundo, e eu nunca soube das outras quatro - vai ralhar-me. Mas as coisas foram razoavelmente assim.

Incêndios e outros negócios

O mal dos incêndios dominados é que não gostam que lhes chamem isso: dominados. É uma questão de marialvismo, orgulho macho. E então arrebitam e continuam a arder lampeiramente uma semana depois de terem sido decretados dominados aos microfones da CMTV, e a CMTV fica toda contente, porque a CMTV é do ramo do sarrabulho e do fumeiro - disso vive, em lume brando. Os oficiais da Protecção Civil, doutores da mula ruça porém pessoas muito honradas e de boina, que antes deste rico emprego nunca tinham posto os pés num incêndio, tiraram um curso relâmpago de Teatro de Operações, vulgo TO, Forças no Terreno, Frentes Activas, Meios Aéreos & Pontos de Ignição e gostam de dar na televisão: o mais que dizem é que os incêndios de manhã, se não estão já dominados, vão entregar-se às autoridades a meio da tarde. Os oficiais da Protecção Civil e os políticos que os pariram inventaram um novo dicionário, especializaram-se em semântica, graduaram-se em eufemística e falam muito do que não sabem.
Os bombeiros estão lá no centro do vulcão a derreter, mas a eles agora ninguém lhes pode perguntar. E ainda bem, porque lá dentro faz muito calor e o calor dilata os copos. O senhor da boina e galões no camião de Fórmula 1 com ar condicionado é que sabe, e bebe águas das pedras. Geladas. E há briefings bidiários com groselha.

Quando o monte ardia, os bombeiros iam. Os bombeiros voluntários. Naquele tempo ninguém sequer sonhava ganhar dinheiro por fazer de conta que apaga incêndios - eram uns tolos. Tolos porém despachados e íntegros. Não havia rede, satélites, parabólicas ou fibra óptica, ainda não havia radiotelefones ao serviço, os telemóveis ainda não tinham sido inventados e nem sequer havia cabinas telefónicas nos montes. Parece impossível, mas lá em cima, no meio da penedia e das giestas, no Portugal das cabras e dos cabrões, não havia telefone de espécie nenhuma. E não havia SIRESP, graças a Deus. Que se segue: se eram precisos reforços, alguém vinha de motorizada dar o recado ao quartel. Pelo menos em Fafe era assim, e não havia razão de queixa.

O mal dos incêndios dominados é que não gostam que lhes chamem isso: dominados. Freud explicaria muito melhor do que eu, mas eu, de momento, não tenho o Freud aqui à mão e, com isto do entretanto profissional, perdi-lhe o número do telemóvel. Por outro lado, os incêndios estão desgostosos por lhes terem trocado o nome e mudado o objecto social. Objecto social, sim: o fogo é hoje em dia um negócio como outro qualquer - como a guerra, como a droga ou como a cirurgia plástica, por exemplo -, com múltiplas plataformas de exploração e sinergias que não param de exponenciar-se, a jusante e a montante, um extraordinário negócio que distribui transversalmente milhões e milhões e milhões de euros ou dólares consoante o paraíso, uma indústria em que todos ganham e em que apenas Portugal e os portugueses do rés-do-chão ficamos a perder.

Chamavam-se fogos antigamente e eram para apagar. Exactamente, fogos. E para apagar. Velhos tempos, coisas simples: Portugal ardia menos e não havia tanto teatro... de operações.

O homem-rã

O homem-rã apareceu à tona em câmara lenta e saiu do lago com toda a calma, perante o evidente embaraço do casal de cisnes que porteira o condomínio. Vestia um blusão de cabedal que dizia nas costas batalhão de sapadores bombeiros, bsb, passou por um bando de turistas japoneses acabadíssimos de descarregar no novo terminal de cruzeiros, sorriu para os flashes e continuou naquele andar cómico até ao bar do parque da cidade. Entrou no bar, saltou para cima de um banco, depois saltou para cima do balcão e mandou vir, com uma nota de cinco na mãozinha verde: - Coach!, coach!

P.S. - Hoje é Dia Nacional do Bombeiro Profissional.

Dantesco

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 10 de setembro de 2022

Toneladas de formosura

Moro mesmo em frente ao mar, se for para a varanda e me puser de lado. É o que costumo dizer: na minha rua passa o mar. No meu quintal estacionam navios de passeio mediterranicamente atlânticos, paquetes carregados, descarregados e outra vez carregados de turistas rotundos e supersónicos que conseguem turistar o Norte de Portugal inteiro em menos de oito horas. Há quem chame ao meu quintal, por inveja, Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões. Mas não: é o meu quintal!
Noutro dia estacionou-me ali em baixo o Costa Pacifica. São mais de 290 metros de navio para 3.780 passageiros. Os paquetes que me batem regularmente à porta têm-me dado que pensar, suscitam-me reflexões de pequena e média profundidade que aqui humildemente partilho com os meus queridos leitores. E daquela vez vieram-me à cabeça os cus. Os cus que os cruzeiros descarregam e recarregam.
Cu de turista não é brincadeira, já repararam? É traseiro de bitola larga e se for cu americano então ocupa o mundo inteiro, incluindo o México e o Brasil, menos a Alemanha e a Rússia. Até parece que para se ser turista - turista encartado - é preciso ter um cu daqueles. E o cu alemão e o próprio cu russo também para lá caminham, não querem ficar atrás. O que diz tudo a respeito dos cus.
Imagino que sejam muito ricos os camones com que me cruzo nas bordas do Porto de Leixões - eles a saírem todos cheios de good morning e eu, de passagem, "desculpem lá a shit de dog na sola da sandália, é good luck, com os cumprimentos de Matosinhos City". Tão turistas e tão prendados de cu, têm de ser muito ricos. Engordam e viajam porque podem. Se calhar são todos reformados da administração do Millennium BCP ou do BES mas não querem que se saiba.
Os turistas. Chegam e parece-me sempre um congresso de cus com sala de espera no Passeio Atlântico, que se vê à rasca para aguentar semelhante pesadelo. Toneladas e toneladas de bagagem extra em traseiros colossais e gingões mesmo à frente do meu nariz e que até naufragam tuque-tuques. Confesso: é um espectáculo que não pára de maravilhar-me. Até porque, como diz o povo que nunca andou de navio mas passa a vida vê-los passar, a gordura é formosura. Olho para os cus e olho para o barco, e só me apetece elogiar o génio humano, os avanços da ciência, os milagres da indústria, a arte e o engenho dos modernos fazedores de navios, supremos desafiadores das leis da física. Fascina-me aquilo que não consigo compreender. Para os cus e para o barco, olho. Olho para o barco e penso: como é que aquilo não vai ao fundo com tanto cu descomedido lá enfiado?

P.S. - Hoje é Dia do Gordo. No Brasil.

Serei-a? Serás-a!

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Reservado o direito de admissão

Foi má ideia aquele letreiro à porta do consultório - "Proibida a entrada de animais". Era um veterinário...

P.S. - Hoje é Dia do Médico Veterinário. No Brasil.

Um sugeito cheio de pardicados

Foto Hernâni Von Doellinger

Águas mil

Era um alcoólico que realmente sabia estar. Cada vez que se urinava pernas abaixo, ele dizia, sem entrar em pânico: - Rebentaram-me as águas. Levem-me à maternidade, por favor!

Grávidas de gémeos

As grávidas de gémeos dão à luz entre 21 de Maio e 20 de Junho.

Maria já não vai com as outras

Enquanto Maria ia com as outras, bem ia. O pior foi quando foi com o outro, só para provar. Resultou grávida de seis meses e agora as outras já não a deixam ir.

P.S. - Hoje é Dia da Grávida. Ou Dia Mundial da Grávida. Em Portugal, Dia Nacional da Natalidade.

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Era o tempo do jornalismo em cuecas

Imagem retirada dos Arquivos RTP

Uma vez eu fui a Roma comprar um Pinóquio para o meu filho, que era pequenino, coitadinho. E aproveitei para acompanhar a visita de Cavaco Silva ao Vaticano e a Itália, creio que assim nos entendemos. Isto foi em Outubro de 1987, Cavaco era primeiro-ministro de Portugal, mas eu não. Eu trabalhava no Primeiro de Janeiro e o jornal é que me mandou atrás do outro. Lembro-me muito bem do mês e até de um dia em especial, porque eu fazia anos, certos e determinados, e o padre António Rego, que ia pela Rádio Renascença, se não me engano, pôs a comitiva de jornalistas portugueses a cantar-me os "Parabéns!" ao jantar.
A imagem ali de cima é exactamente desse dia de festa, cantam as nossas almas, numa conferência de imprensa dada por Cavaco Silva nos jardins da Embaixada de Portugal junto da Santa Sé. No retrato só couberam pessoas importantes. O João Pacheco de Miranda, da RTP, televisão única, a fazer perguntas sem se rir, o nosso "primeiro" e o embaixador respectivo muito atentos, ou a fazerem de conta, e eu, não sei como é que fui ali parar, altaneiro e barbado, dominando a cena e fiscalizando as obras, até parece que faço parte da súcia. Reparem-me na airosidade, na categoria da minha pessoa, não é para me gabar, na classe da meiinha branca, no requinte do sapatinho dirópito. O casaco a estrear tinha cotoveleiras de camurça. E a gravata? A gravata evidentemente era azul e branca, como a cor única do meu coração, em delicado degradê. Gostava muito daquela gravata, acho que ainda a tenho, mas não faço ideia para quê. Eu não uso gravata, eu nem sequer uso colarinho ou casaco, eu há anos que não uso sapatos, valha-me Deus!...
Cavaco Silva foi a Roma e viu o Papa. Era João Paulo II, que agora dizem que é santo. O primeiro-ministro português levava-lhe o delicado e doloroso dossiê Timor-Leste. E eu levava umas palas de sol polaroid em cima dos óculos de ver. Umas palas de levantar ou baixar, consoante a sombra ou a luz, It is I, Leclerc, o que de repente descompôs um par de guardas suíços, que se partiram a rir, eu seja ceguinho.

Era uma das minhas primeiras saídas em serviço ao estrangeiro. E eu levava muito a sério a encomenda de enviado-especial. O meu chefe - o grande Costa Carvalho - exigia-me pelo menos uma página por dia, e uma página por dia, naquele tempo, se querem saber, era obra desenganada. Instalaram-me no Collonna Palace Hotel, na Piazza di Monte Citorio, e era do quarto com vista para a praça e pornografia na televisão que eu, ao fim do dia, antes do jantar, preparava e enviava o serviço. Por telefone. 
Eram duas ou três horas de alta tensão. Conferir apontamentos, seleccionar e hierarquizar assuntos, escrever tema principal e caixas, escolher títulos, pedir a ligação para o Porto, esperar, esperar, esperar, ditar para o gravador o material todo de uma ponta à outra. No Porto, o camarada da secretaria de redacção ouvia a cassete com travão, marcha-atrás e acelerador, como os pilotos de rali ou os pivôs de telejornal, batia os textos a todo o vapor e no final ligava-me de volta, para uma releitura que pudesse servir de emenda a eventuais lapsos de transmissão, que eram praticamente palavra sim, palavra não. E esperar, esperar, esperar. Eram muitos nervos, muita ansiedade, muito ruído e interferências na linha, muita chamada a ir abaixo, muita pomba assassinada, muito aperto na garganta, muito coração nas mãos.
Eu suava em bica, quero dizer, em espresso. Portanto trabalhava em cuecas. Isso mesmo, em cuecas. Um pobre jornalista em cuecas, era o que eu era, com uma toalha a cobrir a cadeira, outra enrolada no pescoço e um lenço tabaqueiro atado à volta da cabeça. Um homem de família, pai de filho, respeitado em dois ou três sítios de Fafe e pelos menos numa freguesia de Cabeceiras de Basto, um ex-seminarista de créditos firmados, um intrépido frequentador dos Comandos da Amadora, e ali naqueles preparos, a trabalhar em cuecas. Que triste figura! Que ridículo! Que vergonha! Em cuecas!
Para disfarçar, eu imaginava que era nadador-salvador...

Entretanto o Kiko cresceu e uma vez foi a Itália e trouxe-me dois Pinóquios. Eu nunca mais fui a Roma e, é claro, sinto-me em dívida...

Dores artroses

Ele padecia de "dores artroses". E também de evidente analfabetismo.

Pedindo com jeitinho...

Cátia Soraia entrou na universidade e mandou uma mensagem à mãe a pedir um concelho. A mãe, que é rica e boa alma, enviou-lhe Freixo de Espada à Cinta.

Copiosamente

- Eu chovo, tu choves, ele chove...

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Literacia. E Dia Internacional da Alfabetização.

Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Bodas de bicarbonato

Aprendi hoje, sem querer, que o carbonato celebra os 44 anos de um casamento. Bodas de carbonato. Posso portanto admitir que o bicarbonato assinala os 88 anos de um casamento. Bodas de bicarbonato.

O pecado original

Corria tudo bem no Paraíso. Quer-se dizer: corria tudo na paz do Senhor. Poder-se-ia até afirmar, creio que sem forçar demasiado a nota, que o Paraíso era, naquele tempo, um autêntico paraíso. Estava escrito, porém, que Adão e Eva tinham de asnear. Podiam ter cometido um pecado qualquer, um pecadinho de nada, um pecado repetido, copiado, um que estivesse na moda. Mas não! - quiseram ser originais. E deu na merda que deu. Até hoje.

P.S. - Elia Kazan, realizador de "A Leste do Paraíso", a partir da obra-prima de John Steinbeck, nasceu no dia 7 de Setembro de 1909. Já agora: hoje é Dia Internacional do Ar Limpo para o Céu Azul.

terça-feira, 6 de setembro de 2022

O Senhor Manuel Duarte

Foto Carlos Barroso/Record

Quero contar-vos duas ou três coisas sobre um fafense excelentíssimo. Manuel Almeida Duarte chegou a Fafe em 1972, andaria pelos seus 27 anos de idade. Vinha do Varzim para jogar pela nossa AD Fafe, por nós, e era uma lenda. Formara-se na Académica, jogara também no Leixões, no Sporting e no FC Porto, mas a grande aura que o rodeava derivava do facto de ele ter integrado a célebre selecção portuguesa que conquistou o terceiro lugar no Mundial de 1966, em Inglaterra. Ao lado de Eusébio, Coluna, Vicente, Simões, Hilário, Torres, José Augusto e outros colossos. Sim, Manuel Duarte era Magriço.
E era um jogador caro, para as modestas posses da AD Fafe. Apesar de ter vindo do Varzim, Manuel Duarte mantinha vínculo contratual com o FC Porto, que suportava parte do seu ordenado. Quando a ligação aos portistas cessou, o equilíbrio financeiro foi encontrado com um segundo emprego. A grande estrela de futebol começou a trabalhar como "fiel de armazém" na estamparia Marigam, de Moisés Teixeira, que era então o presidente da AD Fafe. E não lhe caíram os parentes na lama.
Posso estar enganado, mas creio que foi assim que as coisas se passaram.
Com o seu invejável currículo debaixo do braço, Manuel Duarte poderia ter sido um indivíduo vaidoso, sobranceiro, inatingível, intratável, um estoura-vergas, um bronco. Mas era exactamente o contrário. Era uma pessoa culta, educada, elegante, recatada, gentil, modesta, um homem de família, marido e pai. Tinha classe.
O estilo nervoso do seu futebol contrastava flagrantemente com a pessoa calma que ele fazia questão de ser, ainda que às vezes lhe custasse. E ao juízo da generalidade dos fafenses, digo-o porque a sua memória merece que se diga a verdade, Manuel Duarte era muito mais consensual como pessoa, isto é, como cidadão, do que como jogador de futebol, amiúde mal-amado. Em todo o caso, devo acrescentar que nunca na vida vi em campo alguém mais generoso, mais esforçado, mais disponível, mais entregue ao jogo e à sua equipa do que Manuel Duarte no meu Fafe. Era um profissional de mão cheia, um exemplo para os colegas, novos ou velhos. Tanto que, no tempo em que não havia adjuntos, foi ele o escolhido para começar a dar os treinos, diariamente ao fim da tarde, enquanto o o velho mestre Nelo Barros não chegava do seu trabalho nos escritórios da Fábrica do Ferro.
E só agora tomo nota desta curiosa coincidência: a fábrica na vida destes dois grandes homens do futebol. Na Marigam, Manuel Duarte era mais um entre as operárias e os operários, que o adoravam. Era competente e atencioso, respeitador, simples, de humildade e bonomia desarmantes. Sei disto tudo porque um dia ele teve de deixar a fábrica, para ir treinar o Limianos, se não me engano, e eu fui substituí-lo.
Conhecíamo-nos da AD Fafe, onde eu biscatara, e coincidimos na Marigam durante um ou dois meses, não me lembro ao certo, para que o Manel me passasse a pasta. Aprendi tudo com ele e vim a perceber mais tarde que ele me ensinara tudo o que havia para ensinar sobre aquele ofício - e nem sempre se encontra este tipo de abertura e lealdade profissional. Dávamo-nos bem, entendíamo-nos às mil maravilhas, acredito que nos fizemos amigos, o Manel fez-me o mapa dos alçapões, orientou-me sobre o sitio e as pessoas, sobre o trabalho, sobre a vida. Tratávamo-nos por você, como se fôssemos iguais, ele era o Manel mas na minha cabeça eu via-o sempre como o grande senhor que ele era, o Senhor Manuel Duarte.
Vim para o Porto e uma vez encontrámo-nos no cinema, no Estúdio Foco, se bem me lembro, e aproveitámos a ocasião única para pormos a conversa em dia. Depois passaram-se os anos. Vi o Manuel Duarte mais três ou quatro vezes, em Fafe, pela Senhora de Antime. Interessante. Íamos ver passar a Senhora no mesmo sítio, no cruzamento com semáforos da minha velha rua, entre o Paredes e o Zé Manco, eu do lado do Palacete, e o Manel, sempre distinto, sempre Senhor Manuel Duarte, do lado do Santo Velho. O meu lado. Nunca atravessei a estrada para o abraçar, como no meu íntimo desejava. E não me atrevia, por pudor e respeito. Também por medo. Receava que o Manel não me reconhecesse, que já não se lembrasse de mim...
Manuel Almeida Duarte nasceu em 1945 na freguesia de Vale de Azares, concelho de Celorico da Beira. E é um fafense excelentíssimo. Um dos fafenses mais excelentíssimos que tive o privilégio de conhecer. Fafense por direito próprio, excelentíssimo com todo o mérito.

Millôr Fernandes dizia: "Morrer é uma coisa que se deve deixar sempre pra depois". E também: "A ocasião em que a inteligência do homem mais cresce, sua bondade alcança limites insuspeitados e seu carácter uma pureza inimaginável é nas primeiras 24 horas depois da sua morte". Eu tento alargar o prazo.

Ah!, o amor...

Jovem par de namorados. Abraçam-se, beijam-se, apalpam-se efusivamente nas intimidades, parece-me até que copulam. Sim, copulam. E vão consultando os respectivos telemóveis.

Pespontamento

Era alfaiate. Mas não era de modas. Podia ser uma ave pernalta limícola da família dos recurvirrostrídeos, de bico comprido, fino e muito curvado para cima, patas azuladas e plumagem branca e preta, mas não. Era um insecto aquático, hemíptero, da família dos hidrometrídeos, de pernas longas, que se desloca sobre as águas. Exactamente. Alfaiate.

P.S. - Hoje é Dia do Alfaiate. No Brasil.

Mobiliário urbano (propriamente dito) 229

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Regresso às raízes

Chegou aos 65 anos, reformou-se e resolveu voltar às raízes. Mandioca, cenoura, beterraba, batata-doce, inhame, gengibre, nabo, rabanete - à base disso.

Os vampiros... na caixa de correio

Metido sorrateiramente na caixa de correio da porta de casa, um prospectozinho 21x10 em couchê fatela escrito dum lado só. Pergunta, em letras garrafais, vermelhas, "Precisa de dinheiro?" e, ainda enorme mas a preto, "Tem imóvel?"... E passa a explicar, em caracteres mais recatados: "Mesmo com penhoras, dívidas fiscais ou problemas bancários, temos a solução! Contacte-nos. Resolvemos em 48 horas. Análise gratuita". Seguem-se dois números de telemóvel, e mais nada, nem um nome, uma morada, uma marca, pois, como diz o Evangelho, "Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que fez a direita, a fim de que a tua esmola fique em segredo" (Mateus 6:3-4). Ó almas caridosas e secretas! Ainda há gente boa, graças a Deus...

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Caridade. Para ouvir, Zeca Afonso, sempre.

Virtudes teologais

Fé, esperança e caridade. A fé move montanhas. A esperança é a última a morrer. A caridade tem dias.

À imagem de Deus

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 4 de setembro de 2022

A problemática do bairro problemático

Não se pode dizer preto, não se pode dizer cigano, não se pode dizer anão, não se pode dizer maneta, não se pode dizer drogado, não se pode dizer gatuno, não se pode dizer pedinte, não se pode dizer pistoleiro, não se pode dizer sexo. Mas problemático pode dizer-se. A CMTV é especialista em problemático, sabe tudo sobre a problemática do problemático, e as outras cmtv também. Ainda agora, agora mesmo, olhei para a televisão e verifiquei que foi falecido a tiro um jovem de 24 anos num "bairro problemático". Um bairro problemático, querem eles dizer, é um bairro onde moram pretos, ciganos, anões, manetas, drogados, gatunos, pedintes, pistoleiros e gajos e gajas que se dedicam à indústria do género. Mas isto que não saia daqui.

A sarça ardente

Quando Moisés disse todo vaidoso "A minha vida dava um filme", Deus ficou bastante chateado, chegou lume ao monte e proclamou: - Agora apaga-o, que o Noé gastou-me a água toda.

Já não vamos para velhos

A verdade é esta: biblicamente falando, Moisés viveu até aos 120 anos, Jacob até aos 147, Abraão até aos 175, Adão até aos 930, Noé até aos 950, e Matusalém, filho de Enoque, pai de Lameque e avô de Noé, faleceu de repente aos 969 anos. Antigamente era assim. E agora? Agora andamos à rasca para chegarmos aos sessenta e damos graças a Deus se alcançarmos os setenta. O que estará por trás desta alteração tão radical? Glaciares, asteróides, falta de médicos de família ou tão-só falta de fé, não tenho a certeza, mas creio que a segurança social também já não aguentava...

P.S. - Hoje é Dia de São Moisés. Apesar de não ter sido oficialmente canonizado, Moisés é considerado santo pela Igreja Católica, sendo um santo patriarca.

Os meus cromos 72: Artur Soares Dias

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 3 de setembro de 2022

De molho...

Até que um dia, de tanto ouvir falar, ele pôs as barbas de molho. Mas nunca soube para quê. Se ainda fosse bacalhau! Ou, vá lá, uns tremocitos...

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Barba.

Bigodes

Tinha um belo bigode. Elegante, ralo, fino, um bigode à Errol Flynn. Nada de assombroso realmente, mas para mulher não estava mal.

Esta maneira fafense de ser-se

Vou a Oliveira de Azeméis, por exemplo, e levo uma data de "Ó jovem!", geralmente debitada por pessoas de bandeja na mão e com idade para serem, vá lá, meus netos. Afino! Ai, se soubessem como eu afino! Vou ao Porto ou a Lisboa, por exemplo, e atiram-me "Ó chefe!" acima e "Ó chefe!" abaixo, pessoas que não me conhecem de lado nenhum e com idade, vá lá, para terem juízo. Fico fodido! Ai, se soubessem como eu fico fodido! Por outro lado: vou a Fafe, por exemplo, e as pessoas, algumas com idade para serem, vá lá, meus filhos, chamam-me "Meu rico menino!", e eu aprecio, gosto. Fico feliz da vida! Quer-se dizer: todas as terras são por exemplo, mas algumas são mais por exemplo do que outras. E neste particular, deixem-me que vos diga, Fafe é, modéstia à parte, uma terra por exemplíssimo.

É. E já repararam no modo carinhoso como tratamos a comida, isto é, a comidinha. Esta maneira tão fafense e antiga, de indesmentíveis raízes galegas, que nos põe a falar mansamente da vitelinha, do pãozinho, das tripinhas, do cozidinho, do arrozinho, da massinha, do bacalhauzinho, das batatinhas, do azeitinho, da saladinha, do cabritinho. E como nós gostamos de falar de comida! E falamos de comida enquanto comemos. E no entanto, nós, os fafenses, pelos menos os já usados, somos tão capazes de manter conversas interessantes e profundas sobre gajas e carros como o resto dos portugueses. Creio até que ainda hoje ninguém nos bateria num debate sobre motorizadas, desmontando peça a peça e sem sobras o eterno dilema mural Zundapp vs. Sachs.
É. A felicidade é coisa pouca e tudo. Digo melhor: a felicidade é questão de um gajo se habituar. E para os fafenses, nisto da felicidade e de bons hábitos, a mesa é sagrada. É o altar da família, da amizade, do carinho partilhado. Dos carinhos. Dos miminhos. Da liturgia de todos os inhos. Também do bifinho para o menino, que anda com fastio e faz 32 aninhos, coitadinho. Sim, bifinho, um bifinho em prato-travessa, porque se coubesse num prato normal seria apenas bife, mas isso toda a gente sabe. E vinhinho? Está bem, uma pinguinha...

E a Dama Branca sorriu também

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Flores ao solheiro

Um restinho de sol e lá se sentavam elas comparando doenças e façanhas de netos havidos ou inventados. Rosa, Violeta, Hortênsia, Margarida, Dália, Açucena - evidentemente no jardim, ao entardecer da vida...

E se de repente?

Se de repente uma flor lhe oferecer desconhecidos, pare imediatamente com a medicação.

O caminho para a Felicidade

- É fácil, facilíssimo. Sempre em frente até ao largo da igreja, vira à direita pela rua com árvores, passa pelo campo da bola e pela sede, torna à esquerda e logo na esquina, encostada ao café e depois do funileiro, há uma casa pequenina com porta vermelha e vasinhos floridos na janela: é aí que ela mora. Ela e os dois filhos. Cuidado com o cão!

P.S. - Hoje é Dia do Florista. No Brasil. E Dia do Repórter Fotográfico. Também no Brasil.

Sem corantes nem conservantes

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Móvel do crime

Não é tão raro assim. Às vezes o móbil do crime é mesmo o móvel de sala. Acontece geralmente em família, sobretudo em casos de herança ou partilhas.

Neste país de névoa e de não ser

Foto Hernâni Von Doellinger

O Sousa das marchas

A frase era: "E ao iniciarmos os nossos trabalhos, a todos desejamos uma muito boa tarde". Mas só funcionava se fosse metida no meio de uma marcha militar de John Philip Sousa, que para mim era um músico português de Castelo de Paiva que tinha ido para a América em pequenino. Eu sabia que no Pejão, acolá nas redondezas, havia por aquela altura uma grande banda de música, quase tão boa como a nossa, a de Revelhe, e era por isso. Quanto à marcha propriamente dita, de preferência "Stars And Stripes Forever". Isso, sim, era serviço profissional. Serviço completo.

Os domingos à tarde da minha infância eram os melhores dias do mundo. Até tinham altifalantes e fanfarra. E eu adorava os altifalantes e a música. Os altifalantes chamavam por mim e eu ia hipnotizado como um rato atrás do flautista de Hamelin. As marchas de John Philip Sousa eram o indicador, o indicativo. Eram sinal de futebol no Campo da Granja, eram Festa da Bomba, eram o Santo António na minha rua, eram a Senhora de Antime que descia à vila numa tremenda e comovente procissão, a banda no fim, à ordem do bombo mas a toque de caixa, debitando uma interminável ladainha de preguiçosos e compungidos "Queremos Deus"...

P.S. - Publicado originalmente no dia 10 de Janeiro de 2013. O fenomenal John Philip Sousa - compositor, maestro, militar, atirador desportivo, escritor e etc. - era de facto luso-americano, filho de pai português de origem açoriana. Os camones chamam-lhe Suza, como a da mala de cartão. E hoje é Dia Nacional das Bandas Filarmónicas.