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terça-feira, 3 de junho de 2025

Mulheres nuas no Vaticano

As notícias
Mas que grande desgraça! Que tragédia! O dia mais negro daquela terra! O ambiente só aliviou um bocadinho quando os jornalistas encontraram o cadáver do sobrevivente...

Madeleine McCann desapareceu. E o desaparecimento da "pequena Maddie" foi o melhor que aconteceu ao meu jornal naquele ano de 2007. As notícias saíam que nem pãezinhos quentes, para delícia de um público ávido de drama, coscuvilhice e sangue cor-de-rosa. E se não havia notícias, "inventavam-se" notícias. O monstro precisava de ser alimentado e as vendas iam de vento em popa.
Uma vez o chefe mandou-me ligar ao Presidente da República, a todos os antigos presidentes da República vivos, ao primeiro-ministro, a todos os ex-primeiros-ministros vivos, ao presidente da Federação Portuguesa de Futebol, ao seleccionador nacional, que era o Scolari, aos presidentes e treinadores de FC Porto, Benfica e Sporting, ao Freitas do Amaral (já não me lembro como é que este apareceu na lista, mas ele aparecia sempre), ao cardeal-patriarca de Lisboa e... ao Papa. "Ao Papa?", perguntei eu, só para ter a certeza. "Sim, pá! Liga ao Papa! Queremos um depoimento do Papa sobre o desaparecimento da Maddie". Foi assim, palavra de honra, que o chefe me respondeu.
Portanto tinha de ligar ao Papa, que era Bento XVI. O resto era fácil, era como se já estivesse feito. Pelo prestígio, pelo rigor e seriedade, pela sua inatacável ética editorial, pelo respeito e admiração que impunha na sociedade portuguesa, o jornal onde eu trabalhava, e que só fazia merda, tinha praticamente linha directa com aquela gente toda. Agora, falar com Sua Santidade, isso, sim, seria um desafio, e ainda por cima eu estava muito mal visto no Vaticano, pelo menos desde 1987, quando lá fui com Cavaco Silva, no seu tempo de primeiro-ministro. É claro que eu podia enfiar-me no bar o dia inteiro a "tentar ligar ao Papa" e à hora do fecho da edição avisava o chefe, em Lisboa, de que "Não consegui, pá, desculpa, o gajo armou-se em difícil, não fala, eu ainda disse que ia da tua parte, mas nem assim o tipo se descoseu, sabes como são os alemães, teimosos do caralho". Porém, apesar da fama que faço render, eu não frequentava o bar.
Pensei então: o que é que há de mais parecido com o Papa e a que eu possa realmente chegar? E lembrei-me: o cardeal português D. José Saraiva Martins, que também estava em Roma como o outro, o Ratzinger, e creio que ainda era prefeito da Congregação para as Causas dos Santos. Meti as mãos ao caminho, fiz chamada atrás de chamada e ao fim da tarde consegui enfim falar com ele. Atendeu-me cheio de bondade e essessss nassss palavrassss. Conhecia o caso, sim, e deu-me a sua opinião numa conversa de quase um quarto de hora. Falou-me da menina desaparecida, disse-me que rezava por ela, mas lembrou, com lucidez e sabedoria, que é fundamental que os pais não se ponham a jeito (a expressão é minha) para que semelhantes tragédias aconteçam. Vocês também percebem, tal como eu percebi, para quem é que o nosso cardeal enviava este recado. Sim, para os estranhíssimos paizinhos da "pequena Maddie". E estranhíssimos também sou eu que digo.
No fim, D. José Saraiva Martins fez-me um pedido: "Olhe, depois mande-me o jornal, se faz favor". E eu mandei. O meu jornal era o 24horas. Exactamente. O jornal com fotografias de raparigas todas boas e as mamas ao léu. Deve ter sido um sucesso no Vaticano.

O jornal 24horas nasceu em 1998, com dinheiro suíço, muito, e morreu oficialmente em 2010, um ano depois de os seus alegados responsáveis terem liquidado a redacção do Porto, a sangue frio e pelas costas. Podem limpar as mãos à parede. Mas tinha piada o pasquim, que até chegou a ser bem feito e é a bíblia do jornalismo que hoje se faz em Portugal. No meu tempo, em 2004, o 24horas atingiu uma circulação de 60 mil exemplares por dia.
Há vinte anos, quando por lá suava as estopinhas esgravatando lixo, e os jornalistas de referência, gravata e fato às riscas faziam pouco de nós, eu dizia-lhes que se rissem baixinho, porque um dia todos os jornais portugueses seriam como o 24horas. E são. Todos. E as televisões também. Embora feitos e feitas evidentemente por jornalistas de referência, gravata e fato às riscas que trabalham pouco e agora já não têm vergonha nenhuma, nem do prejuízo que dão. O bom jornal 24horas de Alexandre Pais, que uma certa e determinada rapaziada depois estragou e descarregou sanita abaixo, está hoje em dia muito bem representado na imprensa nacional. "Je suis 24horas", dizem eles todos os dias, sem saberem que dizem, porque eles também não sabem o que fazem. Mas o 24horas, o genuíno, faz falta, e então nesta época tão asinina seria um mimo. Não fazem ideia do que eu me rio ao ler os momentosos assuntos que saem agora nos jornais e a pensar no que nós teríamos feito com eles. Seria um sucesso, diariamente a malhar e a chusma e pedir bis, coisa para anos. A desgraça que nos caiu em cima foi ter-se-nos acabado o folhetim da "pequena Maddie", que era o nosso abono de família.
A mirabolante CMTV e respectivo jornal andam agora a desenterrar o assunto e devem estar a facturar que se fartam. Recensões disparatadas, notícias a martelo, falsas maddies ou novas buscas, velhos novos suspeitos ou nem por isso, vale tudo, é sempre a bombar, e depois ainda há a "grávida da Murtosa". Porque o público merece...

P.S. - Versão optimizada, publicada no meu blogue Mistérios de Fafe, no passado dia 12 de Janeiro. Notícia de hoje: 18 anos depois do desaparecimento de Madeleine McCann, a PJ volta a fazer buscas no Algarve, a pedido da polícia alemã.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Nunca por amor 2

Casou pelo civil e casou pela Igreja. Por amor é que não!

P.S. - Hoje é Dia do Amor. E Dia dos Namorados.

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Não praticante

Dizia: - A minha religião é o trabalho. Mas não pratico...

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Religião.

Para falar com Deus

Tomou horas, foi para a fila, tirou senha, esperou vez, chamaram-lhe o número, acostou finalmente ao balcão das informações e perguntou: - Para falar com Deus, falo com quem?...

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Religião.

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Entrou para o seminário aos 11 anos...

Rui Valério entrou para o seminário aos 11 anos, conta a CNN Portugal, e hoje o Papa escolheu-o para ser o novo patriarca de Lisboa. Eu também entrei para o seminário aos 11 anos, mas, lá está, mais uma vez não fui o escolhido. Em todo o caso, não me dava jeito. Tenho a produção toda tomada até ao final do ano e, a verdade também é só uma, convinha-se um lugar cá mais para cima, para o Minho, se possível, no Alto Minho então é que era, uma casinha com um terreno, pequeno que fosse, o rio e o mar à beira...

(Publicado originalmente no dia 10 Agosto de 2023. O Seminário de Nossa Senhora da Conceição, em Braga, faz 100 anos depois de amanhã, quinta-feira, dia 14. Sigo com a série de republicações vitaminadas, assinalando a efeméride pela parte que me toca.)

sábado, 2 de novembro de 2024

Perfume de mulher

Na minha infância e princípios da juventude lidei muito com padres. E os padres cheiravam. Não como o extraordinário Padre Clementino ou o Secónego, casos particulares, que cheiravam naturalmente a mofo, mas outro cheiro, doce, aperfumado, que também não era incenso nem ares de santidade ou sacristia. Cheiravam não sabia bem a quê. Aquilo intrigava-me, ainda por cima porque eu nem fazia ideia de que havia perfumes para homens, quanto mais para padres!
Que se segue? Na vasta sabedoria dos meus dez-onze anos, resolvi então que aquilo de os padres cheirarem a perfume era para disfarçar o cheiro a tabaco. Os padres não queriam que o povo soubesse do cigarrito às escondidas. Bem visto! Porque naquele tempo fumar era um pecado muito grande, praticamente ao nível do pecado da sagrada masturbação.
E nisso fui acreditando, bem-aventurados os néscios, até que um dia, espigadote e epifanado, finalmente percebi: aquilo do perfume dos padres era mas é cheiro a mulher. E, nesse caso, Deus os abençoe...

(Publicado originalmente no passado dia 17 de Setembro de 2021. O Seminário de Nossa Senhora da Conceição, em Braga, faz 100 anos no próximo dia 14. Sigo com a série de republicações vitaminadas, assinalando a efeméride pela parte que me toca.)

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

A eminência

Um dominguinho como de costume e Deus manda. Missinha das onze, homiliazinha com palavrinhas a abater e um que outro puxãozinho de orelhas para temperar, uns acenozinhos ao rebanho, umas lambidelas recebidas na mão santa, a do cachucho, e depois... o almocinho. O almocinho de dominguinho: três pratos, tal qual a Santíssima Trindade e o outro assunto que não vem ao caso. Duas horas à mesa e sempre a dar-lhe, como se fosse castigo, penitência. "Ui! Comi que nem um abade" - desabafou, num arroto final. "Nada de modéstias, Vossa Eminência Reverendíssima Senhor Dom, afinal de contas sois cardeal, sois príncipe da Igreja" - acudiu o solícito secretário, jovem presbítero, com as maiúsculas bajuladoras numa mão e o bicarbonato de sódio na outra.
É. Deus nos livre dos afrontamentos!

P.S. - Manuel Gonçalves Cerejeira, cardeal-patriarca resignatário de Lisboa, amigo, colega e correligionário de Salazar,  morreu no dia 1 de Agosto de 1977, aos 88 anos.

sábado, 29 de junho de 2024

A culpa é do Espírito Santo

O Papa morre e a Igreja apressa-se a reunir em conclave para escolher o novo Papa. Velho. O Papa novo é sempre um velho. A Capela Sistina é preparada a todo o vapor e duas salamandras. Metidos lá dentro, fechados à chave, o lóbi italiano, o lóbi canadiano, o lóbi americano, o lóbi alemão, o lóbi austríaco, o lóbi francês, o lóbi brasileiro, o lóbi sul-americano, o lóbi africano, o lóbi africanista, o lóbi banqueiro, o lóbi dos velhos, o lóbi dos "novos", o lóbi "conservador", o lóbi "renovador", o lóbi do silêncio, o lóbi "garganta funda", o lóbi gay e outros insondáveis lóbis vão negociar o nome do sucessor do falecido. A feira do costume. Manobras, intrigas, traições, jogo baixo, tráfico pelo menos de influências. No fim anunciam o nome do novo Papa velho e dizem que a culpa foi do Espírito Santo.

P.S. - Hoje é Dia do Papa. Este texto escrevi-o aqui no dia 9 de Março de 2013. O Papa Francisco, que é atento leitor do Tarrenego!, embora talvez não o saiba, fez umas curiosas revelações a respeito do conclave que elegeu Bento XVI, em 2005. Vieram recentemente a lume. E eu tinha razão.

Tudo bons rapazes

Cada vez que há eleições para papa, sai sempre um velhinho na rifa. Um cardeal velhinho. Tem sido assim nos tempos modernos. E compreende-se: é preciso pôr na cúpula da Igreja Católica alguém com experiência, com a sabedoria da longa vida que carrega sobre os ombros, não vá repetir-se a triste história do inconsciente Jesus Cristo, que tinha apenas 33 anos e resolveu morrer por nós todos, dando origem a isto tudo. E o cardeal velhinho tem de ter muitos doutoramentos em muitas universidades gregorianas, que é só uma, mas podia ser pelo menos três, como a Santíssima Trindade, não vá sentar-se lá na praticamente infalível cadeira um pescador como Pedro ou um funcionário das Finanças como Mateus, dois burgessos que certamente escangalhariam isto tudo.
E já muito facilita o Vaticano, quedando-se pelos simpáticos septuagenários ou octogenários. Basta pensar que, biblicamente, Moisés viveu até aos 120 anos, Jacob até aos 147, Abraão até aos 175, Adão até aos 930, Noé até aos 950, e Matusalém, filho de Enoque, pai de Lameque e avô de Noé, faleceu inesperadamente aos 969 anos.
(Evidentemente também há João XII, que chegou a papa aos 18 anos, dormia com as prostitutas do pai, teve relações sexuais com a própria mãe, castrou um dos seus cardeais, cegou outro, torturou quem lhe desprazia e acabou por morrer com uma valente marretada na cabeça, gentilmente oferecida pelo marido cornudo de uma das suas incontáveis amantes. Mas isso não é desculpa.)
Não sei se sabem: todos os católicos são teoricamente elegíveis para papa. Basta-lhes serem, obviamente, baptizados, maiores de idade e homens, embora depois devam vestir saias. Isto é, eu posso ser papa, um sétimo de toda a população mundial pode ser papa, depois, na questão das saias, cada um seria para o lado que der.
Só que as eleições no Vaticano não são directas e universais. Votam apenas os cardeais, lacrados no chamado conclave, onde, nas horas mortas, contam anedotas picantes uns aos outros e fazem malha. E se votam apenas os cardeais (120 no máximo, "em nome" de cerca de 1272 milhões de almas), porque é que os velhinhos haveriam de escolher para patrão o Silva dos Plásticos, que, sendo embora uma pessoa estimável e comerciante respeitado, não lhes pertence de lado nenhum?
É! Aquilo é coisa entre padrinhos e afilhados. Como na máfia, Deus lhes perdoe...

P.S. - Hoje é Dia do Papa. Porque é Dia de São Pedro, considerado um dos pilares fundadores da Igreja Católica e primeiro papa.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Uma ponte para a eternidade

Na sua infinita insensatez, o presidente da Câmara de Lisboa resolveu baptizar a inefável ponte com o nome do cardeal Manuel Clemente, enfiando-lhe na toponímia ó meu deus o Dom e tudo. Inebriado decerto pelos vapores ainda quentinhos do que meio país atira à cara do outro meio país como tendo sido o extraordinário sucesso da Jornada Mundial da Juventude, Carlos Moedas estendeu-se ao comprido entre a capital e Loures, exactamente sobre o Trancão, arrastando desnecessariamente para a lama a graça do patriarca emérito, já enterrado em lixo até às orelhas mas por razões de força maior.
Moedas perdeu a noção por momentos, esqueceu-se da agenda, obliterou-se da realidade, entaramelou-se-lhe o entendimento, pedofilia deve ter-se-lhe confundido com columbofilia, encobrimentos soou-lhe a descobrimentos, Moedas, o presidente-padrão, perdeu de repente os sentidos, sobretudo o sentido de oportunidade, só pode ter sido, uma corrente de ar.
O meio país que atira à cara do outro meio país o extravagante desastre que terá sido a Jornada Mundial da Juventude levantou-se em armas contra a aleivosia monetária. Isto é, contra o heresia de Moedas, dar uma ponte a um homem que nunca viu abusos sexuais dentro da Igreja portuguesa, e se viu foi só um bocadinho, e portanto nada digno de registo. Um país levantar-se em armas, hoje em dia, quer dizer as alegadas pessoas irem para as chamadas redes sociais dizerem mal uma das outras, se possível insultarem-se e agredirem-se. Em nome da indignação. É assim que as nações se resolvem modernamente, muito em breve dispensaremos eleições. E as alegadas pessoas das chamadas redes sociais foram inclementes a respeito da ponte. Porque a questão era a ponte, não era?
Clemente desta vez percebeu, e, embora ainda outro dia tenha agradecida "a generosidade" da inesperada prenda autárquica, acabou por desistir e afinal já não quer a ponte para nada. Ficou tudo em águas de bacalhau. E Carlos Moedas mandou dar o caso por "encerrado" e fez saber, urbi et orbi, que depois do dia santo de ontem, vai à procura de um nome novo e inatacável, desta vez é que há-de ser.
Que tolo outra vez, o presidente da Câmara de Lisboa. Ele ainda não percebeu que a ponte já tem nome, e a culpa é só dele, Carlos Moedas, e não havia necessidade. A ponte ciclopedonal sobre o rio Trancão, entre Lisboa e Loures, chama-se Ponte Anti-Cardeal Dom Manuel Clemente em Memória de Todas as Vítimas de Pedofilia e de Outros Abusos Sexuais na Igreja Portuguesa Contra a Omissão o Encobrimento e o Esquecimento. Para todos os efeitos e para toda a eternidade.

Por outro lado. Já se terminava com os "balanços" sobre a Jornada Mundial da Juventude, não lhes parece? Toda a gente tem "O balanço que faltava", diariamente uns atrás dos outros, e já lá vão quase quinze dias desde que a coisa encerrou. De repente, em Portugal, o país inteiro é doutorado em Deus, Teologia, Fé, Religião, Igreja, Ateísmo, Agnosticismo, Indiferentismo, Laicidade, Beatismo, Concordata, Desconcordata, Clericalismo, Anticlericalismo, até parece que falamos de futebol, uns amém e outros contrém, morra o Papa, viva o Papa! E no DN, pairando sobre tudo e sobre todos, Fernanda Câncio e a Verdade.

P.S. - Publicado originalmente no dia 16 de Agosto de 2023, este foi o segundo texto mais lido no Tarrenego! durante o ano passado.

domingo, 22 de outubro de 2023

Os missionários

Hoje é Dia Internacional das Missões. E isso traz-me boas memórias. Os missionários fizeram muito parte do meu imaginário infanto-juvenil. Embora o meu seminário fosse rigorosamente diocesano, eu acompanhava-lhes as aventuras através da literatura especializada, nas revistas Além-Mar e Audácia, pelo menos. Os missionários eram também artistas de cinema, heróis e mártires. Isso, os missionários. Pedindo meia dúzia de palavras emprestadas a Emmanuel Carrère, os missionários, quando começaram e durante séculos, foram, por outro lado, umas criaturas que a Igreja mandou por esse mundo fora para baptizar os selvagens sem lhes pedir opinião.

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Uma ponte para a eternidade

Foto Ana Luísa Alvim, CML


Na sua infinita insensatez, o presidente da Câmara de Lisboa resolveu baptizar a inefável ponte com o nome do cardeal Manuel Clemente, enfiando-lhe na toponímia ó meu deus o Dom e tudo. Inebriado decerto pelos vapores ainda quentinhos do que meio país atira à cara do outro meio país como tendo sido o extraordinário sucesso da Jornada Mundial da Juventude, Carlos Moedas estendeu-se ao comprido entre a capital e Loures, exactamente sobre o Trancão, arrastando desnecessariamente para a lama a graça do patriarca emérito, já enterrado em lixo até às orelhas mas por razões de força maior.
Moedas perdeu a noção por momentos, esqueceu-se da agenda, obliterou-se da realidade, entaramelou-se-lhe o entendimento, pedofilia deve ter-se-lhe confundido com columbofilia, encobrimentos soou-lhe a descobrimentos, Moedas, o presidente-padrão, perdeu de repente os sentidos, sobretudo o sentido de oportunidade, só pode ter sido, uma corrente de ar.
O meio país que atira à cara do outro meio país o extravagante desastre que terá sido a Jornada Mundial da Juventude levantou-se em armas contra a aleivosia monetária. Isto é, contra o heresia de Moedas, dar uma ponte a um homem que nunca viu abusos sexuais dentro da Igreja portuguesa, e se viu foi só um bocadinho, e portanto nada digno de registo. Um país levantar-se em armas, hoje em dia, quer dizer as alegadas pessoas irem para as chamadas redes sociais dizerem mal uma das outras, se possível insultarem-se e agredirem-se. Em nome da indignação. É assim que as nações se resolvem modernamente, muito em breve dispensaremos eleições. E as alegadas pessoas das chamadas redes sociais foram inclementes a respeito da ponte. Porque a questão era a ponte, não era?
Clemente desta vez percebeu, e, embora ainda outro dia tenha agradecida "a generosidade" da inesperada prenda autárquica, acabou por desistir e afinal já não quer a ponte para nada. Ficou tudo em águas de bacalhau. E Carlos Moedas mandou dar o caso por "encerrado" e fez saber, urbi et orbi, que depois do dia santo de ontem, vai à procura de um nome novo e inatacável, desta vez é que há-de ser.
Que tolo outra vez, o presidente da Câmara de Lisboa. Ele ainda não percebeu que a ponte já tem nome, e a culpa é só dele, Carlos Moedas, e não havia necessidade. A ponte ciclopedonal sobre o rio Trancão, entre Lisboa e Loures, chama-se Ponte Anti-Cardeal Dom Manuel Clemente em Memória de Todas as Vítimas de Pedofilia e de Outros Abusos Sexuais na Igreja Portuguesa Contra a Omissão o Encobrimento e o Esquecimento. Para todos os efeitos e para toda a eternidade.

Por outro lado. Já se terminava com os "balanços" sobre a Jornada Mundial da Juventude, não lhes parece? Toda a gente tem "O balanço que faltava", diariamente uns atrás dos outros, e já lá vão quase quinze dias desde que a coisa encerrou. De repente, em Portugal, o país inteiro é doutorado em Deus, Teologia, Fé, Religião, Igreja, Ateísmo, Agnosticismo, Indiferentismo, Laicidade, Beatismo, Concordata, Desconcordata, Clericalismo, Anticlericalismo, até parece que falamos de futebol, uns amém e outros contrém, morra o Papa, viva o Papa! E no DN, pairando sobre tudo e sobre todos, Fernanda Câncio e a Verdade.

quinta-feira, 25 de maio de 2023

A "pequena Maddie" e o negócio das notícias

Madeleine McCann desapareceu. E o desaparecimento da "pequena Maddie" foi o melhor que aconteceu ao meu jornal naquele ano de 2007. As notícias saíam que nem pãezinhos quentes, para delícia de um público ávido de drama, coscuvilhice e sangue cor-de-rosa. E se não havia notícias, "inventavam-se" notícias. O monstro precisava de ser alimentado e as vendas iam de vento em popa.
Uma vez o chefe mandou-me ligar ao Presidente da República, a todos os antigos presidentes da República vivos, ao primeiro-ministro, a todos os ex-primeiros-ministros vivos, ao presidente da Federação Portuguesa de Futebol, ao seleccionador nacional, que era o Scolari, aos presidentes e treinadores de FC Porto, Benfica e Sporting, ao Freitas do Amaral (já não me lembro como é que este apareceu na lista, mas ele aparecia sempre), ao cardeal-patriarca de Lisboa e... ao Papa. "Ao Papa?", perguntei eu, só para ter a certeza. "Sim, pá! Liga ao Papa! Queremos um depoimento do Papa sobre o desaparecimento da Maddie". Foi assim, palavra de honra, que o chefe me respondeu.
Portanto tinha de ligar ao Papa, que era Bento XVI. O resto era fácil, era como se já estivesse feito. Pelo prestígio, pelo rigor e seriedade, pela sua inatacável ética editorial, o jornal onde eu trabalhava, e que só fazia merda, tinha praticamente linha directa com aquela gente toda. Agora Sua Santidade, isso, sim, era um desafio, e ainda por cima eu estava muito mal visto no Vaticano, pelo menos desde 1987. Claro que eu podia enfiar-me no bar o dia inteiro a "tentar ligar ao Papa" e à hora do fecho avisava o chefe, em Lisboa, de que "Não consegui, pá, desculpa, o gajo armou-se em difícil, não fala, eu ainda disse que ia da tua parte, mas nem assim o tipo se descoseu, sabes como são os alemães, teimosos do caralho". Porém eu não frequentava o bar.
Pensei então: o que é que há de mais parecido com o Papa e a que eu possa realmente chegar? E lembrei-me: o cardeal português D. José Saraiva Martins, que também estava em Roma como o outro e creio que ainda era prefeito da Congregação para as Causas dos Santos. Meti as mãos ao caminho, fiz chamada atrás de chamada e ao fim da tarde consegui enfim falar com ele. Atendeu-me cheio de bondade e essessss nassss palavrassss. Conhecia o caso e deu-me a sua opinião numa conversa de quase um quarto de hora. Falou-me da menina desaparecida, disse-me que rezava por ela, mas lembrou, com lucidez e sabedoria, que é fundamental que os pais não se ponham a jeito (a expressão é minha) para que semelhantes tragédias aconteçam. Vocês também percebem, tal como eu percebi, para quem é que o nosso cardeal enviava este recado. Sim, para os estranhíssimos paizinhos da "pequena Maddie". E estranhíssimos sou eu que digo.
No fim, D. José Saraiva Martins fez-me um pedido: "Olhe, depois mande-me o jornal, se faz favor". E eu mandei. O meu jornal era o 24horas. Exactamente. O jornal com as gajas todas boas e as mamas ao léu. Deve ter sido um sucesso no Vaticano.

Hoje é Dia Internacional das Crianças Desaparecidas. Este textinho, publiquei-o aqui pela primeira vez, mais ou menos nestes termos, em Fevereiro de 2012. O jornal 24horas nasceu em 1998 e morreu oficialmente em 2010, um ano depois de os seus alegados responsáveis terem liquidado a sangue frio a Redacção do Porto. Podem limpar as mãos à parede. Mas tinha piada o pasquim, que até chegou a ser bem feito, e é a bíblia do jornalismo que hoje se faz em Portugal.
Entretanto, a "pequena Maddie" tornou a bulir e continua a render, seja lá à pala do que for, recensões disparatadas, notícias a martelo, falsas maddies ou novas buscas, e só é pena o 24horas ter falecido de vez. Safar-se-ia agora. Como o Correio da Manhã e respectiva TV, que não se cansam de bombar. E de facturar...

quinta-feira, 2 de março de 2023

O último a sair apaga a luz!

"Católicos dão dois meses à Igreja para afastar bispos" que "tenham comprovadamente encoberto crimes de abuso sexual de menores" e exigem a suspensão dos "padres abusadores", dentro do mesmo prazo - acabo de ler na versão digital do jornal Público.
E eu, que tenho uma certa ideia sobre o assunto, pergunto: e quem é que fica a tomar conta?
Porque, a concretizar-se o ingénuo ultimato de um bem intencionado grupo de católicos, vai ser uma razia completa. É que todos os bispos portugueses sabem de casos, recentes ou antigos, e a maioria do clero subalterno também. E se bispos e padres sabem e calaram, então encobriram! E não é questão de provar ou comprovar a pecaminosa omissão, é só questão de vergonha na cara.
Por outro lado, esta seria uma boa oportunidade para deitar tudo abaixo e fazer de novo. Uma nova Igreja. Que esta está velha e já mete nojo. Mas desenganemo-nos: vai ficar tudo na mesma, infelizmente. Os bispos persistirão no engonhanço, querem apostar? Estas criaturas não têm emenda. Nem perdão.

sábado, 25 de fevereiro de 2023

E só sexo!

"Isto agora é só sexo! Que vergonha! Que nojo!", resmungou a velha senhora, sem mais nem menos, ou como quem dá os bons-dias. Era realmente uma senhora vetusta, recatadamente vestida e calçada, mas com aprumo, assim a modos de irmã da caridade à paisana. O cabelo curto, antigo, pretíssimo como só ao alcance do Restaurador Olex, as mãos cansadas e a voz decidida. "Isto agora é só sexo! Que vergonha! Que nojo!", foi o que ela disse e redisse, num veemente protesto saído do nada, acrescentando em tom menor, enquanto tentava abrir o porta-moedas: - Quanto é?...
Estávamos na padaria, com efeito. Ao balcão. Para além do desabafo, bem ensaiado, a velha senhora também queria pagar os dois bijus que já guardara na saca de pano. Atrás, na fila para a máquina registadora, uma senhora um bocado menos idosa e aparentemente mais arejada deu ideia de não ter gostado muito daquilo do "Isto agora" e retrucou, numa censura mansa:
- É por isso que no tempo da senhora as raparigas solteiras não apareciam grávidas sem se saber de quem...
- Mas eu nunca! Sabe quantos anos tenho? No-ven-ta! Noventa anos, e eu nunca!... - explodiu teatralmente a velha senhora, que encontrara enfim o que de facto viera buscar: uma discussão. Para isso saíra de casa. 
- A senhora não, mas outras sim... - devolveu-lhe a senhora um bocado menos idosa.
- Não se compara! - atirou a velha senhora. - Agora não querem outra coisa, ainda ontem, ali na paragem do autocarro, um rapaz e uma rapariga naquilo, sempre naquilo, a fazerem sexo, pareciam cães, e a televisão é só sexo, sexo, sexo, de manhã à noite e pela noite dentro, sexo, sexo, sexo, que eu bem vejo... - e de repente ia-lhe faltando o ar, coitadinha, ou então o chilique também fazia parte.
Acudiu-lhe a senhora um bocado menos idosa:
- Olhe, minha senhora, faça como eu, não veja televisão. Na verdade, algumas notícias metem mesmo nojo. E com isto da pedofilia, dos abusos dos padres, dos bispos que esconderam tudo, até já nem sei se meta a minha netinha na catequese...
- Meta, meta! - mandou a velha senhora, voz da vida e da experiência. - Isso não faz mal nenhum... - explicou. -  Isso dos padres é uma coisa muito antiga. Veja bem que era eu pequena, ao tempo que isso vai, e o nosso padre já andava metido com a minha catequista. Com ela e com outras...

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Cada um é para o que nasce

Lúcia de Jesus dos Santos morreu no dia 13 de Fevereiro de 2005. Tinha 97 anos. Nascida com um nome assim, tão predestinado, a Irmã Lúcia viu Nossa Senhora em cima de uma azinheira, guardou o segredo de Fátima, entalou Salazar e a Igreja, escreveu livros de memórias, encontrou-se com papas e foi beatificada. É praticamente santa. Eu nasci Américo Hernâni Von Doellinger e, espero que me perdoem, com um nome assim escaganifobético, não tive, não tenho hipótese...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

sábado, 28 de janeiro de 2023

O altar é uma pechincha

O Sporting só vende Porro por 45 milhões de euros, isto é, por nove altares do Papa. A pronto. E o Benfica só deixa sair Enzo por 120 milhões de euros, isto é, por 24 altares do Papa. A pronto. E ainda dizem que o altar do Papa é caro...