domingo, 31 de dezembro de 2023

Boas entradas!

Cem gramas de camarão da costa, duas ou três pataniscas ainda quentes, uma posta de bacalhau frito da parte da asa, fria, uma cebola da monda avinhada em verde tinto e sal grosso, duas navalheiras, quatro mexilhões em vinagreta, meia dúzia de azeitonas pequenas, assassinas, moelas se possível de coelho, polvo em molho verde, navalhas na plancha, iscas de fígado de cebolada, petinga de escabeche, uma mão-cheia de percebes ainda cheias de mar, cracas, lapas, um bom verde branco do Minho mais alto e não demasiado fresco, e era a continha, se faz favor.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

O jogo do pau de... Cabeceiras de Basto

Dizia eu: E não. O jogo do pau não é "uma das maiores tradições do concelho" de Fafe, ao contrário do que diz, por outro lado, a néscia propaganda autárquica. É tão tradição em Fafe como em Lisboa, em Trás-os-Montes, no Ribatejo, na Estremadura, no Algarve ou na Galiza. O jogo do pau é tão tradição em Fafe como a sueca, o futebol ou a malha, a petanca, o esconde-esconde ou o dominó, que se jogam em todo o lado.
Não. O jogo do pau não foi inventado em Fafe, não deriva da Justiça de Fafe. A Justiça de Fafe é outra coisa.

Dizia eu, no texto "À justiça o que é da justiça" com que, a 3 de Agosto de 2022, abri o meu blogue Fafismos, então ainda denominado "De Fafe com muito gosto". E que se segue? Soube-se anteontem, o "Jogo do Pau de Cabeceiras de Basto" acaba de ser classificado como património cultural imaterial. Exactamente, o jogo do pau de Cabeceiras de Basto.

Como as cerejas

Os anos são como as cerejas. Vêm uns atrás dos outros. Até um dia...

Como os melões

Os anos são como os melões. Mas ao contrário. Só depois de fechados é que se sabe se são bons. 

Por ocaso

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

As coincidências nunca são por acaso

Esta extraordinária e suspeitíssima coincidência de 31 de Dezembro anteceder sistematicamente o primeiro dia do ano seguinte deveria levar-nos a pensar. Mas não, embebedamo-nos.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

E eles a darem-lhe com o burnout

O burnout está na moda, os estrangeirismos vieram para ficar. Burnout para cá, burnout para lá, é burnout  por todos os lados, como se não tivéssemos uma palavra portuguesa, nossa, para significar isso, burnout. E temos, evidentemente temos. Temos a palavra tilt, como toda a gente sabe...

A invasão como quem não quer a coisa

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Estatisticamente saciados

Cada português come, em média, cerca de 15 quilos de bacalhau por ano, segundo dados avançados pelo Norwegian Seafood Council e repetidos por estes dias na imprensa nacional. É a beleza e a fartura das estatísticas: todos nós comemos bacalhau, mesmo os que não gostam de bacalhau, mesmo os que não comem bacalhau e mesmo os que, derivado à pobreza e à fome, não comem coisa nenhuma. Todos comemos, queiramos ou não, possamos ou não, comamos ou não, e pela medida grande. Quinze quilos para cada um, não fazemos a coisa por menos...

Dito e feito

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 23 de dezembro de 2023

A amante brasileira do Presidente

Foto Sérgio Freitas/O Minho

Eu não sabia que Ricardo Rio, presidente da Câmara de Braga, tinha uma amante brasileira e que isso era assunto. Nem sabia nem me interessava. Agora, mesmo sem querer, fiquei a saber que Ricardo Rio, presidente da Câmara de Braga, afinal não tem uma amante brasileira e que isso é assunto. O Presidente nega a amante, obviamente. Amante brasileira do Presidente com maiúscula, é falso! - é o próprio Presidente quem o garante numa extraordinária entrevista de Natal e fim de ano ao jornal O Minho. Até porque, "se fosse verdade, o Presidente não teria uma "amante". Ter-se-ia separado e teria uma relação com outra pessoa, o que (in)felizmente acontece em muitos casais. Acontece que a minha relação com a minha mulher continua com o vigor de sempre, com muito orgulho e alegria pelo percurso que trilhamos enquanto casal e enquanto família" - moralizou, muito a propósito, o Presidente.
E eu fiquei mais descansado. Afinal, falamos do Presidente que é presidente da Câmara de Braga, esse farol da moral e bons costumes, a Roma Portuguesa, a Cidade dos Arcebispos, a Capital do Barroco e o Penico do Céu, mas também a idolátrica, às vezes terra de libertinos passeadores e esplendorosos, como diria o Pacheco. Graças a Deus, não é o caso...

O Padre João Aguiar


O Padre João Aguiar celebraria hoje 74 anos se não tivesse falecido no passado dia 27 de Abril. E pelo menos sorriria ao ler esta abertura assim tão idiota. João Aguiar Campos, a quem fizeram a desfeita de fazer cónego, foi um dos mestres da minha vida, e eu disse-lho em tempo útil, portanto não vou falar disso agora. Trago é aqui uns versinhos que são dele e que eu guardo há 50 anos. Mandei-lhos em fotografia pelo Natal de 2017, ficou admirado, não sabia deles, e constou-me que então os publicou nas suas redes sociais. O original continua comigo.
Os versos escreveu-os o Padre João Aguiar propositadamente para serem lidos na abertura de um concerto de Natal que o orfeão do Seminário de Filosofia gravou com meses de antecedência para a então Emissora Nacional no auditório do Conservatório de Braga derivado à acústica, sob a supervisão técnica e embebecida do maestro Silva Pereira, se não me engano. O ensaiador e regente do orfeão era o cónego José Sousa Marques, isto é, o famoso Galinhola, disso tenho a certeza. Eu e o Salomão lemos o poema, ao jeito de jograis, ora agora digo eu, ora agora dizes tu. Foi por alturas de 1974, depois meteu-se graças a Deus o 25 de Abril, e o concerto, tanto quanto sei, nunca foi emitido.
Sem mais delongas, o poema do Padre João Aguiar é assim:

Vieram de longe abraços amigos
trazendo o calor de muitas fogueiras.
Escorreram melodias
nos dedos das ruas,
abriram-se risos
nos rostos das montras.

Natal...

Correram as crianças,
falaram avós
dos tempos que foram
e não voltarão

Natal.

Desfilaram no musgo
soldados de chumbo,
presença involuntária
das guerras reais.

Natal.

Mas
porque perdemos nas mesas
as fomes alheias
e na corrida ao passado
as lágrimas de hoje?!

porque falamos de Deus
e esquecemos Seu nome,
olhamos a estrela
e destruímos a terra?!

porque mentimos cantando?

Filho de Deus,
tem piedade de nós!

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Em sede própria

António Lacerda Sales, antigo secretário de Estado da Saúde, já tinha avisado, a propósito do seu alegado envolvimento no alegado caso das gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinal: "Eu só responderei aos detalhes do processo em sede própria". Dito e feito. Respondeu ontem. Ao jornal Expresso.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Unicórnios e gazelas

"Existem 1.203 "empresas gazela" em Portugal, 85 das quais no distrito de Braga. Este tipo de empresa, assim designada, cria mais de 10 empregos nos primeiros cinco anos de atividade, representando um "elevado crescimento económico" para os padrões nacionais" - leio no jornal O Minho. Empresas gazela, que nome catita. Gazela. Para abater mais adiante...

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

O circo sem lentejoulas

Havia uns circos muito jeitosos, pequeninos, descapotáveis, que andavam de terra em terra. Eram circos de rua, de esquina, próprios para terras de remediada dimensão. Nada de tendas, rulotes, camiões, jaulas, luzes, altifalantes, cartazes, grandes trupes, nomes extraordinários, antes pelo contrário. Eram circos de bolso, anónimos, amiúde unifamiliares - uma velha carripana, o homem, a mulher, duas ou três crianças, todos artistas, e o cão, magro como um faquir, mas não praticava. A fome devia ser muita. E o guarda-roupa deixava demasiado a desejar. A carripana era transporte, armazém, camarim e casa.
Em Fafe, na então orgulhosa vila de Fafe, abancavam no Largo, que era onde tudo acontecia, até a feira e a Volta a Portugal. Ali no ângulo da Rua 31 de Janeiro com a Praça 25 de Abril, num pedaço de passeio mais espaçoso onde hoje encosta, se não me engano, a Fafetur, era esse o sítio. O verdadeiro salão nobre da terra, com licença do Jardim do Calvário.
Eram circos sazonais e breves. Precisavam apenas de um cantinho, vinham num pé e iam noutro. Chegavam numa tarde de Verão, estendiam uma lona no chão, chamavam o povo ali à volta e iniciavam a função. Sempre a toque de caixa. Umas palhaçadas, umas cabriolas, sucintos números de malabarismo, equilibrismo e contorcionismo, às vezes até uma amostra de funambulismo ainda que curta e a baixa altitude, mas sim, porque circo que é circo obviamente trabalha no arame. Meia hora, se tanto, e estava feito. No final da apresentação e dos merecidos aplausos, uma das crianças, geralmente menina, passava pela roda do excelentíssimo público com um chapéu ou um prato na mão, recolhendo o dinheiro que cada um resolvesse dar de paga, e havia quem atirasse moedas de agradecimento para a lona coçada e rota. Assim, uma ou duas matinés, três no máximo, se a plateia o justificasse ou o dinheiro em caixa ainda não chegasse para a sopa, depois as crianças desvestiam-se do circo, os pais arrumavam os tarecos, a lona era recolhida, e toca a entrar na carripana, partiam todos, ainda de dia, decerto por causa da imensidão da viagem e aparentemente em direcção a Guimarães, que, no meu ponto de vista, naquele tempo, era em direcção ao mundo. E eu ficava como a noite.
Estes circos de porta a porta, estes extraordinários espectáculos, ando capaz de dizer que seriam os sucessores ou, pelo menos, uma derivação directa dos "Saltimbancos" que itineravam o Portugal mais profundo durante as décadas de cinquenta e sessenta do século passado, apresentando o famoso show da cabra ou "cabrinha", outro assombro dos antigos. Uma cabra, ou cabrito, vá lá, que fazia equilibrismos em cima, por exemplo, do gargalo de uma garrafa de cerveja, ela própria, a garrafa, colocada, por sua vez, em cima de um banco de madeira, dos de cozinha. Uma coisa realmente de pasmar!
A cabra, ou cabrito, vá lá, às vezes era um cão ou um gato, mais raro um macaquito marca sagui ou, também acontecia, um burro. Mas eu não me lembro de ver, nem essa parte me interessava por aí além. Não tinha, naquela idade, qualquer posição estruturada sobre a problemática da exploração de animais domésticos em sede de circo de pé-rapado, mas sabia, sempre soube, que de burros já estava Fafe bem servido. Basta pensar na burra do Reigrilo, e não é preciso ir mais longe...

(Publicado originalmente no meu blogue Fafismos)

E o mar trouxe-os a casa

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Fazer as pazes

"Esposende: Espancou ex-namorada por não aceitar separação e ameaçou-a com arma para se reconciliarem", proclama o título do jornal O Minho. Sim, reconciliação, paz, amor. É o Natal! É a força do Natal! Que bonito!...

O Natal já era

Quando se apercebeu que faltavam apenas seis dias para o Natal, ele pensou, aflito: - Meu Deus, estamos quase no fim do ano! E escangalhou o pinheiro, e desfez o presépio, e tirou as luzinhas e as estrelinhas e os anjinhos e as anjinhas, e dependurou a bola de espelhos no meio do tecto e lançou serpentinas e espalhou confetes e encheu balões e preparou a sala inteira, um brinquinho, para o réveillon...

Passadeira vermelha (para moscas)

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

É preciso saber estar

Era um bêbedo que realmente sabia estar. Cada vez que se urinava pernas abaixo, ele dizia, sem entrar em pânico: - Rebentaram-me as águas. Levem-me à maternidade, por favor!

E agora falando a sério. Hoje é Dia de Nossa Senhora do Ó, um dia que causa grande inveja em todo o restante abecedário e sobremaneira entre as vogais.

Pela luz que me alumia

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 17 de dezembro de 2023

Quando o homem quiser

Se o Natal fosse todos os dias, decerto perdia a graça, seria talvez uma chatice. Uma canseira. E era uma despesa muito grande...

sábado, 16 de dezembro de 2023

E eu, bico calado

A minha sorte é que só encontro pessoas que têm certezas absolutas sobre tudo. Sabem tudo de tudo. Eu nem abro a boca. Tenho a vida muito facilitada...

Andante con moto

Foto Hernâni Von Doellinger

O segundo andamento da 5.ª Sinfonia de Beethoven, dita Sinfonia do Destino, ou, só para complicar, melhor chamada Sinfonia n.º 5 em Dó menor Op. 67, deve ser tocado em Andante con moto. Isto é, pede-se um ritmo lento, como se fôssemos nós apenas a caminhar, naturalmente, um passo e depois outro, mas com o cuidado de não adormecermos de pé. Andante, sim, porém con moto. E isto é apenas um por exemplo.
Por outro lado, se o enxame de tuk tuk (ou auto-riquexós) que, uberdissimulados, tomou conta das ruas do Porto e cidades adjacentes deixasse de ser só para turistas e fosse, não sei como, integrado no sistema de transportes públicos da chamada Área Metropolitana, e que jeito que daria, já tínhamos um nome para a coisa: Andante con moto, exactamente. Mas isto é apenas outro por exemplo cá dos meus.

P.S. - Ludwig van Beethoven nasceu no dia 16 de Dezembro de 1770, há quem diga. Mais consensual é que terá sido baptizado no dia seguinte, 17 de Dezembro de 1770.

Menos um posto de trabalho

Foto Hernâni Von Doellinger


sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

O padre sexy e a burla

"Padre sexy de Valença alerta para burla em seu nome", dizem as notícias. E tem toda a razão. Não sei se a queixa é contra o Correio da Manhã, que certamente o rebaptizou, mas na verdade o rapaz sacerdote chama-se Ricardo Esteves. Isso, Ricardo José Carreira Esteves. Chamar-lhe "padre sexy" é realmente um embuste, um truque para vender jornais. Enfim, uma burla. Em seu nome. E em nome do pai, do filho e do espírito santo.

Pai duas vezes

E ao segundo filho, ele tornou-se avô. Pai duas vezes, é o que se diz, não é?...

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

O mal de Paulo Raimundo

Foto Partido Comunista Português

O mal de Paulo Raimundo é ser parecido com ele próprio. Isto é, o grande defeito de Paulo Raimundo é não ser parecido com ninguém. E o que é que se segue? Para a imensa maioria dos portugueses, mais do que uma incógnita, o secretário-geral do PCP continua a ser um incógnito.
Ainda anteontem. Eu e o Lopes vínhamos a sair da Conga, em direcção à Câmara do Porto, e passámos por três indivíduos conversando, um dos quais, dissemos nós um ao outro praticamente ao mesmo tempo, "Olha um tipo parecido com o Paulo Raimundo...", rimo-nos um bocadinho com a coincidência, porque é uma coisa que gostamos muito de fazer, rir um bocadinho, e seguimos com a nossa vidinha, que naquela tarde era entrarmos no carro e o Lopes trazer-me a Matosinhos, à porta. 
À noite, em casa, varejando os títulos das notícias, é que eu dei fé que o líder comunista tinha andado de facto pela Invicta, o tipo parecido com o Paulo Raimundo era mesmo o Paulo Raimundo e os outros dois indivíduos afinal não eram indivíduos mas camaradas, evidentemente. E fiquei deveras aborrecido, porque faria muito gosto em ter-lhe dado uma mãozada, ao bom do Raimundo, até porque acho que o homem merece.
Merece, mas! Aquela aspecto de pessoa normal não o recomenda. Aquele ar mancebo, aquela cara de boa gente, aquele sorriso tímido e verdadeiro, aquela presença asseada, limpinha, aquela estampada honestidade, aquele porte de 16.º na lista de candidatos à assembleia de freguesia, aquele terra-a-terrismo, aquela normalidade toda, diria eu, só o desabonam. Invisibilizam-no. Apagam-no aos olhos e à memória dos demais. Na rua, Paulo Raimundo passa ao lado de si próprio, como se nada fosse. E, se for distraído, às tantas nem se reconhece. Paulo Raimundo devia ser parecido com outra pessoa qualquer, por exemplo Jerónimo de Sousa, para se saber imediatamente que aquele que ali está é o Paulo Raimundo em pessoa.
Ou então o secretário-geral do PCP devia ir muito mais às televisões e aos jornais e às chamadas redes sociais, montar lá banca, dizer uns tremendismos quaisquer, chamar nomes às pessoas, como os líderes do Chega e da Iniciativa Liberal (IL), que esses dois, assim, toda a gente sabe quem são.
Toda a gente, mas não é geral. Eu, por exemplo, se me pusessem o da IL numa fila de identificação policial, palavra de honra que não saberia apontá-lo. Assim de repente não faço ideia da cara dele, precisaria talvez de uma cábula, uma fotografia daquelas "Procura-se", porque, a verdade também é só uma, esse, o tal liberal, nem com ele próprio deve ser parecido.

Concerto para cinco pés e dois violinos

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

O galo do presépio

Este ano metemos o galo no presépio. Todos os anos experimentamos um melhoramento natalício, há muito que andávamos com o galo debaixo de olho, e foi este ano. Agora lá está ele, altaneiro e bico calado, mas imaginamo-lo todo kikirikiki como o Jerónimo do reclame da Compal, a anunciar o nascimento do Menino Jesus exactamente às 7h30, conforme muito bem podia constar da Bíblia.
O nosso galo do presépio é um galo de Barcelos, mas, atenção, não é o Galo de Barcelos. Nada de parolices, valha-nos Deus! É um galo de capoeira, obra de mestre barcelense, isso sim, 6x4 centímetros, a obra, um euro e meio, o preço. É arte.
Só presépios temos oito, para além de mais meia dúzia de Meninos Jesus avulsos, e nem as casas de banho escapam ao nosso Natal. Pusemos o galo novo no presépio principal, evidentemente. O nosso é um presépio inclusivo, ao contrário do presépio do falecido papa Bento XVI, que em 2012 resolveu expulsar a vaca e o burro, porque, sentenciou, no local do nascimento de Jesus "não havia animais". Portanto, concluí eu, também não havia ovelhinhas, o que quer dizer que também não houve pastorinhos do deserto. Sobravam, inequivocamente, os três reis magos. Gente fina, vinho de outra pipa. Reis. E magos (porque o champanhe ainda não tinha sido inventado). Esses, é certo, estiverem lá, em representação de toda a humanidade - segundo Ratzinger. Estiveram os reis magos e os anjos cantadores. Os anjos também estiveram.
Que se segue? Eu por acaso até era mais dado a acreditar no burro e na vaca do que na mirabolante história de Gaspar, Melchior e Baltasar, uma boa linha média para quem jogue em 4-3-3, mas que se há-de fazer? Na verdade, eu por acaso até sou capaz de acreditar mais no burro e na vaca do que nos anjos e no presépio completo, a começar pelo dogma da virgindade de Maria tal como está estabelecido. Mas quê? Mais de dois mil anos a aquecerem o Menino com os respectivos bafos, e foi este o pagamento que o burrinho e a vaquinha receberam.
Cá em casa, não. No nosso presépio entram todos. Sem excepção. Pastores, trolhas, cabrinhas, escafandristas, empregados de mesa, com e sem-abrigo, prostitutas, levandiscas, lambe-botas, grilos, reis magos e outros artistas de circo, polícias municipais, cães e gatos, sapos e ciganos, evidentemente o burro e a vaca, que se lixe o Vaticano!, e agora o galo, se calhar para o ano um porco e depois uma avestruz, o Ben-Hur, se também quiser, o He-Man, o Super-Homem, o homem-estátua, a Justiça de Fafe, a Barbie, o Nenuco, a Popota, a Irmã Lúcia, o Padre Cruz, o Zé Povinho e o Fradinho das Caldas, o Tutankhamon, Marcelo Rebelo de Sousa e até Bento XVI se entretanto sair em boneco.
Deus é grande, e o nosso presépio está cada vez maior.

(Publicado originalmente no meu blogue Fafismos)

Cinco violinos

Claudio Monteverdi, Paganini, Samvel Yervinyan, Camille Berthollet e Hilary Hanh. Ou por outra: Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano.

P.S. - Hoje é Dia do Violino.

O preço da fé

No tempo em que a fé era de graça, copo e vela dez tostões. Isto em Fátima. No Pérola Negra, copo e bela um conto e quinhentos.

P.S. - Dizem que Hoje é Dia Mundial da Iluminação por Velas.

Lampiões tristes e sós

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

O sermão da montanha

Era uma alma sensível e só. Comovia-se com a natureza, conversava com o vento. Gostava de subir ao monte para ver as vistas. E ouvir as audições. E cheirar os olfactos.  

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Montanha.

Chegou a vez deles

Foto Hernâni Von Doellinger

Começava o ano de 2009 e o grupo Controlinveste, de Joaquim Oliveira, perpetrou o despedimento colectivo de 122 trabalhadores, mais de 50 dos quais eram jornalistas. A Controlinveste era dona do Diário de Notícias (DN), do Jornal de Notícias (JN), do 24horas e do desportivo O Jogo, além da rádio TSF, da revista Volta ao Mundo e dos canais televisivos SportTV. Desde os anos oitenta que não acontecia uma razia assim em Portugal, quando fecharam títulos como O Diário, o Diário Popular e o Diário de Lisboa.
Em Janeiro de 2009 eu era jornalista do 24horas no Porto e o 24horas no Porto acabou. O DN no Porto ficou reduzido ao osso e o JN passou mais ou menos incólume pelos pingos da chuva, fora o azar de uns poucos que decerto tinham a mania de desagradar às chefias, as quais, nestas coisas do salve-se quem puder, geralmente são piores do que os patrões.
Fez-se greve. Uma greve coitadinha, isto é, fizeram greve os que iam morrer, e poucos mais, embora tenha sido tentada uma coisa em grande, testicular, greve geral do grupo, num plenário que foi uma desgraça. Os jornalistas do JN, sobretudo os promissores jornalistas do JN, evidentemente na rampa de lançamento para voos que afinal nunca alcançaram, avisaram logo que não, que era preciso ver o quadro completo, não vamos agora prejudicar uns por causa dos outros, que já estão condenados e estão, as coisas são como são, sejamos realistas, é uma chatice, isso é, pá, acontece, solidariedade, sim, obviamente, para isso cá estamos, força!, mas uma palmadinha nas costas também já chega.
Eu disse: "para palermas não estais nada mal, meus refinados filhosdeputa, e ainda me vou rir quando chegar a vossa vez", e vim-me embora a meio da coisa. Vim-me mesmo embora. Literalmente. Definitivamente. Tiveram de me procurar, se quiseram "despedir-me"...
Termina o ano de 2023. A Controlinveste, de Joaquim de Oliveira, chama-se agora Global Media Group (GMG), detém os títulos JN, DN, TSF, O Jogo, Dinheiro Vivo, Notícias Magazine, Delas, N-TV, Motor24, Men's Health, Women's Health e Açoriano Oriental, e vai desempregar mais 150 trabalhadores, parece que 40 só na redacção do JN. Ó caralho! Aqui-d'el-rei, que isto agora é connosco, gritou-se ali para os lados do Monte dos Burgos, que a Torre foi vendida para hotel, o JN fez mesmo greve, e logo dois dias, viva o luxo!, não saiu à rua "pela primeira vez em 35 anos" e foi um sucesso.
Ou por outra, chegou a vez dos palermas de 2009 e eu, devo confessar, afinal não acho piada nenhuma...

P.S. - O Sindicato dos Jornalistas propõe uma paralisação de uma hora no próximo dia 6 de Janeiro em todas as redacções de Portugal continental e ilhas, "num abraço solidário a estes camaradas", isto é, aos jornalistas do GMG, isto é, aos "corajosos" jornalistas do JN. O que é porreiro e, por outro lado, não deixa de ser irónico.

domingo, 10 de dezembro de 2023

sábado, 9 de dezembro de 2023

Um país de razoáveis vigaristas

"Visto de fora, Portugal é moderadamente corrupto", disse uma vez um jornal de referência. Mas visto por dentro está podre, digo eu, logo eu que por acaso até simpatizei com o advérbio de modo escolhido - moderadamente. Quer-se dizer: para quem nos vê ao longe, ou vê mal, somos um país de razoáveis vigaristas, uma pátria de trafulhas assim-assim, uma nação de recatados tratantes. Até é amoroso, não é?...

P.S. - Hoje é Dia Internacional Contra a Corrupção.

Querido Pai Natal

Aviso com tempo. No Natal de 2022 ofereceram-me catorze livros. Está certo: gosto muito de ler e parece que toda a gente que gosta de mim sabe que eu gosto muito de ler. Mas, valha-me Deus, eu também preciso de peúgas, cuecas e pijamas, como as outras pessoas...

Ocorreu esta semana o Dia de São Nicolau, que dizem que é o Pai Natal, mas não é. Porque São Nicolau, isto é, São Nicolau de Mira também conhecido como São Nicolau de Bari, existiu mesmo no século III, foi bispo e é padroeiro da Rússia, da Grécia, da Noruega e de Beit Jala, na Palestina. É patrono dos guardas-nocturnos na Arménia e dos ajudantes de missa na cidade italiana de Bari. E é também padroeiro dos estudantes, como muito bem se aprende em Guimarães, mas nunca trabalhou para a Coca-Cola. Já quanto ao Pai Natal, não quero com isto escangalhar certas e determinadas crenças infanto-comerciais, mas eu prefiro o Menino Jesus!

(Publicado originalmente no meu blogue Fafismos)

A pega

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Um pecado muito pouco original

Era o baptizado de uma querida sobrinha, bebé, na Igreja Nova, em Fafe, já lá irão três décadas. Não sei porquê, o padre estava realmente endiabrado, embora ainda fosse manhã, e à beira da pia, logo quem entrava, no lado esquerdo, rodeado por nós todos, padrinhos e família, resolveu embirrar com a criança de meses, coitadinha, acusando-a de ser uma perigosa pecadora derivado ao princípio da Bíblia, mas que ali ficaria de folha limpa, graças a ele e sorte a dela, e inferno acima e inferno abaixo e pecado original acima e pecado original abaixo. Isso, no pecado original é que o raio do padre batia e tornava a bater, como se batesse no ceguinho.
Olhei fixamente para o padre, varei-o com os olhos, fiz-lhe cara feia, abanei que não e que não com a cabeça, ele percebeu que eu lhe estava a dizer "és parvo ou quê?, com pecado esta criancinha, este anjinho recém-nascido, mas alguém nasce já com pecado?, que raio de deus é o teu, pá, ainda a treta do inferno e do pecado original?, e se fosses mas é à merda?!", percebeu e mudou de assunto.

Anselmo Borges, padre e professor de Filosofia, escreveu um interessante artigo de opinião no DN do passado dia 2 de Dezembro. Para mim, as opiniões de Anselmo Borges são sempre interessantes e amiúde inspiradoras, e o artigo em questão, cuja leitura na íntegra recomendo, chama-se "A Imaculada Conceição, o pecado original e o sexo".
Deixemos a virgindade de Maria, o casamento e o sexo para segundas núpcias e centremo-nos no meu ponto. Ora bem. Eu não lhe encomendei o sermão, mas o mestre da Universidade de Coimbra ensina, a dado passo do seu texto: "Hoje, o pecado original é inconcebível, concretamente, por causa da evolução: o ser humano aparece no quadro da evolução, o que implica então a seguinte pergunta: quem foram os "primeiros pais", colocados no mundo sem pecado e que depois pecaram, transmitindo esse pecado a todos, de tal modo que todos nascem em pecado de que só o baptismo os pode libertar? Ainda conheci mães que viveram verdadeiros dramas interiores porque os seus bebés tinham morrido sem o baptismo. Mas não. Todo o ser humano é concebido sem pecado".
O baptismo, afirma Anselmo Borges, "não é para apagar o pecado original, que não há; os pais baptizam os seus filhos, porque, desejando o melhor para eles, querem que eles entrem na Igreja, comprometendo-se a educá-los na fé como discípulos de Jesus."
É fácil de perceber, parece-me. Porque, se "toda a criatura recém-nascida vem de Deus", ainda seguindo o raciocínio do padre-filósofo, e eu acredito que vem, como pode alguém nascer com pecado, com defeito? E pronto, já somos pelo menos dois a pensar assim.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

O meu primeiro Natal

O primeiro Natal que eu conheci em pessoa chamava-se Higino. Natal Higino. Ou por outra, chamava-se e chama-se, felizmente sobretudo para ele, mas também para nós todos que tivemos a fortuna de o herdar sem mais nem menos. O nosso Natal veio directamente de África, no tempo em que Fafe era o fim do mundo. Acabar em Fafe era obrigatório, não havia mais linha, batia-se com o nariz na parede que aguenta até hoje a velha Rua do Retiro. Muito tratante desaguou assim em Fafe, para mal dos nossos pecados, mas o Gino é vinho de outra pipa.
O Natal chegou a Fafe, Natal Higino recordo, instalou-se nos Bombeiros, na Bomba, e tornou-se "como se fosse da família", que, como já expliquei noutro sítio, é muito mais e melhor do que ser mesmo da família. Creio não estar a dizer grande asneira quando afirmo que, na nossa terra, o mais forte laço "familiar" que nos une acaba por ser esse mesmo, o de sermos uns para os outros como se fôssemos da família. A família sanguínea não passa de um que remédio, é uma fatalidade. A esse respeito, devo ressalvar que a minha tia Laura e o meu irmão Nelo saberiam falar do Gino com muito mais propriedade do que eu, mas o Nelo, por recato, sei que nunca o faria, e a querida tia deixou-nos infelizmente há três anos e meio, mas conto um destes dias trazê-la outra vez aqui. A tia Laura é que encarrilou o Gino para a vida.
O Natal chegou a Fafe, Natal Higino repito, e, sobre ter algum jeito para jogar a bola, batia umas palmas que eram um assombre, como se dizia em fafês, palavra inventada pelos músicos antigos da Banda de Revelhe. Um assombre! Umas palmas que, quando bem batidas, ouviam-se da Cumieira a Santo Ouvídio e da Fábrica do Ferro à Ponte do Ranha. Como se fossem duas rijas tábuas de soalho saídas da máquina da serração e lançadas violentamente uma contra a outra e ligadas aos altifalantes, um estrondo assim, uma coisa nunca ouvista! Lembram-se do PA-SSA A BO-LA! do tonitruante Aníbal Carriço? Era quase. Em todo o caso, um extraordinário melhoramento sonoro para Fafe, e sem despesa para a Câmara ou para o Governo. Para além disso, Natal Higino que veio de África soube fazer-se fafense excelentíssimo. Que é! Acrescentem-no à lista, se fazem o favor.
O Natal, o nosso, trouxe um apenso de alegria e bondade a Fafe. O Higino é isso, um homem alegre, bom, generoso, honrado, companheiro. Para o Gino, toda a gente tinha a categoria de Você. Era o meu tempo de seminário, e o Gino chamava-me Sacerdote. Suponho, aliás, que ainda hoje me chama Sacerdote. Éramos, somos, amigos. A minha mulher sabe quem é o Gino, conhece-o, e isso é o topo no meu barómetro de amizades, prenda tão rara.
Eu não sei se Fafe já se apercebeu da sorte que teve por causa do comboio acabar obrigatoriamente ali e dele ter saído por acaso o Gino. Eu tenho noção. Ao longo da vida vim a conhecer outros Natais, não muitos, porque o nome também não é assim tão popular, mas não me lembro de outro que me tenha verdadeiramente impressionado. E acho que sei porquê. Porque, como noutras encomendas da vida, não há Natal como o primeiro. E o meu chamava-se Higino.

(Publicado originalmente no meu blogue Fafismos)

Apresentação de "Eu e a UNITA", de Orlando Castro


O novo livro do jornalista Orlando Castro, "Eu e a UNITA", é lançado amanhã, quinta-feira, pelas 17h30, na Casa de Angola, em Lisboa, Travessa da Fábrica das Sedas, 7. A apresentação da obra estará a cargo de William Tonet, que também prefacia, e Sedrick de Carvalho. Sobre si próprio e o que o move, diz Orlando Castro: "Ao longo dos anos defendo aquilo que considero o mais correcto para a minha terra, Angola. Consigo não agradar nem a gregos (MPLA) nem a troianos (UNITA)".

Anda, abraça-me, beija-me

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Um dia em cheio

É jovem e dinâmico. Divide a vida entre o campo e o ginásio. Chega 5 de Dezembro e ele celebra o seu próprio dia, feriado pessoal e intransmissível, dia santo e nem por isso. Dia Internacional do Ninja e Dia Mundial do Solo. Assinalando a dupla efeméride num satisfatório dois-em-um, todos os anos, no dia de hoje, ele anda à batatada.

Ó solo mio

Dizia o famoso cantautor: - Mais vale solo do que mal acompanhado...

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Solo.

Retratos de adivinhar

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Já não há codaques como antigamente

A câmara Kodak foi registada por George Eastman no dia 4 de Dezembro de 1888. E com tamanho sucesso que a marca rapidamente se transformou em sinónimo do próprio produto, em substantivo comum. Codaque passou a significar máquina fotográfica. Ainda hoje, para os mais antigos como eu, um codaque é uma máquina fotográfica, seja de que marca for, e uma máquina fotográfica, seja de que marca for, é um codaque.
Exactamente como se passou com o sumol, o panique, a gilete, a chiclete, o cotonete, o jipe, o caterpiler, o cimbalino, o jacuzi, o taparuer, a vaselina, o velcro, o quispo, a lambreta, a mobilete, a solarine, o botox, a licra, o post-it, o rímel e as crocas, só por exemplo e para dar uma ideia, socorrendo-me apenas do português do lado de cá.

Dia do Pedicuro

Foto Hernâni Von Doellinger

Quer-se dizer, mete um bocado de nojo, parece-me, mas é apenas para assinalar condignamente a efeméride. Hoje é Dia do Pedicuro. Isso, do Pedicuro. No Brasil.

sábado, 2 de dezembro de 2023

Fafe não liga à família?

Onze municípios do Minho são amigos da família. Eu não sei o que é que isso quer dizer, mas Fafe, a minha terra, não consta dessa lista, o que pode significar, logo à cabeça, que o município de Fafe não é amigo da família. De acordo com o jornal O Minho, de onde recolho esta informação, Amares, Arcos de Valdevez, Barcelos, Braga, Cabeceiras de Basto, Monção, Póvoa de Lanhoso, Vieira do Minho, Famalicão, Ponte da Barca e Valença tiveram direito este ano à "bandeira verde", atribuída pelo Observatório das Autarquias Familiarmente Responsáveis, e Fafe não, o que, por exclusão de partes, parece indiciar que a autarquia fafense não é familiarmente responsável.
Este ano, no total, foram distinguidos 108 municípios por todo o país, mais 13 do que no ano passado, e nem assim Fafe lá chegou. Insisto: eu não sei o que é que isto quer dizer, limito-me a ser eco da notícia, eventualmente omissa na quase sempre faustosa comunicação municipal.

(Publicado originalmente no meu blogue Fafismos)

Bicicletando

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Não há nada que se beba?...

Juntaram-se um alemão multinacional, um americano, um inglês, um francês, um italiano, um espanhol e um português, todos gente de rebimba o malho. E diz o Albert Einstein: "A imaginação é mais importante do que o conhecimento". E diz o Mark Twain: "O homem que não lê bons livros não tem nenhuma vantagem sobre o homem que não sabe ler". E diz o Charles Dickens: "Nunca nos devemos envergonhar das nossas próprias lágrimas". E diz o Antoine Lavoisier: "Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". E diz o Leonardo da Vinci: "Do mesmo modo que o metal enferruja com a ociosidade e a água parada perde a sua pureza, assim a inércia esgota a energia da mente". E diz o Miguel de Unamuno: "Viaja-se não para encontrar o destino, mas para fugir de onde se parte". E diz o nosso Anacleto Silveira: "Não há nada que se beba?"...

P.S. - Samuel Langhorne Clemens, mais conhecido como Mark Twain, escritor, humorista e dizem que crítico do racismo, autor de "As Aventuras de Tom Sawyer" e de "As Aventuras de Huckleberry Finn", nasceu no dia 30 de novembro de 1835.

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Presuntos implicados

Foto Tarrenego!

O amigo da onça

O defeito dele não era ser amigo da onça. Era amigo da onça, da leoa, da pantera, da gazela, da girafa, da égua, da vaca, da macaca, da galinha, da pata, da avestruz, da gata, da cadela e das ratas em geral. Havia quem o incensasse como paradigma da amizade aos animais. A mulher chamava-lhe porco!

P.S. - O Brasil celebra hoje o Dia Nacional da Onça-pintada.

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

"Eu e a UNITA", de Orlando Castro


O novo livro do jornalista Orlando Castro, "Eu e a UNITA", é lançado no próximo dia 7 de Dezembro, pelas 17h30, na Casa de Angola, em Lisboa, Travessa da Fábrica das Sedas, 7. A apresentação da obra estará a cargo de William Tonet, que também prefacia, e Sedrick de Carvalho.

domingo, 26 de novembro de 2023

Isto está perigoso

De repente parece que o 25 de Abril foi uma merda. Parece que ser pelo 25 de Abril é defeito. Parece que fomos enganados durante estes anos todos. Parece que, afinal, o 25 de Novembro é que é bom. E parece que o 24 de Abril, que está aí outra vez, ainda é melhor. Caralho!, isto anda realmente perigoso...

Carro-cama

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 25 de novembro de 2023

Temos Montenegro, graças a Deus

Felizmente Portugal tem Luís Montenegro. A vida não é obrigatório ser só tristezas e às vezes o povo também precisa de rir. Foi um fartote esta manhã. Agora à tarde, depois de um copito, ainda pode ser melhor...

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

O anticomunismo à mesa

Foto Hernâni Von Doellinger

Portugal ardia no ano de 1975. Em Fafe, o ambiente político e social também se extremava, de uma forma particularmente artificial e burgessa, manobrada à distância, os artífices sem darem a cara e os burgessos na linha da frente, e com consequências tão trágicas, tão localmente desestruturantes, deixando feridas tão a céu aberto, que a nossa terra nunca mais foi a mesma - mas isso, a história dessa irreparável tristeza, fica para outro dia.
O País a ferro e fogo, e Fafe também. Havia ameaças, tiros, atentados, punham-se bombas, assaltavam-se e incendiavam-se sedes partidárias. Sobretudo a Norte. Sobretudo do PCP. Dava na televisão, saía nos jornais, que tomavam posições. No Comércio do Porto, dois jornalistas experientes e com agenda, Ercílio de Azevedo e Fernando Barradas, assinavam uma coluna que viria a dar brado, "Os Cravos na Ferradura", um espaço militante com o seu quê de reaccionário, como então se dizia à esquerda. Essas crónicas, geralmente bem esgalhadas, escritas às vezes com graça, foram o consolo e o farol doutrinário de muito boa e santa gente durante o PREC (Período Revolucionário em Curso) e o Verão Quente, do 11 de Março ao 25 de Novembro, e com tal sucesso entre os leitores mais conservadores ou fascistas recentemente desmamados que as tiragens do Comércio terão subido aos cem mil exemplares, contando-se até que houve jornais, em certos dias, a serem vendidos na candonga a 100 escudos cada um.
O êxito foi tal que alguns daqueles artigos transformaram-se rapidamente em livro, com prefácio de Paradela de Abreu. A obra, com o mesmo título da rubrica original, "Os Cravos na Ferradura", ainda hoje pode ser encontrada por aí, na internet, em diversos sítios de alfarrabistas e simpatizantes, mais ou menos recomendados.
O Comércio do Porto era objecto de culto. No país beato e de direita revanchista, guerrilheira, e em Fafe também. Um dia, 11 de Outubro de 1975, estava eu no tasco do Nacor com o meu tio Américo, eu e os meus 18 anos, na cozinha da Dona Isabel, que era um brinco e um mundo, e o Landinho Bacalhau, o antigo, anunciou que um grupo de ilustres fafenses iria homenagear naquela noite os jornalistas do Comércio. Seria com uma ceia, altas horas, no restaurante do Café Académico, e os homenageados fariam o favor de comparecer.
Eu quis logo saber se admitiam penetras, eu. Eu queria conhecer jornalistas a sério, precisava de ver como é que eles eram. Se eram praticamente como nós, as pessoas normais. O Landinho explicou-me que "a condição sine qua non" para participar na coisa era ser leitor do Comércio do Porto, e isso eu era, porque o Comércio do Porto era o meu jornal, isto é, o jornal do café, do Peludo, mas que tinha de perguntar ao organizador do evento, que era o Senhor Francisco Oliveira, que disse que sim. Por outro lado, aquela foi a primeira vez na minha vida em que eu ouvi a expressão cagona sine qua non e gostei bastante, embora esta seja também a primeira vez em que a uso motu proprio, e logo duas vezes.

Portanto lá fui. O grupo de ilustres fafenses era composto, se não me engano, pelo vimaranense Fernando Roriz, que foi deputado, presidente do Vitória e vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol, entre outras encomendas, pelo Dr. Marques Mendes, Dr. Antunes Guimarães, Chiquinho Gonçalves, Manel da Pinta, o Landinho, o Francisco Oliveira, eu a um canto a tirar apontamentos de cabeça, decerto mais alguém ou alguéns de que não me lembro e, não sei porquê, gosto de pensar que o Dalmo Pinto também por lá passou ou esteve, antes, durante ou depois.
Um curioso painel, aparentemente heterogéneo, unido talvez, pelo menos naquela altura, por um certo anticomunismo, mais semântico do que primário, num ou noutro caso, se é possível dizê-lo, gente de alguma forma ligada ao PSD e ao PS locais, e eu, que não era de um nem de outro, antes pelo contrário, lá estava destoando como sempre e ainda hoje me sinto muito bem com isso.
Da parte do Comércio do Porto, o Fernando Barradas primou pela ausência, mas apresentou-se o Ercílio de Azevedo, acompanhado por dois futuros directores do jornal, o Silva Tavares e o Manuel Teixeira, que era então um rapazinho e que viria a ser também administrador da Lusomundo e chefe de gabinete de Rui Rio na Câmara do Porto, sendo mesmo considerado, ainda hoje, o principal conselheiro do ex-líder do PSD. Não eram os únicos, que nisto, quando é para comer e beber, os jornalistas aparecem sempre, mas varreram-se-me os outros.
A ceia foi a madrugada inteira e os pormenores mais delicados ficam, para já, comigo. Mal eu sabia como é que viria a ser a minha vida alguns anos mais tarde. Comeu-se e bebeu-se bem, isso posso desde já dizer. Falou-se muito. Eu não. O Dr. Guimarães meteu os jornalistas na ordem quando um deles, entusiasmado, se pôs em bicos de pés. Percebemos porque é que Ercílio de Azevedo, autor das famosas "Tripas à moda do Porto", escrevia melhor, segundo nos contaram, quando decilitrava. No centro da mesa havia um bolo que o Senhor Francisco Oliveira mandara fazer na Pastelaria Monumental. O bolo exibia uma ostensiva pena alegórica e decerto alguns dizeres alusivos aos plumitivos convidados. Não sei quem é que pagou a conta, bolo incluído, que deve ter tido uma saída do caraças, não faço sequer ideia se havia preço de inscrição ou multa de presença. Se havia, eu fiquei isento.

Agora. O Senhor Francisco Oliveira (1928-2021) era um querido amigo. Não naquela altura, mas nos últimos anos. Ligava-me de vez em quando, avisava-me que vinha ao Porto, a tratamento, mas só nos pudemos encontrar uma vez. Passámos um pedaço de tarde à conversa na Rua Sampaio Bruno, falou-me do livro que queria escrever, tirei-lhe o retrato que pus lá em cima, visitámos a Feira do Livro, que era ali ao lado, na Avenida dos Aliados. Ele comprou e eu não. Também ia sabendo dele pelo Bertinho Dantas.
O Senhor Oliveira, Francisco Oliveira Alves, era um homem bom, generoso, às vezes de uma desarmante pureza, e esforçava-se por fazer parte da História. Fez. Houve quem o usasse, e ele queixava-se. É um fafense excelentíssimo, certamente um dos melhores da sua geração. Para além disso, era pai do Chico, meu colega de escola e amigo de infância, mas isso já seriam outros quinhentos.
Só hoje, entre parágrafos deste texto, é que apaguei do meu telemóvel o número do Senhor Francisco Oliveira. Era assim que lá estava: Senhor Francisco Oliveira. Apaguei e, caramba, agora parece-me que perdi alguma coisa e não sei o que hei-de fazer ao velho cartão-de-visita corrigido à mão...

(Texto publicado originalmente no meu blogue Fafismos)

terça-feira, 21 de novembro de 2023

De vento em popa

Foto Hernâni Von Doellinger

Eu saía à rua para a minha voltinha e via-os praticamente de braço dado, uma e outra vez, como se também fosse coisa de todos os dias, o ministro José Luís Carneiro e a presidenta Luísa Salgueiro. Creio que, nos dois ou três últimos meses, não houve governante que desse mais colo à autarca matosinhense, rodeados ambos por muitas fardas e armas, muitas motas, muitos carros potentes com luzinhas azuis, muitos guarda-costas, muitas fatiotas novas, muitos chegamissos e lambe-botas, como convém num recatado encontro entre dois despojados servidores públicos socialistas. Só assim de cabeça, lembro-me: o ministro da Administração Interna esteve cá em Matosinhos, recentemente, para apresentar a Operação Verão Seguro 2023, para apresentar os resultados da Operação Verão Seguro 2023 e, pelo meio, para inaugurar a Academia do Alertinha, isto pelo menos, porque eu não ando atrás deles a tomar conta.
Por isso fiquei com poucas dúvidas quando José Luís Carneiro anunciou a sua candidatura a secretário-geral do PS, contra Pedro Nuno Santos. Com quem ficaria Luísa Salgueiro, notável militante socialista, presidente da Câmara de Matosinhos e da Associação Nacional dos Municípios Portugueses? A questão, a bem dizer, nem deveria colocar-se - pelo atrás exposto. Luísa só poderia ser Carneiro, embora nativa de Capricórnio. E, sempre atenta às pitonisas e pitonisos que assinalam para que lado sopram os ventos, lá apareceu ela, no Largo do Rato, na apresentação de... Pedro Nunos Santos.
Quer-se dizer: é a vida.

Quando a rádio era a preto e branco

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

O Correio da Manhã aquece

O Correio da Manhã escreve, em título: 'Buraco' de 191 milhões aquece Assembleia-Geral do FC Porto. É falso! Prematuro e falso. O Correio da Manhã é que aquece a assembleia geral do FC Porto.

domingo, 19 de novembro de 2023

Novo aeroporto de Lisboa é em Fafe

Foto Hernâni Von Doellinger

A notícia saiu no insuspeito tablóide britânico The Sun e portanto só pode ser verdade: Fafe é "a cidade mais barata de Portugal". Pelo menos, para inglês ver. De acordo com o bem informado artigo, que confunde o Palacete dos Dantas com a Igreja Românica de Arões, Fafe, "uma cidade pouco conhecida em Portugal", ficou em primeiro lugar num ranking de barateza turística elaborado por uma entidade alegadamente chamada Porto Travel Guide. Mais de cem cidades portuguesas terão sido "analisadas por especialistas", e Fafe ganhou, à frente de Oliveira de Azeméis, Famalicão, Ovar e Amarante, só para se ter uma ideia.
E o que é que Fafe tem? Pois, para além da igreja e do palacete levados ao engano, Fafe tem a Casa do Penedo e a Casa do Santo Velho, na minha rua, e "um enorme parque aquático ao ar livre", embora os indígenas prefiram refrescar-se "no reservatório local chamado Barragem de Queimadela". Para além disso, garante o indesmentível The Sun, Fafe tem "comida e bebida baratas", "restaurantes baratos e hotéis económicos". É pouquinho? Mas é de boa vontade.
Isto aqui vai ser outra vez o fim do mundo. E convém que parem por aí os estudos uns atrás dos outros que só dão despesa e não vão a lado nenhum. Nem Portela, nem Portela + 1, nem Portela + 2, nem Montijo, nem Alcochete, nem Santarém, nem Pegões, nem Rio Frio, nem Poceirão, nem Beja, nem Monte Real, nem Alverca. Nada disso. O novo aeroporto de Lisboa só pode ser em Fafe! Em Fafe, mais exactamente na freguesia de Golães, cumprindo-se enfim a viperina profecia da má-língua de outros tempos.
Ó gente da minha terra, abaixaide-vos! Vai vir charters...

O banheiro e a banheira

Havia o banheiro. Que era um senhor geralmente concessionário de um pedaço de praia camarária e que, pelo Verão, na chamada época balnear, alugava barracas e cadeiras, e disso fazia modo de vida para o ano inteiro. É só ir à Póvoa, à nossa Póvoa. Havia o banheiro. Que era um senhor robusto de calças arregaçadas que se embrulhava numa vestimenta de oleado de cor mais ou menos berrante, velho salva-vidas que levava ao banho de mar, a bem ou a mal, adultos enfermos e sem poder de locomoção ou crianças renitentes e ganintes, como no meu tempo de miúdo, na Colónia Balnear Doutor Oliveira Salazar, na Gala, Figueira da Foz, para pobres registados, após vistoria relâmpago no Posto Médico de Fafe, ou ainda hoje em dia no ritual do banho santo de São Bartolomeu do Mar, Esposende. Havia o banheiro. Que era a retrete, a sentina, a latrina, a privada, o WC, a casa de banho, a casinha, o lavatório, a tina, o lavabo, o sanitário, a sanita, o toalete, sobretudo no Brasil. Portanto havia o banheiro. E havia a banheira. A banheira era a mulher do banheiro.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Casa de Banho.

Esteja à vontade...

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 18 de novembro de 2023

A próxima assembleia é que é ordinária!

O Dr. Lourenço Pinto, que está vivo, marcou para o próximo dia 29 uma assembleia geral ordinária do FC Porto. Ordinária. Lembram-se da merda que foi o simulacro de assembleia geral extraordinária da passada segunda-feira? E, mais, era para ser extraordinária, isto é, admirável, maravilhosa, fabulosa, grandiosa, sensacional, excelente, esplêndida, brilhante, insigne, magnífica, notável, óptima, elevada, como a própria palavra indica. Agora imaginem a merda que vai ser a próxima, convocada, logo à partida, como ordinária...

O ocultismo

Sabe-se muito pouco sobre o ocultismo. Porque, lá está, trata-se de ocultismo. 

P.S. - Hoje é Dia do Ocultismo. E mais não digo.

A morte da bezerra

Foto Hernâni Von Doellinger

Antigamente as tragédias aconteciam com mais assiduidade, ao contrário do que se apregoa agora por aí, e nem é preciso recuarmos ao terramoto de 1755 ou ao lamentável dia, no ano de 1128, em que o jovem Afonso Henriques bateu na mãe, Dona Teresa. Não. Basta centrarmo-nos na segunda metade do século passado, anos sessenta, setenta e pelo menos oitenta. Morria uma vaca e era uma tragédia. Ora as vacas, naquele tempo, morriam bastante, e nem estou a falar de matadouro e de talhos, de abates e de choupas. Morriam sem querer, as vacas, isto é, por exemplo esturricadinhas num palheiro que se incendiou sem mais nem menos, afogadinhas ou irremediavelmente escangalhadas no fundo de um poço sem guarda ou, até arrepia, abertas ao meio por um raio. E era uma tragédia.
Era uma tragédia porque a vaca, o boi ou o bezerro eram a riqueza única do pobre lavrador de microfúndio e Portugal era sobretudo isso. As vacas, permito-me generalizar assim, davam leite, faziam estrume, lavravam e aravam o campo, puxavam a água, transportavam as colheitas, ajudavam nas obras domésticas, acartavam pedra, erguiam muros, tinham a força de trabalho de um rancho de homens e mulheres, procriavam e, como se ainda fosse pouco, emprestavam o seu próprio calor ao jugo que as dominava, para, a seguir, talhar trasorelhos, eventualmente acabando vendidas na feira ou feitas em bifes, em todo o caso transformadas em indispensáveis notas de conto, e aí tudo começava outra vez.
Era desta maneira em Fafe, o meu berço, terra de pequenos e remediados agricultores, nas aldeias à volta, principalmente, mas também no centro da vila mesmo, como outro dia aqui contei. A única diferença era que em Fafe a vaca era baca e o boi, em raros momentos de preciosismo linguístico, era voi. Tirante essa irrefutável idiossincrasia, Fafe era como o resto do Norte rural: em cada casa, uma, duas vacas, quer-se dizer, uma junta, quando muito, para fazer parelha no carro, turinas às vezes, leiteiras em alguns casos. As vacas eram a fartura, o dinheiro em caixa, a garantia de vida dos nossos persistentes lavradores. As vacas eram-lhes tudo.
Agora imagine-se que lhes morria um animal, tantas vezes o único, num desastre daqueles ou por doença fulminante e desconhecida. O gado não estava no seguro, é claro, o dinheiro da CEE ainda não tinha sido inventado e era o que faltava que alguém se lembrasse de pedir uma indemnização ao Governo. Dá para imaginar, então, o rombo? Era um prejuízo que só visto, a ruína de repente, a miséria, a fome à espreita, a vida parada, como se fosse ali o fim do mundo.
Mas não era. Podia muito bem não ser. A salvação do nosso desgraçado lavrador estava agora no peditório. Isso, no peditório, que era uma instituição. O peditório que ele fazia de aldeia em aldeia, nas ruas da vila antiga, de porta em porta, apresentando o seu triste caso, a sua tragédia, suscitando simpatias, solicitando ajuda, o que pudesse ser. Não era estender a mão à caridade, não, aquilo era um mecanismo de solidariedade, automaticamente accionado. Fazia parte, em Fafe.
Notáveis lá da terra, cidadãos de honra reconhecida, dois ou três, incluindo geralmente o presidente da junta ou o regedor da freguesia, acompanhavam o lavrador nesta sua via-sacra, atestando com documentos e tudo a veracidade do infausto acontecimento e as dramáticas condições em que ficaram o azarado homem e respectiva família.
E as pessoas davam. O que podiam. E é curioso porque as pessoas de dentro de casa eram, regra geral, ainda mais pobres do que o homem desesperado que lhes batia à porta a pedir. Davam, e não se fala mais nisso. Os modestos donativos ficavam assentes numa folha azul de 25 linhas, registados, consultáveis, até chegarem, conta certa, para comprar uma nova cabeça de gado, nem mais um tostão, mas nunca mais ninguém queria saber do assunto.
Terão acontecido umas quantas burlas, trampolinices das antigas, isso certamente, vacas que afinal eram virtuosas senhoras, lavradores que nunca puseram os pés na terra e presidentes da junta da colaça. Mas também terão sido assim criadas verdadeiras segundas oportunidades de vida para pessoas honestas, trabalhadoras, merecedoras, de repente atingidas pela tragédia a sério, e que sem a ajuda dos outros, sobretudo dos seus generosos camaradas de pobreza, nunca mais se levantariam. E Fafe era também isto.

(Texto publicado originalmente no meu blogue Fafismos)

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

É prematuro

Hoje, tomai nota do que eles inventam, é Dia Mundial da Prematuridade. Mas, sendo assim, falamos disso amanhã...

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

A bola, como uma mulher

Foto Miguel Ruiz/FCB - Expresso

Epifania 
Ele viu a Luz. Viu a Luz e disse: - O Dragão é mais bonito. 

O futebol pode ser uma coisa muito bonita. Se o pequeno astro argentino Lionel Messi estiver em campo, então é de certeza. Lembro-me de uma vez, jogo da Liga dos Campeões, há uns anos, o craque estava ainda no Barcelona e brilhou como nunca: marcou cinco em sete, bateu recordes, mas não é a quantidade que aqui me interessa - é a qualidade. A qualidade de um jogador que descansa mais do que corre, e que não corre, desliza. Que não se esfarrapa, mas pensa. E que pensa e cria como respira. A sofreguidão é uma cena que não lhe assiste. Os seus golos são obras de arte, actos de amor.
Messi conhece como ninguém, a cada momento, o ponto G da jogada que ainda nem lhe chegou aos pés. Ele adivinha o sítio onde a bola o vai procurar. Recebe-a com um beijo, oferece-lhe flores, acaricia-a, leva-a a passear, e ela gosta, retribui os carinhos, abraça-se-lhe à chuteira num abraço só desfeito no exacto momento do remate. Digo mal. Mas qual remate? Messi não chuta, passa a bola à baliza e é golo. O pequeno Messi é um cavalheiro, um amante delicado e atencioso: trata a bola como ela merece. A bola, como uma mulher...

Lionel Messi estreou-se pelo Barcelona aos 16 anos, no dia 16 de Novembro de 2003. Foi em Portugal, no jogo da festa de inauguração do Estádio do Dragão, que o FC Porto ganhou por 2-0. O menino Messi entrou em campo a 14 minutos do fim. Exactamente: o Estádio do Dragão faz hoje 20 anos, nasceu numa noite assim. E de repente pareceu-me uma óptima ideia falar das instalações do FC Porto por um bom motivo...

Os dias da intolerância

Vivemos no tempo das intolerâncias. Intolerância ao glúten, intolerância à lactose, intolerância aos sulfitos, intolerância à frutose, intolerância a hidratos de carbono. Intolerâncias tão pipis e tão woke. E depois vêm-nos dizer, estes, que hoje é Dia Internacional da Tolerância...