terça-feira, 21 de maio de 2024
O fromager
segunda-feira, 20 de maio de 2024
O araújo no olho
Araújo, nome de pessoa e de sítio, está visto, mas também, há quem diga, denominação de uma variante da árvore araúja. Para nós, porém, os fafenses velhos e irredutíveis, araújo é partícula que entra no olho acidentalmente, grão de pó, minúscula maravalha, bíblico argueiro, cisco, arujo. Arujo, exactamente arujo, vocábulo fidedigno e certificado de onde facilmente derivou a nossa arisca porém bem desenrascada corruptela.
Ter um araújo no olho. Outro dia, sem mais nem menos, lembrei-me da expressão antiga, e nem faço ideia de há quantos anos não lhe punha a vista em cima nem lhe dava uso. Perguntei à minha mulher se a conhecia de algum lado, à expressão, se já a teria dito ou pelo menos ouvido. E ela disse-me que não. Fiquei varado! Quer-se dizer: a minha mulher, rapariga da nossa idade, nasceu no Porto, na Foz, mas é filha de pais rústicos, o meu sogro de Baião e a minha sogra de Canelas, Gaia. Isto é, a minha mulher tinha obrigação, e, vai-se a ver, nada...
Nada, também não é bem assim. Sobre araújos, a minha mulher fez questão de explicar-me que sabia era a famosa anedota que mete marinheiros e aviadores. Aquela que pergunta: se quem trabalha no mar é marujo, porque é que quem trabalha no ar não é araújo? Isso.
Ter um araújo no olho. A expressão. Não é anedota, definitivamente não é uma anedota, mas que se põe a jeito, lá isso...
O mar começa em Fafe
Abelhas e vespas, a diferença
A diferença entre as abelhas e as vespas. As abelhas são insectos himenópteros, da família dos Apídeos, que vivem em enxames e produzem mel e cera. As vespas são lambretas ou, vá lá, motorizadas para senhoras, desculpem-me a expressão...
E depois há as vespas asiáticas. As vespas asiáticas, diga-se em abono da verdade, são principalmente Honda, Yamaha e Suzuki. Mas também Zongshen, Lml, Lifan, Generic, Kinroad, Jincheng, Znen, Masaï, Keeway, Baotian, Sym, Pgo, Kymco e TNT. Isto apenas por exemplo. E são realmente uma praga.domingo, 19 de maio de 2024
Quem sai aos seus
Ele era médico, de família. Quer-se dizer, seguiu os passos do pai, do avô também e o bisavô nem tinha sido o primeiro, todos médicos, que remédio, geração atrás de geração. Entre tios, sobrinhos e primos, formavam, com efeito, um considerável corpo clínico. Dizia-se que eram descendentes directos de William Osler, por parte da mãe, e, regra geral, do próprio Hipócrates em pessoa. Mas essa parte não posso jurar...
P.S. - Hoje é Dia Mundial do Médico de Família.
E quem diz turcos...
E quem diz os turcos, diz Deus, que precisou de seis dias para criar o mundo. Seis dias, porra, e era Deus! O Ventura faz isso em dia e meio, e com uma perna às costas.
sábado, 18 de maio de 2024
O problema do bispo era o jogo
Estatisticamente saciados
Ao contrário
Conheço uma senhora que todas as manhãs faz exercício ali em baixo no Passeio Atlântico, à beira do mar. Entre outras habilidades atléticas, a senhora sobretudo caminha de costas, arrecua, ou seja, anda ao contrário. E isto há anos. Resultado: em vez de emagrecer, a senhora está cada vez mais gorda...
P.S. - Hoje é Dia Nacional de Luta Contra a Obesidade.
sexta-feira, 17 de maio de 2024
Era o Lopes
Eu levo os telemóveis muito a sério (à séria, se lido em Lisboa). Se o meu telemóvel toca, e é raro, eu atendo. Sempre. Ainda ontem: eu estava aqui nas traseiras, por acaso sem o telemóvel à mão, e ouvi-o tocar na cozinha, virada para a rua. Fui lá a correr: não era o telemóvel, era a máquina de lavar roupa, que as máquinas de lavar roupa agora também tocam. O que é que eu fiz? Atendi a máquina de lavar roupa, evidentemente, e era o Lopes...
P.S. - Hoje é Dia Mundial das Telecomunicações e da Sociedade de Informação, entre outras mais ou menos arrevesadas efemérides. O Lopes é todos os dias.
Ao menino e ao bolacho
Entre outras alcavalas, o Landinho até fazia anos, coisa extraordinária, enquanto a nós só nos era permitido ficarmos mais velhos, somarmos dias, que remédio e a seco. Ao menino, a nossa mãe organizava-lhe uma festinha de aniversário, havia convidadozinhos, e do pequeno lanche constavam, só me lembro disso, umas curiosas sandes de bolacha maria com marmelada dentro, tipo oreos mas melhores e de fabrico caseiro. Eu, já espigadote, metia a mão sorrateira e rápida à passagem pela mesa, e foi assim que ficámos a conhecer-nos pessoalmente, eu e elas. As bolachas. Que estavam contadas, para mal dos meus pecados...
Mas não era de bolachas que eu queria aqui falar. É de bolachos. E o bolacho, faço deste já notar, é pitéu absolutamente indispensável, muito mais do que mero ornamento, nuns rojões à moda do Minho que se pretendam com todos os matadores. O bolacho é, versão curta e grossa, uma espécie de pão cilíndrico feito com farinhas de trigo, milho e centeio, a que se junta sangue de porco, fermento, caldo de carne, pimenta e cominhos. Depois de levedada, a massa é cozida em água temperada com sal, salsa, folha de laranjeira e louro. Cumprida a cozedura, o bolacho é cortado em rodelas e frito em pingue. O bolacho pode também chamar-se farinhato, pilouco, bica e, principalmente, beloura.
Mas também não era deste bolacho que eu queria aqui falar. É do bolacho de trigo. Do pão de cantos. Do pão de quatro cantos. Do trigo de ovelhinha. Do pão de padronelo. Desse. Esse fantástico pão, duro como cornos, que era vendido porta a porta em Fafe por umas senhoras que, dizia-se, vinham de Amarante. As abençoadas senhoras traziam enormes cestas à cabeça e dentro das cestas, carinhosamente envolto em toalhas de linho, o precioso pão. Um pão de longa duração que a minha querida avó de Basto guardava com todos os cuidados e também toalhas de linho na caixa de madeira que era o cofre e o frigorífico das coisas valiosas e boas numa terra por onde Jesus Cristo ainda não tinha passado e portanto não havia electricidade. Assim acondicionado, o pão aguentava-se bem uma semana ou mais e só era comido com o matinal café, que era cevada, aos domingos, feriados e dias santos. De resto, broa, que era o pãozinho do Senhor.
Leio agora que o bolacho é de ovelhinha porque teve a sua origem no lugar com aquele nome, Ovelhinha, na freguesia de Gondar, Amarante. E de padronelo porque decerto será sobretudo nesta outra freguesia amarantina, Padronelo, que hoje em dia ele é produzido e comercializado. Quanto a bolacho, é-o não sei porquê.
O melhor dos pastéis era o riso
Fafe era um terra de antonomásias. No nosso imenso pequeno mundo, tínhamos o Largo, a Avenida, o Monumento, a Recta, o Campo, o Depósito, o Banco, os Serviços, a Bomba, o Jardim, a Quelha, o Santo e o Café, que era o Peludo e que na verdade se chamava Cine-Bar, eventualmente dada a sua proximidade e até uma certa ligação ao Teatro-Cinema e à família Summavielle. Mas cafés, tascos e afins havia muitos. Uma mão-cheia de cafés, e tascos até dar com um pau, para ser mais preciso. Pastelarias, salões de chá ou snack-bares é que nada, até aparecer o Dom Fafe, mesmo no centro da vila, coisa fina e para clientela sem gases. O Dom Fafe, respeitando a tradição, passou a ser o Snack-Bar.
Eu era calisto. Calisto televisivo. A preto e branco e com muitos pedimos desculpa por esta interrupção. Para me fazer pagar a moina, o Sr. Avelino do Café, que era o Hoss do "Bonanza" em pessoa menos o chapéu alto, entregava-me umas moedas e mandava-me à cozinha do Hospital buscar uns enormes tijolos de gelo que ele depois partia e metia no barril de tirar finos (imperiais, se lido em Lisboa). No fim do recado dava-me o troco? É o davas. Oferecia-me um pastel? Fodias-te. Eu tinha para aí sete anos, o meu pai ainda não tinha trazido pastéis para casa e o Sr. Avelino punha-me à frente a merda de um cimbalino. Sete anos, e ele dava-me um café (bica, se lido em Lisboa). Se ainda ao menos fosse um cigarro!...
Eu e o Sr. Avelino, o tempo haveria de fazer-nos bons amigos, mas nunca lhe perdoei a desfeita do café.
Não sou de doces. E, dos pastéis que o meu pai trazia para casa, o que eu gostava mais era da festa, do riso. Daquela meia hora extra fora da cama. Da sensação de família e fartura, da felicidade antes do sono. Porque o meu doce preferido era outro: era a côdea de broa, "grande daqui até ao céu", enfiada às escondidas na lata do açúcar amarelo e comida na clandestinidade do fundo do quintal. Subia a um banco para subir à mesa da cozinha para chegar ao armário, abria a lata, passava o pão, fechava a lata e saía dali a cem à hora mas com mil cuidados para não entornar o "recheio". Côdea de broa com açúcar amarelo, isso, sim, era o meu bolo. Havia lá coisa melhor no mundo!? Por acaso até havia: era a gemada. Gemada simples e honesta: gema de ovo batida numa malga com muiiiiiito açúcar. Mas essa só podia ser duas vezes por ano, acho eu, pela passagem de classe e no meu aniversário. Com os ovos, lá em casa, todo o cuidado era pouco. Estavam contados, eram para deitar. E ao açúcar para a broa a minha mãe fechava os olhos...
P.S. - Publicado originalmente no dia 7 de Junho de 2012, sob o título "Eu era mais broa com açúcar amarelo". Hoje é Dia Mundial da Pastelaria.
quinta-feira, 16 de maio de 2024
O leitor
Génios
Epifania
quarta-feira, 15 de maio de 2024
Família, era antigamente
Os Antigos sabiam de laranjas - de manhã ouro, à tarde prata e à noite mata. Sabiam do tempo - em Abril, águas mil. Sabiam de horas e alturas - deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer. Sabiam de curas e maleitas - o vinagre e o limão meio cirurgião são. Sabiam de tubérculos e famulagem - não comas caldo de nabos nem o dês aos teus criados. Sabiam de presigos e segurança pública - sardinha sem pão é comer de ladrão. Sabiam de magustos e viagras - a castanha excita o coito e alimenta muito. Sabiam de proporções - bom comer: três vezes beber. Sabiam de criação e divindades - ao menino e ao borracho põe Deus a mão por baixo. Sabiam de prestidigitação e utopias - mais vale um pássaro na mão do que dois a voar. Sabiam saltar a cerca - a galinha da vizinha é sempre melhor que a minha. E sabiam guardar um segredo - o corno é o último a saber.
Os Antigos morriam muito, mas morriam muito velhinhos, isto é, por volta dos cinquenta, sessenta anos.
Os Antigos não andavam por aí aos tiros. Andavam às pauladas, às facadas, às sacholadas - e aos tiros.
Os Antigos não matavam por dá cá aquele palha. Matavam por causa da água - e geralmente por causa do vinho.
Os Antigos não emprenhavam raparigas solteiras a torto e a direito. Os filhos de pai incógnito eram realmente mais que as mães, mas eram milagres.
Os Antigos não toleravam e até perseguiam os maricas, isto é, os paneleiros, porém consideravam razoável que o senhor padre fosse ao pito às moças da paróquia e brincasse com as pilinhas dos meninos da catequese.
Os Antigos achavam que melhor que um Salazar só dois Salazares. Melhor ainda, um Salazar em cada esquina. Entre Salazar e Fátima, é que os Antigos não sabiam bem...
Os Antigos sabiam como fazer homens. Pegavam nos rapazes e mandavam-nos para a tropa, se possível para a guerra.
Os Antigos eram puros. Não gostavam de pretos. Nem de monhés. Nem de ciganos. Nem de imigrantes. Nem dos outros em geral. E iam muito à missa e à sagrada comunhão.
Os Antigos inventaram Deus, Pátria e Família.
Os Antigos faziam muitos filhos. E batiam-lhes. E também batiam nas mulheres. Os Antigos gostavam muito de bater. Batiam porque tinham razão, batiam para ter razão. Batiam por vontade de Deus. Os Antigos davam pão e também educação. A educação dos Antigos.
Os Antigos respeitavam as esposas. Por isso iam às putas.
Os Antigos andam por aí. E estamos outra vez no tempo deles. Houve outro dia em Lisboa uma reunião de Antigos. Falou Pedro Passos Coelho.
A honra dos Silvas
Quando assim falo, que é sempre, os meus parentes caem-me em cima, protestam a sua mais entranhada vaidade onomástica e ameaçam banir-me do clã, e eu contra isso nada. Ouço-os, isto é, faço de conta que os ouço, mas penso noutra coisa. Penso nos Silvas. Penso como seria bonito ver alguém sair a terreiro em defesa da honra dos Silvas. Exactamente: alguém de velha têmpera e honra antiga que, armado em Von Doellinger de corrida, ousasse chegar-se à frente para gritar alto e bom som, de estandarte em punho e peito inflado de altivez:
- Eu tenho muito orgulho em ser um Silva, há algum problema?!...
Os Silvas, é preciso que se note, não são uma merda qualquer, e não estou sequer a falar do ilustre casal de ex-inquilinos do Palácio de Belém, que faz aqui tanta falta como o queijo gruyère numa caldeirada de enguias. A primeira linhagem de Silvas é de príncipes e anterior à fundação da nacionalidade portuguesa. Os Silvas de pé-rapado conquistaram Portugal e os Brasis, é só ir ver as listas telefónicas. Os Silvas são uns grandes pinantes, é só ir ver os registos dos motéis, mas aqui são nomes falsos. Os Silvas, se um dia se chateiam, o País pára, porque os Silvas são o País. Chamar ó Silva! num autocarro articulado da Carris é um perigo: os 145 passageiros (48 sentados, 96 de pé e um numa cadeira de rodas) olham todos para trás e o motorista também. O Silva dos Plásticos, toda a gente sabe, era mais conhecido do que o Papa. Silva I seria, aliás, um bom nome para um Papa português, e há logo quem pense no poeta José Tolentino Mendonça.
Embora de nascença ninguém escolha ser Silva, nem ser nome nenhum, está visto que os Silvas só têm motivos de orgulho. E quem diz os Silvas, diz os Santos, os Ferreiras, os Antunes, os Rodrigues, os Costas, os Oliveiras, os Martins, os Sousas, os Gonçalves, os Almeidas, os Carvalhos, os Farias, os Magalhães, os Alves, os Teixeiras, os Lopes, os Ribeiros, os Ramos e até os Brochados. Sim, porque não os Brochados? Há algum problema?
terça-feira, 14 de maio de 2024
A 14 de Maio, na Cova da Iria
segunda-feira, 13 de maio de 2024
Posologia e modo de tomar
Vinho, branco ou tinto, e açúcar, de preferência amarelo. Mexe-se com uma colher se houver, ou com os dedos. Da mão. Junta-se-lhe cerveja ou, para coninhas, seven up. O equilíbrio das quantidades fica ao gosto do fabricante. Chama-se a isto "receita" ou "remessa" e deve beber-se bem fresco, mas sem gelo, porra! Os coninhas podem chamar-lhe cocktail...
P.S. - Hoje é Dia Mundial do Cocktail.O milagre da chuva
Foto Tarrenego! |
"Vai chover em Fátima no dia 13 de maio", li no jornal O Minho, assim tal qual profeticamente anunciado, de chofre, apocalíptico, em título como lança em África, e pensei logo, palavra de honra - olha, mais um milagre na Cova da Iria, em 1917 foi o milagre do sol, agora vai ser o milagre da chuva, que bom, que bom, somos um país que realmente deus nos livre e mais vale ir prevenido. Foi o que eu pensei, digo, e peguei nas galochas antes de sair.
Mas não. Depois do sopapo das letras garrafais, escatológicas, proclamativas, O Minho explica logo no primeiro parágrafo, a seco, que aquilo da chuva é apenas uma previsão. Do Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA). É o que eles dão para hoje...
O preço da fé
domingo, 12 de maio de 2024
A problemática da bilhética
Comecei a ir ao futebol pela mão do meu pai. Íamos ao Campo da Granja ver o Fafe. O Campo da Granja tinha uma bancada pequena apontada ao grande círculo e uma nora atrás da baliza do lado de São Gemil. A nora, neste caso, era um engenho para tirar água de um poço e não funcionava. Mas ficava num altinho muito jeitoso para a assistência. A assistência naquele tempo não era passe para golo, era pessoas. Eu e o meu pai víamos os treinos, os jogos, os juniores em vez da missa (o que arreliava sobremaneira a minha mãe), as reservas e, ao domingo à tarde, o primeiro time. Os domingos à tarde da minha infância eram os melhores dias do mundo. Até tinham altifalantes com marchas do John Philip Sousa. Depois o meu pai deixou de ir à bola, por razão de força maior, e eu continuei.
O Campo da Granja desistiu para dar lugar a uma escola de pré-fabricados. E foi bom para todos. Ganhámos o ciclo preparatório e um estádio que havia de ser, mesmo encostado aos Bombeiros. Apareceu-me o buço e, embora uma coisa não tenha a ver com a outra, passei a acompanhar a Associação para todo o lado, pendurado na generosidade de amigos mais velhos e com emprego. Frequentei todos os campos e estádios do Norte do País e, já praticamente de bigode, até fui ao Barreiro arrancar à CUF um lugar nas meias-finais da Taça de Portugal que nos roubaram.
Quando mudei a minha vida para o Porto ainda se ia ao futebol em família. Quero dizer: famílias inteiras, com pai, mãe, avós e netos, sobrinhos, primos, namoradas e namorados. Podia-se ir, não era perigoso. Eu fui logo morar para o Estádio das Antas, Superior Norte, porta com porta com o meu tio Zé da Bomba, que já lá morava há que anos. Consegui converter a minha mulher ao FC Porto, fi-la também sócia e passámos a ir à bola os dois, eu e ela com a cesta do merendeiro atrás, porque naquele tempo não havia lugares marcados e para jogos grandes era mesmo preciso entrar de véspera. E quando digo merendeiro quero dizer exactamente merendeiro: frango assado, sandes de vitela ou lombo de porco, panados, bolinhos de bacalhau, bacalhau frito, pataniscas, feijoada, salada russa, iscas de fígado, rojões, moelas de coelho, arroz à valenciana, filetes de pescada, salpicão, presunto e rebentos de soja, uma toalha de linho em cima dos joelhos, uma garrafosa de verde tinto bem fresquinho, ou duas, e uma garrafa de litro de cerveja, ou duas, por causa dos descontos. Entrava tudo. E marchava tudo. Para não virmos carregados para casa. Aquilo é que era futebol!
Se o FC Porto não jogava nas Antas, então eu ia ao Mar torcer pelo Leixões ou ao Bessa ver o Boavista. Aos sábados puxava pelo Salgueiros em Vidal Pinheiro que Deus tem ou matava o vício no claustrofóbico campo do Infesta, que me dava falta de ar. Às quartas, dia da minha folga do trabalho, papava campeonatos de reservas, desempates da Taça de Portugal, liguinhas de subida de divisão e torneios de apuramentos de campeões. Em Santo Tirso, em Vila do Conde, na Póvoa de Varzim, em Espinho, em Aveiro, onde calhasse aqui à roda. Havia jogo, eu estava lá. E regalava-me. Mas depois chegaram as sades e as claques "organizadas", como se diz para o crime, para a Máfia, para os ganguesteres, para os bandidos, para as associações de malfeitores - e eu vim-me embora!
Às vezes tenho saudades. Tenho saudades do tempo do futebol ingénuo, em estado quase puro, sem sades, sem ceos e sem administradores e consultores e assessores pornograficamente remunerados e premiados no final do ano ainda que não ganhem nada em campo, ainda que destruam a equipa de futebol e ainda que levem o clube à bancarrota. Do tempo em que os clubes de futebol eram clubes de futebol, associações, colectividades, agremiações. Do tempo em que os presidentes e os directores dos clubes de futebol punham dinheiro do próprio bolso e ainda biscatavam graciosamente ou, como o Fernando da Sede ou o Chester, carregavam botijas de gás às costas até aos balneários para que nada faltasse aos seus "meninos". Do tempo em que dirigentes pagavam bifes a jogadores à rasca da vida. Do tempo dos espectadores, da massa associativa, dos adeptos, dos apaniguados, dos grupos excursionistas, das comissões de auxílio, dos grupos de apoio espontâneos, com bombos e até gigantones e cabeçudos, que não eram poucos. Era o futebol, e o futebol era uma festa! Por outro lado, a partir das claques, que são um verdadeiro negócio dentro do outro tal negócio, ser-se mero espectador transformou-se em actividade de risco elevado. Vai-se à bola como quem vai à guerra. E eu tenho medo. Agora o futebol está de pernas para o ar, chama-se "o jogo" e tem transições e momentos e adn e claques profissionais pagas a peso de ouro (ou ao peso do que o receptador aceitar), sades com contas mal contadas, accionistas de encomenda, histórias de polícia, claques armadas, drogadas e perigosas, talvez assassinas, ninguém é de ninguém, os frequentadores de estádios, pagantes e deslavados, viram as costas ao campo e tiram-se selfies, e eu não percebo nada disto. Confesso: às vezes tenho saudades - mas não torno!
P.S. - Hoje há mais buscas e arguidos no Dragão e, com a derrota de Pinto da Costa, a procissão decerto ainda vai no adro. Escrevo e republico no Tarrenego! sobre a perniciosidade das claques no futebol desde o dia 1 de Setembro de 2012. E nunca é demais!
sábado, 11 de maio de 2024
Os enxotadores
O extraordinário alimentador de pássaros
Foto Hernâni Von Doellinger |
Todas as manhãs, faça chuva ou faça sol, dias úteis ou dias inúteis. Todas as manhãs, de saquinho na mão, sai de Matosinhos atravessando o Passeio Atlântico de uma ponta à outra, em passo leve e decidido, e entra breve no Porto. No saquinho leva comida para os pássaros - milho para as pombas e pedaços de pão para os patos mas pouco, para os corvos-marinhos às vezes e para as vorazes e cagonas gaivotas. Sim. Para as gaivotas, raça tão desprestigiada hoje em dia, vítima de perseguição e tentativa de genocídio perpetradas por alguns autarcas aqui da beira-mar. Ele, o homem do passo leve e decidido, dá-lhes o almoço.
E todas as manhãs acontece o extraordinário: por alturas da Rotunda da Anémona, fronteira municipal, as pombas saem-lhe da cartola, materializam-se do nada, fazem-lhe bando por cima da cabeça e acompanham-no em revoadas dançarinas até à distribuição geral, no charco mais ocidental do Parque da Cidade, à porta da agora abandonadíssima Kasa da Praia. As pombas reconhecem o seu benfeitor? Identificam o saquinho? Vão apenas ao cheiro? Serão, por assim dizer, o Espírito Santo em pessoa? Não sei - mas aquilo comove-me. Espanta-me. Fosse em Fátima, e seria certamente milagre.
Servido o festim, o cuidador de pássaros volta para casa pelo mesmo caminho, sempre com uma pequena reserva de pão e de milho no fundo do saco, prevenindo emergências que as há. Pomba tresmalhada ou retardatária, gaivota de asa caída ou manca ou qualquer outra ave freelance também têm direito à sua dose individual, no respeito do espaço de cada qual. É. Os solitários entendem-se...
P.S. - Hoje é Dia Mundial das Aves Migratórias e Dia Internacional de Observação de Aves - Global Big Day.
sexta-feira, 10 de maio de 2024
Quando elas morriam de pé
O grande reclamador
reclamava Pessoa
reclamava Sophia
reclamava Eugénio
reclamava Drummond
reclamava Vinicius
reclamava Baudelaire
reclamava Lorca
e reclamava Neruda.
Reclamava até Eliot
e Shakespeare.
Era
enfim
um grande reclamador.
quinta-feira, 9 de maio de 2024
Dia das Meias Perdidas
Hoje é Dia Mundial das Meias Perdidas. Só para que nos entendamos, as meias perdidas nunca acontecem de baliza aberta. Isso já seriam perdidas inteiras, completas, escandalosas...
quarta-feira, 8 de maio de 2024
A perna extra
De cavalo para burro
Já não vamos para velhos
terça-feira, 7 de maio de 2024
Tem de ser...
A gente vai fazer a sua caminhada matinal ali para o Passeio Atlântico, à beira-mar, e encontra-se uma com a outra, ainda que somente de passagem. A gente cruza-se e, à força do hábito, cumprimenta-se - "Bom dia!", no primeiro avistamento, "Até amanhã!", no que se supõe seja o último. Ora acontece que as caminhadas matinais ali no Passeio Atlântico, à beira-mar, são feitas em círculo, ida e volta, três ou quatro vezes de uma ponta à outra, o que propicia repetidos reencontros entre a mesma gente que diz uma à outra "Bom dia!" e "Até amanhã!". E a gente tem horror a ficar calada quando se vê, e se já disse "Bom dia!" e ainda não é hora de dizer "Até amanhã!", e como acha que tem obrigação de dizer alguma coisa, então nos entretantos a gente diz "Tem de ser", como se "Tem de ser" fosse uma saudação intermédia entre o olá e o adeus, "Tem de ser", uma boa merda para se dizer seja a quem for como cumprimento, é o que me parece, e eu baixo a cabeça, faço que não vejo, sigo caminho e não digo nada. Passo decerto por malcriado, arrogante, portista filhodaputa, mas daqui não saio, daqui ninguém me tira...
Por outro lado, quem diz caminhada, diz corrida, salto à corda, aulas de ginástica e afins, ciclismo, jogos de bola e sem bola, o Passeio Atlântico, no que diz respeito a exercício físico, é pau para toda a obra. O Passeio Atlântico deveria chamar-se, aliás, Passeio Atlético, e estaria muito mais certo, o que só vem dar razão ao ministro Nuno Melo e à sua Organização do Tratado do Atlético Norte.
segunda-feira, 6 de maio de 2024
As sete quinas
Adeus e até ao meu regresso
Foto Hernâni Von Doellinger |
A ponte móvel de Leixões, em Matosinhos, vai fechar para obras. Isto é, vai fechar outra vez para obras. Desde que foi inaugurada, em 2007, fechar para obras é, podemos dizer assim, o estado normal da também chamada ponte móvel de Leça. Foi feita para isto, é a sua vocação. A ponte, que custou 14 milhões de euros, abriu, por assim dizer, para estar fechada, tantas as avarias que vem registando ao longo dos anos, derivado sobretudo a um arreliador problema de rótulas, doença crónica e talvez hereditária, e ninguém a leva ao ortopedista.
Desta vez, segundo anúncio em Diário da República, a ponte vai estar em obras durante pelo menos 14 meses, três dos quais, no mínimo, completamente fechada. Exactamente, 14 meses no estaleiro, se não chover, e este tempo anda deveras incerto. Devo, no entanto, declarar, em abono da verdade: a mim, que moro aqui ao lado e preciso diariamente da ponte, 14 meses nem me parece nada de mais, não me atrevo sequer a criticar. Se fossem, vamos dizer por exemplo, 14 anos, aí então, se calhar, querendo eu ser picuinhas, já poderia ter alguma razão de queixa, mas assim não. O que é que são 14 meses? Assim está tudo bem...
domingo, 5 de maio de 2024
A vida é bela e amiúde nem por isso
Foto Hernâni Von Doellinger |
A minha mãe não foi sequer à escola. Mandaram-na para criada de servir aos sete anos de idade. Serviu famílias importantes em Fafe, mas ninguém se lembra ou faz caso, a minha mãe era um criança e os tempos eram outros.
A minha mãe casou aos 18 e ficou viúva aos 33. Viúva e com quatro filhos evidentemente menores. Era tempo do fascismo - sim, do fascismo!, escusam de fazer de conta -, da pobreza sufocante e do opróbrio, da reprovação pública, porque a má-língua sobre vizinhos ou conhecidos era o passatempo que havia antes dos reality shows da TVI e das notícias de faca e alguidar da CMTV. Naquele tempo de cinza, ser-se nova e viúva era uma desgraça, mas também, socialmente, um defeito, uma marca na testa para toda a vida. A minha mãe passou a ser oficialmente a Viúva da Bomba, para que não lhe viessem ideias. E no entanto, sozinha, fez de nós quatro as pessoas que somos, à sua imagem e semelhança, vertebrados e moralmente limpos, gente digna e séria, respeitadora e respeitada, menos eu, que dei no que dei e, com esta idade, já não tenho remédio.
Como é que a minha mãe conseguiu? Com muita muita canseira, com roupa lavada para fora em tanques de ricos, na poça do Santo ou no tanque do Matadouro, com camisolinhas e casaquinhos de lã feitos por encomenda, primeiro à mão e depois à máquina, com lágrimas tantas que eu bem as via por mais escondidas que fossem, com os tostões contados sete vezes ao dia, com os meus irmãos mais velhos - a Nanda e o Nelo - a terem de ir trabalhar ainda crianças para que eu e o Lando, os mais novos, pudéssemos "estudar e ser alguém na vida". E sermos alguém na vida por eles, em nome deles, de todos, porque nós os cinco éramos apenas um, assim é que a nossa mãe nos queria, como os mosqueteiros, ainda nem fazíamos ideia do Intermarché, embora eu já soubesse do Alexandre Dumas e do d'Artagnan.
Resultado: os meus irmãos são umas jóias, foram e são sempre os melhores naquilo que fizeram e fazem na vida, que era o mínimo que a nossa mãe nos exigia, o Nelo e a Nanda afinal também são "alguém" mesmo sem "estudos" e, quer-se dizer, só eu dei para o torto porque nestas coisas de família é realmente imprescindível a excepção que confirme a regra, e portanto resolvi sacrificar-me pelo bem comum.
A minha mãe fazia das tripas coração e da massa com fressura um pitéu. O dinheiro não chegava e então passou a tomar conta de crianças. Isso, a minha mãe tomava conta dos meninos dos outros, era "ama" disputada, havia lista de espera, metiam-se cunhas, empenhos para que ela aceitasse esta ou aquela criança. Lembro-me do Miguel, da Guidinha, do André, da Xaninha, da Susana, do Ginho, do Miguelinho, e esqueço-me indesculpavelmente de outros, e os meninos chamavam à minha mãe, cada qual à sua maneira, "mãe Xandrina", "mãe minha" (haverá forma mais bonita de chamar alguém?) ou simplesmente "bozinha", porque os netos também lhe passaram pelas mãos. A querida Guidinha, agora casada e também mãe de um rapaz já adulto, ainda hoje chama "mãe Xandrina" à minha mãe e a mim chama-me "tio Nane". E eu gosto muito destes chamamentos assim.
Na Rua do Assento, na casinha de pedra, minúscula, imensa e mágica, a minha mãe chegou a olhar por nove meninos ao mesmo tempo. Como se fossem também seus filhos. Olhava por eles para olhar por nós. Era mãe urbi et orbi, atentíssima, severa e amorosa, dava-lhes, de acordo com a exigente cartilha que lhe corria no sangue, o pão e a educação. Tinha ali uma espécie de infantário, restrito e de alta qualidade, muito procurado e com enorme lista de espera. Metiam-lhe empenhos, chegavam-lhe peitas, recomendações, pedidos praticamente desesperados. A minha mãe informava-se sobre os pais que se lhe abeiravam, era picuinhas no exame, rigorosa, mandona nas condições, só uns poucos conseguiram passar pelo seu crivo, e, se fosse hoje, se calhar ia presa. Por falta de licença...
sábado, 4 de maio de 2024
O bombeiro profissional
Ele era um bombeiro verdadeiramente profissional. Só aceitava incêndios das 9h às 13h e das 14h às 17h, de segunda a sexta-feira. Fora do horário de expediente, que ligassem aos voluntários!
P.S. - Hoje é Dia Internacional do Bombeiro.
Santos, bombeiros e Star Wars
Portanto, façam o favor de tomar nota: hoje é Dia Internacional do Bombeiro. E também é Dia de Star Wars. E, no Brasil, também é Dia do Calculista Estrutural, ou Dia do Engenheiro de Estruturas. Ou, como eu costumo dizer, estes gajos fazem-me rir...
sexta-feira, 3 de maio de 2024
A invenção da cruz
Liberdade de imprensa, dizem
P.S. - Hoje é Dia Mundial ou Dia Internacional da Liberdade de Imprensa.
O guarda Rios
quinta-feira, 2 de maio de 2024
Treinadores portugueses no Brasil
"O treinador Mano Menezes foi despedido da selecção brasileira. O substituto deverá ser anunciado no início de Janeiro e entre os principais candidatos ao lugar parece que estão Muricy Ramalho (técnico do Santos), Tite (do Corinthians) e Luiz Felipe Scolari (sem clube, depois de ter mandado o Palmeiras para a segunda divisão).
Mas do que é que o Brasil está à espera para contratar um treinador português? Não percebo a hesitação. Os brasileiros são os melhores jogadores do mundo? Também os portugueses são os melhores treinadores do mundo, como Jorge Jesus ainda ontem voltou a dizer.
É certo que, quando assim fala, o míster do Benfica é para o espelho que olha, e nem é bem ele a falar, é apenas o umbigo, are you talking to me?, you talking to me? Mas o umbigo de Jesus não deixa de ter razão. E o Brasil só ganhava se se deixasse descobrir de novo."
É preciso ter lata
P.S. - Hoje é Dia Mundial do Atum.