Mostrar mensagens com a etiqueta sem-abrigo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta sem-abrigo. Mostrar todas as mensagens

sábado, 16 de agosto de 2025

O Animal e os animais

Foto Hernâni Von Doellinger

O cidadão Fernando Alves. O Animal, chamam-lhe, ou o Emplastro, que, segundo o Expresso em 2008, foi contratado pelas agências turísticas para acompanhar os passeios pelo menos bêbados de mais de 15 mil finalistas universitários portugueses a Espanha. Quinze mil doutores, em dinheiro de hoje em dia, e devem estar todos a mandar no país. O extraordinário Emplastro que até foi ao Herman SIC e teve direito a dentes novos, dados por um desinteresseiro benemérito.
Eu sei que há guerras por esse mundo fora, cá em casa Portugal arde, as crianças nascem na rua, toda a gente muda de partido ou passa a "independente" a ver se arranja um lugar jeitoso nas listas à Câmara, candidatos à Presidência da República são mais de mil, mas o campeonato de futebol começou e, portanto, o nosso Fernando apresentou-se ao serviço. A televisão sem ele é uma seca, e com ele também, mas o Fernando tem pinta. Tudo continua normal, normalíssimo, e cá vamos andando com a cabeça entre as orelhas, como dizia Sérgio Godinho, o escritor de canções. O pior é mesmo o defeso futebolístico, que, felizmente, já lá vai. No defeso, como o próprio nome indica, ninguém quer saber se o Fernando é herdeiro do Pinto da Costa ou filho do Luís Filipe Vieira, ou pai do Frederico Varandas ou sócio do António Salvador, e então o que é que se passa? Isto: sem câmaras de televisão para preencher, o Emplastro monta base à porta de um restaurante de Matosinhos, não sei se convidado ou somente tolerado pela gerência, e abrilhanta, à saída, copos de brutos, hic!, quero dizer, fotos de grupos, gente bem. Nos intervalos das suas pertinentes intervenções (faz cara de Emplastro, só lhe pedem isso), o Fernando deita-se na soleira da porta ao lado e então faz papel de famélico de Calcutá, o que lhe fica um bocado mal, estando ele gordo como um chino. E pede, se vê uma máquina fotográfica, "Uma moedinha, é para comer, é para comer..." - o número do costume. Não sei quem é que actualmente lhe está a cuidar da imagem e da carreira, o superagente Jorge Mendes não é de certeza, mas há ali qualquer coisa que não bate certo. Eu sei, já disse, é no defeso, mas isso não explica tudo.
O Fernando fez-se Emplastro a pulso, porque não é tolo nenhum - ao contrário do que muitas pessoas possam pensar -, mas também deu jeito a certas e determinadas televisões que ele fosse assim. E aos jornais. E às revistas. Pois se até o "entrevistavam" e lhe fizeram o "perfil"! Por outro lado, também já mete nojo, não é? Às tantas ainda o mandam para a Arábia Saudita.
Posso dar um palpite? Posso e é o seguinte: ninguém vai querer saber do Emplastro, quando o Fernando estiver deitado na soleira e for a sério (à séria, se lido em Lisboa). Nem os comensais arrotantes nem os estudantes terminais. Quem ousará sobressaltar-se quando o Animal for realmente abandonado?...

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Animal Abandonado.

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Eram pobres e tinham dono

Virtudes teologais
Fé, esperança e caridade.
A fé move montanhas.
A esperança é a última a morrer.
E a caridade tem dias.

Antigamente a caridade tinha dia certo e era um descanso. Pelo menos em Fafe. Às sextas-feiras, vamos supor, os pobres manquelitavam de porta em porta pedindo "uma esmolinha por alma de quem lá tem". Os pobres da parte de fora da porta eram uns desgraçados muito rotos e muito sujos e eram assim para se distinguirem dos pobres da parte de dentro da porta, que já tinham em cima da "cristaleira" umas moedinhas negras separadas e preparadas para a função. Éramos todos pobres, dum e doutro lado da porta, uns mais, outros menos, e, à falta de quem governasse por nós, em Lisboa ou na Câmara, porque ainda não havia Europa, nada mais nos restava senão sermos uns para os outros. Às sextas-feiras, vamos supor. O resto da semana, não.
(A "cristaleira" tinha sido comprada em terceira mão e paga em honradas prestações mensais.)
Naquele tempo os ricos tinham os seus próprios pobres, privativos, pessoais porém transmissíveis. Os pobres eram deixados em herança. Ter pobres por conta era, pelo menos em Fafe, inequívoco sinal exterior de riqueza. Os pobres eram exibidos, bastas vezes à porta da igreja, como gado preso à argola do tasco em dia de moscas e feira semanal. Para o senso comum, quantos mais pobres alguém tivesse, mais rico era. Os pobres eram, portanto, uma medida de riqueza e uma necessidade da Nação para que os ricos prosperassem. Quantos mais pobres Portugal tivesse e quanto mais pobres fossem os pobres portugueses, mais ricos seriam os nossos ricos, e isso certamente era bom para o Produto Interno Bruto.
Isto é: a pobreza convinha-nos, aos pobres. A pobreza era o progresso da Nação. O regime ensinava-nos desde os bancos da escola que felicidade era sermos pobres mas honrados e termos as unhas das mãos sempre limpas. E isso deixava-me cheio de pena dos ricos, infelizes, principalmente dos ricos muito ricos que ainda por cima tinham as mãos sujas.
(Os ricos, pelo menos os de Fafe, não davam a roupa nem o calçado que já não lhes serviam. Vendiam a roupa e o calçado, a pronto, aos pobres da parte de dentro da porta. Vendiam. Os pobres da parte de dentro da porta, passados alguns meses de uso, davam aos pobres da parte de fora da porta a roupa e o calçado que tinham comprado a pronto aos ricos. Davam. Às sextas-feiras, vamos supor. O resto da semana, não.)
Graças a Deus, isto era só antigamente.

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Caridade.

domingo, 24 de março de 2024

O Emplastro e os doutores

Foto Hernâni Von Doellinger

O cidadão Fernando Alves. O Animal, chamam-lhe, ou o Emplastro, que, segundo o Expresso em 2008, foi contratado pelas agências turísticas para acompanhar os passeios pelo menos bêbados de mais de 15 mil finalistas universitários portugueses a Espanha. Quinze mil doutores, em dinheiro de hoje em dia, e as viagens de finalistas estão outra vez aí a dar que falar. O extraordinário Emplastro que até foi ao Herman SIC e teve direito a dentes novos, dados por um desinteresseiro benemérito.
As eleições já lá vão, o campeonato de futebol parou derivado à Selecção, mas a televisão regra geral não pára e o fabrico de chouriços em directo também não, portanto o nosso Fernando continua a apresentar-se ao serviço. A televisão sem ele é uma seca, e com ele também, mas o Fernando tem pinta. Tudo continua normal, normalíssimo, e cá vamos andando com a cabeça entre as orelhas, como dizia o nosso escritor de canções. O pior é mesmo o defeso futebolístico. No defeso, como o próprio nome indica, ninguém quer saber se o Fernando é filho do Pinto da Costa ou do Luís Filipe Vieira, ou pai do Frederico Varandas ou sócio do António Salvador, e então o que é que se passa? Isto: o Emplastro monta base à porta de um restaurante de Matosinhos, não sei se convidado ou somente tolerado pela gerência, e abrilhanta, à saída, copos de brutos, hic!, quero dizer, fotos de grupos, gente bem. Nos intervalos das suas pertinentes intervenções (faz cara de Emplastro, só lhe pedem isso), o Fernando deita-se na soleira da porta ao lado e então faz papel de famélico de Calcutá, o que lhe fica um bocado mal, estando ele gordo como um chino. E pede, se vê uma máquina fotográfica, "Uma moedinha, é para comer, é para comer..." - o número do costume. Não sei quem é que actualmente lhe está a cuidar da imagem e da carreira, o superagente Jorge Mendes não é de certeza, mas há ali qualquer coisa que não bate certo. Eu sei, já disse, é no defeso, mas isso não explica tudo.
O Fernando fez-se Emplastro a pulso, porque não é tolo nenhum - ao contrário do que muitas pessoas possam pensar -, mas também deu jeito a certas e determinadas televisões que ele fosse assim. E aos jornais. E às revistas. Pois se até o "entrevistavam" e lhe fizeram o "perfil"! Por outro lado, também já mete nojo, não é? Às tantas ainda o mandam para a Arábia Saudita.
Posso dar um palpite? Posso e é o seguinte: ninguém vai querer saber do Emplastro, quando o Fernando estiver deitado na soleira e for a sério (à séria, se lido em Lisboa). Nem os comensais arrotantes nem os estudantes terminais. Quem ousará sobressaltar-se quando o Animal for realmente abandonado?...

sábado, 19 de agosto de 2023

Aquela altura do ano

Meados de Agosto de 2015. "Cão deixado no lixo dentro de um saco gera onda de solidariedade em Vila Real", anunciava o jornal Público, em título fim-de-semaneiro. E acrescentava: "Plataforma Proanimal alerta que nesta altura do ano há mais animais abandonados e menos pessoas disponíveis para os acolher." Meados de Julho de 2023 e insiste o público, que nisto não brinca em serviço: "O Verão é, cada vez mais, sinónimo de abandono animal." Verdade como punho, ontem como hoje. Embora não gere nenhuma "onda de solidariedade", está curiosamente a acontecer o mesmo com os velhos e com os recém-nascidos, por assim dizer, humanos - cada vez mais abandonados e com cada vez menos pessoas disponíveis para os acolher, e então no Verão morrem como tordos, não sei se será do tempo. É. Vivemos realmente uma "altura do ano" filhadaputa. Mas os cãezinhos, Senhor...

P.S. - "Portugueses já gastam mais com cães do que com bebés", dizia a capa do semanário Expresso, em Outubro de 2011. Hoje é Dia Internacional do Animal Abandonado. O abandono de animais é considerado crime, o abandono de pessoas às vezes também. E está certo.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

E se o Natal for um embuste?

Portugal, 2022. Dezembro, vésperas de Natal. Quase dois milhões de pessoas subvivendo abaixo do limiar da pobreza. E passam a 4,4 milhões se lhes retirarmos os apoios sociais. Mais de dois milhões e meio de portugueses em risco de pobreza ou exclusão social. Quase vinte por cento da população empregada é pobre. Um quarto dos trabalhadores a salário mínimo, sobretudo mulheres, jovens e precários. Quase dois milhões de pensionistas da Segurança Social com pensões, de velhice ou invalidez, abaixo do salário mínimo. Mais de um milhão de desempregados, entre registados, desarriscados, clandestinos, envergonhados e vitalícios. Mais de quarenta mil famílias que vivem em casas sem condições. Quase dez mil sem-abrigo recenseados, fora os milhares de sem-abrigo obliterados pelas estatísticas e por nós todos. Um vergonhoso número calado de trabalhadores imigrantes tratados como escravos, torturados, humilhados, brutalizados, ignorados farisaicamente pelo país em peso, quando não lançados sem dó nem piedade para o redondel dos novos cães racistas. Fome, frio, doença, abandono, solidão, miséria física e moral, despessoamento, indignidade. Dezembro, vésperas de Natal. Portugal, quase 2023.

domingo, 6 de novembro de 2022

Rafa, tira, deixa, põe

Há cada vez mais portugueses pobres ou no limiar da pobreza e da exclusão social. São quase metade da população. Os mais ricos estão mais ricos e os mais pobres estão mais pobres. O número de pessoas em situação de sem-abrigo também aumentou: são agora quase dez mil, só os de papel passado, mandará o bom senso de quem anda todos os dias na rua que lhes acrescentemos pelo menos outros tantos. A fome é o pão nosso de cada dia. O desemprego é um modo de vida. Sobreviver está pela hora da morte. Não há dinheiro para a electricidade, não há dinheiro para o gás, não há dinheiro para a água, não há dinheiro para a farmácia, não há dinheiro para a lata de atum. Nos transportes públicos são cada vez mais os passageiros que, apanhados pela fiscalização, exibem imediatamente e por iniciativa própria o cartão de cidadão em vez do título de viagem que não têm, para serem competente e inutilmente identificados e multados, e querem lá saber. Os governantes atolam-se em patranhas e trafulhices, e querem lá saber. As oposições organizam torneios internos de tiro aos pés, e querem lá saber. O Presidente da República fala geralmente sem saber do que fala, e quer lá saber. Os portugueses só têm quem os foda, e querem lá saber. O que os portugueses querem saber é: e o Rafa, como é que vai ser? 

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Quatro paredes caiadas

Foto Hernâni Von Doellinger

Só nos primeiros seis meses de 2019 foram apresentados 166 novos projectos de hotéis em Portugal, contavam então os jornais e são os números mais actualizados e credíveis que sei, porque depois meteu-se a pandemia. Cento e sessenta e seis, repito e por extenso, que a enormidade do número faz por merecer. Dezoito investimentos em carteira para o Porto e treze para Lisboa. Vila Nova de Gaia vai ter a maior obra do País e a minha rua, em Matosinhos, já é ela por ela entre indígenas e alojamento local.
Nos princípios de 2018 havia 450 mil casas sobrelotadas e 2,5 milhões de casas subaproveitadas. Havia mais de 735 mil casas vazias, umas caindo de velhas, outras ainda por estrear. Em Portugal havia - e há - cada vez mais portugueses sem dinheiro para pagarem ao banco a prestação da casa. Os portugueses devolvem a casa ao banco, sem ondas e sem suicídios, às vezes. Em Portugal não há dinheiro para ajeitar a vida dos portugueses. E há cada vez mais portugueses morando no olho da rua. É. O País constrói-se para as visitas. Visitas gold, é preciso que se note.
Portugal de luxo, Portugal de lixo. Um site oficial do Governo exultava: "A Pousada do Porto, instalada no Palácio do Freixo, acabou de entrar na prestigiada e exclusiva rede The Leading Hotels of the World. Só os mais luxuosos, prestigiados e sofisticados hotéis são admitidos na referida listagem de apenas 430 unidades em todo o mundo."
Prestigiada e exclusiva, luxuosa, outra vez prestigiada e sofisticada. A Pousada. Um mundo...
Portugal tinha então cinco hotéis na lista dos 100 melhores do mundo, e em 2012 era português o melhor hotel da Península Ibérica e o melhor pequeno hotel de luxo da Europa era em Lisboa. Em Portugal havia mais de 40 hotéis de luxo. Hoje em dia devem ser mais que as mães.
E há também mais de três milhões de pobres, meio milhão de trabalhadores a salário mínimo, um milhão e meio de desempregados ou mais, entre os registados e os desarriscados, milhares e milhares e milhares de sem-abrigo, ninguém sabe ao certo quantos, e um imenso número calado de trabalhadores imigrantes tratados como escravos, ignorados farisaicamente pelo país em peso, quando não lançados sem dó nem piedade para o redondel dos cães fascisto-racistas.

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Habitat.

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Sim, mas os cãezinhos, Senhor!...

"Portugueses já gastam mais com cães do que com bebés", dizia a capa do semanário Expresso, em Outubro de 2011.
Meados de Agosto de 2015. "Cão deixado no lixo dentro de um saco gera onda de solidariedade em Vila Real", anunciava o jornal Público, em título fim-de-semaneiro. E acrescentava: "Plataforma Proanimal alerta que nesta altura do ano há mais animais abandonados e menos pessoas disponíveis para os acolher."
Verdade como punho, ontem como hoje. Embora não gere nenhuma "onda de solidariedade", está curiosamente a acontecer o mesmo com os velhos e com os recém-nascidos, por assim dizer, humanos - cada vez mais abandonados e com cada vez menos pessoas disponíveis para os acolher.
Soube-se exactamente ontem, contado pelo JN: "Em cinco anos [2017-2021], 43 bebés foram abandonados à nascença ou nos primeiros seis meses de vida pelos pais". Quarenta e três, números oficiais, porque na verdade podem ser mais. Em Portugal. É. Vivemos realmente uma "altura do ano" filhadaputa. Mas os cãezinhos, Senhor...