quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Como quem entra no céu

Transpôs a porta sagrada, procurou instintivamente à direita a piazinha de água benta que não encontrou, genuflexou e benzeu-se num silêncio e num respeito que só vistos, caminhou lentamente até à estante, no mais profundo recolhimento, pegou no livro como quem pega em asa de borboleta ferida, afagou-o, ao livro, abriu-o como que a medo, em ângulo recto não mais, folheou-o sem destino mas com mil cuidados, contemplativo, num deleite adivinhatório de santidade gozosa. Tinha acabado de entrar numa livraria.

P.S. - Hoje é Dia das Livrarias, que há quem diga Dia da Livraria e do Livreiro.

Assis Pacheco, vejo-o por aí

Que sortudo que eu sou. Acabei de me encontrar, agora mesmo na RTP2, com o Fernando Assis Pacheco, com o Paco Feixó e com outros velhos amigos do lado de cá do Minho que eu tanto estimo e já não via há que tempos e não me conhecem de lado nenhum. Gajos porreiros. Gajos porreiros, caralho! Para além de me matarem as saudades que tinha deles, tornaram-me à minha querida Galiza. Não é preciso ter sorte?

Infelizmente aquilo foi há doze anos. Tornei a ver o Fernando aqui atrasado outra vez na RTP2, que é o nosso sítio de encontro, sítio único, encontros raros, mas ao Paco nunca mais. À Galiza, vou lá um destes dias, se Deus quiser, e vou beber um copo pelos dois.

P.S. - Fernando Assis Pacheco morreu no dia 30 de Novembro de 1995.

Pessoa colectiva

Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Bernardo Soares, Alexander Search. É daí que vem.

P.S. - Fernando Pessoa morreu no dia 30 de Novembro de 1935.

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Phone... home... (como dizia o outro)

Foto Hernâni Von Doellinger

Eu vi um ovni, e vi-o claramente visto

Foto Hernâni Von Doellinger

Uma vez eu vi um disco voador. Vi, fotografei e publiquei - porque estas coisas são como as partes baixas, não se dizem, mostram-se! Lembro-me como se fosse no dia 14 de Janeiro de 2013. Apresentei no Tarrenego!, em exclusivo mundial, o retrato indesmentível de um opni pairando sobre o mar do Porto, do lado direito do Castelo do Queijo, com o Parque da Cidade pelas costas. Ninguém quis saber.
Semana e meia depois, o Correio da Manhã, jornal de todos os espantos e outros antiportismos, viu um ovni na América. Um ovni que, devidamente esmiuçado, não passava de "um raio resultante de um efeito luminoso" - assim explicado por especialistas. E no entanto, graças ao Correio da Manhã, o ovni americano que nunca existiu foi um sobressalto nacional. O Correio da Manhã faz tudo de uma coisa de nada. E faz nada quanto a decoro, respeito e deontologia. Deixo de fora a compaixão, que realmente não é chamada aos jornais.
Já o meu opni passou incógnito. Não era Cascais, era no Porto, resvés com Matosinhos, e por isso ninguém ligou. Nem as agências internacionais nem o Correio da Manhã: não metia Pinto da Costa nem suicídios semelhantes, portanto não interessava para nada. E assim desperdiçamos o pouco que vamos tendo, até o que nos cai do céu, e é por estas e por outras que este país não vai para a frente.
É o que eu estou farto de dizer: dá Deus ovnis a quem não tem dentes.

P.S. - Hoje é Dia do Planeta Vermelho, por isso ponham-se à tabela. A fotografia lá de cima é fidedigna e eloquente: reparem que o mar até descai para a direita (há quem lhe chame lado da retrete), o que acontece normalmente com bilhares mal calçados e no decurso de avistamentos comprovados.

Eles andem mesmo aí!

Foto Hernâni Von Doellinger

Havendo vida em Marte

Havendo vida em Marte

Havendo vida em Marte suponho que haja intrigas. Beijo, brejo, pouco nexo… mar imenso, suicidas.
Havendo vida em Marte suponho que haja mídia. Césio, tédio, prédio, sexo… pouco senso, pesticida.
Havendo vida em Marte suponho que haja brigas.
Havendo vida em Marte suponho que haja morte. Dor, enfarte à la carte… internet, fone, sorte.
Havendo vida em Marte suponho que haja corte. Belas-artes, vôo charter, Robocop fraco forte.
Havendo vida em Marte suponho que haja morte.


Itamar Assumpção, "Cadernos Inéditos"

Eles andem aí!

Foto Hernâni Von Doellinger

Os portugueses, as notícias e o Facebook

Quando os portugueses procuram notícias na Internet, vão ao Facebook, dizia um estudo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), de acordo com a rádio Antena 1. Ora bem: eu já li e ouvi chamar muitas coisas àquilo que as portuguesas e os portugueses realmente procuram no Facebook, mas "notícias", confesso, foi a primeira vez. Portanto, não me fodam! Quero dizer: não me "noticiem"...

P.S. - Hoje é Cyber Monday, mas eu não tenho culpa.

domingo, 27 de novembro de 2022

Nenucos, praticamente...

Foto Hernâni Von Doellinger

Aos domingos de manhã eles lá estão. Jogam à bola porque gostam, são amigos e compinchas, para além disso dá-lhes imenso jeito ganhar apetite para o almoço, Deus os farture e lhes mantenha a figura. Jogam a sério, com árbitro, capitães de equipa, minuto de silêncio, massagista, minis frescas e tudo. Há os da praia seca e lá ao fundo, no beijo das ondas, os da praia molhada. A paixão pelo futebol é a mesma, tremenda e pura. São amadores como quer dizer a palavra. Eles são o meu Mundial e jogam futebol na praia - não confundir com futebol de praia. Na Praia de Matosinhos, fora da época balnear, e ali nasceram heróis.

Dos "bebés do Leixões", já ouviram falar? Dessa ínclita geração de jovens génios da bola, conta a lenda que descobertos exactamente ali naquele areal, miúdos campeões do muda-aos-cinco-e-acaba-aos dez, pelo primeiro e mais competente olheiro do mundo e de todos os tempos, mestre Óscar Marques, que depois os entregava trabalhadinhos e já no ponto ao treinador António Teixeira? Anos sessenta-setenta do século passado: Adriano, Barros, Chico (Faria), Fonseca, Horácio, Neca, Nicolau (Vaqueiro), Praia - jogadores do melhor que Portugal teve ou alguma vez terá. E a seguir vieram os Albertinos, os Frascos e outros que tais. Estão a ver?
Pois os das manhãs dos meus domingos não são nada disso e tampouco lhes sei os nomes. Afinfam-lhe com assinalável pertinácia quando acertam na bola, há que dizê-lo com toda a frontalidade, mas vê-se logo que não passaram ao lado de uma grande carreira. Os outros, baptizados pelo famoso jornalista Alfredo Farinha, eram os "bebés do Leixões" e quando cresceram saltaram para o Benfica, para o Sporting e para o Porto (assim ordenados naquele tempo, a bem da Nação). Estes, os meus, notoriamente não são bebés, não sei de onde vêm nem para onde vão - mas juro que também são uma coisa bonita de se ver. E são nenucos, praticamente...

Mulheres à beira-mar

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 26 de novembro de 2022

Mortinho por fazer figura

Um folheto que me foi metido na caixa do correio convida-me a escolher "um Plano Funerário adequado". Adequado a quê e para quem?, se conto estar morto quando for o meu funeral e quero lá saber de mordomias póstumas. Diz que há um "Plano Magno", praticamente como o gelado, um "Plano Essencial", que não faz bem nem mal, e um "Plano Popular", como o ex-CDS. Em qualquer dos casos, são garantidos "serviço personalizado a partir de 995 euros" e uma vasta "experiência", o que também deixa muito mais descansado o defunto mais exigente.
A caixa do correio mete-me medo. Não tanto pelas contas da luz, da água ou do condomínio (embora, rústico que continuo a ser, pagar condomínio ainda me faça uma certa confusão), mas mais pelos avisos das Finanças e do Tribunal. Ainda por cima é uma galdéria, a minha caixa do correio, escarrapacha-se a todos, até aos da pior espécie: aos que perguntam pelo meu ouro e eu não os conheço de lado nenhum, aos que me pedem o meu voto e não me conhecem de lado nenhum, aos que querem comprar a minha casa que eu não quero vender, para já, aos que me querem vender uma casa que eu não quero comprar, para já, aos que querem querem querem que eu troque de Deus, e agora até aos que me querem vender a minha morte como se soubessem alguma coisa da minha vida que eu não sei.
Vamos lá com calma. Eu sei que ninguém fica cá para a semente e que se alguém ficar sou eu (mas não é isto que aqui interessa). Sei que fatalmente já por cá andei mais tempo do que ainda vou andar. Mas, com franqueza, a vida é tão boa e dá-me tantas consumições, que tenho mais que fazer do que pensar na morte, do que organizar a minha morte. Quando eu morrer (se morrer), logo se verá. Eu é que já não verei, e não me faz diferença nenhuma. Essa é a herança que deixo de bom grado a quem me sobreviver. Se alguém houver.
Por outro lado: a ofensiva cangalheira aguçou a minha curiosidade. Esse é o truque do marketing, mesmo do marketing de trazer por casa. Porta a porta. Admito que estou a pensar pedir um orçamento para a minha morte. Seduziu-me aquela coisa da "Medalha Impressão Digital", que não sei o que é mas deve ser muito bom para o morto. E também quero que me expliquem muito bem explicadinho o "Contrato de Funeral em Vida". Isso é legal? E é saudável? Funeral em vida? Dasse!...

P.S. - O decreto de reorganização da saúde pública, que proibiu o enterro nas igrejas e o impôs nos cemitérios, foi publicado no dia 26 de Novembro de 1845.

Susto de morte

Era um defunto que dava gosto: parecia que estava a dormir. E estava. Quando acordou, morreu do susto.

O testamento

O notário vacilou. Mas leu. O defunto deixava beijos e abraços. Distribuídos pelos inúmeros herdeiros em fracções de zero a 145, consoante o julgado merecimento de cada qual. Dinheiro não havia. Tinha ido todo em copos. E em beijos e abraços.

O retrato do falecido

Manifestamente incomodado, o morto levantou-se e disse: - Mas quem caralho deu a minha fotografia ao Correio da Manhã?...

Alma do negócio

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Deixe estar, que está quentinho

Hoje é Black Friday e é Dia de Lembrança das Compras e é Dia de Não Comprar Nada. Confuso? Como o tolo no meio da ponte e sem saber para onde se virar? Então vá por mim, fique em casa, não saia sequer da cama. O tempo está uma merda e é dinheiro que poupa.

Berardo não está só

Olhemos para Joe Berardo exactamente. Berardo fez-se milionário sob o alto patrocínio da Caixa Geral de Depósitos. Sei isto de fonte segura: foi o próprio Berardo quem mo contou. A sua primeira poupança foi uma conta que a mãe lhe abriu na Caixa, em 1962, na Madeira, com dois mil escudos (dez euros), teria ele então 18 anos. Uma semente. Uma conta que se manteve aberta e que nunca parou de crescer. Um casamento frutuoso, posto que de conveniência. O saldo de Berardo na Caixa já ia aqui atrasado em mais de 280 milhões de euros, realmente uma fortuna, mas de dívida. Joe Berardo devia ao banco público mais de 280 milhões de euros, que se soubesse até àquele então, na sequência de empréstimos manhosos que lhe deram de mão beijada e que ele agora não consegue ou não lhe apetece pagar. À banca portuguesa em geral, o comendador Berardo deve quase mil milhões de euros. Uma batelada de massa de que eu nem faço ideia. E tudo começou com apenas dois contos. Parece ilusionismo, número de circo. É por isso que ele se ri tanto e faz pouco do País. Ele é o homem que conseguiu dar o golpe do baú... à Caixa.
Por outro lado, dou valor ao Berardo. Ele deve aqueles camiões, navios e aviões todos cheios de dinheiro - só assim é que me oriento -, ri-se olimpicamente e é um homem rico. Eu não devo um cêntimo a ninguém, ando zangado com a boa disposição e sou um homem pobre. Quem me dera ser empresário!

Hoje é Dia Nacional do Empresário. O empresário nacional, essa espécie. Gente de aparecer e meninos para o preciso. E são mais que as mães. É. Joe Berardo não está só. Porque, quem diz Berardo, diz Oliveira e Costa, Ricardo Salgado, João Rendeiro, Dias Loureiro, Duarte Lima, Miguel Relvas, Horta e Costa, Jardim Gonçalves, Luís Filipe Vieira, Pinto de Costa, José Sócrates, Armando Vara, Manuel Pinho e assim sucessivamente.

Batem leve, levemente

São cada vez mais os casos sabidos de violência contra mulheres e crianças. Uma vez, aqui há uns anos, Deolinda Barata, da Sociedade Portuguesa de Pediatria, disse na televisão que a culpa é da crise. Os homens ficam desempregados e portanto batem nas mulheres. Os filhos levam por tabela.
Eu também sou contra o governo, por uma questão de princípio. Mas, palavra de honra, esperava dos alegados entendidos uma conclusão sensata e minimamente articulada sobre o assunto - e esta não é. O que a doutora Deolinda disse é o fácil, está à mão e é de esquerda, podia até ser dito por mim, esquerdista às vezes e incorrigível cultor do lugar-comum a tempo inteiro. Infelizmente, a questão da violência doméstica, sobre adultos ou menores, tem muito mais que se lhe diga. A crise não explica tudo. E não desculpa tudo. Falamos de filhosdaputa e isso é apenas o princípio da conversa...

P.S. - Hoje é Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres.

A murro

Batata a murro apresentou queixa por violência doméstica.

Chamem a polícia!

Chegou a casa e, como de costume, bateu à porta. Desta vez, a porta da vizinha chamou a polícia.

Ó mãezinha!

Bateu à porta e disse: agora vai fazer queixa à tua mãezinha.

Eras o céu e o mar

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

A televisão do Mundial

Eu não sabia se havia de ver a Sport TV, que é a televisão do Mundial, a RTP, que é a televisão do Mundial, a SIC, que é a televisão do Mundial, a TVI, que é a televisão do Mundial, ou o Canal 11, que é a televisão do Mundial. Agora já sei: vou ver os desenhos animados no Canal Panda.

O futebol, cientificamente provado

A primeira fase de construção de jogo, por exemplo. Dá que pensar, não dá? Desde logo: com quantas fases se constrói o jogo? Com quatro, como as fases que constroem a Lua? Com três, como na electricidade? Com onze, como a camisa de varas? Ou não se sabe, como na canoa? Por outro lado: há um terço do terreno específico onde a primeira fase de construção de jogo deva preferencialmente ocorrer para ser assim chamada? Ou, dito de outra forma: uma fase de construção de jogo efectuada no segundo ou no último terço do terreno é tão fase de construção de jogo como tendo acontecido no primeiro terço, ou, assim avançados, já estaremos no campo da desconstrução de jogo? E a desconstrução de jogo, a propósito, tem também fases ou é mais certinha?

E o último terço do terreno, ele próprio? O último terço do terreno será apenas o terço que o defunto leva nas mãos para a cova, como levianamente preconizam alguns infiéis? Não creio. De acordo com renomados autores, o último terço do terreno é o primeiro terço do terreno. Mas a comunidade científica ainda não chegou a um consenso. Tendo em atenção que o último (ou primeiro) terço do terreno é aquele espaço que vai desde a linha de fundo ou de baliza até à linha imaginária que fica equidistante da linha de grande área e da linha de meio campo, eu sustento, e creio que o consigo provar sem deixar margens para dúvidas, que o terço do terreno dá para os dois lados, como certas e determinadas pessoas, consoante se ataca ou se defende. Advirto, no entanto, que esta é uma opinião meramente pessoal, que não vincula o Tarrenego!, ainda sem posição oficial sobre o assunto. É o meu modesto contributo para um debate que não deve ficar entre linhas.

Foi mais um momento de inteligência e reflexão futebolística. De cultura científica. No próximo programa vamos debruçar-nos sobre a intrigante problemática da transição rápida. Para tentarmos perceber, nomeadamente, a partir de que momento uma transição deixa de ser rápida e passa a ser assim-assim. E tentaremos responder à questão medular: os processos defensivo, ofensivo e de transição também são julgados em tribunal?

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Ciência e Dia Nacional na Cultura Científica.

Espanto gastrointestinal

Ele era vegetariano e cagava postas de pescada. A ciência nunca soube explicar o fenómeno.

A ciência (e o jornalismo) em todo o seu rigor

Dizia o jornal de referência: "Dormir mal pode ser um sinal de Alzheimer". Pois pode. Mas também pode não ser.

A ciência

Cientificamente provado: o álcool afecta de forma diferente o homem e a mulher. O mercurocromo não.

Ovos de galo

A ciência ainda não encontrou uma resposta. Porque é que os ovos de galo são maiores do que os ovos de galinha?

O orador

- Profissão?
- Orador.
- Faz discursos?
- Rezo pai-nossos.

P.S. - Hoje é Dia de Acção de Graças.

Ripa na rapaqueca!

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Branca de Neve e a floresta autóctone

Branca de Neve brincava às casinhas com a casa dos sete anões. Com os anões brincava aos médicos, há quem diga. E a casa era na floresta.
Capuchinho Vermelho ia levar o merendeiro à Avozinha, mas apareceu-lhe o Lobo Mau que a queria comer a ela, Capuchinho. E a casa da Avozinha era no meio da floresta.
Se alguém souber dizer onde eram as casas dos Três Porquinhos, não me admiraria que fossem na floresta. E, já agora, "porquinhos" porquê? E a floresta era autóctone?...

Stultorum infinitus est numerus

Depois de gastar o seu latim, gastou também o seu grego. E nem assim...

P.S. - No dia 23 de Novembro de 1964, faz hoje 58 anos, o Vaticano publicou a abolição do latim como língua dos ofícios católicos.

Declinando

Depois de deixar o Governo, ofereceram-lhe um emprego muito jeitoso na administração de um banco. Bem pago e sem precisar sequer de lá ir. Ele, vertical, declinou. - Lingua, linguae, linguae, linguam, linguā, lingua... - disse.

Ora é o céu que é um mar

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 22 de novembro de 2022

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

E se o olá for outra vez um beijo?

Dizem-me que as palavras já não valem nada. Mentira. As palavras são cada vez mais poderosas, as palavras dominam as nossas vidas. As palavras até tomaram o lugar dos afectos, dos carinhos. Reparem. Antigamente davam-se beijos, davam-se abraços. Agora dizem-se beijos, dizem-se abraços. O gesto ancestral e puro foi substituído pela retórica etiquetada, o contacto físico acabou vergado ao esboço da intenção - à simulação. À dissimulação?
Dizemos "Beijinhos", dizemos "Abraço", dizemos olá de boca, e assim ficamos. Pelas palavras. Beijos e abraços são só vocábulos. Mantemos uma distância alegadamente higiénica entre nós, os alegados amigos uns dos outros. Dizemos. Ao telefone, por escrito, ao vivo na pressa da rua, na patetice dos emojis. Dar a sério (à séria, se lido em Lisboa) é que não. Ninguém dá nada a ninguém - nem sequer beijos, nem sequer abraços. Fazemos votos de. "O que lhe estimo é um beijo", "Desejo-lhe um excelente abraço"...
É. Olhem bem à volta: as palavras estão em alta, navegam de vento em popa. As palavras. O que verdadeiramente está em crise é a palavra, a palavra singular e definitiva, essa vaga memória de uma honra démodée que se arrasta pelas ruas da amargura - abandonada, pobre, cega e nua. Mas isto, claro, sou eu a dizer e são apenas... palavras, palavras, palavras.  

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Olá, ou provavelmente do Oi, após acordo ortográfico.

O céu pode esperar, mas a mesa não

A minha sogra estava a ver na televisão a missa do 13 de Outubro no Santuário de Fátima. A santinha, isto é, a minha sogra, que graças a Deus não padece de fastio, antes pelo contrário, costuma almoçar cerca das 11h30, mas a missinha tomara realmente conta dela, ensimesmada numa tremenda devoção, sem sequer deitar os olhos ao aparelho. Resolvi ainda assim espreitar à porta da sala e perguntar-lhe num sussurro se queria comer à horinha ou se esperávamos pelo fim das cerimónias. - No fim da santa missa!, respondeu-me com rispidez, como sempre e como se por um segundo eu lhe tivesse interrompido o Céu. Pronto: a mesa podia esperar.
Os ponteiros do relógio andaram um quarto de hora, mas a televisão não: a missa continuava no mesmo sítio. Era a comunhão e a fila de comungantes não havia maneira de chegar ao fim. A minha sogra agitava-se, os impasses incomodam-na sobremaneira, especialmente se atrasarem o tacho. Levantou-se então do trono, com aqueles ruídos que fazem parte, e ordenou a todos os seus súbditos, que sou apenas eu, miseravelmente eu: - Vamos mas é comer, que isto é povo sem jeito para a sagrada comunhão!...

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Televisão.

Cabelos, dedos, sal e a longa pele

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 20 de novembro de 2022

Brincando com o trabalho infantil

O trabalho infantil é uma tragédia, uma vergonha, sobretudo se a criança ajudar no campo os pais pobres para haver alguma comida à mesa.
O trabalho infantil é muito bem, um orgulho, principalmente se a criança entrar numa telenovela ou se for modelo de moda ou se for imitador de cantores adultos e der na televisão (esta parte da televisão é importantíssima!), enriquecendo os pais remediados.
Depois há ainda as crianças, estas são do piorio, que, órfãs de tudo e até de tecto, fazem sapatilhas de marca para as entrevistadoras e para os entrevistadores da televisão que entrevistam as crianças que entram nas telenovelas e nas passarelas e nas cantigas e para os babados pais, que no fim pedem recibo.
Parece que a diferença está nisto, segundo percebi uma vez no programa Sociedade Recreativa da RTP: os miúdos das telenovelas e da moda e do cançonetismo têm "agente"; os moncosos do campo, das fábricas, da rua, não.

É difícil ser criança

Hoje é Dia Internacional dos Direitos das Crianças. Compreendo a necessidade. Porque. Com tanto cão e gato, realmente é cada vez mais difícil ser criança. 

sábado, 19 de novembro de 2022

Dia do Homem

- Hoje é dia do homem... - disse ele.
- Dói-me a cabeça! - disse ela.

É de homem

O homem-tocha
O homem-tocha mudou de residência. Chamam-lhe agora homem-mealhada.

O homem-bala
Cabisbaixo e de mala na mão, o homem-bala apresentou-se logo de manhãzinha na rulote da gerência. Deixava o circo. Ia embora para casa. Descobrira durante a noite que era objector de consciência.

O homem-máquina
O homem-máquina gripou. Foi ao centro de saúde. Mandaram-no para a oficina. Evidentemente.

O homem de ferro
O problema do homem de ferro era o sexo. Não ia lá sem lubrificação.

O homem-aranha
O homem-aranha morreu. Vítima de uma teia de interesses, é o que consta.

O homem invisível
O homem invisível desapareceu. E nunca mais ninguém lhe pôs a vista em cima.

O homem de gelo
O calcanhar-de-aquiles do homem de gelo era o Verão. Assim um bocado como o Ferrero Rocher...

O homem-crocodilo
Despedido pela Lacoste, o homem-crocodilo fez-se à vida e foi com a mulher vender nas feiras. Mas bastante contrafeito.

Homem que é homem

Alto e bom som
Homem que é homem não dorme. Ressona.

Autossuficiente
Homem que é homem não quer nada com mulheres.

Maricas
Ficava-lhe mal como homem. Só andava com mulheres.

Mãos de fada
Homem que é homem não joga à malha. Faz.

Mãos de fada 2
Homem que é homem não compra camisola de lã com decote em bico e revesil inglês. Faz ele mesmo.

Caçador
Homem que é homem não teme leão. Os ratos é que podem ser problema.

Coçador
Homem que é homem coça os tomates. E cheira os dedos

Peitudo
Homem que é homem faz peito. E amamenta.

Liberado
Homem que é homem gosta de mamas grandes. Mas não usa sutiã.

Valente
Homem que é homem não chora. Mas mama.

Ó môr, môr!
Homem que é homem chama Patusco ao gato e Piloto ao cão. Nada de nomes abichanados! E, sim, à mulher pode chamar môr.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Homem.

Poderosíssimo

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Costa a Costa 2

Quanto à disputa entre o ex-governador do Banco de Portugal e o primeiro-ministro, evidentemente um deles está a mentir. E eu acho que é o Costa.

Abençoada pastelaria

Comeu um cardeal, dois jesuítas e três seminaristas. Bebeu quatro taças de Casal Garcia, persignou-se e deu graças a Deus.

São uns pontos

Diz o ponto cardeal ao ponto de rebuçado: não te armes em papa.

E assim sucessivamente

A primeira vez, o segundo galarza, o terceiro homem, o quarto poder, a quinta dimensão, o sexto sentido, o sétimo céu, a oitava maravilha, a nona sinfonia, o décimo mandamento, o décimo primeiro alien, o décimo segundo jogador, o décimo terceiro mês, a décima quarta temporada, a décima quinta edição, o décimo sexto colosso, o décimo sétimo andar, a décima oitava emenda, o décimo nono arcano, o vigésimo da lotaria, o vigésimo primeiro batalhão, o vigésimo segundo aminoácido, o vigésimo terceiro álbum, a vigésima quarta hora, e assim sucessivamente.

P.S. - A Lotaria Nacional foi criada pela Misericórdia de Lisboa no dia 18 de Novembro de 1783. Doze por cento dos lucros revertiam a favor dos Hospitais Reais dos Enfermos e dos Expostos.

Fazer o quatro, pintar o sete...

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Costa a Costa

Nisto da disputa entre o ex-governador do Banco de Portugal e o primeiro-ministro, eu devo dizer que sou pelo Costa.

Estudantes de todos os países...

Hoje é Dia Internacional dos Estudantes. Internacional! E eu grito: - Estudantes de todos os países, uni-vos! Com cola! Com cola...

A vida tal como ela é

Freguês assíduo das bifanas da Conga e produtos correlativos nomeadamente codornizes, tinha uma filosofia de vida a que nunca se exima, por mais adversas que fossem as condições. E essa filosofia essencial era - Mais vale um pássaro no prato do que duas mãos a voar. E mais dois fininhos, se faz favor.

O filósofo

Ele ensinava: o pior da morte é que a vida deixa de fazer sentido.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Filosofia.

Fotografia: arma de amor

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Povo que lavas no rio (ou talvez na poça do Santo)

Vamos supor que era a Grand Central Terminal de Nova Iorque e estávamos no quentinho do cinema. Mas na verdade estávamos em Vila do Conde à chuva e era um tanque público no quarteirão da Santa Casa da Misericórdia. Eu passando. Um carrinho de bebé sem condutor sai lentamente do lavadouro, primeiro em câmara lenta como nos filmes e depois, rapidamente embalado pela força da realidade, adeus passeio, vou para a estrada da morte que se faz tarde. Ia. Ia...

(Consegui captar a sua atenção? Pronto, vamos então falar de tanques. Dos tanques públicos e lavadouros oficiosos de Fafe, pelo menos daqueles que eu conheci e de que ainda me lembro. Havia os muito concorridos tanques da Rua de Baixo, servindo também a Granja, ali nas imediações da Esquiça e da Sacor. Para roupas de maior porte, havia os tanques do Matadouro, nos limites da Rua do Maia com a Ponte do Ranha, aproveitando a água e mesmo ao lado do "rio" onde eram lavadas as vísceras e espancadas as tripas e a sola dos animais abatidos, e era um cheiro a sangue e merda que só visto. Um pouco acima, nem meio quilómetro, creio que na mesma ribeira, havia a poça-tanque da Ponte de Pardelhas. No outro extremo da vila antiga, havia os tanquinhos do Bairro da Fábrica de Ferro, que na verdade tinha tudo. Havia o tanque de Santo Ovídio, de que eu soube apenas de passagem. Tornando ao centro, havia a poça do Santo, do Santo Velho, logo a seguir ao casarão brasonado e à capela e antes dos campos de milho onde hoje medram as traseiras da Escola Secundária. E não quero acreditar que zonas tão povoadas como o Retiro, a Cumieira ou a Recta não dispusessem também dos seus tanques ou lavadouros, mas não os sei. Não me lembro deles, pelo menos neste momento, e isto não é uma investigação, levantamento ou trabalho etnoarqueológico, antes pelo contrário.
A minha mãe frequentava diariamente a poça do Santo, ali à mão de semear, e deslocava-se amiúde ao Matadouro, "ao rio", carregada da cabeça aos pés, para as grandes barrelas sazonais. Éramos pelo menos cinco em casa, mãe e quatro filhos, às vezes também a Mila, às vezes também os meus avós, tios e primos e outros parentes de Basto, só a roupa de nós todos já era uma sacada, um fardo. Ainda por cima, a minha mãe tinha a mania de oferecer-se para lavar "umas pecinhas" de alguma vizinha mais velhinha, adoentada ou recém-regressada da maternidade. E houve mesmo uma altura em que, por necessidade, a minha mãe lavou oficialmente para fora, para uma ou duas famílias "ricas", mas nem por isso largou de mão a vizinhança mais aflita.
Era duro. Eu ia com a minha mãe e bem via. Era mesmo muito duro! Tão duro que eu, preguiçoso por idade e por feitio, fazia tudo para "ajudar". Mas não me deixavam. Nem a minha mãe nem as outras lavadeiras, sobretudo estas. Diziam-me, entre cantigas e caralhadas, que os meninos do sexo masculino não podiam lavar roupa. Se os meninos do sexo masculino lavassem roupa - dizia o mulherio -, quando fossem homens não lhes crescia a barba, ó terrível maldição!...
A mim, confesso, nem me aquecia nem me arrefecia, aquilo da barba. Eu já estava por tudo. Faltavam dois ou três meses para eu entrar no seminário, e logo que lá chegasse - também me diziam - iriam capar-me sem dó nem piedade! Então olha, perdido por um, perdido por mil...
E pronto. Está a tocar o sinal para o fim do intervalo.)

Então onde é que eu ia? Quer saber o resto? Já sei: ia no ia. Vila do Conde, carrinho de bebé e tudo. Isso mesmo. Ia...

Naquele momento exacto sinto o primeiro e único impulso de heroísmo de toda a minha vida, voo para o carrinho a pensar na CMTV, na TVI, na CNN, no YouTube, em Marcelo Rebelo de Sousa, na medalha do 10 de Junho, na reforma vitalícia (pensa-se em muita merda numa fracção de segundos), rezo a Nosso Senhor e a Nossa Senhora e a Santiago de Compostela, meu padrinho e protector, falta-me o ar de repente, é o coração que me entope cobardemente a garganta, as pernas tremem-me como varas verdes mas desta vez não falham, voo para o carrinho e agarro-o já no milagroso resvés com um Toyota Yaris que passa nas horas e me enche de nomes, mas é o menos. Graças a Deus. Respiro. A mãe grita, de mãos espetadas na cabeça desgrenhada, Ai o carrinho!, e o pai berra Olha o carrinho!, e dá mais uma puxa no paivante.
O carrinho?, interpelo eu e repito, mais fodido do que outra coisa, O carrinho? E a criança, caralho?, A criança?, as palavras saem-me aos soluços e eu preciso de uma cadeira para morrer ali sentado. Mas qual criança?, dizem-me os dois, com caras combinadas de quem me manda à merda com a senha número um e portanto sem direito a cadeira, Qual criança?, e riem-se afinadíssimos da minha agonia. Tinham praticamente razão: olhei para o carrinho que mantinha nas minhas mãos cerradas e aflitas, o bebé eram quatro passadeiras lavadas, enroladas e ainda pingantes - as quatro filhas da puta pelas quais eu só não faleci prematuramente porque sou um gajo cheio de sorte.

Nota final. A famosa cena do carrinho de bebé descendo a escadaria, com a criança dentro, no meio do tiroteio, em "Os Intocáveis", de 1987, já tinha sido vista em "O Couraçado Potemkine", de 1925, obra maior de Sergei Eisenstein.

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Muito obrigado, Senhor Conceição!

Foto Hernâni Von Doellinger

Quase todos os dias, quando faz os seus discretos 10 km matinais para os lados de Matosinhos e do Porto de Leixões, Sérgio Conceição passa pelo zimbório do Senhor do Padrão ali à entrada do terminal de cruzeiros. Mas não passa apenas. Celebra a passagem. Não entra sequer no jardim, creio que para não dar nas vistas, mas, ao iniciar a subida da Rua do Godinho, o treinador do FC Porto deixa de correr, retira o gorro da cabeça e caminha vagarosamente com os seus botões durante dez, quinze metros, voltando depois à corrida e a cobrir-se logo que perde de vista aquele sortílego local de cultos. Ainda há bocado assim foi. Não sei se é fé, se é crendice, se é apego, se é superstição, se é respeito, como diz que é a minha mulher, ou se é tudo isto consubstanciado num sentimento único de gratidão. Não sei. Mas compreendo. O Senhor do Padrão fica-me à mão na minha caminhadazinha higiénica e confesso que, eu e Ele, também temos sempre assunto. Portanto compreendo. E aprecio. Quero dizer, identifico-me. Porque eu também sou sobretudo grato. Por exemplo: de cada vez que Sérgio Conceição se cruza de longe comigo, não me conhecendo de lado nenhum, apetece-se sempre dizer-se alto e bom som, do outro lado do Passeio Atlântico, em nome do meu desmesurado portismo e da minha família inteira, "Muito obrigado, Senhor Conceição!", e certa ocasião ganhei coragem e disse mesmo. A seguir a uma derrota que por acaso me dilacerou o coração, mas disse. Porque sei que Sérgio Conceição dá tudo. Amiúde, até demais. Porque Sérgio Conceição já me deu mais alegrias do que qualquer portista da boca para fora, como eu, merece. Porque, se sou regra geral feliz, devo-o muito a Sérgio Conceição. Portanto disse. É possível que daquela vez as minhas palavras possam ter sido, sei lá, deturpadas pelo barulho da rua e mal-entendidas como insulto ou boca foleira. Não. O que eu disse mesmo, o que eu quis dizer, foi e é: - Muito obrigado, Senhor Conceição!

P.S. - Eu sei que me repito. É da idade, mas não da minha. Acontece que o cidadão Sérgio Paulo Marceneiro Conceição nasceu no dia 15 de Novembro de 1974, e portanto faz hoje 48 anos. Quer-se dizer: para além de obrigado, também parabéns!

Podíamos cantar ou voar, podíamos morrer

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Transfronteiriço e com luzinhas

Vendo. Vendo centros de exposições transfronteiriços, com ou sem fronteira, com ou sem luzinhas. Versão com sirene de marcha-atrás, só por encomenda. Negócio de ocasião, financiamento garantido. Pagamento à vista, entrega a ver. Disponível em verde, castanho, azul e vermelho. Produto anunciado na TV. Limitado ao stock existente.

Os Antigos

Os Antigos sabiam tudo. No tempo deles é que era. Havia respeito, educação, bondade, sabedoria, paz, saúde e sobretudo velhice.
Os Antigos sabiam de laranjas - de manhã ouro, à tarde prata e à noite mata. Sabiam do tempo - em Abril, águas mil. Sabiam de horas e alturas - deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer. Sabiam de curas e maleitas - o vinagre e o limão meio cirurgião são. Sabiam de tubérculos e famulagem - não comas caldo de nabos nem o dês aos teus criados. Sabiam de presigos e segurança pública - sardinha sem pão é comer de ladrão. Sabiam de magustos e viagras - a castanha excita o coito e alimenta muito. Sabiam de proporções - bom comer: três vezes beberSabiam de criação e divindades - ao menino e ao borracho põe Deus a mão por baixo. Sabiam de prestidigitação e utopias - mais vale um pássaro na mão do que dois a voar. Sabiam saltar a cerca - a galinha da vizinha é sempre melhor que a minha. E sabiam guardar um segredo - o corno é o último a saber.
Os Antigos morriam muito, mas morriam muito velhinhos, isto é, por volta dos cinquenta, sessenta anos.
Os Antigos não andavam por aí aos tiros. Andavam às pauladas, às facadas, às sacholadas - e aos tiros.
Os Antigos não matavam por dá cá aquele palha. Matavam por causa da água - e geralmente por causa do vinho.
Os Antigos não emprenhavam raparigas solteiras a torto e a direito. Os filhos de pai incógnito eram realmente mais que as mães, mas eram milagres.
Os Antigos não toleravam e até perseguiam os maricas, isto é, os paneleiros, porém consideravam razoável que o senhor padre fosse ao pito às moças da paróquia e brincasse com as pilinhas dos meninos da catequese.
Os Antigos achavam que melhor que um Salazar só dois Salazares. Melhor ainda, um Salazar em cada esquina. Entre Salazar e Fátima, é que os Antigos não sabiam bem...
Os Antigos sabiam como fazer homens. Pegavam nos rapazes e mandavam-nos para a tropa, se possível para a guerra.
Os Antigos sabiam o lugar da mulher. Em casa. Na cozinha. A fazer croché. E se saíam à rua, era marido à frente e mulher um passo atrás, como Deus ensinou e está na Bíblia.
Os Antigos respeitavam as esposas. Por isso iam às putas.

Agarra o Verão, Guida, agarra o Verão

Foto Hernâni Von Doellinger


domingo, 13 de novembro de 2022

Lapsus linguae (corrigido e aumentado)

Entrei de rompante e gritei: mãos ao ar, isto é um assalto! Fiquei admirado. O que eu queria dizer era: alto e pára o baile! Eu andava desesperado e absolutamente insone com aquele forrobodó todas as noites no andar de cima. A minha boca fez confusão. Mas estava dito, estava dito: desci com um LCD de 100 polegadas, uma mesa de DJ, seis colunas de som surround, um globo espelhado, oito CD do Quim Barreiros, dois tablets, quatro telemóveis, sete relógios - um de sala -, seis pulseiras, cinco colares, doze pares de brincos, dois pacotes de batatas fritas, meia piza familiar de cogumelos e fiambre com extra queijo, um pacote de Sugus morango e framboesa, nove gramas de haxixe, garrafa e meia de vodka, duas canecas de sangria, vazias, três garrafas de Casal Garcia, treze cartões de crédito, um vale de reforma, 837 euros em numerário, um porquinho-mealheiro com a Justiça de Fafe e 350 escudos em imprestáveis moedinhas de 1 escudo, quarenta e nove volumes com a transcrição não censurada dos telefonemas mais íntimos e picantes de Pinto da Costa, um par de canadianas praticamente novas - uma professora de Toronto e uma enfermeira de Otava - e a empregada doméstica que também quis vir comigo.

Eu, que só queria ajudar

Era um rapaz dos seus 16-17 anos, se calhar 15 ou 18, ou 13, nunca fui bom nisto. Encarei o meu melhor sorriso e chamei o rapaz à atenção:
- O caro jovem fará o favor de me desculpar, não deve ter reparado, mas acontece que tem as calças a caírem-lhe, com licença, pelo cu abaixo. Vêem-se-lhe as cuecas inteiras, são de marca e ficam-llhe muito bem, é verdade. Às tantas, porém, se não lhes deita a mão, as calças arriam-se-lhe até aos artelhos, o caro jovem enrodilha-se nelas e ainda dá um tombo dos antigos, com consequências que lamentavelmente poderão redundar em consideráveis danos físicos e materiais.
O rapaz, talvez 19 anos, ou 12, não sei, olhou-me da cabeça aos pés com assinalável fastio, viu-me o cabelo branco, pouco e desorganizado, a barba grisalha de mês e meio, a mochila desengonçada às costas de uma T-shirt que há muito, muito tempo foi azul, as calças de fato-treino de cor incerta e largas como as dos palhaços, as sapatilhas brancas, a esquerda furada na biqueira (eram do meu filho), tentou adivinhar-me a idade e deve ter acertado em cheio, lançou o cigarro ao chão, o escarro seguiu o mesmo caminho, e respondeu-me um cagasésimo de segundo antes de me virar costas:
- Vai-te foder, ó velho do caralho...
Francamente, o que é que o rapaz pretenderia dizer com aquilo? Eu, que só quero ajudar...

Moral da história: chama-se a atenção quando se pretende despertar interesse ou curiosidade, quando se quer dar nas vistas; chama-se à atenção quando se deseja fazer uma crítica ou algum reparo. É. Os acentos fazem uma certa e determinada diferença.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Generosidade. Ou Dia Mundial da Bondade. Ou Dia Mundial da Gentileza, como lhe chamam no Brasil.

Uns e os outros

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 12 de novembro de 2022

Olho por olho

Hortaliça comprada nas farmácias é 25 por cento mais barata do que nos supermercados. Promoção: latas de salsichas de seis unidades com 50 por cento de desconto e uma embalagem grátis de supositórios para a tosse.

Leve cinco e pague seis

Ele era comprador compulsivo e fanático por promoções, adorador de sextas-feiras negras. Um relâmpago que entrava, escolhia, pagava e saía das grandes, pequenas e remediadas superfícies num abrir e fechar de olhos das câmaras de vigilância, que realmente nunca o viram. Acreditava que 13,99 são treze e não catorze euros. Se lhe aparecesse à frente "Leve cinco e pague seis!!!", letreiro jeitoso em vermelho e amarelo rematado por veementes pontos de exclamação, ele aproveitava logo...

A geração H

Um dos maiores problemas dos nossos supermercados é que põem a cortar bacalhau uma malta muito gira e muito porreira que nunca na vida comeu bacalhau e nem sabe de que árvore é que aquilo vem. É a geração H. Agá de hambúrguer. Resultado: trazemos para casa postas de bacalhau cortadas com as dimensões de um selo dos correios...

Grandes, pequenas e remediadas superfícies

Matosinhos. No supermercado. O casal, a rondar os 65 anos, estuda a prateleira dos vinhos. Ele, de cabelo preto obviamente pintado, escolhe uma garrafa e lê e explica à mulher o contra-rótulo, com o ar mais entendido do mundo. É aquela. Levam. Chegam à caixa e o homem assusta-se quando percebe que a garrafa custa 2,99 euros. "Mais um euro do que o preço antigo, não pode ser". Mas felizmente tinha percebido mal: são "apenas" 2,10 euros, explica-lhe a funcionária, "só subiu 11 cêntimos".
"Dá-me para seis refeições", diz o homem para a fila que tinha atrás, tentando justificar a fortuna que ali larga. Um cliente ainda mais velho aproveita a deixa. Tem para aí 70 anos e diz:
- Se me permite um conselho, e já que bebe tão pouco, então nunca compre garrafas de menos de três euros. Abaixo disso, é vinho feito a martelo...
- Olhe, até calha bem: gosto muito de artesanato... - responde-lhe o do cabelo pintado.

P.S. - Hoje é Dia dos Supermercados. No Brasil.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Mário Viegas, sempre!

António Mário Lopes Pereira Viegas nasceu no dia 10 de Novembro de 1948 e morreu no dia dos enganos de 1996. Aproveitou o entretanto para nos contar, por exemplo, esta do Mário-Henrique Leiria, que curiosamente não faria anos hoje.

Bate na areia e desmaia

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 8 de novembro de 2022

O roxis

O roxis, querem saber o que é? Então cá vai. O roxis é da família do taco, mas muito mais antigo, e é sinónimo de chapa, porque ir fazer um roxis ou ir fazer uma chapa era exactamente a mesma coisa. O Hospital de Fafe, no tempo em que quem lá mandava era a "Mamer", tinha uma máquina de roxis muito velha, numa sala muito escura ao lado da urgência e da escadaria interior que levava à capela. Apesar da sua estratégica localização, ali entre a vida e a morte, o aparelho tinha dia certo e horário de expediente para funcionar. A sua operacionalidade dependia, se não estou em erro, da indispensável presença ou pelo menos orientação do Dr. Mota Prego, que tinha um nome de categoria e vinha de Guimarães para tratar destes assuntos.
Quer-se dizer, o Dr. Mota Prego era o nosso especialista em roxis e uma vez ele e o Dr. Antero, creio, trataram-me muito bem de uma clavícula partida que era a minha vaidade na escola e hoje ainda me dói.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Radiologia.

Isto é urbanismo!

Pegue-se num bom pedaço de terreno relvado, com árvores e com sombras, e arrase-se tudo. O terreno, a relva, as árvores e as sombras. Encha-se o espaço de alcatrão, cimento, placas de granito e mármore, pedregulhos aparelhados fazendo de conta de bancos e estacas de alumínio a imitarem árvores ou, quem sabe, a imitarem esculturas muito inteligentes, de preferência com esguichos mas sem água derivado à seca e à poupança. Isto é urbanismo! Pegue-se no jardim da cidade, arranquem-se as flores e os arbustos, envenene-se o verde, construam-se desertos em forma de praça e mandem-se as pessoas para casa. Isto é urbanismo! Pegue-se num monte, sítio de memórias, de brincadeiras da infância, santuário de locais secretos e míticos, reserva de saúde e natureza, e corte-se-lhe a crista, cape-se, desarborize-se, desfaune-se, terraplene-se, enxote-se a bicharada, cale-se o incómodo do chilreio dos pássaros, ergam-se casas de preferência em forma de caixote, altas, pegadas e muitas, e muros e portões e estradas e carros e escapes e buzinas e estampanços e atropelamentos e antenas parabólicas e fios e postes de alta ou remediada tensão. Isto é urbanismo! É. Hoje é Dia Mundial do Urbanismo e estamos todos de parabéns.

Por isso temos braços longos para os adeuses

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Descendo ao topo da hora

Ora cá está mais uma interessantíssima problemática. A problemática do "topo da hora", esse escusado e equívoco bordão radiofónico que hoje me proponho dissecar com a seriedade intelectual e a profundidade filosófica do costume.
Na rádio, o "topo da hora" é o sítio onde estão colocados os noticiários. Os noticiários alargados, entenda-se, porque também há as edições apertadinhas, às meias. Doses. "Notícias no topo da hora", costumam dizer-nos os locutores ou jornalistas, remetendo-nos, por exemplo, para as 11 horas, para o noticiário das 11 horas. E aqui é que bate o ponto. Porque (sigam o meu raciocínio, por favor), se o noticiário das 11 horas for no "topo da hora", ele deverá ir para o ar às 11h59m59s, porque aí é que é o topo da hora 11. Isto é: para estarem no "topo da hora", as notícias das 11 só são ao meio-dia; porque, na verdade, as 11 são o topo da hora, mas das 10, da hora 10. O que quer dizer que temos andado estes anos todos com os noticiários trocados.
Que não restem dúvidas: topo, neste contexto, quer dizer a parte mais elevada, o cume. E o cume de uma hora é o último segundo antes de ela entrar na hora seguinte. É certo que topo também pode significar extremidade, mas, se forem por aí, recomenda-se aos senhores locutores, jornalistas e radialistas em geral que apontem sempre as notícias para o topo de baixo.

Aproveite para namorar...

Antena 1, a nossa rádio pública, pouco depois das 21h15 de um Dia de São Valentim. O locutor, voz excelentíssima, põe ao lume os chouriços do costume, prepara a entrada de Sérgio Godinho mas escorrega na burilada bucha de ligação. "Se vai na estrada, conduza com cuidado. Olhe, aproveite para namorar!..." - diz ele. E realmente. Há lá melhor maneira de morrer num acidente de viação...

O rádio

O rádio, diz a Wikipédia, é um elemento químico de símbolo Ra, número atómico 88 e massa atómica 226, pertencendo à família dos metais alcalino-terrosos, grupo 2 ou IIA da classificação periódica dos elementos. À temperatura ambiente, o rádio encontra-se no estado sólido. É um metal altamente radioactivo encontrado em minerais de urânio como na pechblenda. As suas aplicações são derivadas do seu carácter radioactivo. Foi usado em medicina e depois substituído por radioisótopos mais eficientes. Foi descoberto por Marie Curie e seu marido Pierre, em 1898, na pechblenda/uranita. O rádio era um sucesso absoluto, até que apareceu a televisão.

P.S. - Hoje é Dia do Radialista. No Brasil. Em Portugal não há.

Na minha rua passa o mar

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 6 de novembro de 2022

Rafa, tira, deixa, põe

Há cada vez mais portugueses pobres ou no limiar da pobreza e da exclusão social. São quase metade da população. Os mais ricos estão mais ricos e os mais pobres estão mais pobres. O número de pessoas em situação de sem-abrigo também aumentou: são agora quase dez mil, só os de papel passado, mandará o bom senso de quem anda todos os dias na rua que lhes acrescentemos pelo menos outros tantos. A fome é o pão nosso de cada dia. O desemprego é um modo de vida. Sobreviver está pela hora da morte. Não há dinheiro para a electricidade, não há dinheiro para o gás, não há dinheiro para a água, não há dinheiro para a farmácia, não há dinheiro para a lata de atum. Nos transportes públicos são cada vez mais os passageiros que, apanhados pela fiscalização, exibem imediatamente e por iniciativa própria o cartão de cidadão em vez do título de viagem que não têm, para serem competente e inutilmente identificados e multados, e querem lá saber. Os governantes atolam-se em patranhas e trafulhices, e querem lá saber. As oposições organizam torneios internos de tiro aos pés, e querem lá saber. O Presidente da República fala geralmente sem saber do que fala, e quer lá saber. Os portugueses só têm quem os foda, e querem lá saber. O que os portugueses querem saber é: e o Rafa, como é que vai ser? 

Mobiliário urbano (propriamente dito) 239

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 5 de novembro de 2022

Lourenço da Arrábida

O problema do Lourenço da Arrábida era o equívoco. Ou o gozo. O inocente equívoco ou o gozo premeditado, ele ainda não chegara à conclusão. O certo é que as pessoas estavam sempre a perguntar-lhe pelo Omar Sharif, pelo Anthony Quinn, pelo Alec Guinness, ou se realmente ele viu Judas a cagar no deserto. Chamavam-no à televisão para comentar a situação no Médio Oriente, mas admiravam-se por ele ainda estar vivo, uma vez que para os devidos efeitos morrera num acidente de mota. Perguntavam-lhe também, se, por falar nisso, a Guinness deve ser bebida fresca ou à temperatura ambiente como alguns têm a mania. Enfim, já se sabe como são as pessoas.
O bom do Lourenço primeiro ia aos arames, afinava. Cego pelos nervos, num repente rapava da adaga e desatava a gritar "mouros!" e a matar a torto e a direito felizmente só da boca para fora. Quantas tragédias foram assim prometidas e adiadas, para enorme desconsolo da CMTV e assinalável prejuízo da indústria funerária da região. Mas com o tempo o nosso herói assentou, ganhou calo no cu, como se diz. Agora se o azucrinam com as tretas do costume, encolhe os ombros largos de desdém, pigarreia uma e outra vez, sacode duas valentes chibatadas no camelo de estimação e desaparece dali a galope, ondulando o manto branco por entre hordas descontroladas de turistas e outros infiéis que descem e sobem aos encontrões a completamente escangalhada Rua Mouzinho da Silveira.

Fitas...

Não vá em fitas! Máscara de ferro é uma coisa, testa-de-ferro é outra.

A imodéstia de Deus

Num dos seus inusitados momentos de imodéstia, Jesus Cristo disse: - A minha vida dava um filme! E deu. Deu até vários filmes. Não creio que tenha adiantado...

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Cinema.

Vai fermosa e não segura

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

O Antunes é só isto?...

Era um cãozico, um miniminicão, adereço de porta-chaves, um daqueles fraldiqueiros alegres que correm, guincham e cabriolam no meio metro quadrado que lhes basta como mundo. Ia pela trela, desconfio que para não cair de cangalhas e desfazer-se, e o dono era só orgulho, sorria aos sorrisos dos que passavam e achavam graça ao estupor do bicho, que realmente.
Um transeunte mais dado aproximou-se, fez uma festinha ao canídeo e perguntou ao dono:

(O dono tinha a resposta na ponta da língua, quantas e quantas vezes isto já lhe tinha acontecido. "Ora portanto, o cão é de raça chihuahua e assim tão diminutos só talvez os da raça pequeno cão russo. Chama-se chihuahua porque, como o próprio nome indica, esta raça teve origem no estado mexicano de Chihuahua, cá está, embora haja quem diga que os viu já no Egipto do tempo dos faraós, ou em Cuba, no tempo de não sei quem, mas muito antes do Fidel certamente. Os chihuahuas são considerados cães de luxo, de colo, e, de tão franzinos, sofrem dos ossos. Pesam entre quilo e meio e dois quilos e setecentos e medem, geralmente, entre quinze e vinte e três centímetros, o que faz lembrar outras malandrices, não sei se me estou a fazer entender. São cães amáveis, afectuosos e possessivos. São excelentes companheiros. Este chama-se Antunes.")

Mas íamos aqui: um transeunte mais dado aproximou-se, fez uma festinha ao canídeo e perguntou ao dono:
- E o resto?
- O resto? - assarapantou-se o dono, perante uma questão assim tão extraordinariamente fora da ordem do dia.- Que resto?...
- O resto do cão, que é dele?...

P.S. - No dia 4 de Novembro de 1922 foi descoberta, no Egipto, a entrada para o túmulo do faraó Tutankhamon. A múmia de Tutankhamon foi retirada do túmulo, em Luxor, 85 anos depois, exactamente no dia 4 de Novembro de 2007, revelando o seu rosto pela primeira vez. E assim começaram as sagas de maldições, zombies e mortos-vivos...

Celebremos, pois, o manguito do Bordalo

A moda é nova, mas, em Portugal, o fado, a dieta mediterrânica, o cante alentejano, os chocalhos e a olaria preta de Bisalhães já tinham sido elevados aos píncaros do Património Cultural Imaterial da Humanidade. Seguiram-se a falcoaria, a louça de Estremoz, os Caretos de Podence e as Festas do Povo de Campo Maior, até ver. Fixemo-nos, porém, na falcoaria. A falcoaria, numa das suas definições mais acessíveis, é a arte de treinar e cuidar de falcões e outras aves de rapina para a caça. Os falcões e colaterais contrafacções caçam, matam e comem, em geral, outras aves e pequenos quadrúpedes que não têm lóbi na Unesco. Está certo: a Unesco é uma organização das Nações Unidas que visa contribuir para a paz e segurança no mundo mediante a educação, a ciência, a cultura e as comunicações. Com a falcoaria ficámos irremediavelmente lançados. Eu, por mim, penso agora nos sapateiros, nas mulheres-a-dias, nos falsos licenciados, nos periquitos, nos tocadores de punhetas, nos perdigueiros e, andava com esta ferrada há que tempos, nos furões.

E antes que me esqueça: por exemplo, o jogo do pau. Porque não? Ou o berlinde, a carica, o pião, o espeto, a macaca, o moche, o tene, a cabra-cega, o arranca-cebolas, o mamã-dá-licença, o esconde-esconde. Ou o jogo da malha. Ou o jogo da bisca. Ou o jogo Benfica-CUF de 22 de Março de 1959. Porque não?
Por exemplo, as Janeiras, os Reis, as novenas, o terço e a bênção do Santíssimo. Porque não? As marchas de Lisboa e as rusgas do Porto e o Pai das Orelheiras e o carnaval de Ovar e as "Velhas" da Terceira e as adufeiras de Monsanto e a Justiça de Fafe e os zés-pereiras e os cabeçudos e os gigantones. Ou a cantiga no duche, ou a lengalenga do avô, ou a arenga de bêbado, ou o apita-o-comboio, ou o atirei-o-pau-ao-gato, ou o areias-era-um-camelo. Ou o canto pimba, ou o canto neiro. Porque não?
Por exemplo, os ranchos folclóricos, os conjuntos típicos, a Maria Albertina e o António Mafra, os grupos excursionistas, os motoclubes e as motosserras. Ou as bandas de música. Porque não? Ou os bandos de malfeitores. Ou os submarinos e os bancos, os salgados e os doces, da alheira de Mirandela ao pastel de Belém. Porque não?
Por exemplo, o manguito do Bordalo. Ou o caralho das Caldas. Porque não?
Por exemplo, o assobio. Porque não?

É património até dar com um pau. É património sem mãos a medir. Com assinalável pertinácia, Portugal mete os dedos à boca e vomita património imaterial da humanidade por todos os lados. Um destes dias, sem darmos fé, estamos todos condecorados. Da cabeça aos pés.

P.S. - A Unesco, agência das Nações Unidas para a educação, ciência e cultura, foi constituída no dia 4 de Novembro de 1946.

Quero ir convosco, quero ir convosco

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Branca e radiante

Branca de Neve brincava às casinhas com a casa dos sete anões. Com os anões brincava aos médicos, há quem diga.

O homem-sanduíche

Português, desempregado, 45 anos de idade. Quando finalmente conseguiu um part-time como homem-sanduíche, chegou a casa e deu-se de comer aos filhos.

P.S. - Hoje é Dia da Sanduíche. Descanse em paz!

Ao sabor do vento

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Os fiéis defuntos

Com o devido respeito, os fiéis defuntos não se armam em mortos-vivos. E isso é um descanso.

Vidro temperado, q.b.

O vidro temperado é aproximadamente quatro vezes mais duro do que o vidro normal, tem maior resistência térmica e estilhaça-se em pequenos fragmentos quando é partido. Por outro lado, é uma das principais causas da hipertensão arterial. Recomenda-se, por isso, o meio-sal...

P.S. - Hoje é Dia Mundial dos Materiais.

Como quem não quer a coisa

Foto Hernâni Von Doellinger

terça-feira, 1 de novembro de 2022

O que é natural é bom

Ele era um acérrimo defensor da conservação da natureza. Em frasco, mas sobretudo em lata.

P.S. - Hoje é Dia Mundial do Veganismo. Vou ao sarrabulho a Ponte de Lima.

Atire-se ao vinho, porra!

Não se iluda com estas chuvadas de molha-tolos! Com o calor e a seca que tivemos todo o ano, com Espanha a fechar rios e a desviar caudais, com as barragens quase no sarro, com os canos aos safanões e as torneiras cheias de tosse e catarro, é preciso, é imperioso, é de vida ou morte moderar o consumo da água. Por si, pelos seus, por todos nós, pelo futuro, por favor atire-se ao vinho. Ao vinho, porra!

P.S. - Por mais estranho que possa parecer, assinala-se hoje o Início do Ano Hidroelétrico.

Ponha aqui o seu pezinho

Foto Hernâni Von Doellinger