sexta-feira, 30 de junho de 2023

Passos Perdidos ou Triângulo das Bermudas?

O Parlamento é uma casa de assombros. É assim uma espécie de Cova de Iria ou, vá lá, de Entroncamento, mas em Lisboa e em caro. No nosso Parlamento acontecem os mais variados e extraordinários espantos, a maioria dos quais, porém, não transpira cá para fora, porque o Parlamento, por norma, não transpira, mas também derivado ao segredo de Estado e, em muito raros casos, à vergonha na cara. O mais certo é que no Parlamento haja muita merda abafada, isto é, classificada. Por isso, o que às vezes vaza cá para fora, quando vaza, mete um bocado de nojo, mas é de rir.
Lembram-se, aqui há uns anos? Um documento de 36 páginas com a actualização do Plano Nacional de Reformas ficou esquecido mais de 40 dias na gaveta da então presidente da Assembleia da República, a jovem aposentada Assunção Esteves. Isso, quarenta dias, como Jesus no deserto. O documento tinha sido enviado pelo Governo, também do PSD, chefiado por Pedro Passos Coelho, e já não me lembro como é que se soube do fenómeno. Uma coisa é certa, três dias antes, quatro deputados socialistas da comissão parlamentar de inquérito ao caso BPN estiveram desaparecidos durante cerca de dez horas, deixando sozinha na sala e entregue aos bichos a camarada Ana Catarina Mendes. Após aturadas e angustiantes buscas, Basílio Horta, Pedro Delgado Alves, Pedro Nuno Santos, esse exactamente, e Hortense Martins acabaram por ser encontrados, vivos e livres de perigo, graças a Deus.
Sim, sobreviveram todos!...

Batman, o de trazer por casa

Batman apareceu pela primeira vez no dia 30 de Março de 1939, no número 27 da revista americana de histórias aos quadradinhos Detective Comics. Era um desenho, um boneco. Anos mais tarde, lá pelos finais da década de 1980, depois de uma obscura passagem pela Redacção de O Primeiro de Janeiro, e eu por lá, foi eleito deputado à Assembleia da República pelo círculo Fora da Europa, pelo PSD, e tornou-se famoso derivado às viagens que não fez. Tantas foram as viagens, pelas contas que apresentou no Parlamento, que podia ter dado uma volta ao mundo. Mas não deu. Digamos que não foi a lado nenhum. O dinheiro era para distribuir pela família, o que só lhe fica bem.
Por outro lado. Posso estar enganado, mas acho que me cruzei com o nosso Batman, há dois ou três meses, na loja da Via Verde no Porto. O que, convenhamos, não deixa de ser irónico.

P.S. - Hoje é Dia Internacional do Parlamentarismo.

quinta-feira, 29 de junho de 2023

Festas do Mártir S. Sebastião 2023 (programa)

Foto Hernâni Von Doellinger

Estão aí a bater à porta. São, a bem dizer, a festa da minha rua. A festa cá de casa. As "Grandiosas Festas" em honra do Mártir S. Sebastião, ou, simplesmente e como entre nós se diz, a Festa dos Pescadores de Matosinhos, coisa bonita de se ver. Este ano, no fim-de-semana de 14 a 16 de Julho, nas redondezas da Lota do Pescado do Porto de Leixões, como manda a tradição. Mais informação e programa, aqui.

quarta-feira, 28 de junho de 2023

segunda-feira, 26 de junho de 2023

O nome é que nos destina

Lúcia de Jesus Rosa dos Santos nasceu no dia 28 de Março de 1907 e morreu no dia 13 de Fevereiro de 2005, portanto aos 97 anos. Isto é, foi por um triz que não fez 100, e então é que havia de ser bonito. Nascida com um nome assim, tão predestinado, Jesus e também dos Santos, apesar de Rosa, a Irmã Lúcia viu Nossa Senhora em cima de uma azinheira, guardou o segredo de Fátima, entalou Salazar e a Igreja, escreveu livros de memórias, encontrou-se com papas e é praticamente santa. Quer-se dizer, o Papa aprovou há menos de uma semana a publicação do decreto que reconhece as "virtudes heróicas" da Irmã Lúcia, e esta é a fase do processo que leva à proclamação de um fiel católico como beato, penúltima etapa para a declaração da santidade. Por outro lado, a SIC fez-lhe agora uma minissérie de três episódios, com Márcia Breia a protagonista e música de Rodrigo Leão, o que quer dizer que, para a beatificação, já só falta a aprovação de um milagre atribuído à santinha, mas essa parte ficará certamente a cargo da CMTV.
E é isto. Cada um é para o que nasce, e o nome é que nos destina. Eu nasci Américo Hernâni Von Doellinger e, espero que me perdoem, com um nome assim escaganifobético, desinspirador, insignificante e incréu, nunca tive, não tenho a mínima hipótese.

P.S. - Faz hoje anos. No dia 26 de Junho de 1927, o bispo de Leiria presidiu, pela primeira vez, a uma cerimónia oficial na Cova da Iria. No dia 26 de Junho de 2000, o Vaticano publicou o terceiro segredo de Fátima.

E ao domingo, buggy-buggy

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 25 de junho de 2023

O homem mais procurado

Estão a ver o Florindo Cabeças, também conhecido como Lindinho da Mamã, Flox Bigfoot, Becas Língua-e-Dedo, Garanhão da Pasteleira, Rochedo das Fontainhas, Campeão da Ponta-e-Mola, Príncipe dos Faquires, Guardião dos Piças-Moles, Estoura-Vergas da Foz, Comandante-em-Chefe do Cerco, Perseguidor de Lampiões, Fângio da Circunvalação, aliás Colosso de Rodas, Furacão do Twist, Doutor Corrente-de-Ar, Duque do Palmanço, TGV de Campanhã, Stradivarius da Rotunda, Sete-de-Paus da Ribeira, Cabeçudo Machoman ou Fló Ajeitadinho, também chamado Vânia Toleirona e, às vezes, Selma Sabrina? Não? Não estão a ver? É o que eu digo: hoje em dia ninguém sabe quem ele é. Nem eu.

P.S. - Passada a ressaca do São João, logo no dia 25 de Junho de 1996, o Comité de Peritos da UNESCO atribuiu ao centro histórico do Porto a categoria de património mundial.

sábado, 24 de junho de 2023

Fafe e a alegada Batalha de São Mamede

Foto Hernâni Von Doellinger

Se me dão licença, eu creio que não está devidamente estudado o papel de Fafe e dos fafenses ou pré-fafenses na fundação da nacionalidade. E esta é uma lacuna particularmente repreensível numa terra que exabunda de historiadores e simpatizantes, amiúde galardoados.
Entendamo-nos. A mim nem me passa pela cabeça que Portugal tenha nascido em Guimarães, aqui a menos de três léguas ou, vá lá, digamos a quatrocentos tiros de besta, em qualquer caso perto e bom caminho, e quase sempre a descer depois de Paçô Vieira, nem me passa pela cabeça, dizia, que Portugal tenha nascido em Guimarães, que é do que eles se gabam, e que em Fafe, ao mesmo tempo, não tenha acontecido nada, eles lá em baixo à batatada, à grandessíssima trolha, um vasqueiro desgraçado, e nós aqui como se nada fosse, a vermos a Gabriela na televisão. É impossível. Portugal de certeza que nasceu também em Fafe, nem que tenha sido só um bocadinho, mas os historiadores - são, infelizmente, os historiadores que temos - ainda não deram fé. Esta é a minha ideia.
Eu lembro-me muito bem, e posso testemunhar, em tribunal se for preciso, que, enquanto jovens e antes do futebol e outras vidairadas, os manos Pimenta Machado, ilustres fidalgos vimaranenses, passavam a vida em Fafe. Ora, se os Pimenta Machado, que eram quem eram, uma ínclita geração praticamente, e, para além de outros cabedais, possuíam um considerável estabelecimento em frente às camionetas do João Carlos Soares, cujo escritório ficava praticamente ao lado do Café do Franquelim que é o Café Vitória, na parte de fora do mercado de Guimarães, se os Pimenta Machado, enfatizo, não nos desamparavam a loja, o mais certo é que, antes deles, o próprio Afonso Henriques desse também as suas voltas pelos nossos lados, nem que fosse só para desenfastiar ou beber um copo no Nacor, nada mais natural.

Afonso Henriques, esse gabiru de estilo motoqueiro que gostava de vestir saias e há quem diga que batia na mãe, tinha uma espada que pesava toneladas e não cabia no guarda-vestidos e nem sequer existiu. O espadalhão, quero eu dizer. Já o jovem Afonso ficou na história da moda por ter sido o criador da maxissaia. Morava geralmente no austero Castelo de Guimarães e tinha um anexo charmoso chamado Paço dos Duques onde dava as suas festas que eram sobremaneira constadas. No dia 24 de Junho de 1128, tomai nota, depois de uma dessas iglantónicas farras, noitada de São João ainda por cima, Afonsinho do Condado acordou digamos maldisposto, bebeu um copo de água da mina com bicarbonato, mandou chamar o pessoal e os cavalos e derrotou a progenitora, Dona Teresa de Leão, mailo seu amante galego, Fernão Peres de Trava, na Batalha de São Mamede, levada a efeito ali mesmo nos arredores, para evitar deslocações e despesas, que o País ainda estava a começar.

Acontece que a Batalha de São Mamede, aviso já, nunca me convenceu. Custa-me a aceitar que sítios como Creixomil ou Cano (Cáno, como dizem os locais) possam ser mais importantes no que nos é contado como sendo a História de Portugal do que, por exemplo, e não vamos mais longe, Arões ou Cepães, ali mesmo ao pé, mas do lado de Fafe, do nosso lado. Duvido, de resto, que Guimarães tivesse naquele tempo equipamentos, nomeadamente hoteleiros, para acomodar aquela espanholada toda e ainda por cima recinto preparado e certificado para a pancadaria. É que, parecendo que não, um evento desta natureza, uma batalha com cavalos e tudo, implica muita logística. Olhem só a confusão que são hoje em dia as chamadas feiras medievais! Por outro lado, o Multiusos funciona apenas desde 2001 e o Estádio só ficou uma coisa em condições para o Euro 2004.

Eu cuido que Fafe teria recebido muito mais condignamente a Batalha de São Mamede. Não é por acaso que chamamos a nós próprios, embora sem razão que se perceba, Sala de Visitas do Minho. Olho para a zona de Rilhadas, vamos um supor, e vejo a batalha ali. Vejo claramente vista. Uma zona devidamente infra-estruturada e onde sobejam as condições e comodidades para a organização de uma batalha com todos os matadores e que certamente não envergonharia ninguém.
As pistas estão aí. Há que repor a verdade dos factos. Fafe não pode continuar à porta, nas bordas da História. De uma vez por todas, Fafe deve ocupar o lugar a que tem direito. Se São Mamede foi em Rilhadas, isto é, se a Batalha de São Mamede foi de facto levada a efeito em Rilhadas? Não sei. Esse é o desafio que eu deixo de borla aos historiadores encartados, particularmente aos intrépidos historiadores fafenses, se a tanto os ajudar o engenho e arte. E não me venham dizer que, a esse respeito, a História é omissa. Omissa? Homessa!

P.S. - No dia 24 de Junho de 1128, faz hoje 895 anos, D. Afonso Henriques derrotou as forças de Dona Teresa, na Batalha de São Mamede. A data assinala a fundação da nacionalidade portuguesa ou o Dia Um de Portugal. Em nome do rigor histórico, refira-se que, regra geral, os vimaranenses de bom beber e satisfatório comer vinham muito a Fafe e chamavam Toninho dos Canários ao tasco do Nacor. 

Salt' in bancos

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Olha a triste viuvinha

O homem da casa falecia, por esta ou por aquela razão, às vezes inadvertidamente mas geralmente por razão de força maior, e a família tinha logo uma carga de trabalhos, um rol de importantes decisões a tomar, a primeira das quais era pegar na roupa toda da recém-viúva e mandá-la para a tinturaria, que, se não me engano, ficava ali ao lado do Foto Victor e da entrada para o Senhor Fernando Enfermeiro, junto aos Correios, na hoje muito justamente chamada Rua Dr. António Marques Mendes. A roupa ia para tingir de preto, a roupa e a vida da viúva dali para a frente. Viúva em flagrante delito. Fafe tomava conhecimento e não perdoava. Ser-se viúva era uma sentença automaticamente transitada em julgado, um castigo, provavelmente divino, para todos os efeitos. Viúva sem apelo nem agravo. Com penitência mas sem perdão. Doravante, proibida a cor, proibida a alegria, proibido o riso, proibido o sorriso. Sair de casa, apenas para a missa, ida pela volta, nem mais um minuto, encostada às paredes e de olhos no chão e bico calado. Atenção ao comprimento da saia, ao cabelo! Xaile, era preciso muito xaile. E lenço preto escondendo a cabeça, a cara. Os holofotes apontavam para a porta, tomando conta de entradas e saídas, a horas ou fora delas, que nem as havia. A mulher ficava marcada, não lhe viesse de repente a tentação. Quer-se dizer, era viúva e já não mulher. E começava por ficar pelo menos quinze dias metida na cama, tapada até ao nariz, sem rádio, sem televisão que não tinha e com as luzes sempre apagadas, sozinha, sozinha, sozinha, compulsivamente afastada dos próprios filhos, crianças, alimentada a canjas e venenosas recomendações das putas das vizinhas, onzeneiras e mal-fodidas, para se ir habituando ao resto da vida. E esta merda toda, ainda por cima, porque o marido lhe morreu.

P.S. - Hoje é Dia Internacional das Viúvas. Lamento informar.

A régua e esquadro

Hoje é Dia Olímpico. E todos os golos devem ser marcados de canto directo.

Os bons hábitos ainda moram em Fafe

Sodoma e Gomorra
Os sodomitas, habitantes de Sodoma, ficaram
com a pior parte da fama. Os gomorritas
safaram-se, vá-se lá saber porquê, e nem sequer
constam nos dicionários.

Apraz-me registar que, apesar da minha prolongada ausência, Fafe lá consegue aguentar-se, preservando pelo menos duas das suas mais icónicas e respeitáveis tradições: o jogo e a prostituição. Alegraram-me sobremaneira as notícias do final da passada semana. Notícias animadoras, e logo duas, a primeira dando conta de um apartamento que era usado em Fafe "para negócio de prostituição" e a segunda a propósito da detenção de catorze indivíduos num café "em Arões Santa Cristina por jogo ilegal". Detenção "em flagrante", no caso da batota, não sei em que circunstâncias no que diz respeito ao putedo, e eu gostaria muito de saber, porque, verdade seja dita, é sempre mais interessante de se ver. Por causa do corpo de delito.
Confesso. Eu já temia que, fruto de sucessivos banhos de cosmopolitismo e cultura de croquete, dados evidentemente nas minhas costas, Fafe se tivesse aos poucos deslavado e transformado numa dessas terras virtuosas e insossas, que nem fodem nem saem de cima, talvez até esquecendo e renegando as suas mais ancestrais e emblemáticas tradições, como por exemplo as corridas de jericos ou aquela tão bonita de afogar gatos no rio. Nos nossos rios e poças, que, não desfazendo, também são uma categoria. Mas não. Felizmente, não. Fafe mantém-se fiel ao seu passado glorioso, um farol civilizacional, uma metrópole de vanguarda moral, uma inapagável Las Vegas do vale do Ave com barragem e tudo, encravada entre a Póvoa de Lanhoso e Felgueiras, a zona de Basto, Vieira do Minho e Guimarães, consoante o lado por onde se lhe entre. E fiquei contente, claro que fiquei contente!
No caso da prostituição, o nosso apartamento, quero dizer, o de Fafe, funcionaria em estreita ligação com um outro apartamento localizado na Póvoa de Varzim, o que se compreende perfeitamente, uma vez que, como toda a gente sabe, e eu já expliquei, a Póvoa de Varzim é Fafe no Verão. Já a conexão a um terceiro apartamento, em Viana do Castelo, poderá de alguma forma estar relacionada com as excursões que o meu avô da Bomba organizava antigamente a Fátima e, lá está, ao Alto Minho, com pernoita obrigatória em Viana. Prometo averiguar.
Quanto ao jogo ilegal, é a cara chapada de Fafe. Do pilas do Serafim Lamelas às madrugadas no Club Fafense ou no Fernando da Sede, do bilhar aos flippers no Peludo, em Fafe jogava-se a tudo, apostava-se por tudo e por nada. E sempre a dinheiro. E por isso daqui envio a minha mais compungida solidariedade aos catorze maduros, catorze magníficos, fafenses à antiga, que foram apanhados em Arões com as calças na mão, por assim dizer.
Foi um rude golpe. Juntamente com os jogadores propriamente ditos, dos 27 aos 83 anos, a GNR deteve também duas mesas e dezanove cadeiras consideradas perigosas, para além de um baralho de cartas há muito procurado pelas autoridades. Um rombo no negócio, um tiro no porta-aviões. Mas todos juntos haveremos de reerguer-nos. Bem hajam!

Cuidado com os agueiros!

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 22 de junho de 2023

As amigas de Peniche

As sardinhas saíram atrasadas este ano. Quero dizer, as nossas, as sardinhas do nosso mar, cá em cima, que são as minhas predilectas. No ano passado abri a época logo no dia 29 de Abril, e com satisfatórios resultados, como já aqui contei, mas este ano, eu sempre em cima delas, só arrisquei trazê-las para a mesa no dia 12 de Maio, para desougar, e, coitadinhas, eram mínimas, desenxabidas e secas como bacalhau da peça. Um desconsolo! Tive de suspender e apostatar, se queria salvar as minhas, nossas, sextas-feiras. É. Logo que entrados no tempo delas, sexta-feira ao jantar é dia de sardinhada cá em casa. Sardinhas de prata e com mar dentro, salada de pimento assado, vermelho e carnudo, azeitonas pretas e azedas, broa fresca e vinho tinto, mais nada. Portanto. Valeram-me as amigas de Peniche, sardinhas lá de baixo, mais robustas e já apaladadas, regulares, que a boa Dona Augusta, a minha fiel sardinheira há mais de trinta anos, me foi orientando, como quem não quer a coisa, para que pelo menos não me caísse a pirângula. E não caiu.
Comi 243 sardinhas assadas, no ano passado. Com este atraso que levo, não faço ideia de quantas vou comer este ano. E o ano das sardinhas, para mim, afrontando o que diz a chamada sabedoria popular, vai até Setembro e Outubro, que são os melhores meses, e às vezes até Novembro.
Entretanto, as nossas sardinhas, as do nosso mar, já se encontram finalmente em aceitáveis condições, de tamanho, gordura e gosto. Prometem. As nossas sardinhas de São João, comemo-las ontem à noite, a minha mulher e eu, assadas como sempre por quem sabe, isto é, por mim, e, digo-vos uma coisa, foram baratas, eram frescas como água e estavam bem boas. Assunto resolvido.
Porque já se sabe. Eu e a minha mulher não comemos sardinhas assadas nos dias mesmo dos festejos dos santos populares. Não comemos, porque geralmente as sardinhas não são das nossas, nem frescas. Não comemos, porque não gosto de balbúrdias, por um lado, nem de me meter em filas, em peixeiradas, por outro. E não comemos, por uma questão de princípio, devido à indecência do preço a que costumam ser vendidas por estes dias. É a lei da vida, a procura estraga a oferta. E então o que é que eu faço? Pelo São João, já há alguns anos, alugo um jacto particular, pego na mulher e vamos ao Maine, EUA, comer lagostas à ganância. As lagostas ficam-nos muito mais em conta do que as sardinhas e ainda trazemos para casa num taparuere.

Elas, ao cheiro...

Foto Hernâni Von Doellinger

quarta-feira, 21 de junho de 2023

A girafa

Hoje é Dia Mundial da Girafa e é completamente merecido. Os filmes de cinema e as telenovelas e até os concertos musicais particularmente sinfónicos não seriam possíveis tais quais os conhecemos hoje em dia sem a girafa. A girafa é, como aprendemos desde os bancos da escola, um suporte móvel no qual se prende um microfone. E é também uma vasilha considerável para consumo de cerveja de pressão. A girafa é realmente muito importante.

Sinto-me só como um seixo de praia

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 19 de junho de 2023

O periquito da Carolina, ó i ó ai

O último periquito-da-carolina morreu no dia 21 de Fevereiro de 1918, em cativeiro, no Jardim Zoológico de Cincinnati, EUA. Chamava-se Incas e era macho. E o seu falecimento quase passava despercebido. Que pena o nosso Quim Barreiros não saber destas coisas. Conhecesse ele a triste história do periquito-da-carolina e certamente já lhe teria feito uma cantiga a condizer.

P.S. - O admirável Quim Barreiros nasceu no dia 19 de Junho de 1947. Faz hoje 76 anos e nem uma branca no cabelo. Parabéns, ó Quim!

Relativamente a essa matéria

- Relativamente a essa matéria, senhor deputado, devo esclarecer que não tenho nada a acrescentar relativamente a essa matéria.
- E relativamente à outra matéria, senhor ex-ministro?
- Relativamente à outra matéria, senhor deputado, devo esclarecer que não tenho nada a acrescentar relativamente à outra matéria.
- Bem me parecia, senhor ex-ministro!
- Ainda bem que nos entendemos, senhor deputado!

(Quer-se dizer. A sessão inaugural da Assembleia Nacional Constituinte decorreu no dia 19 de Junho de 1911, faz hoje anos e é bem feito. A Assembleia Constituinte sancionou a República Portuguesa e a abolição da Monarquia, estabeleceu as cores e o desenho da Bandeira Nacional e adoptou "A Portuguesa" como Hino Nacional. A TAP veio depois. E está a dar-lhes imenso jeito. Embora eles não saibam ou façam de conta que não sabem que os portugueses do rés-do-chão querem que o assunto TAP se foda.)

Deixai-os pousar! Estamos cá em baixo...

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 17 de junho de 2023

A reforma e um par de botas

Estou mortinho por chegar aos 66 anos mais quatro meses, menos três meses, que é o prazo dado para se meter os papéis, e reformar-me. Isso, reformar-me de papel passado e esmola ao fim do mês. Já me vejo: sexagenário e reformado, isto é, pronto para aparecer nos títulos do Correio da Manhã. Vai ser porreiro. Por outro lado, vou tirar o passe de terceira idade, comprar um capacete, um par de botas de biqueira de aço e um colete reflector, vou pôr as mãos atrás das costas e vou para as obras mandar palpites.

Aos seus lugares!...

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 16 de junho de 2023

As mulheres de Pedro Arroja

Passa das nove e um quarto. Quatro mulheres esperam junto aos portões fechados do palacete-escritório de Pedro Arroja no número 282 da Avenida de Montevideu, na Foz selecta, Porto rico com vista para o mar. Quatro mulheres evidentemente trabalhadoras. Espanto-me. Penso. Não pode ser, não acredito que o Sr. Arroja tenha mulheres ao seu serviço. A escangalharem o quê?, as mulheres. Na empresa do Sr. Arroja até as senhoras da limpeza devem ser homens, tenho a certeza. Continuo a pensar. As mulheres enganaram-se, foi o que foi, e logo as quatro, porque quando as mulheres se ajuntam ainda é pior, desnorteiam-se. Perderam-se, é o mais certo. Querem entrar noutro palacete qualquer, uns números à frente ou atrás, mas não sabem. Bem o observara o Sr. Arroja, famoso economista e comentador televisivo: as mulheres padecem deveras dessa idiossincrasia tão incorrigivelmente feminil que é a total ausência de sentido de orientação. Não têm tino, as mulheres. Pois se não têm pénis nem testículos, como poderiam?...

P.S. - Há quem diga que 16 de Junho é Dia Internacional do Trabalhador Doméstico.

A precária liberdade da bicicleta abandonada

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 15 de junho de 2023

Cuidado com as correntes de ar!

Evite sair de casa. Feche bem, reforce e proteja janelas e portas. Fixe todos os objectos exteriores que possam ser arrastados, recolha cadeiras, mesas, toldos e guarda-sóis. Vá para dentro! Se tiver mesmo de ir à rua, mantenha a calma e abrigue-se em lugares seguros, não toque em cabos ou fios eléctricos, afaste-se de árvores, materiais suspensos com risco de queda e superfícies envidraçadas. Na estrada, limite a velocidade e redobre cuidados especialmente se conduz veículos longos ou com reboque. Não saia da viatura, feche vidros e ligue as luzes de sinalização, mantendo-se longe dos edifícios. Isso mesmo. Hoje é Dia Mundial do Vento e tudo pode acontecer...

quarta-feira, 14 de junho de 2023

O dia do solista

Foto Hernâni Von Doellinger

Hoje é Dia do Solista. Sobretudo no Brasil. E justifica-se. O Brasil, como se sabe, é um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, as praias do Brasil ensolaradas, ninguém segura a juventude do Brasil. Só para dar um exemplo, a cidade de Natal ostenta uma média de 300 dias de sol por ano, curiosamente tal e qual como Portugal, isto se não chover. E é por estas e por outras que o Brasil tem muitos solistas e um dia próprio. O dia do solista pode ser uma chatice, mas cada um é que sabe. A prática do solismo também chegou a Portugal, eventualmente derivado ao acordo ortográfico, não tenho a certeza, e nem sempre se pode afirmar que é uma coisa bonita de se ver...

terça-feira, 13 de junho de 2023

Ganhou a Bica, dizem

O jornal diz-me agora pela manhã que a Bica venceu a edição deste ano das Marchas Populares. Bica, evidentemente por ser em Lisboa. Se fosse no Porto, o grande vencedor seria o Cimbalino.

O segredo dos casamentos de Santo António

Estou à vontade para falar sobre este delicado assunto, porque andei anos a fazer-lhe cascata sem saber que ele era casado. E um santinho de braço dado com a noiva, lá em cima do trono como nos bolos de casamento, por debaixo do arco armado com pernadas de carvalho escorchadas de fugida no monte de São Jorge ou nas bouças da Pegadinha, e com altifalantes e tudo, teria sempre outro sainete, e portanto sinto-me deveras enganado. Sim, os casamentos de Santo António, esse ancestral, nunca desmentido e bem aferrolhado segredo das catacumbas vaticanas. Quantos foram afinal? Quão popular afinal ele era? Quantas vezes se casou o raio do santo? Duas, como a Luciana Abreu? Três, como o Pedro Santana Lopes? Quatro, como o José Cid e o Nicolas Cage? Não se sabe quantas, como o Pinto da Costa? Oito, como a Elizabeth Taylor? Vinte e três, como Linda Wolfe? Vinte e oito, como Glynn Wolfe? E os divórcios do fradinho - amigáveis ou litigiosos? Poligamia eventualmente? E filhos, houve-os? E os noivos de Santo António, serão apenas um boato? Má-língua? Descarada homofobia? O silêncio da Igreja Católica sobre este escândalo é ensurdecedor. A ignorância da revista Lux sobre este ensurdecedor é um escândalo.

Ponha aqui o seu pezinho

Foto Hernâni Von Doellinger

segunda-feira, 12 de junho de 2023

Os santos populares, o início

Fez-se um concurso na televisão. Uma espécie de concurso do vestido de chita para santos, organizado e transmitido pela CMTV, com apresentação da astróloga Maya. Ganhou São Sebastião. Mas na votação do público, isto é, de Portugal, os mais populares foram Santo António, São João e São Pedro, ex aequo, porque a coisa tinha de meter latim senão não valia. E foi assim que começou a tradição.

Os santos impopulares, que há-os também

Hoje é dia de Santo Onofre, considerado, por exclusão de partes, um dos mais de vinte mil santos impopulares da Igreja Católica. Por tradição, na noite de Santo Onofre desfilam as marchas e comem-se sardinhas assadas, mas isso já derivado ao santo do dia de amanhã, o nosso Santo António, um dos três únicos santos da corda.

O trabalho infantil precisa de crescer

A verdade é esta: o trabalho infantil precisa de crescer se quer ser levado a sério.

P.S. - Hoje é Dia Mundial de Luta Contra o Trabalho Infantil.

Entendo, como um carrossel

Foto Hernâni Von Doellinger

domingo, 11 de junho de 2023

O rádio deu que o mundo ia acabar, em FM

Ele tinha dois rádios muito jeitosos. Deu um tombo na banheira e agora o rádio do braço esquerdo, coitadinho, só apanha a onda média.

Nostradamus, estão a ver? Se não estão a ver, pensem em Orson Welles e chegam lá. Ah!, também não estão a ver Orson Welles. O grande realizador e actor americano, a voz potente, a presença imensa, o "Citizen Kane", o pregador de partidas que, em Outubro de 1938, transmitiu a versão radiofónica da "Guerra dos Mundos", de H. G. Welles, simulando uma reportagem em directo sobre a invasão da Terra por marcianos, e os americanos, que acreditam em tudo, caíram que nem patos e o medo paralisou pelo menos três cidades e o pânico tomou conta de várias localidades próximas de Nova Jersey, onde o programa era feito e onde, faz de conta, o ataque começara. Ainda nada? Também não interessa, eles são realmente muito antigos. Michel de Nostredame, aliás, foi um boticário e médico francês da Renascença que praticava muito bem a alquimia e rondava satisfatoriamente o ocultismo e a astrologia. Escreveu um famoso livro em versos intitulado "As Profecias", o qual, como o próprio nome indica, conteria previsões codificadas acerca do futuro, e tão codificadas seriam que só alguns muito poucos é que continuam a acreditar naquelas cousas sem sentido. Ou, a posteriori, com o sentido que se lhes quiser encaixar.
Eu sou de Fafe. Com muito gosto! E a sina, em Fafe, era lida por umas senhoras ciganas às quartas-feiras em cima da Arcada, sempre com um olho na mão e outro na polícia. A alternativa mais académica e legal era a balança colocada à porta do "escritório" das camionetas do João Carlos Soares, mesmo em frente ao Café Avenida. Subia-se para a balança, metia-se a moeda e saía um cartãozinho com o peso mais ou menos e o horóscopo resumido. Quem não ficasse satisfeito, era só pesar-se outra vez e o futuro mudava imediatamente. O peso às vezes também...
Nostradamus, nome latino e artístico, padecia de epilepsia psíquica, de gota e de insuficiência cardíaca. Se a isto tudo somarmos a habilidade para a leitura dos astros e das cartas de tarô, facilmente perceberemos que o artista viveu e morreu antes do tempo. O nosso Miguel seria o convidado ideal, diário, bidiário, ou talvez até terciário, para todos os programas das manhãs e das tardes das televisões generalistas portuguesas de hoje em dia.
A mais eficaz profecia de Nostradamus acabou por ser, lamentavelmente, a do seu próprio falecimento. Em 1566, dia 1 de Julho, inesperada véspera do definitivo dia 2 de Julho, estava o profeta cada vez mais à rasca derivado ao dramático agravamento da gota e da artrite, chamou o seu secretário e, entre trovões e relâmpagos e talvez sarças ardentes de febre, disse-lhe o que já lhe dissera mais do que uma vez: de amanhã não passo. E finalmente acertou.

(Agora. Aqui que ninguém nos ouve: Renascença não quer dizer Rádio Renascença, é outra coisa. Registe-se, ainda assim, que o americano Edwin Armstrong, outro antigo, inventou o FM radiofónico em 1933 e fez a primeira apresentação pública da sua invenção nos EUA no dia 11 de Junho de 1935. Faz hoje anos. E pronto, tanto relambório para chegar a isto, a este claustrofóbico entre parênteses. Se fosse eu, também não lia!)

Olha o passarinho!

Foto Hernâni Von Doellinger

sábado, 10 de junho de 2023

Portugal segundo Alexandre O'Neill

Portugal

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...

Alexandre O'Neill, "Feira Cabisbaixa"

No país dos cabeçudos

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 9 de junho de 2023

O espectáculo da desgraça dos outros

Quando eu era mocico e a ambulância acudia a um desastre com a sirene em altos berros, as pessoas de Fafe corriam para as escadas do hospital. Ali se plantavam, esperavam, prognosticavam, diagnosticavam, e finalmente assistiam ao espectáculo. Ao vivo. Em casos mais graves e raros, assistiam também ao morto. As escadas do hospital eram um palco de desgraças e caldeirão de emoções, cenário de reality show sem que Portugal sequer soubesse o que isso viria a ser. Eram também muito jeitosas para tirar fotografias de grupo a casamentos, bombeiros em festa e bandas de música, palavra de honra. Eram, portanto, o sítio mais in da vila e só estorvavam naquilo em que deveriam melhor servir, que era carregar macas com feridos e doentes por aqueles degraus acima ou por aqueles degraus abaixo, às vezes de cangalhas até ao chão.
Mas o espectáculo. A ambulância saía e o povo corria. O bom do Senhor Ferreira via-se à rasca para manter na ordem aquela gente toda e tola que fazia guerra por um lugar na primeira fila, sobretudo mulheres afogueadas e gordas, com os socos e o coração nas mãos ou enrodilhados no avental arregaçado. Faço notar que não foi por distracção que escrevi "a" ambulância. O artigo definido é aqui propositado e certo, porque naquele tempo, dará para acreditar?, os Bombeiros de Fafe tinham apenas uma ambulância, uma velha Skoda vermelha que regularmente ficava sem travões no meio das descidas. Pois, como dizia, as pessoas de Fafe corriam para as escadas do hospital e regalavam-se de braços decepados e orelhas arrancadas e narizes esborrachados e fémures a céu aberto e pés desfeitos e tripas de fora e miolos ao léu e espinhelas partidas e... - Foi tiro?, Foi facada?, Foi sachola?, Foi o home?, Foi a amante? Foi desastre?, Foi o vinho? Ai que desgraça tão grande! E muitos Uis! e muitos Ais! e muitos Coitadinhos! e muitos Valha-nos Deus! Esqueciam-se ali no relambório, a dar água sem caneco e a benzerem-se na direcção da Igreja Nova, convenientemente ao lado, mas sem perder pitada. Vampiros mirones, iam ao sangue, queriam sobretudo molhanga, muita, vermelha vermelha como a ambulância que chegava enfim, esbaforida e ganinte. Era um fartote! Uma comoção! E nas cozinhas abandonadas e sombrias, os tachos esturricando ao lume pachorrento, azul e resmungão da máquina a pitroil...

Agora as pessoas não precisam de ir a correr para as escadas do hospital. Sentam-se em casa, ligam a televisão e vêem a CMTV.

P.S. - A exposição "Hospital de São José: 160 anos ao serviço da comunidade" encerra portas amanhã, no Arquivo Municipal de Fafe, que hoje oferece visitas guiadas. Hoje é Dia Internacional dos Arquivos, e eu lembrei-me de ir à estante buscar estes textinho já aqui publicado e republicado.

Para quem não quer, há muito

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 8 de junho de 2023

Concelhos de mãe

Cátia Soraia entrou na universidade e, mal se instalou, mandou uma mensagem à mãe a pedir um concelho. A mãe, que é rica e boa alma, enviou-lhe Freixo de Espada à Cinta.

P.S. - O Curso Superior de Letras foi criado, em Lisboa, no dia 8 de Junho de 1859.

quarta-feira, 7 de junho de 2023

Caminha e o Corpo de Deus 3

Foto Hernâni Von Doellinger

Os tapetes de flores voltam a engalanar amanhã as principais ruas de Caminha e Vilarelho, para a tradicional procissão do Corpo de Deus. No ano passado foi assim...

Antes de ir às Antas, Sinatra cantou em Fafe

Vinham o padre, o presidente da câmara, o chefe da polícia, o sargento da GNR, o Emplastro, o comandante dos bombeiros, a fanfarra dos escuteiros, o Bruno de Carvalho, uma gaiola com pombas brancas e o director da prisão. Parecia a procissão da Senhora de Antime parando em frente à Câmara. O carcereiro, que vinha também, desatarraxou a porta da cela e o director da prisão, pausado e solene, com voz de locutor de rádio, informou o condenado: - Tens direito a um último pedido. O condenado pensou um bocado e disse: - Pode ser o "Sete e Pico", do Conjunto António Mafra?...

Agora a sério. À séria, se inadvertidamente lido em Lisboa. A primeira jukebox de todos os tempos entrou em funcionamento no "saloon" Palais Royale, de São Francisco, EUA, no dia 23 de Novembro de 1889. A Fafe, que é o que aqui interessa, as primeiras jukeboxes deverão ter chegado no final da década de sessenta do século passado, com as barracas de matraquilhos que se instalavam por baixo da Arcada, mais central era impossível, pelos 16 de Maio, que ainda foram há pouco, e pelas Festas da Vila, que estão quase a ser. Havia um brilhantíssimo grupo de jovens fafenses, mais velhos do que eu, que dava excelente uso à novidade. Dessa malta porreira fariam parte, se não me engano, o Berto Dantas, o tio, o inseparável Eduardo do Retiro, o Mesquita, creio que o Mané, o Dr. Mané, o Jorge Lem, se era assim que se chamava, o Jorge Barros, filho do Nelinho, bissextamente o Ginho Cardoso e não tenho a certeza se o Bi Valente, gente assim desta categoria, e estou decerto a esquecer alguém ou alguéns e a confundir nomes. Eu admirava muito estes tipos cheios de classe, seguia-os sempre que podia, distâncias à parte, uma vez até me levaram com eles para um jogo de futebol que foram fazer a Felgueiras e no fim ainda tiveram a bondade de convidar-me para a almoçarada na Juditinha, evidentemente depois do Bertinho ter pedido por mim à minha mãe, que não era para brincadeiras.
Mas tornando à maquineta dos discos, que mais tarde haveria de exibir também videoclipes, aliás de muito duvidosa qualidade, artística e técnica. Aquela rapaziada, já com algum mundo, tinha fino gosto musical e conhecia o que, regra geral, em Fafe ainda não se sabia. Acredito que me educaram o ouvido, entre alguns outros a quem o devo. A escolha na jukebox era muito limitada, pindérica, a ementa ao dispor consistia quase só naquilo a que hoje costumamos chamar música pimba. "O autocarro do amor" - de "Os Taras" e Montenegro, por onde andava um moço chamado Quim Barreiros - tocava de manhã até à noite, num despique fratricida e interminável com "Eu te amo, meu Brasil", de "Os Incríveis". Uma xaropada insuportável, um atentado às orelhas de qualquer um, nem que não as tivesse ou por mais moucas que elas fossem. A minha sorte é que os rapazes do bando do Bertinho, chamemos-lhes assim, faziam questão de destoar da ignorância geral e caprichavam na evangelização, pondo a tocar, de forma paciente e cirúrgica, Beatles obrigatoriamente, "Aquellos ojos verdes", por Nat King Cole, que eu desconhecia, tenho vaga ideia também de um ou dois clássicos de Sinatra, não sei quais, lembro-me da poderosa versão de "I'm free", da ópera rock Tommy, dos The Who, com a London Symphony Orchestra, e sobretudo, e estou-lhes tão grato por isso, ensinaram-me a inestimável "Eloise", de Barry Ryan, que ainda hoje me regala.

Mas pronto. Assim que tal, as festas acabavam, as barracas eram desfeitas, as jukeboxes iam-se embora e a minha vida entristecia. Sobrava-me o rádio e Quando o Telefone Toca, do Matos Maia, e era preciso dizer a frase...
Por outro lado. Os matraquilhos foram inventados pelo galego Alexandre Campos Ramires ou Alexandre de Fisterra, que também era editor e escritor. O nome mais bonito dos matraquilhos é, digo eu, pseberico.

Ora bem. Vem esta desarticulada lembrança a propósito de Frank Sinatra (1915-1998), que actuou pela primeira vez em Portugal no dia 7 de Junho de 1992, faz hoje 31 anos, no também já falecido Estádio das Antas, no Porto, o que só não foi novidade completa porque, como acabo de revelar, mais de duas décadas antes já o mavioso Francis Albert cantava em Fafe, alto e bom som, mas barracas de matraquilhos com porta aberta por baixo da Arcada. Os 16 de Maio agora são Feiras Francas e as Festas da Vila, graduada em cidade, chamam-se Festas do Concelho, muita água passou entretanto por baixo das pontes e carros por cima então nem se fala, mas convém não esquecer...

terça-feira, 6 de junho de 2023

Caminha e o Corpo de Deus 2

Foto Hernâni Von Doellinger

Os tapetes de flores voltam a engalanar as principais ruas de Caminha e Vilarelho já depois de amanhã, quinta-feira, feriado, para a tradicional procissão do Corpo de Deus. No ano passado foi assim...

segunda-feira, 5 de junho de 2023

Caminha e o Corpo de Deus

Foto Hernâni Von Doellinger

Os tapetes de flores voltam a engalanar as principais ruas de Caminha e Vilarelho já na próxima quinta-feira, feriado, para a tradicional procissão do Corpo de Deus. No ano passado foi assim...

domingo, 4 de junho de 2023

E se fossem, digamos assim, para o caralho?

Recebi no ecrã do meu computador um "alerta" que eu não pedi, vindo de uma coisa chamada A Televisão e que eu de momento não sei o que é. Extra! Extra! Dizia assim a improtelável notícia:

Após operação de urgência, José Castelo Branco esclarece estado de saúde de Betty: "Estou ao lado dela, é a minha missão".

Ainda bem que o estado de saúde de Betty ficou devida e cabalmente esclarecido. Informação lapidar, falta apenas o atestado. Pela parte que me toca, estimo-lhes as melhoras, ao Castelo Branco e à Betty, e ao A Televisão também.

sábado, 3 de junho de 2023

A bisculeta, pelo menos em Fafe

Foto Hernâni Von Doellinger

Já disse. A bisculeta é um utensílio doméstico com quatro rodas, no mínimo: a roda da frente, a roda de trás, a roda pedaleira e o pinhão. O Chico Americano, por exemplo, tinha uma bisculeta que estacionava à porta do Nacor às vezes em contramão mas sempre de vidros fechados por causa da chuva que também podia aparecer sobretudo no tempo dela. O tempo da chuva antigamente chamava-se Inverno, pelo menos em Fafe. O aparelho que aparece ali representado na fotografia com um homem em cima não é a bisculeta do Chico. A bisculeta do Chico era mesmo uma bisculeta. Vulgarmente conhecida como velocípede sem motor ou bicicleta, há também quem lhe chame automóvel derivado exactamente àquilo das quatro rodas. E é o que se me oferece dizer a este respeito.

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Bicicleta, isto é, da Bisculeta.

No tempo dos Antigos

Os Antigos sabiam tudo. No tempo deles é que era. Havia respeito, havia educação, bondade, sabedoria, paz, saúde e sobretudo velhice. Os Antigos merecem a letra grande, Antigos, como se fossem uma civilização, porque deveras são.
Os Antigos sabiam de laranjas - de manhã ouro, à tarde prata e à noite mata. Sabiam do tempo - em Abril, águas mil. Sabiam de horas e alturas - deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer. Sabiam de curas e maleitas - o vinagre e o limão meio cirurgião são. Sabiam de tubérculos e famulagem - não comas caldo de nabos nem o dês aos teus criados. Sabiam de presigos e segurança pública - sardinha sem pão é comer de ladrão. Sabiam de magustos e viagras - a castanha excita o coito e alimenta muito. Sabiam de proporções - bom comer: três vezes beber. Sabiam de criação e divindades - ao menino e ao borracho põe Deus a mão por baixo. Sabiam de prestidigitação e utopias - mais vale um pássaro na mão do que dois a voar. Sabiam saltar a cerca - a galinha da vizinha é sempre melhor que a minha. E sabiam guardar um segredo - o corno é o último a saber.
Os Antigos morriam muito, mas morriam muito velhinhos, isto é, por volta dos cinquenta, sessenta anos.
Os Antigos não andavam por aí aos tiros. Andavam às pauladas, às facadas, às sacholadas - e aos tiros.
Os Antigos não matavam por dá cá aquele palha. Matavam por causa da água - e geralmente por causa do vinho. E às vezes por dá cá aquela palha, só para não darem parte de fraco.
Os Antigos não emprenhavam raparigas solteiras a torto e a direito. Os filhos de pai incógnito eram realmente mais que as mães, mas eram milagres, isso está provado.
Os Antigos não toleravam e até perseguiam os maricas, isto é, os paneleiros, porém consideravam razoável que o senhor padre fosse ao pito às moças da paróquia e brincasse com as pilinhas dos meninos da catequese.
Os Antigos sabiam muito de política e achavam que melhor que um Salazar só dois Salazares. Melhor ainda, um Salazar em cada esquina e o país de bico calado. Entre Salazar e Fátima, era a única dúvida que tinham os Antigos, e por isso resolveram apegar-se aos dois.
Os Antigos sabiam como fazer homens. Pegavam nos rapazes e mandavam-nos para a tropa, se possível para a guerra. Bater nos filhos fazia parte, e nas mulheres também.
Os Antigos sabiam o lugar da mulher. Em casa. Na cozinha. A fazer croché. E se saíam à rua, era marido à frente e mulher um passo atrás, como Deus ensinou e está na Bíblia. Ser marido era um posto.
Os Antigos respeitavam muito as esposas. Por isso iam às putas.
Os Antigos andam por aí. E estamos no tempo deles.

P.S. - António de Oliveira Salazar foi nomeado pela primeira vez ministro das Finanças de Portugal no dia 3 de Junho de 1926.

Autoridades Excelentíssimas

Foto Hernâni Von Doellinger

sexta-feira, 2 de junho de 2023

E foi lavar-se...

A velha prostituta, muito limpa e organizada, consultou a agenda, meia dúzia de linhas encriptadas em gatafunhos analfabetos, e leu baixinho, como que soletrando, acariciando as impossíveis sílabas uma a uma: - O bombeiro às onze, o taxista ao meio-dia, o do talho às três da tarde e o senhorio às cinco. Desarriscou-os a todos, um atrás do outro, meticulosamente, com gosto, sorriu para o espelho do toucador, provocando-se, e resolveu tirar o dia. Guardou a agenda e pegou no telemóvel, vagarosamente, com requebros e biquinhos, imitando um gesto coquete que vira uma vez na televisão. Marcou encontro com a Amélia Calçuda. O espelho corou. E ela foi lavar-se.

Dia de marcar o ponto

Ele tinha marcado na agenda, com grosso sublinhado a vermelho - 2 de Junho, Dia Internacional da Prostituta. E lá ia. Todos os anos.

P.S. - Hoje é Dia Internacional da Prostituta.

Uma questão de nível

Há passagens de nível. E outras sem categoria nenhuma...

P.S. - Hoje é Dia Internacional para a Segurança em Passagens de Nível.

Santos ao pé da porta

Foto Hernâni Von Doellinger

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Hoje é para as crianças, mas só hoje!

Hoje é Dia Mundial da Criança. Mas, atenção, é só hoje! Até à meia-noite. Depois podemos voltar aos cães e aos gatos, e temos o ano inteiro.

O cãozinho passeava pelas mamas das senhoras

Três mulheres à mesa na pequena esplanada da confeitaria famosa, gozando uma amostra matinal de sol de Inverno. São jovens, alegres, morenas, e têm um cão. Um cão pequeno, rechonchudo, de focinho amarrotado, caricatura de um velho boxista na reforma. Será talvez um pug. Leio na Wikipédia que o pug tem "personalidade", que é "encantador, brincalhão, astuto, sociável, arteiro, dócil, afectuoso, teimoso, amoroso, atento, tranquilo, calmo". Pois. Será. O estupor do cão, o sortudo do cão, passeia-se irrequieto de colo em colo, de mama em mama, esfregando-se ao comprido na brancura sedosa de seis seios quase ao léu, lambendo, lambendo e mais não sei quê, e as mordomas ali na rua sem pudores, crescentemente excitadas, vermelhas, aos gritinhos, aos saltinhos, num fuzuê que só visto.
Ora bem. Foi na parte do mais não sei quê - e digo mais não sei quê porque realmente não faço ideia, o assunto interessou-me sobremaneira, eu estava ali concentradíssimo como o Futre, invejoso, confesso, mas não consegui perceber o que se passava até às últimas consequências -, portanto, foi na parte do mais não sei quê que a mulher menos jovem, com evidente cara de dona, largou os suspiros, ganhou fôlego, esganiçou ainda mais a voz e disse ao cão, imperativa: - Frederico! Não! Não! Não! Mamãe já falou! Isso não, Frederico!
Fiquei fodido! Não tanto por causa da indivídua chamar Frederico ao cão. Também chamo Frederico ao meu filho e isso nunca me incomodou, antes pelo contrário, até porque é o nome dele. O que me confundiu foi aquilo de ela ser mãe do cão. Estou velho para estas merdas. Fico baralhado com estas modernices sorrateiramente edipianas mas ao contrário. Não consigo acompanhar estes tempos malucos em que a nova ordem parece ser tratar os animais como pessoas, como filhos, e tratar as pessoas como animais. Como animais que não são tratados como pessoas. Estou definitivamente fora de prazo. E fiquei fodido!

P.S. - Hoje é Dia Mundial da Criança ou Dia da Criança e Dia Mundial do Leite, porque isto anda tudo ligado. É também Dia Mundial dos Pais ou Dia Global dos Pais e Dia Nacional do Sobreiro e da Cortiça, que não vem ao caso.

O pato e a tartaruga

Foto Hernâni Von Doellinger