Quando eu era pequeno queria ser grande. E quando fosse grande queria ser palhaço, maquinista de comboio, famoso, padre, polícia à paisana, pianista, advogado, jornalista, actor, bombeiro, jogador de futebol, tarzan, presidente da república, terrorista, papa, escritor, herói, cantor, ciclista, santo e piloto de caça. Já há muito que sou grande e, francamente, sou tarzan e é um pau.
P.S. - Texto escrito e publicado em 17 de Dezembro de 2011. Repito-o hoje para lembrar Edgar Rice Burroughs, que nasceu no dia 1 de Setembro de 1875 e morreu em 1950. Pelo meio inventou o Tarzan.
sábado, 31 de agosto de 2013
sexta-feira, 30 de agosto de 2013
quarta-feira, 28 de agosto de 2013
terça-feira, 27 de agosto de 2013
Sá de Miranda
Comigo me desavim
Comigo me desavim
Sou posto em todo perigo:
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.
Com dor da gente fugia,
Antes que esta assi crecesse;
Agora já fugiria
De mim, se de mim pudesse.
Que meo espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo,
Tamanho imigo de mim?
Sá de Miranda
(Sá de Miranda nasceu no dia 28 de Agosto de 1481. Morreu em 1558.)
Comigo me desavim
Sou posto em todo perigo:
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim.
Com dor da gente fugia,
Antes que esta assi crecesse;
Agora já fugiria
De mim, se de mim pudesse.
Que meo espero ou que fim
Do vão trabalho que sigo,
Pois que trago a mim comigo,
Tamanho imigo de mim?
Sá de Miranda
(Sá de Miranda nasceu no dia 28 de Agosto de 1481. Morreu em 1558.)
O que é que ele sabe, que nós não sabemos?
Foto Hernâni Von Doellinger |
Pedro Passos Coelho jura que as coisas estão a correr bem. A realidade desmente-o todos os dias, mas ele não desiste da "narrativa" que meteu na cabeça. Vítor Gaspar foi-se embora porque as coisas estavam a correr mal, mas o primeiro-ministro diz que as coisas estão a correr bem. As políticas e as reformas experimentalistas do Governo falharam notoriamente, e o primeiro-ministro diz que as coisas estão a correr bem. O Governo aumentou os impostos sem dó nem piedade, cortou a eito salários e pensões, subiu os preços de bens e serviços essenciais, e Passos Coelho gaba-se de reduzir a despesa do Estado. Portugal de carne e osso tem quase três milhões de pobres, milhão e meio de desempregados, meio milhão de trabalhadores a salário mínimo, que não chega aos 500 euros, milhares de sem-abrigo, cada vez mais gente com casa paga mas sem dinheiro para comer, e que pede ajuda. Somos já Portugal de pele e osso. Estamos à beira do abismo e o chefe do Governo diz-nos que vamos pelo caminho certo. Até parece que Passos Coelho acredita que, repetindo, repetindo, vai acabar por convencer-nos. E esta persistência intriga-me. O que é que o primeiro-ministro sabe, que nós não sabemos, acerca da estupidez dos portugueses?
Etiquetas:
austeridade,
crise,
fome,
governo,
Pedro Passos Coelho,
pobreza,
política,
Portugal,
portugueses,
PSD,
sem-abrigo,
Vítor Gaspar
segunda-feira, 26 de agosto de 2013
domingo, 25 de agosto de 2013
Campanha eleitoral
Cansado de esperar pela sua vez, o candidato levantou-se e pediu o
microfone. Melhor dizendo: saltou da cadeira e exigiu o microfone,
porque ele é que é o candidato, o povo o que quer é ouvir o candidato e
blablablá penetra não ganha votos nem dá empregos. O candidato agarrou pois no microfone, coçou-lhe a
cabecinha com a unhaca da cera, soprou-lhe o pó num imenso perdigoto
e, sem mais delongas, dirigiu-se aos seus caríssimos e suspensíssimos
apoiantes, praticamente quinze e em transe:
- Alô, chape, chape, um, dois. Um, dois, três, microfone, experiência. Chape, chape, um, dois. Um, dois, três, quatro, microfone...
E a multidão irrompeu em aplausos.
- Alô, chape, chape, um, dois. Um, dois, três, microfone, experiência. Chape, chape, um, dois. Um, dois, três, quatro, microfone...
E a multidão irrompeu em aplausos.
Etiquetas:
autárquicas 2013,
campanha eleitoral,
candidatos,
eleições,
moinas,
política,
políticos,
Portugal,
série Atenção muita atenção
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
Paulo Leminski
Aviso aos náufragos
Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.
Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrómeda, Antártida,
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.
Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
pelas águas do Nilo,
um dia, esta página, papiro,
vai ter que ser traduzida,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
onde alguém deixou cair o vidro.
Não é assim que é a vida?
"Distraídos Venceremos", Paulo Leminski
(Paulo Leminski nasceu no dia 24 de Agosto de 1944. Morreu em 1989.)
Etiquetas:
Aviso aos náufragos,
Brasil,
cultura,
Distraídos Venceremos,
literatura,
livros,
Paulo Leminski,
poesia,
poetas,
série Escritores
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
A Póvoa
Foto Hernâni Von Doellinger |
A Póvoa de Varzim, que é Fafe no Verão, enormou-se sem rei nem roque. Cresceu a torto e a direito - e digo bem, literalmente a torto e a direito. Cuido que a culpa não é só dos fafenses apartamenteiros, que, na verdade, são mais que as mães. Outros culpados haverá, por exemplo derivados de Famalicão ou de Felgueiras, gente igualmente de mostrar e com fábricas e ferraris que entretanto faliram. As fábricas. E os operários. Os ferraris estão bem, graças a Deus, na garagem disfarçada atrás do lago do menino que mija. Os da Póvoa de todo o ano só agora deram fé que foram encabados. Arruinaram-lhes os quartinhos e as vistas. São prisioneiros, vedados por um colossal muro de betão que lhes rouba a praia, o ar e a vida. A cidade dos empreiteiros aluga-se. Os autarcas também. Mas tornemos a Fafe. Quem fez ao Largo o que fez, quem fez ao Assento o que fez, quem fez ao Santo Velho o que fez, quem fez ao monte de São Jorge e a Castelhão o que fez, só pode ter construído também a Póvoa de Varzim moderna e encaixotada, é de justiça e entregue-se-lhes a medalha. E depois é mandá-los à merda pelo que fizeram da minha terra.
Lá ao fundo, se não me engano, é o mar.
Nelson Rodrigues
O craque na capelinha
Falei em craque, mas, em tempo, retifico: era um perna-de-pau. Com uma agravante: perna-de-pau de longínquo, de antediluviano passado. Floresceu, se não me engano, por volta de 914, 916. Era a época inefável em que as mulheres não raspavam nem as pernas, nem debaixo do braço. E essas canelas barbadas, essas axilas luxuriantes definiam um tipo de civilização. Pois bem: o perna-de-pau, que já enterrava o time em 1915, não tardaria a abandonar o futebol. Seu último jogo ocorreu na semana em que assassinaram Pinheiro Machado. De então para cá, ele veio arrastando sua decadência, através das semanas, meses e anos. Por último, não comia, nem bebia - era a única fome, a única sede do Brasil. Um dia desses, após uma agonia fétida e terrível, o homem morreu. E, então, moradores do bairro, em conluio com alguns comerciantes, resolveram custear-lhe o enterro.
Falei em craque, mas, em tempo, retifico: era um perna-de-pau. Com uma agravante: perna-de-pau de longínquo, de antediluviano passado. Floresceu, se não me engano, por volta de 914, 916. Era a época inefável em que as mulheres não raspavam nem as pernas, nem debaixo do braço. E essas canelas barbadas, essas axilas luxuriantes definiam um tipo de civilização. Pois bem: o perna-de-pau, que já enterrava o time em 1915, não tardaria a abandonar o futebol. Seu último jogo ocorreu na semana em que assassinaram Pinheiro Machado. De então para cá, ele veio arrastando sua decadência, através das semanas, meses e anos. Por último, não comia, nem bebia - era a única fome, a única sede do Brasil. Um dia desses, após uma agonia fétida e terrível, o homem morreu. E, então, moradores do bairro, em conluio com alguns comerciantes, resolveram custear-lhe o enterro.
Fui vê-lo na capelinha, para onde o remeteram. Diante dele, diante do ser transfigurado, verifiquei o seguinte: não há morto canastrão. Vestido de noivo, com sapatos engraxados, ele tem a face, o ríctus, o perfil do grande ator. Assim acontecera com o perna-de-pau: no caixão, apresentava uma nobre e taciturna máscara cesariana.
O diabo era o ambiente do velório. Eis a verdade: nenhum morto devia ir para as capelinhas, jamais. Elas traduzem um sintoma terrível da nossa época. Antes de mais nada, significam um frívolo desamor à morte e aos mortos. Não sabemos morrer, nem enterrar. E pior do que isso - não sabemos fazer quarto. Essa impotência diante da morte é o melancólico e inevitável resultado das capelinhas. Antigamente, o defunto tinha domicílio. Ninguém o vestia às carreiras; ninguém o despachava às escondidas. Permanecia em casa e, pois, dentro de um ambiente em que até os móveis eram cordiais e solidários. Armava-se a câmara-ardente numa doce sala de jantar ou numa cálida sala de visitas, debaixo dos retratos dos outros mortos. Escancaravam-se todas as portas, todas as janelas; e esta casa iluminada podia sugerir, à distância, a ideia de aniversário, de casamento ou de velório mesmo.
O diabo era o ambiente do velório. Eis a verdade: nenhum morto devia ir para as capelinhas, jamais. Elas traduzem um sintoma terrível da nossa época. Antes de mais nada, significam um frívolo desamor à morte e aos mortos. Não sabemos morrer, nem enterrar. E pior do que isso - não sabemos fazer quarto. Essa impotência diante da morte é o melancólico e inevitável resultado das capelinhas. Antigamente, o defunto tinha domicílio. Ninguém o vestia às carreiras; ninguém o despachava às escondidas. Permanecia em casa e, pois, dentro de um ambiente em que até os móveis eram cordiais e solidários. Armava-se a câmara-ardente numa doce sala de jantar ou numa cálida sala de visitas, debaixo dos retratos dos outros mortos. Escancaravam-se todas as portas, todas as janelas; e esta casa iluminada podia sugerir, à distância, a ideia de aniversário, de casamento ou de velório mesmo.
Era a época em que as mães, as viúvas tinham furores de Sarah Bernhardt. Lembro-me de uma menina que morreu, de febre amarela, quando eu tinha meus cinco anos. Pois bem. A mãe da morta quase pôs a casa abaixo. Batia com a cabeça nas paredes; derrubava as cadeiras; e queria arrancar os próprios olhos. Teve que ser contida, amordaçada, quase amarrada. Todos haviam parado de gemer, de chorar, para espiar essa dor maior. Houve um momento em que só ela gemia, só ela chorava, como uma insuperável solista.
Hoje, isto não é possível. A capelinha esvaziou a morte do seu conteúdo poético dramático e, direi mesmo, histérico. Preliminarmente, o defunto está fora do seu clima residencial. Como os demais, ele é um constrangido, um cerimonioso, um deslocado. Sim, todos, inclusive o cadáver, têm um ar de visita. Essa polidez impede a violência e a espontaneidade da dor que vem de dentro, das profundezas, como um gemido vacum. Bem que a viúva desejaria espernear, esganiçar-se, como uma canastrona do velho teatro. Mas eis a verdade: a capelinha torna inexequíveis as histerias
magníficas dos funerais antigos.
Eu sei que o perna-de-pau era apenas um perna-de-pau, contemporâneo, quase dizia colega do assassinato de Pinheiro Machado. Ainda assim. Qualquer morto é um césar.
Hoje, isto não é possível. A capelinha esvaziou a morte do seu conteúdo poético dramático e, direi mesmo, histérico. Preliminarmente, o defunto está fora do seu clima residencial. Como os demais, ele é um constrangido, um cerimonioso, um deslocado. Sim, todos, inclusive o cadáver, têm um ar de visita. Essa polidez impede a violência e a espontaneidade da dor que vem de dentro, das profundezas, como um gemido vacum. Bem que a viúva desejaria espernear, esganiçar-se, como uma canastrona do velho teatro. Mas eis a verdade: a capelinha torna inexequíveis as histerias
magníficas dos funerais antigos.
Eu sei que o perna-de-pau era apenas um perna-de-pau, contemporâneo, quase dizia colega do assassinato de Pinheiro Machado. Ainda assim. Qualquer morto é um césar.
"À Sombra das Chuteiras Imortais - Crónicas de Futebol", Nelson Rodrigues
(Nelson Rodrigues nasceu no dia 23 de Agosto de 1912. Morreu em 1980.)
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
terça-feira, 20 de agosto de 2013
Josué Montello
E João Maurício, com as mãos sob a nuca, ia vendo farrapos de nuvens que o vento levava. Quando a luz da aurora se espalhasse por aquelas alturas, haveria sangue no horizonte, por cima das árvores, e sangue na terra, com os primeiros mortos e feridos. Os cavalos se precipitariam sobre o verde dos desfiladeiros, e muitos deles relinchariam, ouvindo o toque das cornetas, por entre o rugir dos canhões, o sibilar das balas, e o estrugir nervoso da metralha. E tanto de um lado quanto de outro, os corpos iriam tombando, à proporção que o dia fosse crescendo.
Sem perceber a transição da vigília para o sono, João Maurício deixou cair pesadamente as pálpebras, e só voltou a si com o Ruas a lhe sacudir o braço:
- Depressa, Tenente: o ataque está começando.
De um salto, ele ficou de pé, ouvindo em redor o alvoroço dos companheiros que se apresentavam para o combate. Na manhã ainda clareando, estrondavam as primeiras cargas cerradas do bombardeio inimigo. Soavam longe os clarins e as cornetas. Alguns cavalos galopavam, outros relinchavam com o repuxo das rédeas e o toque das esporas. E as granadas não tardaram a explodir ali no alto, arrancando toiceiras de mato e salpicos de terra revolvida. De vez em quando, um grito. E os canhões rugiam dos dois lados, escancarando na luz atónita o clarão instantâneo das balas detonadas.
Após a desordem assustada dos momentos iniciais de luta, uma ordem natural ia-se impondo - com os soldados nas posições de combate, a resposta rápida dos tiros, o corpo-a-corpo que lá adiante se travava, a arremetida dos cavalarianos, os grupos que se infiltravam pelos capões de mato e pelo aclive das ribanceiras. A cada instante, uma nova ordem da corneta. Novas cargas cerradas. As granadas de mão que se amiudavam, e já um ou outro soldado inimigo tentava infiltrar-se nas linhas rebeldes, enquanto a luz da manhã crescia e se alastrava.
"A Coroa de Areia", Josué Montello
(Josué Montello nasceu no dia 21 de Agosto de 1917. Morreu em 2006.)
Sem perceber a transição da vigília para o sono, João Maurício deixou cair pesadamente as pálpebras, e só voltou a si com o Ruas a lhe sacudir o braço:
- Depressa, Tenente: o ataque está começando.
De um salto, ele ficou de pé, ouvindo em redor o alvoroço dos companheiros que se apresentavam para o combate. Na manhã ainda clareando, estrondavam as primeiras cargas cerradas do bombardeio inimigo. Soavam longe os clarins e as cornetas. Alguns cavalos galopavam, outros relinchavam com o repuxo das rédeas e o toque das esporas. E as granadas não tardaram a explodir ali no alto, arrancando toiceiras de mato e salpicos de terra revolvida. De vez em quando, um grito. E os canhões rugiam dos dois lados, escancarando na luz atónita o clarão instantâneo das balas detonadas.
Após a desordem assustada dos momentos iniciais de luta, uma ordem natural ia-se impondo - com os soldados nas posições de combate, a resposta rápida dos tiros, o corpo-a-corpo que lá adiante se travava, a arremetida dos cavalarianos, os grupos que se infiltravam pelos capões de mato e pelo aclive das ribanceiras. A cada instante, uma nova ordem da corneta. Novas cargas cerradas. As granadas de mão que se amiudavam, e já um ou outro soldado inimigo tentava infiltrar-se nas linhas rebeldes, enquanto a luz da manhã crescia e se alastrava.
"A Coroa de Areia", Josué Montello
(Josué Montello nasceu no dia 21 de Agosto de 1917. Morreu em 2006.)
Leixões
Etiquetas:
barcos,
Castelo do Queijo,
Leixões,
mar,
matosinhenses,
Matosinhos,
pesca,
pescadores,
Porto,
série A ver navios,
série Lugares-comuns
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
Cora Coralina
Eu voltarei
Meu companheiro de vida será um homem corajoso
de trabalho,
servidor do próximo,
honesto e simples, de pensamentos limpos.
servidor do próximo,
honesto e simples, de pensamentos limpos.
Seremos padeiros e teremos padarias.
Muitos filhos à nossa volta.
Cada nascer de um filho
será marcado com o plantio de uma árvore simbólica.
A árvore de Paulo, a árvore de Manoel,
a árvore de Ruth, a árvore de Roseta.
Muitos filhos à nossa volta.
Cada nascer de um filho
será marcado com o plantio de uma árvore simbólica.
A árvore de Paulo, a árvore de Manoel,
a árvore de Ruth, a árvore de Roseta.
Seremos alegres e estaremos sempre a cantar.
Nossas panificadoras terão feixes de trigo enfeitando suas portas,
teremos uma fazenda e um horto florestal.
Plantaremos o mogno, o jacarandá,
o pau-ferro, o pau-brasil, a aroeira, o cedro.
Plantarei árvores para as gerações futuras.
Nossas panificadoras terão feixes de trigo enfeitando suas portas,
teremos uma fazenda e um horto florestal.
Plantaremos o mogno, o jacarandá,
o pau-ferro, o pau-brasil, a aroeira, o cedro.
Plantarei árvores para as gerações futuras.
Meus filhos plantarão o trigo e o milho, e serão
padeiros.
Terão moinhos e serrarias e panificadoras.
Deixarei no mundo uma vasta descendência de homens
e mulheres, ligados profundamente
ao trabalho e à terra que os ensinarei a amar.
Terão moinhos e serrarias e panificadoras.
Deixarei no mundo uma vasta descendência de homens
e mulheres, ligados profundamente
ao trabalho e à terra que os ensinarei a amar.
E eu morrerei tranquilamente dentro de um campo
de trigo ou
milharal, ouvindo ao longe o cântico alegre dos ceifeiros.
milharal, ouvindo ao longe o cântico alegre dos ceifeiros.
Eu voltarei...
A pedra do meu túmulo
será enfeitada de espigas de trigo
e cereais quebrados
minha oferta póstuma às formigas
que têm suas casinhas subterra
e aos pássaros cantores
que têm seus ninhos nas altas e floridas
frondes.
Eu voltarei...
Cora Coralina
(Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, conhecida como Cora Coralina, nasceu no dia 20 de Agosto de 1889. Morreu em 1985.)
será enfeitada de espigas de trigo
e cereais quebrados
minha oferta póstuma às formigas
que têm suas casinhas subterra
e aos pássaros cantores
que têm seus ninhos nas altas e floridas
frondes.
Eu voltarei...
Cora Coralina
(Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, conhecida como Cora Coralina, nasceu no dia 20 de Agosto de 1889. Morreu em 1985.)
Feira Medieval de Leça do Balio 2013
Matosinhos e o Caminho de Santiago. A célebre feira medieval, de 5 a 8 de Setembro, nos arredores do Mosteiro de Leça do Balio. Mais informação e programa, aqui.
sexta-feira, 16 de agosto de 2013
Óscar Ribas
O coelho e o macaco
Amigo Macaco procurou o amigo Coelho e disse-lhe:
- Vavó Leoa teve filhos! Como ela só está bem a matar, vamo-nos oferecer para lhe criar os filhos. Depois matamo-los à fome, e a ela também.
Amigo Coelho achou bem. Mas, quando se apresentaram, a avó Leoa quis matá-los.
- Aiii, vavó, não nos coma só, somos crianças, a nossa carne não chega para te acabar a fome! Se queres, vamos-te buscar os maiores, como vavô Pacaça, tio Javali e outros… - Suplicaram ambos.
Avó Leoa aquiesceu.
- E, vavó, para eles virem, tens de te fingir morta, envolvida em capim. - Alvitrou amigo Macaco.
Os dois, colocando-se à porta de casa, começaram a tocar uma goma, cantando:
Morreu vavó Leoa,
Livres ficámos!
Morreu vavó Leoa,
Livres ficámos!
A bicharada, ouvindo tal cantiga, tão satisfeita ficou que até se pôs a dançar dentro do quarto. Hela! Vavó Leoa morta! Até parecia mentira! E todos, em redor do monte de capim, dançavam, dançavam, dançavam.
Amigo Coelho e amigo Macaco, já a batucada ia rija, saem e fecham a porta. Avó Leoa salta do capim, e nhão-nhão-nhão - mata aqui, mata ali, mata a todos eles. Não satisfeita com o morticínio, vai ter com o amigo Coelho e amigo Macaco, igualmente para os matar.
- Ai, vavó, não nos mates só, a gente vai-te buscar lenha para assares esta carne toda! Aiii, não queres? - Propõe amigo Macaco.
Avó Leoa concordou. E os dois foram ao mato. Mas avô Quitassele quis comê-los.
- Ai, vavô, não nos mates só, espera que te trazemos um grandalhão como tu. Somos crianças, não temos carne para ti. - Rogou o amigo Macaco.
A serpente anuiu.
- Vavó, estávamos para ser comidos por vavô Quitassele. O melhor é ires connosco. - Informou amigo Macaco.
Avó Leoa foi. Ao chegarem, amigo Macaco avisa avô Quitassele:
- O grandalhão como tu já cá está.
Avô Quitassele sai do esconderijo e mata avó Leoa.
- Vavô em casa tem muita carne. Vamos prepará-la. - Convida amigo Macaco.
Os três vão para casa. Mas amigo Coelho e amigo Macaco carretam lenha.
- Vavô, agora é preciso fogo. Vamos nas lavras. - Alvitra amigo Macaco.
As pessoas, vendo a cobra, deitaram a fugir:
- Cobra! Cobra!
Aproveitando a fuga, amigo Macaco aconselha:
- Vavô, acenda já.
A serpente, que trazia capim na cauda e cabeça, virou primeiro uma parte, depois a outra. E avô Quitassele morreu queimado.
Óscar Ribas, in revista Afroletras n.º 3
(Óscar Bento Ribas nasceu no dia 17 de Agosto de 1909. Morreu em 2004.)
Amigo Macaco procurou o amigo Coelho e disse-lhe:
- Vavó Leoa teve filhos! Como ela só está bem a matar, vamo-nos oferecer para lhe criar os filhos. Depois matamo-los à fome, e a ela também.
Amigo Coelho achou bem. Mas, quando se apresentaram, a avó Leoa quis matá-los.
- Aiii, vavó, não nos coma só, somos crianças, a nossa carne não chega para te acabar a fome! Se queres, vamos-te buscar os maiores, como vavô Pacaça, tio Javali e outros… - Suplicaram ambos.
Avó Leoa aquiesceu.
- E, vavó, para eles virem, tens de te fingir morta, envolvida em capim. - Alvitrou amigo Macaco.
Os dois, colocando-se à porta de casa, começaram a tocar uma goma, cantando:
Morreu vavó Leoa,
Livres ficámos!
Morreu vavó Leoa,
Livres ficámos!
A bicharada, ouvindo tal cantiga, tão satisfeita ficou que até se pôs a dançar dentro do quarto. Hela! Vavó Leoa morta! Até parecia mentira! E todos, em redor do monte de capim, dançavam, dançavam, dançavam.
Amigo Coelho e amigo Macaco, já a batucada ia rija, saem e fecham a porta. Avó Leoa salta do capim, e nhão-nhão-nhão - mata aqui, mata ali, mata a todos eles. Não satisfeita com o morticínio, vai ter com o amigo Coelho e amigo Macaco, igualmente para os matar.
- Ai, vavó, não nos mates só, a gente vai-te buscar lenha para assares esta carne toda! Aiii, não queres? - Propõe amigo Macaco.
Avó Leoa concordou. E os dois foram ao mato. Mas avô Quitassele quis comê-los.
- Ai, vavô, não nos mates só, espera que te trazemos um grandalhão como tu. Somos crianças, não temos carne para ti. - Rogou o amigo Macaco.
A serpente anuiu.
- Vavó, estávamos para ser comidos por vavô Quitassele. O melhor é ires connosco. - Informou amigo Macaco.
Avó Leoa foi. Ao chegarem, amigo Macaco avisa avô Quitassele:
- O grandalhão como tu já cá está.
Avô Quitassele sai do esconderijo e mata avó Leoa.
- Vavô em casa tem muita carne. Vamos prepará-la. - Convida amigo Macaco.
Os três vão para casa. Mas amigo Coelho e amigo Macaco carretam lenha.
- Vavô, agora é preciso fogo. Vamos nas lavras. - Alvitra amigo Macaco.
As pessoas, vendo a cobra, deitaram a fugir:
- Cobra! Cobra!
Aproveitando a fuga, amigo Macaco aconselha:
- Vavô, acenda já.
A serpente, que trazia capim na cauda e cabeça, virou primeiro uma parte, depois a outra. E avô Quitassele morreu queimado.
Óscar Ribas, in revista Afroletras n.º 3
(Óscar Bento Ribas nasceu no dia 17 de Agosto de 1909. Morreu em 2004.)
Millôr Fernandes
O aldeão e o demónio
Pois um dia o aldeão dormitava depois do almoço, enquanto as ovelhas pastavam lá fora, quando o demónio lhe surgiu em carne e osso: "Aldeão - tonitroou ele -, você deve morrer!!! É chegada a tua hora! Mas eu vim aqui para te dar uma grande oportunidade. Escolhe uma destas três coisas: bate em teu criado, mata tua mulher ou bebe deste vinho".
O aldeão, aterrorizado por aquela visão, mal teve tempo de pensar. Mas foi talvez sua sabedoria ancestral que fez com que dissesse: "Bater em meu criado jamais poderei fazer, porque através dos anos ele me tem sido sempre fiel. Matar minha mulher jamais poderei matar, porque ela vive comigo também há muitos anos. Deixa que eu bebo o vinho".
O diabo deu uma gargalhada e lhe entregou o vinho. O homem bebeu, se embriagou, bateu no criado, matou a mulher, e, desde então, abandonou o campo e vive nos bares da cidade, conhecido como um dos mais prestigiosos playboys de nossa sociedade.
Moral: O diabo não é tão feio quanto se pinta.
"Fábulas Fabulosas", Millôr Fernandes
(Milton Viola Fernandes, conhecido como Millôr Fernandes, nasceu no dia 16 de Agosto de 1923. Morreu em 2012.)
Pois um dia o aldeão dormitava depois do almoço, enquanto as ovelhas pastavam lá fora, quando o demónio lhe surgiu em carne e osso: "Aldeão - tonitroou ele -, você deve morrer!!! É chegada a tua hora! Mas eu vim aqui para te dar uma grande oportunidade. Escolhe uma destas três coisas: bate em teu criado, mata tua mulher ou bebe deste vinho".
O aldeão, aterrorizado por aquela visão, mal teve tempo de pensar. Mas foi talvez sua sabedoria ancestral que fez com que dissesse: "Bater em meu criado jamais poderei fazer, porque através dos anos ele me tem sido sempre fiel. Matar minha mulher jamais poderei matar, porque ela vive comigo também há muitos anos. Deixa que eu bebo o vinho".
O diabo deu uma gargalhada e lhe entregou o vinho. O homem bebeu, se embriagou, bateu no criado, matou a mulher, e, desde então, abandonou o campo e vive nos bares da cidade, conhecido como um dos mais prestigiosos playboys de nossa sociedade.
Moral: O diabo não é tão feio quanto se pinta.
"Fábulas Fabulosas", Millôr Fernandes
(Milton Viola Fernandes, conhecido como Millôr Fernandes, nasceu no dia 16 de Agosto de 1923. Morreu em 2012.)
quinta-feira, 15 de agosto de 2013
António Nobre
Balada do caixão
O meu vizinho é carpinteiro,
Algibebe de Dona Morte,
Ponteia e cose, o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte:
Mognos, debruados de veludo,
Flandres gentil, pinho do Norte...
Ora eu que trago um sobretudo
Que já me vai a aborrecer,
Fui-me lá, ontem: (Era Entrudo,
Havia imenso que fazer!...)
- Olá, bom homem! quero um fato,
Tem que me sirva? - Vamos ver...
Olhou, mexeu na casa toda.
- Eis aqui um e bem barato.
- Está na moda? - Está na moda.
(Gostei e nem quis apreçá-lo:
Muito justinho, pouca roda...)
- Quando posso mandar buscá-lo?
- Ao pôr do Sol. Vou dá-lo a ferro:
(Pôs-se o bom homem a aplainá-lo...)
Ó meus Amigos! salvo erro,
Juro-o pela alma, pelo Céu:
Nenhum de vós, ao meu enterro,
Irá mais dândi, olhai! do que eu!
"Só", António Nobre
(António Nobre nasceu no dia 16 de Agosto de 1867. Morreu em 1900.)
O meu vizinho é carpinteiro,
Algibebe de Dona Morte,
Ponteia e cose, o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte:
Mognos, debruados de veludo,
Flandres gentil, pinho do Norte...
Ora eu que trago um sobretudo
Que já me vai a aborrecer,
Fui-me lá, ontem: (Era Entrudo,
Havia imenso que fazer!...)
- Olá, bom homem! quero um fato,
Tem que me sirva? - Vamos ver...
Olhou, mexeu na casa toda.
- Eis aqui um e bem barato.
- Está na moda? - Está na moda.
(Gostei e nem quis apreçá-lo:
Muito justinho, pouca roda...)
- Quando posso mandar buscá-lo?
- Ao pôr do Sol. Vou dá-lo a ferro:
(Pôs-se o bom homem a aplainá-lo...)
Ó meus Amigos! salvo erro,
Juro-o pela alma, pelo Céu:
Nenhum de vós, ao meu enterro,
Irá mais dândi, olhai! do que eu!
"Só", António Nobre
(António Nobre nasceu no dia 16 de Agosto de 1867. Morreu em 1900.)
quarta-feira, 14 de agosto de 2013
É Coura, estúpidos! (edição 2013)
Foto Hernâni Von Doellinger |
O Festival de Paredes de Coura está à porta, mas a asneira já entrou. São os jornais. Jornalistas e simpatizantes que insistem em escrever que o evento decorre nas margens do rio "Tabuão". Porra!, eu já disse que não existe nenhum rio "Tabuão". O que há é um sítio (isto é, um local) chamado Taboão (Taboão com o) junto ao rio Coura. É a praia fluvial do Taboão. E é na praia fluvial do Taboão (Taboão com o), nas margens do rio Coura, que se realiza há 20 anos o Festival de Paredes de Coura. De uma vez por todas, por favor: o rio Coura não se chama rio "Tabuão", nem sequer rio Taboão - chama-se rio Coura, como o próprio nome indica. Por isso é que Paredes de Coura se chama Paredes de Coura e não Paredes de Taboão.
Vamos lá então recapitular a matéria dada há um ano: o rio que passa em Paredes de Coura chama-se rio Coura. É o mesmo rio que, mais abaixo, passa em Vilar de Mouros e continua a chamar-se rio Coura. O Coura nasce na serra da Boalhosa, na lagoa da Chã de Lamas e na serra de Corno de Bico, fazendo um percurso de cerca de 50 quilómetros até desaguar na margem esquerda do rio Minho. Banha os concelhos de Paredes de Coura, Vila Nova de Cerveira e Caminha. Passa pelas freguesias de Formariz, Paredes de Coura, Rubiães, São Martinho de Coura, Covas, Vilar de Mouros, Venade, Vilarelho, Seixas e Caminha. Percebido? Agora vamos escrever isto 50 vezes no quadro.
P.S. - Texto escrito e publicado no dia 8 de Agosto de 2012, repetindo a aula de 17 de Agosto de 2011. Mas não adianta. Para o ano cá estaremos, se Deus quiser.
Etiquetas:
Alto Minho,
cultura,
festivais,
Festival de Paredes de Coura,
jornais,
jornalismo,
Minho,
música,
Paredes de Coura,
praia fluvial do Taboão,
rio Coura,
turismo
A ver navios 5
Etiquetas:
APDL,
barcos,
crise,
cruzeiros,
fome,
Leixões,
mar,
Matosinhos,
miséria,
Porto,
Portugal,
portugueses,
Ryndam,
série A ver navios,
turismo
terça-feira, 13 de agosto de 2013
segunda-feira, 12 de agosto de 2013
O que é preciso é descontracção
Foto Hernâni Von Doellinger |
Depois da banhada que levou na sondagem do fim-de-semana, Nuno Cardoso anda agora prevenido. Ontem montou tenda na Praia Internacional, junto ao Edifício Transparente, e foi nestes preparos que fez campanha, de calções e descalço, porém com um sorriso que, ao contrário do outro, serve à pinta com o cartaz.
A mês e meio das eleições, Cardoso vale menos de três por cento das intenções de voto para a Câmara do Porto, onde não deverá chegar nem como último vereador. Ele lá sabe por que razão se meteu nesta alhada. Eu não acredito na razão que ele dá.
Tirei a fotografia e desejei boa sorte ao candidato. Nuno Cardoso ofereceu-me uma mãozada e os seus colaboradores acorreram, simpaticamente, prontos para me pegarem na máquina: - Quer tirar uma à beira do engenheiro?
- Não. Porquê? - disse eu.
- Podia querer... - disseram eles.
- Mas não. E o engenheiro quer o meu autógrafo? - perguntei.
- Não, obrigado... - respondeu-me o engenheiro.
E ficámos assim. Quites. Eu sem o retrato com o engenheiro e o engenheiro sem o meu autógrafo. Nenhum de nós perde grande coisa.
Os desempregados batem na mulher e nos filhos
Há cada vez mais casos de crianças maltratadas que chegam aos hospitais. Deolinda Barata, da Sociedade Portuguesa de Pediatria, diz que a culpa é da crise. Os homens ficam desempregados e portanto batem nas mulheres. Os filhos levam por tabela.
Eu também sou contra o governo. Mas, palavra de honra, esperava de quem de direito uma conclusão sensata e minimamente articulada sobre o assunto - e esta não é. O que a doutora Deolinda disse é o fácil, está à mão e é de esquerda, podia até ser dito por mim, esquerdista às vezes e incorrigível cultor do lugar-comum. Infelizmente, a questão da violência doméstica, sobre adultos ou menores, tem muito mais que se lhe diga. A crise não explica tudo. E não desculpa tudo...
Ou será por causa da crise que uma nova raça de tarados passa o dia a espreitar miúdos que trocam de roupa nas escolas de surf da Praia de Matosinhos? Estão desempregados e portanto vão para o Passeio Atlântico espreitar miúdos (e eventualmente fotografar e filmar), enquanto coçam os genitais? É isso?
As escolas de surf deviam ter condições, pelo menos balneários onde as crianças pudessem trocar de roupa, e não na praia ou na rua. As escolas nem deviam poder abrir enquanto não tiverem essas condições elementares. Os badalhocos andam por ali a rondar. E a culpa não é da crise. São filhos da puta e isso é apenas o princípio da conversa.
Eu também sou contra o governo. Mas, palavra de honra, esperava de quem de direito uma conclusão sensata e minimamente articulada sobre o assunto - e esta não é. O que a doutora Deolinda disse é o fácil, está à mão e é de esquerda, podia até ser dito por mim, esquerdista às vezes e incorrigível cultor do lugar-comum. Infelizmente, a questão da violência doméstica, sobre adultos ou menores, tem muito mais que se lhe diga. A crise não explica tudo. E não desculpa tudo...
Ou será por causa da crise que uma nova raça de tarados passa o dia a espreitar miúdos que trocam de roupa nas escolas de surf da Praia de Matosinhos? Estão desempregados e portanto vão para o Passeio Atlântico espreitar miúdos (e eventualmente fotografar e filmar), enquanto coçam os genitais? É isso?
As escolas de surf deviam ter condições, pelo menos balneários onde as crianças pudessem trocar de roupa, e não na praia ou na rua. As escolas nem deviam poder abrir enquanto não tiverem essas condições elementares. Os badalhocos andam por ali a rondar. E a culpa não é da crise. São filhos da puta e isso é apenas o princípio da conversa.
Etiquetas:
Câmara de Matosinhos,
crianças maltratadas,
Deolinda Barata,
desemprego,
escolas de surf,
espreitas,
Matosinhos,
Passeio Atlântico,
pedofilia,
Praia de Matosinhos,
surf,
tarados,
violência doméstica
domingo, 11 de agosto de 2013
Miguel Torga
Prece
Senhor, deito-me na cama
Coberto de sofrimento;
E a todo o comprimento
Sou sete palmos de lama:
Sete palmos de excremento
Da terra-mãe que me chama.
Senhor, ergo-me do fim
Desta minha condição:
Onde era sim, digo não,
Onde era não, digo sim;
Mas não calo a voz do chão
Que grita dentro de mim.
Senhor, acaba comigo
Antes do dia marcado;
Um golpe bem acertado,
O tiro dum inimigo …
Qualquer pretexto tirado
Dos sarcasmos que te digo.
"Diário Vols. I a IV", Miguel Torga
(Adolfo Correia da Rocha, conhecido por Miguel Torga, nasceu no dia 12 de Agosto de 1907. Morreu em 1995.)
Senhor, deito-me na cama
Coberto de sofrimento;
E a todo o comprimento
Sou sete palmos de lama:
Sete palmos de excremento
Da terra-mãe que me chama.
Senhor, ergo-me do fim
Desta minha condição:
Onde era sim, digo não,
Onde era não, digo sim;
Mas não calo a voz do chão
Que grita dentro de mim.
Senhor, acaba comigo
Antes do dia marcado;
Um golpe bem acertado,
O tiro dum inimigo …
Qualquer pretexto tirado
Dos sarcasmos que te digo.
"Diário Vols. I a IV", Miguel Torga
(Adolfo Correia da Rocha, conhecido por Miguel Torga, nasceu no dia 12 de Agosto de 1907. Morreu em 1995.)
sábado, 10 de agosto de 2013
Era mesmo só fachada
Foto Hernâni Von Doellinger |
As "obras" da Kasa da Praia, as tais que iam "regressar em força" aqui há coisa de dois meses, estão entregues aos pombos. As corridas do Circuito da Boavista passaram e os operários desapareceram. Era o que eu dizia.
A Kasa da Praia é uma das sobras da Capital Europeia da Cultura, Porto 2001. Dois mil e um - digo bem. A ideia era pegar nas paredes do velho edifício do CLIP e meter lá dentro um restaurante e bar dançante, coisa fina abrilhantada também com serviço de pequeno-almoço e salão de chá. Ideia peregrina. Que caminhou pelos jornais, com notícias vá-se lá saber porquê em 2002, em 2003, em 2004, em 2005, em 2007 e em 2008, mas sem sair do papel. Do papel de jornal, entenda-se. A inauguração foi prometida em 2009, passou-se 2010, passou-se 2011, e em Março de 2012 deitaram o miolo abaixo, e com grande estrondo. Mas apenas, e outra vez, na chamada comunicação social. A coisa ficou assim até ao lifting facial do pretério mês de Junho, para não parecer mal aos camones dos popós. E a partir daí, nada.
Antes de ser CLIP - Colégio Luso-Internacional do Porto, escola para meninos ricos e excelente -, aquela casa sem kapa foi posto de transformadores e de rectificadores de mercúrio para fornecimento de energia aos eléctricos da Invicta. Tem história, portanto, e uma localização que é um luxo: no limite ocidental do Parque da Cidade, agora em cima da praia, entre o Castelo do Queijo e o Edifício Transparente. Quem dera a muitos...
Mas já lá vão doze anos - 12 anos, digo bem - e o que temos ali são ruínas. Ruínas muito bem pintadas por fora, é preciso que se diga, porque isto não é uma crítica, ainda menos reclamação. Eu apenas tomo nota, de resto até gosto daquilo conforme está.
Etiquetas:
Câmara do Porto,
Capital Europeia da Cultura,
Castelo do Queijo,
CLIP,
Edifício Transparente,
Kasa da Praia,
Parque da Cidade,
Porto,
Porto 2001,
STCP
sexta-feira, 9 de agosto de 2013
Carlos de Oliveira
O viandante
Trago notícias da fome
que corre nos campos tristes:
soltou-se a fúria do vento
e tu, miséria, persistes.
Tristes notícias vos dou:
caíram espigas da haste,
foi-se o galope do vento
e tu, miséria, ficaste.
Foi-se a noite, foi-se o dia,
fugiu a cor às estrelas:
e, estrela nos campos tristes,
só tu, miséria, nos velas.
"Mãe Pobre", Carlos de Oliveira
(Carlos de Oliveira nasceu no dia 10 de Agosto de 1921. Morreu em 1981.)
Trago notícias da fome
que corre nos campos tristes:
soltou-se a fúria do vento
e tu, miséria, persistes.
Tristes notícias vos dou:
caíram espigas da haste,
foi-se o galope do vento
e tu, miséria, ficaste.
Foi-se a noite, foi-se o dia,
fugiu a cor às estrelas:
e, estrela nos campos tristes,
só tu, miséria, nos velas.
"Mãe Pobre", Carlos de Oliveira
(Carlos de Oliveira nasceu no dia 10 de Agosto de 1921. Morreu em 1981.)
Jorge Amado
A negra sorriu:
- Tá vendo?
- Tou. A gente liberta o negro.
A negra ia apanhando o tabuleiro. Henrique ajudou-a a botar as latas vazias em cima. Ela perguntou:
- Você sabe qual é a coisa mais melhor do mundo?
- Qual é, minha tia?
- Adivinhe.
- Mulher...
- Não.
- Cachaça...
- Não.
- Feijoada...
- Não sabe o que é? É cavalo. Se não fosse cavalo, branco montava em negro...
- Tá vendo?
- Tou. A gente liberta o negro.
A negra ia apanhando o tabuleiro. Henrique ajudou-a a botar as latas vazias em cima. Ela perguntou:
- Você sabe qual é a coisa mais melhor do mundo?
- Qual é, minha tia?
- Adivinhe.
- Mulher...
- Não.
- Cachaça...
- Não.
- Feijoada...
- Não sabe o que é? É cavalo. Se não fosse cavalo, branco montava em negro...
Jorge Amado
(Jorge Amado nasceu no dia 10 de Agosto de 1912. Morreu em 2001.)
Etiquetas:
A Estrada do Mar,
A negra sorriu,
cultura,
Jorge Amado,
literatura,
livros,
Poemas de Jorge Amado,
poesia,
poetas,
série Escritores
Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013)
Primavera
A Primavera vem dançando
com os seus dedos de mistério e turquesa
Vem vestida de meio dia e vem valsando
entre os braços dum vento sem firmeza
Nu como a água o teu corpo quieto e ausente
Só este inquieto esvoaçar do teu sorriso
Loiro o rosto o olhar não sei se mente
se de tão negro e parado é um aviso
do destino que me fixa finalmente
Ai, a Primavera vai passando
com os seus dedos de mistério e de turquesa
Segue Primavera vai cantando
Que será do nosso amor nesta praia de incerteza
"Horas de Vidro", Urbano Tavares Rodrigues
A Primavera vem dançando
com os seus dedos de mistério e turquesa
Vem vestida de meio dia e vem valsando
entre os braços dum vento sem firmeza
Nu como a água o teu corpo quieto e ausente
Só este inquieto esvoaçar do teu sorriso
Loiro o rosto o olhar não sei se mente
se de tão negro e parado é um aviso
do destino que me fixa finalmente
Ai, a Primavera vai passando
com os seus dedos de mistério e de turquesa
Segue Primavera vai cantando
Que será do nosso amor nesta praia de incerteza
"Horas de Vidro", Urbano Tavares Rodrigues
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
Mário Cesariny
A Antonin Artaud
I
Haverá gente com nomes que lhes caiam bem.
Não assim eu.
De cada vez que alguém me chama Mário
de cada vez que alguém me chama Cesariny
de cada vez que alguém me chama de Vasconcelos
sucede em mim uma contracção com os dentes
Há contra mim uma imposição violenta
Uma cutilada atroz porque atrozmente desleal.
Como assim Mário como assim Cesariny como assim ó meu deus de Vasconcelos?
Porque é que querem fazer passar para o meu corpo
uma caricatura a todos os títulos porca?
Que andavam a fazer com a minha altura os pais pelos baptistérios
para que eu recebesse em plena cara semelhante feixe de estruturas
tão inqualificáveis quanto inadequadas
ao acto em mim sozinho como a vida puro
eu não sei de vocês eu não tenho nas mãos eu vomito eu
não quero
eu nunca aderi às comunidades práticas de pregar com pregos
as partes mais vulneráveis da matéria
Eu estou só neste avanço
de corpos
contra corpos
Inexpiáveis.
O meu nome se existe deve existir escrito nalgum lugar «tenebroso e cantante» suficientemente glaciado e horrível
para que seja impossível encontrá-lo
sem de alguma maneira enveredar pela estrada
Da Coragem
porque a este respeito - e creio que digo bem -
nenhuma garantia de leitura grátis
se oferece ao viandante
Por outro lado, se eu tivesse um nome
um nome que me fosse realmente o meu nome
isso provocaria
calamidades
terríveis
como um tremor de terra
dentro da pele das coisas
dos astros
das coisas
das fezes
das coisas
II
Haverá uma idade para nomes que não estes
haverá uma idade para nomes
puros
nomes que magnetizem
constelações
puras
que façam irromper nos nervos e nos ossos
dos amantes
inexplicáveis construções radiosas
prontas a circular entre a fuligem
de duas bocas
puras
Ah não será o esperma torrencial diuturno
nem a loucura dos sábios nem a razão de ninguém
Não será mesmo quem sabe ó único mestre vivo
o fim da pavorosa dança dos corpos
onde pontificaste de martelo na mão
Mas haverá uma idade em que serão esquecidos por completo
os grandes nomes opacos que hoje damos às coisas
Haverá
um acordar
"Pena Capital", Mário Cesariny
(Mário Cesariny de Vasconcelos nasceu no dia 9 de Agosto de 1923. Morreu em 2006.)
I
Haverá gente com nomes que lhes caiam bem.
Não assim eu.
De cada vez que alguém me chama Mário
de cada vez que alguém me chama Cesariny
de cada vez que alguém me chama de Vasconcelos
sucede em mim uma contracção com os dentes
Há contra mim uma imposição violenta
Uma cutilada atroz porque atrozmente desleal.
Como assim Mário como assim Cesariny como assim ó meu deus de Vasconcelos?
Porque é que querem fazer passar para o meu corpo
uma caricatura a todos os títulos porca?
Que andavam a fazer com a minha altura os pais pelos baptistérios
para que eu recebesse em plena cara semelhante feixe de estruturas
tão inqualificáveis quanto inadequadas
ao acto em mim sozinho como a vida puro
eu não sei de vocês eu não tenho nas mãos eu vomito eu
não quero
eu nunca aderi às comunidades práticas de pregar com pregos
as partes mais vulneráveis da matéria
Eu estou só neste avanço
de corpos
contra corpos
Inexpiáveis.
O meu nome se existe deve existir escrito nalgum lugar «tenebroso e cantante» suficientemente glaciado e horrível
para que seja impossível encontrá-lo
sem de alguma maneira enveredar pela estrada
Da Coragem
porque a este respeito - e creio que digo bem -
nenhuma garantia de leitura grátis
se oferece ao viandante
Por outro lado, se eu tivesse um nome
um nome que me fosse realmente o meu nome
isso provocaria
calamidades
terríveis
como um tremor de terra
dentro da pele das coisas
dos astros
das coisas
das fezes
das coisas
II
Haverá uma idade para nomes que não estes
haverá uma idade para nomes
puros
nomes que magnetizem
constelações
puras
que façam irromper nos nervos e nos ossos
dos amantes
inexplicáveis construções radiosas
prontas a circular entre a fuligem
de duas bocas
puras
Ah não será o esperma torrencial diuturno
nem a loucura dos sábios nem a razão de ninguém
Não será mesmo quem sabe ó único mestre vivo
o fim da pavorosa dança dos corpos
onde pontificaste de martelo na mão
Mas haverá uma idade em que serão esquecidos por completo
os grandes nomes opacos que hoje damos às coisas
Haverá
um acordar
"Pena Capital", Mário Cesariny
(Mário Cesariny de Vasconcelos nasceu no dia 9 de Agosto de 1923. Morreu em 2006.)
Etiquetas:
A Antonin Artaud,
cultura,
literatura,
livros,
Mário Cesariny,
Pena Capital,
poesia,
poetas,
série Escritores,
surrealismo português
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
E Rui Machete safa-se?
Joaquim Pais Jorge deixou o emprego de secretário de Estado. Esteve lá um mês. Se se demitiu ou na verdade foi demitido, não interessa para esta história que é, desde o princípio, um chorrilho de mentiras. Mas o breve homem do Tesouro saiu a disparar em todas as direcções e com grande estardalhaço. É o último serviço que presta à ministra que o acoitou. E lealdade eu aprecio. Com tanta metralha pelo ar, e de cabeça enfiada na areia (que nos atiram), talvez esqueçamos enfim os malabarismos semânticos e swapicos de Maria Luís Albuquerque, essa perita em passa-culpas. Exactamente. A senhora é um eucalipto: seca e liquida tudo à sua volta, exuberando à pala da desgraça que semeia.
Por outro lado: e Rui Machete, o das habilidades com o BPN, também se safa, no meio da confusão? Era essa a ideia?
É Verão. Isto não está nada mal jogado, é preciso que se note. Mas política devia ser outra coisa. E Portugal devia ser um país.
Por outro lado: e Rui Machete, o das habilidades com o BPN, também se safa, no meio da confusão? Era essa a ideia?
É Verão. Isto não está nada mal jogado, é preciso que se note. Mas política devia ser outra coisa. E Portugal devia ser um país.
terça-feira, 6 de agosto de 2013
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
domingo, 4 de agosto de 2013
Festas do Concelho de Paredes de Coura 2013
No próximo fim-de-semana, dias 9, 10 e 11 de Agosto. E o que eu gosto deste cartaz! Ver programa aqui.
sábado, 3 de agosto de 2013
sexta-feira, 2 de agosto de 2013
No Porto não se dorme, passa-se pelas brasas
Foto Hernâni Von Doellinger |
Mas vamos supor que Jackson Martínez se ia mesmo embora - cenário absolutamente plausível, tendo em conta as repetidas e escusadas juras de amor do avançado colombiano ao FC Porto. Vamos supor. Cuidam que Pinto da Costa é apanhado de calças na mão? Aí é que estão redondamente enganados. Nesta casa não há surpresas, tudo é tratado em antecipação, até a substituição dos "insubstituíveis". Jackson vai? Deixá-lo ir. Ou acham que foi por acaso que acabámos de contratar um guarda-redes goleador?
quinta-feira, 1 de agosto de 2013
"Um olhar sobre a Afurada", por Gaspar de Jesus
Foto GASPAR DE JESUS |
A exposição "Um olhar sobre a Afurada", do fotojornalista e artista fotógrafo Gaspar de Jesus, inaugura amanhã, sábado, pelas 16 horas, no Centro Interpretativo do Património da Afurada, Vila Nova de Gaia. Manter-se-á aberta até 31 de Novembro, todos os dias, das 10 às 12h30 e das 13h30 às 18 horas.
Etiquetas:
Afurada,
arte,
Arte Fotográfica,
Centro Interpretativo do Património da Afurada,
cultura,
exposição,
fotografia,
fotojornalismo,
Gaia,
Gaspar de Jesus,
mar,
pesca,
pescadores,
Um olhar sobre a Afurada
Subscrever:
Mensagens (Atom)