quarta-feira, 30 de novembro de 2022
Como quem entra no céu
P.S. - Hoje é Dia das Livrarias, que há quem diga Dia da Livraria e do Livreiro.
Assis Pacheco, vejo-o por aí
Que sortudo que eu sou. Acabei de me encontrar, agora mesmo na RTP2, com o Fernando Assis Pacheco, com o Paco Feixó e com outros velhos amigos do lado de cá do Minho que eu tanto estimo e já não via há que tempos e não me conhecem de lado nenhum. Gajos porreiros. Gajos porreiros, caralho! Para além de me matarem as saudades que tinha deles, tornaram-me à minha querida Galiza. Não é preciso ter sorte?
Infelizmente aquilo foi há doze anos. Tornei a ver o Fernando aqui atrasado outra vez na RTP2, que é o nosso sítio de encontro, sítio único, encontros raros, mas ao Paco nunca mais. À Galiza, vou lá um destes dias, se Deus quiser, e vou beber um copo pelos dois.
P.S. - Fernando Assis Pacheco morreu no dia 30 de Novembro de 1995.
Pessoa colectiva
segunda-feira, 28 de novembro de 2022
Eu vi um ovni, e vi-o claramente visto
Foto Hernâni Von Doellinger |
Uma vez eu vi um disco voador. Vi, fotografei e publiquei - porque estas coisas são como as partes baixas, não se dizem, mostram-se! Lembro-me como se fosse no dia 14 de Janeiro de 2013. Apresentei no Tarrenego!, em exclusivo mundial, o retrato indesmentível de um opni pairando sobre o mar do Porto, do lado direito do Castelo do Queijo, com o Parque da Cidade pelas costas. Ninguém quis saber.
Já o meu opni passou incógnito. Não era Cascais, era no Porto, resvés com Matosinhos, e por isso ninguém ligou. Nem as agências internacionais nem o Correio da Manhã: não metia Pinto da Costa nem suicídios semelhantes, portanto não interessava para nada. E assim desperdiçamos o pouco que vamos tendo, até o que nos cai do céu, e é por estas e por outras que este país não vai para a frente.
É o que eu estou farto de dizer: dá Deus ovnis a quem não tem dentes.
P.S. - Hoje é Dia do Planeta Vermelho, por isso ponham-se à tabela. A fotografia lá de cima é fidedigna e eloquente: reparem que o mar até descai para a direita (há quem lhe chame lado da retrete), o que acontece normalmente com bilhares mal calçados e no decurso de avistamentos comprovados.
Havendo vida em Marte
Havendo vida em Marte suponho que haja mídia. Césio, tédio, prédio, sexo… pouco senso, pesticida.
Havendo vida em Marte suponho que haja brigas.
Havendo vida em Marte suponho que haja morte. Dor, enfarte à la carte… internet, fone, sorte.
Havendo vida em Marte suponho que haja corte. Belas-artes, vôo charter, Robocop fraco forte.
Havendo vida em Marte suponho que haja morte.
Itamar Assumpção, "Cadernos Inéditos"
Os portugueses, as notícias e o Facebook
domingo, 27 de novembro de 2022
Nenucos, praticamente...
Foto Hernâni Von Doellinger |
Aos domingos de manhã eles lá estão. Jogam à bola porque gostam, são amigos e compinchas, para além disso dá-lhes imenso jeito ganhar apetite para o almoço, Deus os farture e lhes mantenha a figura. Jogam a sério, com árbitro, capitães de equipa, minuto de silêncio, massagista, minis frescas e tudo. Há os da praia seca e lá ao fundo, no beijo das ondas, os da praia molhada. A paixão pelo futebol é a mesma, tremenda e pura. São amadores como quer dizer a palavra. Eles são o meu Mundial e jogam futebol na praia - não confundir com futebol de praia. Na Praia de Matosinhos, fora da época balnear, e ali nasceram heróis.
Dos "bebés do Leixões", já ouviram falar? Dessa ínclita geração de jovens génios da bola, conta a lenda que descobertos exactamente ali naquele areal, miúdos campeões do muda-aos-cinco-e-acaba-aos dez, pelo primeiro e mais competente olheiro do mundo e de todos os tempos, mestre Óscar Marques, que depois os entregava trabalhadinhos e já no ponto ao treinador António Teixeira? Anos sessenta-setenta do século passado: Adriano, Barros, Chico (Faria), Fonseca, Horácio, Neca, Nicolau (Vaqueiro), Praia - jogadores do melhor que Portugal teve ou alguma vez terá. E a seguir vieram os Albertinos, os Frascos e outros que tais. Estão a ver?
Pois os das manhãs dos meus domingos não são nada disso e tampouco lhes sei os nomes. Afinfam-lhe com assinalável pertinácia quando acertam na bola, há que dizê-lo com toda a frontalidade, mas vê-se logo que não passaram ao lado de uma grande carreira. Os outros, baptizados pelo famoso jornalista Alfredo Farinha, eram os "bebés do Leixões" e quando cresceram saltaram para o Benfica, para o Sporting e para o Porto (assim ordenados naquele tempo, a bem da Nação). Estes, os meus, notoriamente não são bebés, não sei de onde vêm nem para onde vão - mas juro que também são uma coisa bonita de se ver. E são nenucos, praticamente...
sábado, 26 de novembro de 2022
Mortinho por fazer figura
A caixa do correio mete-me medo. Não tanto pelas contas da luz, da água ou do condomínio (embora, rústico que continuo a ser, pagar condomínio ainda me faça uma certa confusão), mas mais pelos avisos das Finanças e do Tribunal. Ainda por cima é uma galdéria, a minha caixa do correio, escarrapacha-se a todos, até aos da pior espécie: aos que perguntam pelo meu ouro e eu não os conheço de lado nenhum, aos que me pedem o meu voto e não me conhecem de lado nenhum, aos que querem comprar a minha casa que eu não quero vender, para já, aos que me querem vender uma casa que eu não quero comprar, para já, aos que querem querem querem que eu troque de Deus, e agora até aos que me querem vender a minha morte como se soubessem alguma coisa da minha vida que eu não sei.
Vamos lá com calma. Eu sei que ninguém fica cá para a semente e que se alguém ficar sou eu (mas não é isto que aqui interessa). Sei que fatalmente já por cá andei mais tempo do que ainda vou andar. Mas, com franqueza, a vida é tão boa e dá-me tantas consumições, que tenho mais que fazer do que pensar na morte, do que organizar a minha morte. Quando eu morrer (se morrer), logo se verá. Eu é que já não verei, e não me faz diferença nenhuma. Essa é a herança que deixo de bom grado a quem me sobreviver. Se alguém houver.
Por outro lado: a ofensiva cangalheira aguçou a minha curiosidade. Esse é o truque do marketing, mesmo do marketing de trazer por casa. Porta a porta. Admito que estou a pensar pedir um orçamento para a minha morte. Seduziu-me aquela coisa da "Medalha Impressão Digital", que não sei o que é mas deve ser muito bom para o morto. E também quero que me expliquem muito bem explicadinho o "Contrato de Funeral em Vida". Isso é legal? E é saudável? Funeral em vida? Dasse!...
Susto de morte
O testamento
O retrato do falecido
sexta-feira, 25 de novembro de 2022
Deixe estar, que está quentinho
Berardo não está só
Hoje é Dia Nacional do Empresário. O empresário nacional, essa espécie. Gente de aparecer e meninos para o preciso. E são mais que as mães. É. Joe Berardo não está só. Porque, quem diz Berardo, diz Oliveira e Costa, Ricardo Salgado, João Rendeiro, Dias Loureiro, Duarte Lima, Miguel Relvas, Horta e Costa, Jardim Gonçalves, Luís Filipe Vieira, Pinto de Costa, José Sócrates, Armando Vara, Manuel Pinho e assim sucessivamente.
Batem leve, levemente
Eu também sou contra o governo, por uma questão de princípio. Mas, palavra de honra, esperava dos alegados entendidos uma conclusão sensata e minimamente articulada sobre o assunto - e esta não é. O que a doutora Deolinda disse é o fácil, está à mão e é de esquerda, podia até ser dito por mim, esquerdista às vezes e incorrigível cultor do lugar-comum a tempo inteiro. Infelizmente, a questão da violência doméstica, sobre adultos ou menores, tem muito mais que se lhe diga. A crise não explica tudo. E não desculpa tudo. Falamos de filhosdaputa e isso é apenas o princípio da conversa...
P.S. - Hoje é Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres.
A murro
Chamem a polícia!
Ó mãezinha!
quinta-feira, 24 de novembro de 2022
A televisão do Mundial
O futebol, cientificamente provado
E o último terço do terreno, ele próprio? O último terço do terreno será apenas o terço que o defunto leva nas mãos para a cova, como levianamente preconizam alguns infiéis? Não creio. De acordo com renomados autores, o último terço do terreno é o primeiro terço do terreno. Mas a comunidade científica ainda não chegou a um consenso. Tendo em atenção que o último (ou primeiro) terço do terreno é aquele espaço que vai desde a linha de fundo ou de baliza até à linha imaginária que fica equidistante da linha de grande área e da linha de meio campo, eu sustento, e creio que o consigo provar sem deixar margens para dúvidas, que o terço do terreno dá para os dois lados, como certas e determinadas pessoas, consoante se ataca ou se defende. Advirto, no entanto, que esta é uma opinião meramente pessoal, que não vincula o Tarrenego!, ainda sem posição oficial sobre o assunto. É o meu modesto contributo para um debate que não deve ficar entre linhas.
Foi mais um momento de inteligência e reflexão futebolística. De cultura científica. No próximo programa vamos debruçar-nos sobre a intrigante problemática da transição rápida. Para tentarmos perceber, nomeadamente, a partir de que momento uma transição deixa de ser rápida e passa a ser assim-assim. E tentaremos responder à questão medular: os processos defensivo, ofensivo e de transição também são julgados em tribunal?
P.S. - Hoje é Dia Mundial da Ciência e Dia Nacional na Cultura Científica.
Espanto gastrointestinal
A ciência (e o jornalismo) em todo o seu rigor
A ciência
Ovos de galo
O orador
- Orador.
- Faz discursos?
- Rezo pai-nossos.
P.S. - Hoje é Dia de Acção de Graças.
quarta-feira, 23 de novembro de 2022
Branca de Neve e a floresta autóctone
Capuchinho Vermelho ia levar o merendeiro à Avozinha, mas apareceu-lhe o Lobo Mau que a queria comer a ela, Capuchinho. E a casa da Avozinha era no meio da floresta.
Se alguém souber dizer onde eram as casas dos Três Porquinhos, não me admiraria que fossem na floresta. E, já agora, "porquinhos" porquê? E a floresta era autóctone?...
Stultorum infinitus est numerus
Declinando
terça-feira, 22 de novembro de 2022
Atraso de vida
P.S. - Hoje é Dia de Dar Uma Volta.
segunda-feira, 21 de novembro de 2022
E se o olá for outra vez um beijo?
Dizemos "Beijinhos", dizemos "Abraço", dizemos olá de boca, e assim ficamos. Pelas palavras. Beijos e abraços são só vocábulos. Mantemos uma distância alegadamente higiénica entre nós, os alegados amigos uns dos outros. Dizemos. Ao telefone, por escrito, ao vivo na pressa da rua, na patetice dos emojis. Dar a sério (à séria, se lido em Lisboa) é que não. Ninguém dá nada a ninguém - nem sequer beijos, nem sequer abraços. Fazemos votos de. "O que lhe estimo é um beijo", "Desejo-lhe um excelente abraço"...
É. Olhem bem à volta: as palavras estão em alta, navegam de vento em popa. As palavras. O que verdadeiramente está em crise é a palavra, a palavra singular e definitiva, essa vaga memória de uma honra démodée que se arrasta pelas ruas da amargura - abandonada, pobre, cega e nua. Mas isto, claro, sou eu a dizer e são apenas... palavras, palavras, palavras.
O céu pode esperar, mas a mesa não
Os ponteiros do relógio andaram um quarto de hora, mas a televisão não: a missa continuava no mesmo sítio. Era a comunhão e a fila de comungantes não havia maneira de chegar ao fim. A minha sogra agitava-se, os impasses incomodam-na sobremaneira, especialmente se atrasarem o tacho. Levantou-se então do trono, com aqueles ruídos que fazem parte, e ordenou a todos os seus súbditos, que sou apenas eu, miseravelmente eu: - Vamos mas é comer, que isto é povo sem jeito para a sagrada comunhão!...
domingo, 20 de novembro de 2022
Brincando com o trabalho infantil
O trabalho infantil é muito bem, um orgulho, principalmente se a criança entrar numa telenovela ou se for modelo de moda ou se for imitador de cantores adultos e der na televisão (esta parte da televisão é importantíssima!), enriquecendo os pais remediados.
Depois há ainda as crianças, estas são do piorio, que, órfãs de tudo e até de tecto, fazem sapatilhas de marca para as entrevistadoras e para os entrevistadores da televisão que entrevistam as crianças que entram nas telenovelas e nas passarelas e nas cantigas e para os babados pais, que no fim pedem recibo.
Parece que a diferença está nisto, segundo percebi uma vez no programa Sociedade Recreativa da RTP: os miúdos das telenovelas e da moda e do cançonetismo têm "agente"; os moncosos do campo, das fábricas, da rua, não.
É difícil ser criança
Hoje é Dia Internacional dos Direitos das Crianças. Compreendo a necessidade. Porque. Com tanto cão e gato, realmente é cada vez mais difícil ser criança.
sábado, 19 de novembro de 2022
É de homem
O homem-tocha mudou de residência. Chamam-lhe agora homem-mealhada.
O homem-bala
Cabisbaixo e de mala na mão, o homem-bala apresentou-se logo de manhãzinha na rulote da gerência. Deixava o circo. Ia embora para casa. Descobrira durante a noite que era objector de consciência.
O homem-máquina
O homem-máquina gripou. Foi ao centro de saúde. Mandaram-no para a oficina. Evidentemente.
O homem de ferro
O problema do homem de ferro era o sexo. Não ia lá sem lubrificação.
O homem-aranha
O homem-aranha morreu. Vítima de uma teia de interesses, é o que consta.
O homem invisível
O homem de gelo
O calcanhar-de-aquiles do homem de gelo era o Verão. Assim um bocado como o Ferrero Rocher...
O homem-crocodilo
Despedido pela Lacoste, o homem-crocodilo fez-se à vida e foi com a mulher vender nas feiras. Mas bastante contrafeito.
Homem que é homem
Autossuficiente
Homem que é homem não quer nada com mulheres.
Maricas
Ficava-lhe mal como homem. Só andava com mulheres.
Mãos de fada
Homem que é homem não joga à malha. Faz.
Mãos de fada 2
Homem que é homem não compra camisola de lã com decote em bico e revesil inglês. Faz ele mesmo.
Caçador
Homem que é homem não teme leão. Os ratos é que podem ser problema.
Coçador
Homem que é homem coça os tomates. E cheira os dedos
Peitudo
Homem que é homem faz peito. E amamenta.
Liberado
Homem que é homem gosta de mamas grandes. Mas não usa sutiã.
Valente
Homem que é homem não chora. Mas mama.
Ó môr, môr!
Homem que é homem chama Patusco ao gato e Piloto ao cão. Nada de nomes abichanados! E, sim, à mulher pode chamar môr.
sexta-feira, 18 de novembro de 2022
Costa a Costa 2
Quanto à disputa entre o ex-governador do Banco de Portugal e o primeiro-ministro, evidentemente um deles está a mentir. E eu acho que é o Costa.
Abençoada pastelaria
E assim sucessivamente
P.S. - A Lotaria Nacional foi criada pela Misericórdia de Lisboa no dia 18 de Novembro de 1783. Doze por cento dos lucros revertiam a favor dos Hospitais Reais dos Enfermos e dos Expostos.
quinta-feira, 17 de novembro de 2022
Costa a Costa
Estudantes de todos os países...
Hoje é Dia Internacional dos Estudantes. Internacional! E eu grito: - Estudantes de todos os países, uni-vos! Com cola! Com cola...
A vida tal como ela é
O filósofo
Ele ensinava: o pior da morte é que a vida deixa de fazer sentido.
P.S. - Hoje é Dia Mundial da Filosofia.
quarta-feira, 16 de novembro de 2022
Povo que lavas no rio (ou talvez na poça do Santo)
(Consegui captar a sua atenção? Pronto, vamos então falar de tanques. Dos tanques públicos e lavadouros oficiosos de Fafe, pelo menos daqueles que eu conheci e de que ainda me lembro. Havia os muito concorridos tanques da Rua de Baixo, servindo também a Granja, ali nas imediações da Esquiça e da Sacor. Para roupas de maior porte, havia os tanques do Matadouro, nos limites da Rua do Maia com a Ponte do Ranha, aproveitando a água e mesmo ao lado do "rio" onde eram lavadas as vísceras e espancadas as tripas e a sola dos animais abatidos, e era um cheiro a sangue e merda que só visto. Um pouco acima, nem meio quilómetro, creio que na mesma ribeira, havia a poça-tanque da Ponte de Pardelhas. No outro extremo da vila antiga, havia os tanquinhos do Bairro da Fábrica de Ferro, que na verdade tinha tudo. Havia o tanque de Santo Ovídio, de que eu soube apenas de passagem. Tornando ao centro, havia a poça do Santo, do Santo Velho, logo a seguir ao casarão brasonado e à capela e antes dos campos de milho onde hoje medram as traseiras da Escola Secundária. E não quero acreditar que zonas tão povoadas como o Retiro, a Cumieira ou a Recta não dispusessem também dos seus tanques ou lavadouros, mas não os sei. Não me lembro deles, pelo menos neste momento, e isto não é uma investigação, levantamento ou trabalho etnoarqueológico, antes pelo contrário.
A minha mãe frequentava diariamente a poça do Santo, ali à mão de semear, e deslocava-se amiúde ao Matadouro, "ao rio", carregada da cabeça aos pés, para as grandes barrelas sazonais. Éramos pelo menos cinco em casa, mãe e quatro filhos, às vezes também a Mila, às vezes também os meus avós, tios e primos e outros parentes de Basto, só a roupa de nós todos já era uma sacada, um fardo. Ainda por cima, a minha mãe tinha a mania de oferecer-se para lavar "umas pecinhas" de alguma vizinha mais velhinha, adoentada ou recém-regressada da maternidade. E houve mesmo uma altura em que, por necessidade, a minha mãe lavou oficialmente para fora, para uma ou duas famílias "ricas", mas nem por isso largou de mão a vizinhança mais aflita.
Era duro. Eu ia com a minha mãe e bem via. Era mesmo muito duro! Tão duro que eu, preguiçoso por idade e por feitio, fazia tudo para "ajudar". Mas não me deixavam. Nem a minha mãe nem as outras lavadeiras, sobretudo estas. Diziam-me, entre cantigas e caralhadas, que os meninos do sexo masculino não podiam lavar roupa. Se os meninos do sexo masculino lavassem roupa - dizia o mulherio -, quando fossem homens não lhes crescia a barba, ó terrível maldição!...
A mim, confesso, nem me aquecia nem me arrefecia, aquilo da barba. Eu já estava por tudo. Faltavam dois ou três meses para eu entrar no seminário, e logo que lá chegasse - também me diziam - iriam capar-me sem dó nem piedade! Então olha, perdido por um, perdido por mil...
E pronto. Está a tocar o sinal para o fim do intervalo.)
Então onde é que eu ia? Quer saber o resto? Já sei: ia no ia. Vila do Conde, carrinho de bebé e tudo. Isso mesmo. Ia...
Naquele momento exacto sinto o primeiro e único impulso de heroísmo de toda a minha vida, voo para o carrinho a pensar na CMTV, na TVI, na CNN, no YouTube, em Marcelo Rebelo de Sousa, na medalha do 10 de Junho, na reforma vitalícia (pensa-se em muita merda numa fracção de segundos), rezo a Nosso Senhor e a Nossa Senhora e a Santiago de Compostela, meu padrinho e protector, falta-me o ar de repente, é o coração que me entope cobardemente a garganta, as pernas tremem-me como varas verdes mas desta vez não falham, voo para o carrinho e agarro-o já no milagroso resvés com um Toyota Yaris que passa nas horas e me enche de nomes, mas é o menos. Graças a Deus. Respiro. A mãe grita, de mãos espetadas na cabeça desgrenhada, Ai o carrinho!, e o pai berra Olha o carrinho!, e dá mais uma puxa no paivante.
O carrinho?, interpelo eu e repito, mais fodido do que outra coisa, O carrinho? E a criança, caralho?, A criança?, as palavras saem-me aos soluços e eu preciso de uma cadeira para morrer ali sentado. Mas qual criança?, dizem-me os dois, com caras combinadas de quem me manda à merda com a senha número um e portanto sem direito a cadeira, Qual criança?, e riem-se afinadíssimos da minha agonia. Tinham praticamente razão: olhei para o carrinho que mantinha nas minhas mãos cerradas e aflitas, o bebé eram quatro passadeiras lavadas, enroladas e ainda pingantes - as quatro filhas da puta pelas quais eu só não faleci prematuramente porque sou um gajo cheio de sorte.
Nota final. A famosa cena do carrinho de bebé descendo a escadaria, com a criança dentro, no meio do tiroteio, em "Os Intocáveis", de 1987, já tinha sido vista em "O Couraçado Potemkine", de 1925, obra maior de Sergei Eisenstein.
terça-feira, 15 de novembro de 2022
Muito obrigado, Senhor Conceição!
Foto Hernâni Von Doellinger |
segunda-feira, 14 de novembro de 2022
Transfronteiriço e com luzinhas
Vendo. Vendo centros de exposições transfronteiriços, com ou sem fronteira, com ou sem luzinhas. Versão com sirene de marcha-atrás, só por encomenda. Negócio de ocasião, financiamento garantido. Pagamento à vista, entrega a ver. Disponível em verde, castanho, azul e vermelho. Produto anunciado na TV. Limitado ao stock existente.
Os Antigos
Os Antigos achavam que melhor que um Salazar só dois Salazares. Melhor ainda, um Salazar em cada esquina. Entre Salazar e Fátima, é que os Antigos não sabiam bem...
domingo, 13 de novembro de 2022
Lapsus linguae (corrigido e aumentado)
Eu, que só queria ajudar
- O caro jovem fará o favor de me desculpar, não deve ter reparado, mas acontece que tem as calças a caírem-lhe, com licença, pelo cu abaixo. Vêem-se-lhe as cuecas inteiras, são de marca e ficam-llhe muito bem, é verdade. Às tantas, porém, se não lhes deita a mão, as calças arriam-se-lhe até aos artelhos, o caro jovem enrodilha-se nelas e ainda dá um tombo dos antigos, com consequências que lamentavelmente poderão redundar em consideráveis danos físicos e materiais.
O rapaz, talvez 19 anos, ou 12, não sei, olhou-me da cabeça aos pés com assinalável fastio, viu-me o cabelo branco, pouco e desorganizado, a barba grisalha de mês e meio, a mochila desengonçada às costas de uma T-shirt que há muito, muito tempo foi azul, as calças de fato-treino de cor incerta e largas como as dos palhaços, as sapatilhas brancas, a esquerda furada na biqueira (eram do meu filho), tentou adivinhar-me a idade e deve ter acertado em cheio, lançou o cigarro ao chão, o escarro seguiu o mesmo caminho, e respondeu-me um cagasésimo de segundo antes de me virar costas:
- Vai-te foder, ó velho do caralho...
Francamente, o que é que o rapaz pretenderia dizer com aquilo? Eu, que só quero ajudar...
Moral da história: chama-se a atenção quando se pretende despertar interesse ou curiosidade, quando se quer dar nas vistas; chama-se à atenção quando se deseja fazer uma crítica ou algum reparo. É. Os acentos fazem uma certa e determinada diferença.
sábado, 12 de novembro de 2022
Olho por olho
Leve cinco e pague seis
A geração H
Grandes, pequenas e remediadas superfícies
"Dá-me para seis refeições", diz o homem para a fila que tinha atrás, tentando justificar a fortuna que ali larga. Um cliente ainda mais velho aproveita a deixa. Tem para aí 70 anos e diz:
- Se me permite um conselho, e já que bebe tão pouco, então nunca compre garrafas de menos de três euros. Abaixo disso, é vinho feito a martelo...
- Olhe, até calha bem: gosto muito de artesanato... - responde-lhe o do cabelo pintado.
sexta-feira, 11 de novembro de 2022
quinta-feira, 10 de novembro de 2022
Mário Viegas, sempre!
quarta-feira, 9 de novembro de 2022
terça-feira, 8 de novembro de 2022
O roxis
Isto é urbanismo!
segunda-feira, 7 de novembro de 2022
Descendo ao topo da hora
Na rádio, o "topo da hora" é o sítio onde estão colocados os noticiários. Os noticiários alargados, entenda-se, porque também há as edições apertadinhas, às meias. Doses. "Notícias no topo da hora", costumam dizer-nos os locutores ou jornalistas, remetendo-nos, por exemplo, para as 11 horas, para o noticiário das 11 horas. E aqui é que bate o ponto. Porque (sigam o meu raciocínio, por favor), se o noticiário das 11 horas for no "topo da hora", ele deverá ir para o ar às 11h59m59s, porque aí é que é o topo da hora 11. Isto é: para estarem no "topo da hora", as notícias das 11 só são ao meio-dia; porque, na verdade, as 11 são o topo da hora, mas das 10, da hora 10. O que quer dizer que temos andado estes anos todos com os noticiários trocados.
Que não restem dúvidas: topo, neste contexto, quer dizer a parte mais elevada, o cume. E o cume de uma hora é o último segundo antes de ela entrar na hora seguinte. É certo que topo também pode significar extremidade, mas, se forem por aí, recomenda-se aos senhores locutores, jornalistas e radialistas em geral que apontem sempre as notícias para o topo de baixo.
Aproveite para namorar...
O rádio
domingo, 6 de novembro de 2022
Rafa, tira, deixa, põe
sábado, 5 de novembro de 2022
Lourenço da Arrábida
O bom do Lourenço primeiro ia aos arames, afinava. Cego pelos nervos, num repente rapava da adaga e desatava a gritar "mouros!" e a matar a torto e a direito felizmente só da boca para fora. Quantas tragédias foram assim prometidas e adiadas, para enorme desconsolo da CMTV e assinalável prejuízo da indústria funerária da região. Mas com o tempo o nosso herói assentou, ganhou calo no cu, como se diz. Agora se o azucrinam com as tretas do costume, encolhe os ombros largos de desdém, pigarreia uma e outra vez, sacode duas valentes chibatadas no camelo de estimação e desaparece dali a galope, ondulando o manto branco por entre hordas descontroladas de turistas e outros infiéis que descem e sobem aos encontrões a completamente escangalhada Rua Mouzinho da Silveira.
A imodéstia de Deus
sexta-feira, 4 de novembro de 2022
O Antunes é só isto?...
Um transeunte mais dado aproximou-se, fez uma festinha ao canídeo e perguntou ao dono:
(O dono tinha a resposta na ponta da língua, quantas e quantas vezes isto já lhe tinha acontecido. "Ora portanto, o cão é de raça chihuahua e assim tão diminutos só talvez os da raça pequeno cão russo. Chama-se chihuahua porque, como o próprio nome indica, esta raça teve origem no estado mexicano de Chihuahua, cá está, embora haja quem diga que os viu já no Egipto do tempo dos faraós, ou em Cuba, no tempo de não sei quem, mas muito antes do Fidel certamente. Os chihuahuas são considerados cães de luxo, de colo, e, de tão franzinos, sofrem dos ossos. Pesam entre quilo e meio e dois quilos e setecentos e medem, geralmente, entre quinze e vinte e três centímetros, o que faz lembrar outras malandrices, não sei se me estou a fazer entender. São cães amáveis, afectuosos e possessivos. São excelentes companheiros. Este chama-se Antunes.")
Mas íamos aqui: um transeunte mais dado aproximou-se, fez uma festinha ao canídeo e perguntou ao dono:
- E o resto?
- O resto? - assarapantou-se o dono, perante uma questão assim tão extraordinariamente fora da ordem do dia.- Que resto?...
- O resto do cão, que é dele?...
P.S. - No dia 4 de Novembro de 1922 foi descoberta, no Egipto, a entrada para o túmulo do faraó Tutankhamon. A múmia de Tutankhamon foi retirada do túmulo, em Luxor, 85 anos depois, exactamente no dia 4 de Novembro de 2007, revelando o seu rosto pela primeira vez. E assim começaram as sagas de maldições, zombies e mortos-vivos...
Celebremos, pois, o manguito do Bordalo
E antes que me esqueça: por exemplo, o jogo do pau. Porque não? Ou o berlinde, a carica, o pião, o espeto, a macaca, o moche, o tene, a cabra-cega, o arranca-cebolas, o mamã-dá-licença, o esconde-esconde. Ou o jogo da malha. Ou o jogo da bisca. Ou o jogo Benfica-CUF de 22 de Março de 1959. Porque não?
Por exemplo, as Janeiras, os Reis, as novenas, o terço e a bênção do Santíssimo. Porque não? As marchas de Lisboa e as rusgas do Porto e o Pai das Orelheiras e o carnaval de Ovar e as "Velhas" da Terceira e as adufeiras de Monsanto e a Justiça de Fafe e os zés-pereiras e os cabeçudos e os gigantones. Ou a cantiga no duche, ou a lengalenga do avô, ou a arenga de bêbado, ou o apita-o-comboio, ou o atirei-o-pau-ao-gato, ou o areias-era-um-camelo. Ou o canto pimba, ou o canto neiro. Porque não?
Por exemplo, os ranchos folclóricos, os conjuntos típicos, a Maria Albertina e o António Mafra, os grupos excursionistas, os motoclubes e as motosserras. Ou as bandas de música. Porque não? Ou os bandos de malfeitores. Ou os submarinos e os bancos, os salgados e os doces, da alheira de Mirandela ao pastel de Belém. Porque não?
Por exemplo, o manguito do Bordalo. Ou o caralho das Caldas. Porque não?
Por exemplo, o assobio. Porque não?
É património até dar com um pau. É património sem mãos a medir. Com assinalável pertinácia, Portugal mete os dedos à boca e vomita património imaterial da humanidade por todos os lados. Um destes dias, sem darmos fé, estamos todos condecorados. Da cabeça aos pés.
P.S. - A Unesco, agência das Nações Unidas para a educação, ciência e cultura, foi constituída no dia 4 de Novembro de 1946.
quinta-feira, 3 de novembro de 2022
Branca e radiante
O homem-sanduíche
quarta-feira, 2 de novembro de 2022
Os fiéis defuntos
Com o devido respeito, os fiéis defuntos não se armam em mortos-vivos. E isso é um descanso.