Fernando Pessoa inventou e patenteou o aerograma. Exactamente esse
Fernando Pessoa, o da "Mensagem" e dos heterónimos - se não sabiam,
ficam a saber. O aerograma era uma carta
sem envelope e andava de avião. Escrevo era e andava porque não sei se
ainda há
aerogramas. Se há, são fáceis de reconhecer: os aerogramas são cartas
levezinhas
e contorcionistas que se dobram e fecham sobre si mesmas. É procurar nos
circos.
O aerograma foi um enorme sucesso durante a Guerra Colonial. Era o meio
de comunicação preferido entre as famílias cá na então chamada
metrópole e os militares enviados lá para o então chamado Ultramar, para
o campo de batalha do regime. O aerograma matava saudades entre
Portugal e África. Mas também inventava amores, alimentava namoros,
alcovitava casamentos. Contava histórias.
Em Fafe, os aerogramas eram vendidos no palacete do Grémio da Lavoura.
Entrava-se pela porta das traseiras, e está certo, porque a guerra era
uma vergonha. Eu ia comprar aerogramas para a Mila Tripa, que se tornara
madrinha de guerra do soldado Valentim que eu não conhecia. Nem ela. A
Mila trabalhava na Fábrica Alvorada e era como se morasse connosco, era
da família
a bem dizer, uma espécie de tia e irmã mais velha, mulher
extraordinária que o tempo me obrigou a admirar e respeitar cada vez
mais.
Os aerogramas eram oficialmente grátis e já não me lembro
quanto é que custavam. Que se segue? Aerograma para lá, aerograma para
cá, fotografia para cá, fotografia para lá, e poupando nos pormenores, a
Mila e o Valentim passaram naturalmente a namorados e noivaram por
correspondência. O soldado Valentim deixou as pernas na guerra, mas
voltou homem inteiro e bom. Ele e a Mila casaram. E foi um final feliz.
Noutros casos, não. Às vezes os aerogramas não vinham. Chegava um
telegrama e a seguir um caixão. Vi disso em Fafe naqueles anos
cinzentos. Apesar da meninice, vivi-o e senti-o profundamente. Vezes demais. Trinta e sete militares fafenses morreram na Guerra do Ultramar. O
funeral do Zeca Lopes - que era dos nossos, da nossa rua - marcou-me
para toda a vida. Creio que há coisa de trinta anos escrevi para a rádio nacional uma
crónica a pretexto deste episódio que me persegue, mas não sei dela. E assim não me resolvo.
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