sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Cândido Motta Filho

O meu avô Fernando possuía sete relógios de pêndulo. No escritório, um; na saleta de entrada, dois; dois na sala de jantar; dois na copa. A casa era silenciosa, onde nunca se falava alto. Só os relógios, tique-taque, tique-taque. Marcando as horas com pequenas diferenças, badalavam, compassados, as horas e quartos de hora.
Meu avô era um velho educador. Seu colégio, na cidade de Nossa Senhora do Amparo, granjeara fama e por ele passaram alunos que se tornaram famosos, na política e nas profissões liberais.
Depois, por motivos que desconheço, ele se transferiu para São Paulo. Íamos então receber suas bênçãos num prédio que alugara no Largo do Arouche, com cinco janelas para o largo e um alto portão de entrada ao lado, prédio que se conserva até hoje, ao lado da Academia Paulista de Letras. Vivia com duas filhas, ambas viúvas. A mais velha, tia Cocota, que perdeu o marido, tio Cizínio, num enfarte fulminante; a mais nova, tia Nenê, perdeu o marido num desastre da Estrada de Ferro Inglesa. Ambas deixaram filhos pequenos e travessos, que foram domados, para não fazerem algazarra, numa casa que continuava a ter a fisionomia de colégio.
Meu avô dava aulas de latim, português e rudimentos de história. Além disso, recebia, como hóspedes, estudantes que vinham do interior do Estado.
As duas filhas, traumatizadas, eram mais espectadoras que auxiliares de meu avô. Ele era, afinal, quem superintendia a casa, olhando desde a sala de visitas até os problemas de limpeza. Era também viúvo. A mulher falecera quando ele tinha apenas trinta anos e ela não tinha passado da casa dos vinte.

"Dias Lidos e Vividos", Cândido Motta Filho

(Cândido Motta Filho nasceu no dia 16 de Setembro de 1897. Morreu em 1977.)

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