quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Herberto Sales 5

De novo o silêncio recai. Agora só se ouve o ruído do frincheiro tirando cascalho: é como algo que estivesse arranhando o interior de uma sepultura. A terra escura e úmida vai sendo reunida com o auxílio da mão, e, por fim, é colocada dentro do outro saco. Em alguma parte, há um ruído incessante de água pingando. O novo saco é passado a Joaquim, que se encaminha para a boca do lapeiro e o entrega a Neco. Filó continua a esgravatar as frinchas. Já está quase no fim, mas o velho Justino quer que a piçarra fique totalmente limpa, pois onde há qualquer restinho de cascalho há a probabilidade de se achar o diamante - não se deve facilitar. Vai-se mais um saco, e volta-se a ouvir o ruído do frincheiro - insistente e enervante arranhar. Joaquim pensa que, se a gruna fosse mais espaçosa, não era preciso tanto trabalho: lavariam o cascalho ali mesmo. De repente, o bafo de umidade se torna mais acentuado, ao mesmo tempo que os dois homens escutam o rumor de qualquer coisa que começa a correr. Entreolham-se espantados, e Filó compreende num relance: foi a chuva que desabou lá fora. Tão rápido como o seu pensamento, o fio da minação desliza por entre as pedras e, à luz das candeias, torna-se uma realidade a presença ameaçadora da água.
- Corre, Joaquim! - grita Filó: sabe que, nesse momento, isso é tudo que tem verdadeiramente para fazer.
O outro parece vacilar - não era essa a espécie de morte que imaginara ter. O rumor da água continua a crescer dentro da gruna - fio de água transformando-se em enxurrada. Filó grita de novo:
- Corre, diabo!

"Cascalho", Herberto Sales

(Herberto Sales nasceu no dia 21 de Setembro de 1917. Morreu em 1999.)

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