Muito asseada no seu rancho limpinho, Escolástica às vezes embirrava com a Mimosa, por causa da natural sujeira dos poleiros das caturritas, sempre bosteados por mais que se limpe. Mimosa era como as demais, no seu poleiro de bosta. Embora lhe quisesse bem e gostasse de sua companhia, Escolástica tratava Mimosa como empregada, fazendo-a conhecer o seu lugar. E tanto reclamara da sujeira do poleiro, sempre mencionando a mesma palavra, que a caturrita aprendeu a pronunciá-la, incorporando-a ao seu vocabulário: bosta.
Não havia relógio no rancho. Nem seria necessário. Suas moradoras se orientavam pelo canto do galo madrugador, pelo silvo da charqueada anunciando o início da matança, pelo apito do trem de passageiros, pela posição do sol no firmamento e pelas suas marcas de sombra no chão. Quando precisava tomar o trem, Escolástica trancafiava Mimosa no rancho e se dirigia para a estação assim que ouvia a batida de sino, informando que o “passageiro” havia tirado licença na estação anterior. Chegaria dentro de meia hora. A composição era pequena, fraquejava nos repechos, mas dava conta do recado, puxada com valentia pela "Maria Fumaça", a expelir fuligem e eventuais faíscas.
Quando a charqueada soltava o primeiro apito, em geral ao clarear do dia, Escolástica despertava e não tardaria a dar as primeiras ordens à Mimosa. "Bueno, agora vai esquentar a água e cevar o mate". Dava a ordem, com autoridade, e ela própria começava a desempenhar o encargo que atribuíra a sua "empregada". E assim faria em relação às demais lidas caseiras do dia. Falava com brandura, mas às vezes perdia a paciência, por causa do relaxamento da caturrita. Quanto ao mais, não tinha queixas, era só elogios. E não cansava de dizer aos seus botões: "A Mimosa é trabalhadeira como ela só".
"Quase um conto", Carlos Reverbel
(Carlos Reverbel nasceu no dia 21 de Julho de 1912. Morreu em 1997.)
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