Bandeira rota
Eu chego sempre tarde quando chego;
Esqueço-me de mim, a conversar comigo,
Cavaleiro manchego!
- Que nobres intenções, na hora de sossego;
Que vãs prudências vis, na hora do perigo!
(A noiva que me fora prometida
Vai subir ao altar, por outro acompanhada,
Eu disse-me, demais, ao ouvido: "Toda a vida!"
Foi a pensar em mim que me rasguei na ferida
E fiquei para trás, a tropeçar na espada).
Quando escrevo "aventura" desconheço
Que a palavra tem sangue e carne e alma.
Sei-a moldar, mas só em barro ou gesso;
Doce carícia lírica num verso,
Quando a paisagem se distende, calma.
Mas quando me soluçam "Vem!" e é guerra
E esperam por mim, para um novo dia,
Indago-me: "O que fica além da terra?"
Que enigmas de fé meu sonho encerra,
Mascarando em prudência a covardia!
Pé ante pé, caminho, à espera, alerta,
Que venha ter comigo quem procuro;
Que me traga, em bandeja, uma vitória certa,
Que me enfie, no bolso, a índia descoberta
E eu possa, enfim, seguir, glorioso e seguro.
Por isso chego tarde quando chego;
Esquecido de mim, a conversar comigo.
Cavaleiro de manchego!
- Que nobres intenções, na hora do sossego;
Que vãs prudências vis, na hora do perigo!
António Manuel Couto Viana
(António Manuel Couto Viana nasceu no dia 24 de Janeiro de 1923. Morreu em 2010.)
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