De repente, o mar detém-se. E a ilha defende-se de ser água por detrás dos muros das arribas.
Uma ilha grande, fechada, que durante muito tempo só se abriu para deixar sair gente. A única mensagem de libertação que lhe chegava estava gasta por quase dois mil anos de interpretações acomodadas, salvando os pobres numa redenção de mortos, e garantindo aos ricos a felicidade eterna pelos lugares nos primeiros bancos da igreja e pelas varas do pálio nas procissões anuais. Todo o trigo mirrava com a alforra da avareza, fazendo da fome a padroeira-mor da ilha. Por isso se aceitava a servidão, em nome errado de Deus e pela ordem pobre da pátria, como uma bênção maldita.
João nascera dessa gente que só servia para servir, e crescera neste pedaço de terra, onde o mar suspende um meridiano de água para que a ilha se levante sob um céu de nuvens, fechado no seu cilício de espuma.
"Ilha Grande Fechada", Daniel de Sá
(Daniel de Sá nasceu no dia 2 de Março de 1944. Morreu em 2013.)
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