Já um mês ou mais antes do dia da milagrosa senhora, começa a azáfama da sua festa; as belas e os elegantes perdem o sono, imaginando nos meios de melhor ataviar-se. Que receios, sobressaltos e angústias nesta amável classe de consumidores, e sobretudo na classe embezerrada dos fornecedores, pela só demora de alguns dias na chegada dos navios que trazem no seu bojo os chapéus, as luvas, os vestidos, as quinzenas, as cassas, as sedas, as plumas, as rendas, as fitas, as flores, as pomadas, os cheiros, e todos os mais gêneros enfim que dão vida e saúde às lojas, e entisicam as algibeiras dos fregueses! Como discorrem em todos os sentidos pelas ruas e travessas, como invadem todas as lojas, as pretas, as cafuzas, as mulatas, sobraçando peças, livros de amostras, e caixas e mais caixas de dourado papelão, com que vão incessantes de um lado para outro, sem conseguirem satisfazer o gosto esquisito ou requintado das caprichosas senhoritas, a quem a emulação e a competência tornam mais difíceis e impertinentes! Os sapateiros, alfaiates, costureiras, e modistas não têm mãos a medir; e a urgente e pesada tarefa abrange ordinariamente todo o curso das novenas, e só expira com o último dia da festa. O leitor sisudo e imparcial, mormente o que tem família, terá sem dúvida e por muitas vezes feito sérias reflexões sobre esta deliciosa calamidade, e sobre as suas imediatas conseqüências em relação à economia pública e privada.
"A Festa de Nossa Senhora dos Remédios", João Francisco Lisboa
(João Francisco Lisboa nasceu no dia 22 de Março de 1812. Morreu em 1863.)
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