O meu avô, homem alto e magro, de cara larga, ossuda e um tanto avermelhada, olhos claros e quase sempre tristes, tinha o costume de levantar as sobrancelhas espessas quando dizia alguma coisa importante. Isso fascinava-me e por isso me desgostava ver-lhe, por vezes, as pingas de sopa presas no bigode pendente para cada lado da boca. Não ligava com ele, sempre tão apurado, como cabelo farto, penteado cuidadosamente. "Limpa a boca, avô", dizia eu. "Ora, ora", respondia ele, um bocado embaraçado.
A avó contrastava com a figura esguia e imponente do avô. Baixa, muito baixa mesmo, tinha a cara miúda sulcada de rugas e usava o cabelo branco rigidamente penteado para cima da cabeça, onde o juntava num puxo redondo, apertado. Preferia vestidos escuros, que protegia nas lidas domésticas com um avental cor de cinza.
Eu, a julgar pelas fotografias, não passava duma menina frágil, de cabelo louro, de feições infantilmente lisas. Nada mais descubro que valha a pena destacar.
Vivíamos os três numa pequena casa com uma varanda deitada sobre a rua, coberta com vinha. Ali minha avó passava as tardes de verão a fazer meia ou a costurar. Ao certo não me recordo se costurava, mas suponho que sim, pois não me lembro de costureira alguma que a tivesse substitutído nesse serviço. Mas seja como for: que fazia meia nunca o poderei esquecer.
"O Mundo em que Vivi", Ilse Losa
(Ilse Losa nasceu no dia 20 de Março de 1913. Morreu em 2006.)
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