Na cubata de Catarina, a muturi escolhida, reuniu-se o óbito com a assistência e choros dos demais escravos. Para lá mandava D. Clara garrafas de vinho, de aguardente e iguarias para as viúvas e suas companheiras, pois a alma da cobra recomendara "não faltar nada", e Catarina nenhum preceito olvidava - não fosse ela, do outro mundo, fulminá-la também...
No sétimo dia teve lugar o sangu, que em outro lugar já explicámos, para todos os que fizeram parte do óbito, e no oitavo a "comida da noite": guisados e assados de carnes de porco, carneiro, galinhas, vinhos, licores, doces, etc., que se dá ao espírito da pessoa morta à meia-noite.
Esta cerimónia é a mais delicada nestes casos, em que a alma do morto comparece no local com os seus amigos e parentes. Preparada a ceia, colocam-se, ao ar livre e em lugar não acessível a todos, sobre uma mesa coberta de uma toalha muito branca, com copos, pratos e talheres, as viandas e licores, tudo compatível com a categoria ou grau de educação do falecido ou do que faz a cerimónia, na qual intervém, em geral, uma velha a que chamaríamos "mestra de cerimónias", que dirige, compõe e harmoniza as duas partes; os que já foram e os que ainda cá andam. É uma cobra? Não: é uma alma a sufragar. Aí, tudo, comidas e bebidas, permanece descoberto, como que abandonado, por espaço de meia ou uma hora. Os restos, que se crêem sem nenhum sabor, são, pela pessoa mais velha ou pela encarregada da cerimónia, enterrados, como o fora o corpo do invocado, para que "viva por lá, no outro mundo, em paz e em sossego, e não venha ou tente perturbar os que cá ficaram". E no dia seguinte, de manhã, é mandada celebrar pela muturi uma missa na igreja, ou simples responso, sufragando a alma do defunto, para que entre na eterna bem-aventurança.
"O Segredo da Morta (romance de costumes angolenses)", António de Assis Júnior
(António de Assis Júnior nasceu no dia 13 de Março de 1887. Morreu em 1960.)
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