Chamo-me Fortunato e nasci num dia de Páscoa, sob a mais linda estrela que brilha no céu. Não sei se do nome que me puseram ou se do astro sob cujo influxo vim à luz, sou o homem mais feliz deste mundo.
Censuram-me por isso.
Ora, essa é muito boa!
Não tenho culpa de ser feliz quando os outros não o são.
Dizem-me em ar de reproche: "Tu és uma ironia viva diante das desgraças alheias. A tua alegria constante faz mal aos que sofrem e o teu eterno bom humor irrita a sensibilidade dos tristes. Devias, ao menos por um dia, ensaiar de ser infeliz".
Eu ouvia, calava-me e sorria para mim mesmo, porque os que assim falavam não sabiam que o meu maior desejo era justamente de tomar gosto às infelicidades, que ainda não conhecia. Quisera, de bom grado, experimentar as sensações nunca sofridas, por uma dessas curiosidades que constituem a fibra característica dos psicólogos e analistas.
O que não hei feito para sofrer, para sentir uma dor aguda, que me abale os nervos tão calmos e equilibrados! Mas, esse meu desejo é impossível, tão irrealizável como o de mudar de sexo ou de morrer duas vezes. Há criaturas que só com vê-las di-las-ieis predestinadas para isto ou para aquillo. Eu nasci predestinado para ser feliz e não ha nada, nem esforço próprio nem circunstâncias estranhas à minha vontade, que possa afastar de mim essa fatalidade. E, no entretanto, é tão fácil ser infeliz!
"Espelho de Almas", José de Mesquita
(José de Mesquita nasceu no dia 10 de Março de 1892. Morreu em 1961.)
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