O carro, vindo do Rio Comprido, seguia pela nova e brilhante rua da Carioca, cortada de elétricos rápidos, com a sua alta casaria de aspecto europeu, lojas de montras espelhantes cheias de compradores, grupos remoinhando em certos pontos da calçada larga, junto aos postes de parada dos bondes, um ar de efervescente alegria no azul do céu, na brancura luminosa das fachadas dos prédios, nas vitrinas, nos artigos policromos expostos à venda, nas portas, na multidão formigando apressadamente; em tudo.
Ao pé do mercado das flores, um embaraço qualquer deteve um instante a marcha da vitória, entre a trepidação violenta de todo o gênero de veículos a se cruzarem, e Madalena aspirou, com um frêmito, o aroma vivo das rosas brancas e rubras, dos cravos purpurinos e das angélicas virginais desprendendo o seu hálito de volúpia entre os crisântemos e as dálias sem perfume. Mas já o carro vencia o largo da Carioca, onde desembocava toda uma torrente popular despejada pelas ruas da Uruguaiana e Gonçalves Dias; e, ao reflexo dourado do sol, trazendo nos ouvidos o rumor da vida tumultuosa das ruas e na rotina a visão da graça experta das mulheres que andam às compras, parando em cada montra com um fulgor de apetite no olhar, a saia arregaçada com arte, o pé bem calçado e nervoso - Madalena entrou a rodar sobre o asfalto macio da avenida Beira-Mar, voltando a pensar nessa morta que aguardava na imobilidade suprema o definitivo mergulho na terra fria.
"Lição póstuma", Carmen Dolores
(Carmen Dolores nasceu no dia 11 de Março de 1852. Morreu em 1910.)
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