terça-feira, 12 de setembro de 2017

Aquilino Ribeiro 4

- Arre-diabo, Rosa, arre-diabo! - dizia o Brás. - Saiu-te cara a passagem do homem...!
- Cara!? Só falta tirarem-me as meninas-dos-olhos! - carpia ela. - Foi um doido, Deus o tenha à sua mão direita... Já lá vai a lameira, ainda me é preciso vender...
E vendia o cerrado, onde, ao abrigo do vento galego, papa-feijões, nunca perigaram os agros, e uma nogueirinha temporã dava gradas e reboludas nozes, muito apetecidas das moças que à sua porta vinham cantar as janeiras na alva do Ano Novo.

Quem a vira solteira, benzia-se. Na terra não nascera outra mais amiga de luxar e bater a tamanquinha em bailes e romarias. Pudera, a casa do pai, José Francisco Gaudêncio, era das mais valentes por aquela corda de povos. Salgava quatro a cinco leitões de ceva, trazia três juntas ao jugo, e o seu rebanho, com cortinha própria no meio da Serra, zagais de trabuco e rafeiros de rijas puas no pescoço, aventurando-se aos longes pastos, era o mais medrado e lãzudo. Linhares e chãos não tinham conta, e a lenha das tapadas acamava de velha, nas abas do povo algumas e todas à mão de encarrar, tão grandes que não amanhecia domingo ou dia de guarda que os caçadores por lá não bombeassem, com balsas escusas para o coelho e a galinhola e até madrigueiras de raposo e de texugo. De lá partiam, nas noites velhas de Inverno, os assaltos às capoeiras, a pontos que em casa do Sr. padre António - já lá está - uma vez que se esqueceram de cispar o buraco, não houve bico que escapasse ao dente mofino.

"Terras do Demo", Aquilino Ribeiro 

(Aquilino Ribeiro nasceu no dia 13 de Setembro de 1885. Morreu em 1963.)

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