Nesses meses procurara reviver todas as alegrias e tristezas da vida do campo; recapitulara numa inteligência afetiva e numa compassividade tranqüila todos os mistérios que encantaram ou assustaram seu coração de menino. Em volta da fazenda não ficaram córregos e valados, cachoeiras ou boqueirões, rechãs ou espigões de serra, sem a sua visita amável e melancólica, agora que, se não tinha mais o espanto dos olhos da infância, sentia a saudade das emoções que outrora lhe causaram. Em casa não perdera nenhuma dessa visões singelas e quase rituais da vida sertaneja. A diligência afanada das manhãs, pelas vacas e cabras a ordenhar, o banho frio nos riachos de vale embrumado, o café ou primeiro almoço farto de guloseimas da roça, a partida para a lavoura, a malhada, a caça, ou a feira, as sestas lânguidas e bocejantes dos meios-dias encalmados, a volta fatigada e contente nas tardes suaves e tristes, a ouvir a melancolia do aboio e acompanhar o esmorecimento lento do crepúsculo: tudo ele soubera reviver com volúpia demorada de lembrança e um gozo constante na presença.
"A Esfinge", Afrânio Peixoto
(Afrânio Peixoto nasceu no dia 17 de Dezembro de 1876. Morreu em 1947.)
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