quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A solução é dar ao dedo

Há que tempos que eu não via uma coisa assim: uma mulher, ainda nova, a fazer malha num transporte público. Descontraída, com um sorriso nos lábios e manuseando habilmente o frenético par de agulhas, como num duelo, ia dando forma ao novelo de lã que, aos arranques, se lhe esvaía do colo. Era uma camisola, pareceu-me. E, a cena, um delicioso anacronismo. O metro do Porto é sítio para tudo, já lhes digo, principalmente para tudo o que meta telemóvel, bisnagas e calhamaços do José Rodrigues dos Santos. Mas fazer tricô é que eu nunca tinha visto. E gostei.
Passaram-se dois dias. Num jardim fronteiro à praia de Matosinhos, um jovem casal gozava o sol de Inverno e aproveitava para ensinar a filhita a andar de bicicleta. O pai acompanhava a menina, dando-lhe as instruções elementares, mas a mãe sentou-se. Sentou-se, abriu a bolsa, rapou de um pequeno embrulho que eu primeiro não distingui e, com a agilidade de um experimentado bonecreiro, começou a bater-se com quatro-agulhas-quatro, tantas quantas são precisas para tricotar meias de lã. Era o que ela fazia, uma meia. E percebi.
Percebi que isto não é só gosto, moda ou revivalismo. É sobretudo precisão. Voltámos ao pior do tempo antigo. O Portugal democrático, da Europa, das auto-estradas, das universidades e do século XXI é afinal igual ao Portugal fascista e "orgulhosamente só", poeirento e obscurantista do tempo em que a minha mãe, por necessidade, fazia todas as minhas camisolas e as camisolas dos meus irmãos. (E que categoria que elas eram! Tenho uma comigo vai para 35 anos, acreditam?)
Por outro lado, lembrei-me, pode estar exactamente aqui a salvação do País. Permitam-me que lance o desafio: por que não transformar o tricô num desígnio nacional? Porque não começarmos todos a fazer malha para fora? Porque não pôr este país de desempregados a dar ao dedo de Norte a Sul e ilhas, elas e eles, e apostar na internacionalização e exportação em barda das nossas peças de lã? Sim, porque não? O Álvaro da Economia que me desculpe, mas o que é que as natas e os pastéis de Belém são mais do que os barretes, os camisolões, os carapins e os coturnos genuinamente made in Portugal?

2 comentários:

  1. Caro Hernâni
    Por motivos que bem conheces tenho andado arredío do TARRENEGO.
    Mas lentamente irei voltar a esta agradável rotina.
    Mas vamos ao que importa: é notório que esta quadrilha que ocupa o Poder em Portugal vai fazer de Salazar um homem bom!
    O atestado de pobre já voltou, mas com nova roupagem. A fome já aí está, mesmo para quem tem a sorte de ter trabalho.
    Croché no Metro...? Até quando teremos dinheiro para o passe?
    Estamos cansados de saber que todas as quadrilhas têm o seu BÔBO. Esta tem o Álvaro.
    O "artista" além de parvo, não conhece este país. Não sabe o que tu sabes, não sabe o que nós sabemos. Terá ido comer um pastel de nata e viu nele a salvação de Portugal, quando afinal o dito pastel já é exportado faz tempo. Só que o homem não sabe.
    Haverá algo mais confrangedor que a ignorância?
    Por acaso até há, respondo eu: é o facto de Deus não ter dotado esse cavalheiro do sentimento da vergonha.
    Gaspar de Jesus

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    1. Caro Gaspar de Jesus,
      Muito obrigado pela visita e pelo comentário.

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