quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Natércia Freire 4

Liberta em pedra

Livre, liberta em pedra.
Até onde couber
tudo o que é dor maior,
por dentro da harmonia jacente,
aguda, fria, atroz,
de cada dia.

Não importam feições,
curvas de seios e ancas,
pés erectos à luz
e brancas, brancas, brancas,
as mãos.

Importa a liberdade
de não ceder à vida,
um segundo sequer.

Ser de pedra por fora
e só por dentro ser.
- Falavas? Não ouvi.
- Beijavas? Não senti.
Morreram? Ah! Morri, morri, morri!

Livre, liberta em pedra,
voltada para a luz
e para o mar azul
e para o mar revolto...
E fugir pela noite,
sem corpo, nem dinheiro,
para ler os meus santos
e os meus aventureiros,
(para ser dos meus santos,
dos meus aventureiros),
filósofos e nautas,
de tantos nevoeiros.

Entre o peso das salas,
da música concreta,
de espantalhos de deuses,
que fará o Poeta? 


"Liberta em Pedra", Natércia Freire

(Natércia Freire nasceu no dia 28 de Outubro de 1919. Morreu em 2004.) 

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