Poema explicativo
Inúteis são os voos. Inúteis são os pássaros.
Silenciosas sombras tudo extinguem.
Como as vagas de um mar longínquo e frio,
são de inúteis palavras estes versos,
pois o calado tempo esmaga tudo.
Moro num rio inútil que caminha
entre margens de musgo e subalternas
pontes e águas que reflectem
estrelas, luminárias, desencanto.
Os peixes não obstante já não dormem.
São inúteis os sonhos e as amarras
que nos prendem ao cais.
E o sangue que nos leva
em artérias eléctricas de desejo.
Já somos todos poetas - e a poesia é inútil -
antepassados simples de um futuro
remoto onde seremos sinais na rocha, apenas.
Germinará o trevo entre os alexandrinos
e nenhum pássaro compreenderá o sentido
das páginas dispersas sobre a areia.
Estas palavras nuas se transformarão
em pó, em lodo, em traças e raízes.
"Praia Oculta", Domingos Carvalho da Silva
(Domingos Carvalho da Silva nasceu no dia 21 de Junho de 1915. Morreu em 2003.)
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