Também não exagéremos!
O casal passeava o cãozinho de quarto de quilo pela manhã solarenga e ventosa da marginal de Matosinhos. Nisto, o fraldiqueiro, que é como as pessoas, só lhe falta falar, apertou-se-lhe a vontade e urinou com grande pertinácia no famoso passeio mandado construir no reinado de D. Narciso Miranda e que já está bom para ser deitado ao lixo.
O pai do cão, quero dizer o homem, olhou ao redor e resolveu dar uma lição de civilidade a quem por ali passava àquela hora de quem não tem palha no ninho. Quer-se dizer: a mim. E mandou à mulher, quero dizer à mãe do cão: - Trazes o saquinho?, limpa aí o chichi!
- O chichi? - chispou a madama. - Então eu vou andar ali com as mãos a apanhar o mijo? Também não exagéremos!
Suspeito que estou de acordo com a pragmática senhora. Realmente, também não exagéremos...
Meia dose de xenofobia
A chinesinha descia a rua em direcção à praia, e levava o cão pela trela. Achei aquilo tão esquisito. Como se eu levasse a passear um frango de churrasco.
Podia acontecer
A madama tinha um cão ao colo e, entre as pernas mas ao nível dos sapatos de tacão altíssimo, uma bolsa com rede e design. Era uma madama jovem, bela e produzida, esperável ao volante de um Porsche Cayenne e a lamber o telemóvel, e não ali, no banco do autocarro e a ser lambida pelo cão. O cão era a condizer: sucinto, peludo, de marca, transpirando pedigree por todos os poros. Uma fofura.
Sentia-se-lhes um orgulho mútuo, percebia-se uma relação muito bonita. Que ternura! A madama babada beijava o lingrinhas barbudo e o lingrinhas barbudo e babado beijava a madama babada. Beijavam-se na boca. Lambiam-se, se não me engano. A madama falava xi-qui-pi-ri-qui-ti-nhu-nhu-nhu-meu-querido-mais-beijinho-mais-beijinho-mais-beijinho-da-mamã e o xi-qui-pi-ri-qui-ti-nhu-nhu-nhu-meu-querido-mais-beijinho-mais-beijinho-mais-beijinho-da-mamã não dizia nada mas apenas por ser cão e por gostar de festas nos genitais e não querer interromper a coisa. Realmente só lhe faltava falar, ao cão, como muito bem observou o autocarro em coro, era o 500, e até eu me comovi, eu que, como sabem, mantenho um ancestral e desagradável contencioso com os canídeos de uma forma geral, e cuido que a culpa não é minha. A cena deu-me também um bocado de tesão.
A madama apeou-se na Foz, na paragem do Molhe, sempre com o cão ao colo, sempre xi-qui-pi-ri-qui-ti-nhu-nhu-nhu-meu-querido-mais-beijinho-mais-beijinho-mais-beijinho-da-mamã. Com a mão de vago, pousou no passeio a bolsa com rede e design, abriu-a e retirou um bebé de meses. Menino, vestia azul. Também era giro. E só lhe faltava falar.
Sem comentários:
Enviar um comentário