Entardecer
Sol-posto ungindo o mar: incensos de ouro! 
 Recolhe funda a tarde em sonho e mágoa. 
 Surdina fluida: anda o silêncio a orar - 
E há crepúsculos de asas e, na água, 
 O céu é mármore extático a cismar! 
 E nas faces marmóreas dos rochedos 
 Esboçam-se perfis, 
- Cintilações, 
 Penumbra de segredos! 
 Ó painéis de nuvens sobre a terra, 
 Ogivas delirantes 
 Na água refractando… 
Encheis de sombra o mar de espumas rasas, 
 Iniciando 
 A hora pânica das asas! 
 E, à meia luz da tarde, 
 Na areia requeimada, 
 São vultos sonolentos 
 As proas dos navios… 
Ó tristeza dos balões 
 Iluminando, 
 Na água prateada, 
 Os pegos e baixios… 
Dormentes constelações 
 Que, em fundos lacustres 
 E musgosos, 
 Pondes reverberações 
 Em nossos olhos ansiosos. 
 Ó tardes de aquático esplendor, 
 Descendo em meu olhar! 
 Num sonho de regresso, 
 Numa ânsia de voltar, 
 Em mim todo me esqueço 
 E fico-me a cismar. 
 A tarde é toda um sonho moribundo. 
 É já olor da cor que amorteceu. 
 O céu vive no mar: sono profundo. 
 A asa do rumor no ar adormeceu!  
Luís de Montalvor
(Luís de Montalvor nasceu no dia 31 de Janeiro de 1891. Morreu em 1947.)
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