O canto da chávena de chá 
Poisamos as mãos junto da chávena
 sem saber que a porcelana e o osso
 são formas próximas da mesma substância.
 A minha mão e a chávena nacarada
- se eu temperar o lirismo com a ironia -
são, ainda, familiares dos pterossáurios.
 A tranquila tarde enche as vidraças.
 A água escorre da bica com ruído,
 os melros espiam-me na latada seca.
 É assim que muitas vezes o chá evoca:
 a minha mão de pedra, tarde serena,
 olhar dos melros, som leve da bica.
 A Natureza copia esta pintura
 do fim da tarde que para mim pintei,
 retribui-me os poemas que eu lhe fiz
 de novo dando-me os meus versos ao vivo.
 Como se eu merecesse esta paisagem
 a Natureza dá-me o que lhe dei.
 No entanto algures, num poema, ouvi
 rodarem as roldanas do cenário,
 em que as palavras representavam
 a cena da pintura da paisagem
 num telão constantemente vário.
 Só o chá me traz a minha tarde,
 com a chávena e a minha mão que são
 o mesmo pedaço de calcário.
 Hoje a bica refresca a água do tanque,
 os melros descem da latada para o chão,
 e as vidraças devagar escurecem.
 As palavras movem-se e repõem
 no seu imóvel eixo de rotação
 o espaço onde esta mesa de verga
 gira nas grandes nebulosas.
"Cantos do Canto", Fiama Hasse Pais Brandão
(Fiama Hasse Pais Brandão nasceu no dia 15 de Agosto de 1938. Morreu no dia 19 de Janeiro de 2007.)
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