quinta-feira, 20 de abril de 2017

Feridas de guerra 3

Foto do arquivo pessoal do ex-pára-quedista fafense ÁLVARO MAGALHÃES

Manuel Teixeira, 42 anos, suicidou-se. João Silva, 41 anos, aguarda julgamento por homicídio. José Rodrigues, 45 anos, faz terapia de grupo. António Pereira, 51 anos, vive obcecado pelas "injustiças" e já pensou matar ou matar-se - convive desde 1963 com psiquiatras e tranquilizantes. Manuel, João, José e António têm em comum a Guerra Colonial e o medo dos seus medos. São casos à mostra dos cerca de 140 mil ex-combatentes portugueses atingidos pelo stress de guerra, essa doença camuflada numa espécie de clandestinidade.

Classe médica não ajuda. Afonso de Albuquerque revela que a classe médica "está pouco sensibilizada para o diagnóstico desta doença" e avisa que "é necessário um esforço dos médicos em geral e dos seus órgãos e sociedades científicas na maior divulgação de informação relacionada com o DPTS". Vai mais longe Paula Frazão, denunciando que a classe médica "põe em causa a credibilidade deste tratamento, diagnosticando depressões com esquizofrenias, quando a doença da pessoa é outra".
Ainda assim, alguns médicos começam a enviar os seus doentes àqueles serviços especializados. Ali, principia-se por uma consulta, espécie de acto de confissão durante o qual, pela primeira vez ao fim de muitos anos, o ex-combatente consegue verbalizar e encarar o som das suas experiências; depois, uma entrevista, sob a forma de questionário de personalidade, por forma a avaliar a gravidade dos sintomas; segue-se o diagnóstico, dizendo-se então à pessoa o que se passa com ela e propondo-lhe o tratamento: a terapia de grupo e, em casos extremos, o complemento de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos.
Os grupos de dez ou doze indivíduos reúnem uma vez por semana, durante quatro meses. Os doentes são encorajados a contarem as suas histórias de guerra ou consequentes desajustes sociais, familiares ou profissionais. Entre combatentes, camaradas, gente que viveu os mesmos pesadelos e tenta exorcizar os mesmos fantasmas, aprendem a ganhar à-vontade para o fazer.
Paula Frazão recorda homens que chegam ao primeiro encontro e não alcançam dizer coisa com coisa, homens que ouvem a palavra "guerra" e logo geram ansiedade, homens que, em fez de falar, choram. E se cada caso é um caso - dependendo da natureza do trauma, das características do indivíduo e do contextos dos eventos, do desenvolvimento ou não do DPTS -, todos vêm marcados pelo silêncio em que tentaram esquecer durante anos os seus medos, o que resulta no aumento do distúrbio, e a maioria está condenada a viver de terapias de grupo, tentando, até aos últimos dias, o equilíbrio possível.

(Continua)

P.S. - Escrevi em 1992 este exclusivo para a revista Grande Reportagem, então dirigida por Miguel Sousa Tavares. Foi, se não me engano, o primeiro trabalho jornalístico publicado em Portugal sobre o nosso stress de guerra. Vejo no DN que finalmente o País parece querer fazer alguma coisa...
Os nomes dos ex-combatentes são, aqui no Tarrenego!, fictícios.

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