quarta-feira, 19 de abril de 2017

Feridas de guerra 2

Foto do arquivo pessoal do ex-pára-quedista fafense ÁLVARO MAGALHÃES

Manuel Teixeira, 42 anos, suicidou-se. João Silva, 41 anos, aguarda julgamento por homicídio. José Rodrigues, 45 anos, faz terapia de grupo. António Pereira, 51 anos, vive obcecado pelas "injustiças" e já pensou matar ou matar-se - convive desde 1963 com psiquiatras e tranquilizantes. Manuel, João, José e António têm em comum a Guerra Colonial e o medo dos seus medos. São casos à mostra dos cerca de 140 mil ex-combatentes portugueses atingidos pelo stress de guerra, essa doença camuflada numa espécie de clandestinidade.

Afonso de Albuquerque. Do trabalho do psiquiatra Afonso de Albuquerque, posto em estudo preliminar, ressalta que, no contexto português, para além das crises agudas no teatro de operações, os sintomas do stress de guerra aparecem quase sempre após o fim das comissões (cerca de 80 por cento dos casos), e numa percentagem elevada a doença só é notada mais de cinco anos depois dos últimos combates, com o ex-combatente a recorrer ao médico especialista, em geral, ao fim de treze anos.
Por ordem, cefaleias, abuso de álcool e drogas, pânico e fobias são as principais consequências do DPTS, e a morte de um camarada, o combate, ferimentos, sede e fome, assassínio, tortura e violação, morte de uma mulher ou de uma criança e bombardeamentos são os principais factores de stress. A especificidade da guerra de guerrilha, em que são pouco frequentes os combates cara a cara, explicará certamente a baixa percentagem atribuída nesta escala à morte do inimigo.
Hoje em dia, Afonso de Albuquerque continua o seu trabalho no Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, mas na ADFA ficou uma sua ex-assistente, a psicóloga clínica Paula Frazão. Nestes dois pólos - da capital para todo o País - é posta à prova a técnica terapêutica, baseada essencialmente na verbalização em grupo das experiências traumáticas.
Os objectivos do tratamento são a redução dos sintomas - porque não existe cura total -, a prevenção de incapacidades crónicas e a reabilitação social e ocupacional dos ex-combatentes atingidos pela doença. Os resultados têm sido avaliados como satisfatórios, sendo que o programa, paradoxalmente, não terá atingido senão pouco mais de meia centena de indivíduos.
E se são dados adquiridos a ignorância dos prováveis atingidos perante o que realmente lhes está a acontecer e a vergonha da assunção da maioria (mesmo os pouco que admitiram o seu "problema" e o relacionaram com o tempo de guerra, e procuraram a ajuda de especialistas, fizeram-no "obrigados" por familiares e amigos), a verdade é que são os médicos, como classe, o principal obstáculo ao tratamento da doença.

(Continua)

P.S. - Escrevi em 1992 este exclusivo para a revista Grande Reportagem, então dirigida por Miguel Sousa Tavares. Foi, se não me engano, o primeiro trabalho jornalístico publicado em Portugal sobre o nosso stress de guerra. Vejo no DN que finalmente o País parece querer fazer alguma coisa...
Os nomes dos ex-combatentes são, aqui no Tarrenego!, fictícios.

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