Levemos os furões à UNESCO
A moda é nova, mas, em Portugal, o fado, a dieta mediterrânica, o cante alentejano, os chocalhos e a olaria preta de Bisalhães já tinham sido elevados aos píncaros do Património Cultural Imaterial da Humanidade. Seguiram-se a falcoaria, a louça de Estremoz e os Caretos de Podence, até ver. Fixemo-nos, porém, na falcoaria. A falcoaria, numa das suas definições mais acessíveis, é a arte de treinar e cuidar de falcões e outras aves de rapina para a caça. Os falcões e colaterais contrafacções caçam, matam e comem, em geral, outras aves e pequenos quadrúpedos que não têm lóbi na UNESCO. Está certo: a UNESCO é uma organização das Nações Unidas que visa contribuir para a paz e segurança no mundo mediante a educação, a ciência, a cultura e as comunicações. Com a falcoaria ficámos irremediavelmente lançados. Eu, por mim, penso agora nos sapateiros, nas mulheres-a-dias, nos falsos licenciados, nos periquitos, nos tocadores de punhetas, nos perdigueiros e, andava com esta ferrada há que tempos, nos furões.
A moda é nova, mas, em Portugal, o fado, a dieta mediterrânica, o cante alentejano, os chocalhos e a olaria preta de Bisalhães já tinham sido elevados aos píncaros do Património Cultural Imaterial da Humanidade. Seguiram-se a falcoaria, a louça de Estremoz e os Caretos de Podence, até ver. Fixemo-nos, porém, na falcoaria. A falcoaria, numa das suas definições mais acessíveis, é a arte de treinar e cuidar de falcões e outras aves de rapina para a caça. Os falcões e colaterais contrafacções caçam, matam e comem, em geral, outras aves e pequenos quadrúpedos que não têm lóbi na UNESCO. Está certo: a UNESCO é uma organização das Nações Unidas que visa contribuir para a paz e segurança no mundo mediante a educação, a ciência, a cultura e as comunicações. Com a falcoaria ficámos irremediavelmente lançados. Eu, por mim, penso agora nos sapateiros, nas mulheres-a-dias, nos falsos licenciados, nos periquitos, nos tocadores de punhetas, nos perdigueiros e, andava com esta ferrada há que tempos, nos furões.
É património até dar com um pau
Por exemplo, o jogo do pau. Porque não? Ou o berlinde, a carica, o pião,
o espeto, a macaca, o moche, o tene, a cabra-cega, o arranca-cebolas, o
mamã-dá-licença, o esconde-esconde. Ou o jogo da malha. Ou o jogo da
bisca. Ou o jogo Benfica-CUF de 22 de Março de 1959. Porque não?
Por exemplo, as Janeiras, os Reis, as novenas, o terço e a bênção do Santíssimo. Porque não? As marchas de Lisboa e as rusgas do Porto e o Pai das Orelheiras e o carnaval de Ovar e as "Velhas" da Terceira e as adufeiras de Monsanto e a Justiça de Fafe. Ou a cantiga no duche, ou a lengalenga do avô, ou a arenga de bêbado, ou o apita-o-comboio, ou o atirei-o-pau-ao-gato, ou o areias-era-um-camelo. Ou o canto pimba, ou o canto neiro. Porque não?
Por exemplo, os ranchos folclóricos, os conjuntos típicos, a Maria Albertina e o António Mafra, os grupos excursionistas, os motoclubes e as motosserras. Ou as bandas de música. Porque não? Ou os bandos de malfeitores. Ou os submarinos e os bancos, os salgados e os doces, da alheira de Mirandela ao pastel de Belém. Porque não?
Por exemplo, o manguito do Bordalo. Ou o caralho das Caldas. Porque não?
Por exemplo, o assobio. Porque não?
Com assinalável pertinácia, Portugal mete os dedos à boca e vomita património e material da omaninade por todos os lados. Um destes dias, sem darmos fé, estamos todos condecorados. Da cabeça aos pés.
Por exemplo, as Janeiras, os Reis, as novenas, o terço e a bênção do Santíssimo. Porque não? As marchas de Lisboa e as rusgas do Porto e o Pai das Orelheiras e o carnaval de Ovar e as "Velhas" da Terceira e as adufeiras de Monsanto e a Justiça de Fafe. Ou a cantiga no duche, ou a lengalenga do avô, ou a arenga de bêbado, ou o apita-o-comboio, ou o atirei-o-pau-ao-gato, ou o areias-era-um-camelo. Ou o canto pimba, ou o canto neiro. Porque não?
Por exemplo, os ranchos folclóricos, os conjuntos típicos, a Maria Albertina e o António Mafra, os grupos excursionistas, os motoclubes e as motosserras. Ou as bandas de música. Porque não? Ou os bandos de malfeitores. Ou os submarinos e os bancos, os salgados e os doces, da alheira de Mirandela ao pastel de Belém. Porque não?
Por exemplo, o manguito do Bordalo. Ou o caralho das Caldas. Porque não?
Por exemplo, o assobio. Porque não?
Com assinalável pertinácia, Portugal mete os dedos à boca e vomita património e material da omaninade por todos os lados. Um destes dias, sem darmos fé, estamos todos condecorados. Da cabeça aos pés.
A dieta mediterrânica e outras tretas
O que eu gosto mais na dieta mediterrânica, para além da comida propriamente dita, é o facto de se chamar dieta, o que me sossega sobremaneira a consciência, embora me alvoroce os intestinos. Uma dieta feita, paradigmaticamente, à base dos ossinhos da suã da Tasquinha da Alice, em Bobal, Mondim de Basto, como quem vai para as Fisgas de Ermelo, entalados, os ossinhos, entre salpicão caseiro e moiras encantadas e um naco de orelheira para desenfastiar e duas ou três costelinhas e meia dúzia de fatias de toucinho com o sal no ponto e batatas sabendo a terra e olhos de couves geadas pela madrugada e feijão vermelho da leira ao lado e por cima alho picado e azeite da fartura e do melhor mais um tintinho honesto e de malga para molhar a palavra. Produtos frescos, locais e produzidos em sintonia com os ciclos astrais e os ritmos da natureza, como muito bem preconiza a UNESCO. E eu, nestas coisas, respeito implacavelmente a UNESCO.
O que eu gosto mais na dieta mediterrânica, para além da comida propriamente dita, é o facto de se chamar dieta, o que me sossega sobremaneira a consciência, embora me alvoroce os intestinos. Uma dieta feita, paradigmaticamente, à base dos ossinhos da suã da Tasquinha da Alice, em Bobal, Mondim de Basto, como quem vai para as Fisgas de Ermelo, entalados, os ossinhos, entre salpicão caseiro e moiras encantadas e um naco de orelheira para desenfastiar e duas ou três costelinhas e meia dúzia de fatias de toucinho com o sal no ponto e batatas sabendo a terra e olhos de couves geadas pela madrugada e feijão vermelho da leira ao lado e por cima alho picado e azeite da fartura e do melhor mais um tintinho honesto e de malga para molhar a palavra. Produtos frescos, locais e produzidos em sintonia com os ciclos astrais e os ritmos da natureza, como muito bem preconiza a UNESCO. E eu, nestas coisas, respeito implacavelmente a UNESCO.
Depois gosto da denominação ela própria. Património Cultural Imaterial da Humanidade. Gosto da pomposidade das maiúsculas e gosto da palavra "Imaterial", porque, pensando bem, é uma palavra que, não sendo sólida nem líquida, resvala sorrateiramente para o domínio do "Gasoso" - o que, com vimos antes, confere...
P.S. - Faz hoje anos. O fado foi elevado a Património Cultural Imaterial da Humanidade no dia 27 de Novembro de 2011. O cante alentejano no dia 27 de Novembro de 2014.
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