Foto Hernâni Von Doellinger |
Gosto de palavras que são o que não parecem
Vou repetir-me, mas a vida é isto, a vida é feita de repetições. Ao contrário do que as pessoas em geral cuidam, quando as repetições acabam é que é uma chatice: fecham-nos os olhos à força, ajeitam-nos a boca com cola de colar cientistas ao tecto, vestem-nos um velho fato comido pela traça, põem-nos um terço nas mãos, acendem quatro velas, dizem que fomos muito boa pessoa, e realmente nunca mais. Portanto, vou repetir-me.
Eu não sei se já tinha dito que vou repetir-me, mas é essa, com efeito, a minha intenção: vou repetir-me. Gosto de nomes, gosto do falar antigo, gosto das palavras. Já aqui contei, gosto de palavras com piada fina, palavras como parreca, como esbraguilhado, como cachicha. Mas ainda gosto mais de palavras desalinhadas, subversivas, fora-da-lei. Matreiras. Aprecio especialmente as palavras que viram a norma de pernas para o ar e as abusam, como, por exemplo, e estas são cá das minhas, solhão, cordão, pontão, estradão ou picão.
Cá está. Cá estão: solhão, cordão, pontão, estradão e picão, palavras rematadas com o famoso sufixo "ão", unanimemente considerado pelos mais reputados gramáticos como um dos sufixos por excelência para a formação de aumentativos. E, no entanto, para quem sabe das coisas, solhão é uma espécie de solha mais pequena, cordão é uma corda de bolso, pontão é uma pontinha sobre um ribeiro, estradão é uma estrada estreita e geralmente em terra esburacada, conveniente para ralis, e picão é uma picareta diminuta, ferramenta de mineiros. São excepções que confirmam a regra? Não, pelo contrário: são palavras que querem que as regras se fodam.
Evidentemente a palavra pilão levar-nos-ia muito mais longe...
Onomástico 3
Frederico pequenino,
alegria de petiz,
não aprecia o pepino,
tem dois furos no nariz.
O jeito que me faz o Armand Assant
Eu tenho um querido amigo de infância que se chama... que se chama... coiso. Tenho também este pequeno problema, nunca me lembro do nome do meu querido amigo de infância. Então inventei o seguinte truque de memória, que me tem ajudado imenso: quando quero falar com ou do meu querido amigo de infância, penso no Assante. Sim, no actor americano Armand Assante. Estão a ver? Armand, tão quase igual ao portuguesíssimo Armando. Por exemplo, de Armando Baptista-Bastos. E pronto, já descobriram e não era difícil: o meu querido amigo de infância chama-se evidentemente Armindo. Armindo.
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